sábado, 29 de março de 2008

II Domingo da Páscoa (breve reflexão)


O Segundo domingo do Tempo Pascal é o Domingo da Divina Misericórdia. A Igreja celebra junto ao povo de Deus a manifestação do amor do Senhor que se manifesta por meio do perdão, da reconciliação. Enviando Jesus ao mundo, Deus salva a humanidade de seus pecados, pois o sangue de Jesus foi derramado para o perdão dos pecados. Nas palavras de consagração da Missa, a fórmula repete esta verdade: "...que será derramdo por vós e por todos para a remissão dos pecados..." O sangue de Jesus foi derramado por todos para a remissão de todos. Isto significa que todos os homens e mulheres foram perdoados em Cristo Jesus.
A Liturgia da Palavra deste domingo é rica em significado. O Texto da 1ª leitura nos exorta para a comunhão fraterna e para a partilha do pão. Trata-se de um retrato da Comunidade Primitiva, dos primeiros cristãos. Ele tinham tudo em comum. O texto, logo no seu início, frisa quatro aspectos importantes:
- eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos Apóstolos;
- viviam a comunhão fraterna (unidade na diversidade);
- dividiam o pão entre si (partilha) e
- oravam ao Senhor em comunidade.
O texto frisa ainda o santo temor de Deus que tomava o ser e os corações dos primeiros cristãos, graças aos grandes prodígios que Deus realizava por meio dos Apóstolos. A unidade ao abraçar a fé fazia parte da vida da comunidade dos primeiros cristãos. Vivivam na alegria e na simplicidade. Este é o exemplo da verdadeira Igreja que Jesus pediu para Pedro e os seus fundar neste mundo. As palavras chave da Igreja de Jesus são: perseverança no ouvir, unidade e fraternidade, partilha dos bens e oração comunitária.
Neste Segundo Domingo o texto do Evangelho relata a aparição de Jesus aos discípulos. As primeiras palavras de Jesus foram: "A paz esteja convosco" (Jo 20,19). Sabendo Jesus que iria encontrar os seus em estado de medo pelo que tinha acontecido, desejou a paz a todos, tranquilizando-os. Soprou sobre eles o Espírito Santo, sopro de suas entranhas. Temos Tomé, um dos doze, que só acreditou porque viu. Mas, ao ver acreditou e se alegrou. Os discípulos ficaram alegres quando viram o Jesus. A presença de Jesus trouxe alegria para o grupo apostólico. O autor sagrado termina seu texto afirmando que crer em Jesus como Filho de Deus é possuir a vida. Algumas indagações nos ajudam a reconhecer Jesus em nossos dias: quem são os discípulos de Jesus hoje? De que forma Jesus aparece no cotidiano de nossas vidas? Os discípulos de hoje sentem medo de quê? Quem são os Tomés em nossos dias?
Roguemos, pois, à Divina Misericórdia que nos acolha e nos fortaleça e que Jesus nos dê olhos para que possamos vê-lo em nossos irmãos e irmãs injustiçados de nossa sociedade.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Solenidade da Ascensão do Senhor (escrito em 17.05.07)

Solenidade da Ascensão do Senhor

Depois de seis semanas, celebrando a Páscoa de Jesus, hoje a Igreja celebra a Ascensão do Senhor, ou seja, sua subida ao céu, conforme as Escrituras. Quarenta dias depois da Ressurreição Jesus é levado ao céu. São três grandes momentos que marcam a liturgia da Igreja durante o Ciclo Pascal: Jesus vence a morte (Ressurreição), Jesus é levado ao céu (Ascensão), Jesus envia o Espírito Santo (Pentecostes). São três momentos que estão ligados e que marcam o início do Cristianismo. O texto do Evangelho proposto pela liturgia deste domingo tem alguns detalhes que merecem destaque, para que possamos entender melhor o mistério desta solenidade.
Antes de falar da Ascensão, é preciso recordar a Ressurreição. Pois, se Jesus não tivesse ressuscitado dentre os mortos não teria sido elevado ao céu. Depois da Ressurreição Jesus permanece com os discípulos durante quarenta dias. A Igreja fez uma leitura e reflexão das aparições de Jesus, ligando o significado a Ressurreição de Jesus com nossa ressurreição. A vitória de Jesus sobre a morte nos garante uma vida nova. Mas, esta vida nova supõe a inauguração do Reino de Deus neste mundo. Antes de morrer na cruz o próprio Jesus já assegurava que “o Reino de Deus está no meio de vocês”. A presença salvífica e libertadora de Jesus já o início de novo céu e nova terra.
Deus ressuscitou Jesus para nos dizer que a morte não é a última palavra sobre nós. Ela não destrói a vida que Deus nos deu. Como conseqüência do pecado, a morte também é uma experiência de vida, pois, como proclamou São Francisco de Assis “é morrendo que se vive para a vida eterna”. É aqui que nossa morte torna-se sinal de redenção em Cristo Jesus. O Apóstolo Paulo vai nos dizer que “se morrermos com ele, com ele viveremos”. Por isso, para que possamos participar da glória de Jesus, precisamos morrer com ele. E morrer com Jesus, é se fazer operário na construção do Reino de Deus iniciado por Jesus, utilizando a ferramenta do amor gratuito, abraçando a cruz, e assumindo esta missão até as últimas conseqüências.
Não podemos falar de um Jesus glorioso sem antes falarmos de sua paixão e morte na cruz. Há um hino que diz “foi preciso ao Senhor, para entrar na sua glória, ser na cruz crucificado: é o caminho da vitória”. O verdadeiro Jesus de nossa fé nos aponta o caminho: a cruz. Infelizmente, as muitas Igrejas e seitas cristãs de nosso tempo e desde sempre, sempre caíram na tentação de anunciar um Jesus descomprometido com a cruz, com a realidade sofrida do povo. A partir de uma interpretação fiel da morte de Jesus, descobriremos que ao abraçar a cruz no Calvário, Jesus estava ao mesmo tempo, abraçando o estado opressor de vida do povo de Deus de seu tempo, ou seja, quando Jesus carrega e aceita livremente morrer na cruz, ele estava comungando da realidade sofrida do povo, um povo escravo, submisso, miserável, alienado, faminto, injustiçado.
É aqui que o teólogo John Sobrino vai dizer “quem quiser conhecer a Cristo e não só ter notícias sobre ele, que o siga. (...) Quem quiser conhecer o mistério cristão de Deus, que esteja disposto a permanecer diante dele , a viver e a agir como Jesus. (...) Quem quiser saber da ação renovadora e vivificante do Espírito, que se coloque como Jesus, entre os pequenos e pobres, lá onde surge a esperança, quando só deveria reinar o desespero...” Somos convidados a não somente conhecer a Cristo pelo estudo, mas no seguimento verdadeiro e fiel. Estamos na era do conhecimento, temos várias universidades de teologia, onde se pode estudar a respeito da fé e do conhecimento de Deus, mas quando este estudo não tem ligação com a realidade do povo que sofre. Tudo não passa de teoria, e muitas vezes, puro farisaísmo.
As palavras do teólogo acima nos apontam um desafio: o conhecimento do mistério cristão de Deus através do viver e do agir como Jesus. Numa sociedade consumista, cada vez mais atéia, prostituta e ridiculamente secularizada, torna-se cada vez mais difícil atender aos apelos do Evangelho que nos chama a uma experiência concreta de fé, que se dá na prática da lei do amor ensinada por Jesus.
Segundo o texto do Evangelho deste domingo, os discípulos são as testemunhas da Ressurreição de Jesus. Antes de subir ao céu, Jesus instrui seus discípulos, e pede “permanecei na cidade até serdes revestidos da força do Alto”. Deus por meio de Jesus promete o Espírito Santo, e Jesus prepara-os para que eles o recebam em breve. Os discípulos obedecem ao Mestre, e “com grande alegria, estavam continuamente no Templo, louvando a Deus”. Na subida de Jesus ao céu se dá o término de seu ministério neste mundo. Jesus deixa com os discípulos a missão de serem continuadores da construção do Reino de Deus iniciado por ele. Os discípulos (seguidores) se tornam Apóstolos (enviados), e são os legítimos sucessores de Jesus na árdua tarefa do anúncio do amor a Deus e ao próximo como a si mesmo. Esta foi a missão dos Apóstolos: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura”. Jesus não pediu outra coisa, senão o anúncio da Boa Notícia que liberta integralmente o ser humano. Assim sendo, se as nossas Igrejas Cristãs não estiverem cumprindo esta missão, então é hora de avaliarmos para onde estamos indo e o que estamos fazendo...
A Igreja latino-americana e caribenha está reunida na V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho – V CELAM, para repensar melhor sobre sua missão em nosso continente. O objetivo é avaliar a metodologia utilizada nestes últimos tempos. Creio que os Bispos irão perceber a necessidade urgente de se confirmar e procurar colocar em prática a opção preferencial pelos pobres. No discurso de abertura o Papa Bento XVI já confirmou esta opção. Na prática cotidiana da Igreja, percebe-se que há certa dificuldade de se viver essa opção. Ninguém pode afirmar que esta opção está sendo vivida plenamente. A prova disso é a evasão de muitos católicos da Igreja. Esta evasão demonstra insatisfação por parte do povo em relação à forma da Igreja evangelizar em nosso continente. O desafio é grande, mas é possível a Igreja buscar ser mais humilde, mais acolhedora e mais humana. É preciso a Igreja observar o que disse o tópico nº 4 do documento Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II: “Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho”. Uma Igreja que investiga os sinais dos tempos é uma Igreja que não pode se apegar ao passado, visto que o método da evangelização no passado nunca deu certo e nunca evangelizou plenamente.
A solenidade da Ascensão do Senhor é uma oportunidade para cada um de nós, buscarmos reavaliar nossa fé. Quem é Jesus? Por que é necessário seguir seus passos? Como se dá este seguimento. É preciso aprofundarmos sobre o sentido de nossa fé, atualizar nos conceitos a partir do Jesus que se fez pobre, assumiu nossa condição humana, viveu e morreu na cruz, foi obediente ao Pai até a morte de cruz, e que nos deixou a responsabilidade e a missão de sermos irmãos e protagonistas da história a partir de um seguimento livre e consciente.


Seminarista Tiago de França
Congregação da Missão – Lazaristas
missionariotiago@hotmail.com

Teologia da Prosperidade (escrito em 31.05.07)

Teologia da Prosperidade

Nestes dias, estive lendo sobre uma corrente teológica que promete a prosperidade financeira, denominada teologia da prosperidade. Essa teologia é divulgada e praticada nas Igrejas Pentecostais, e também por alguns representantes da Igreja Católica. Existe toda uma fundamentação bíblica que busca legitimar a eficácia dessa teologia. Com a presente reflexão não quero responder ao artigo do bispo fundador da Igreja Universal, Edir Macedo, escrito nestes dias sobre este mesmo tema. Desejo apenas apresentar uma visão diferente de teologia, partindo daquilo que Jesus pensou sobre essa prática.
O que é a teologia da prosperidade? É a promessa da prosperidade material e terrena dos fiéis que se voltam a Jesus, através da participação nos cultos e donativos à Igreja. Partindo desse conceito, temos uma promessa. Os pastores que aderem essa teologia prometem ao fiel que ele, participando do culto e pagando o Dízimo, ele terá tudo o que ele quiser nesse mundo: casa, carro, sucesso nos negócios, no amor, enfim, uma vida próspera. Há uma troca de benefícios, uma negociação: eu dou a Deus o Dízimo ou a oferta, e em troca, ele me dá toda sorte de bens. Essa teologia não passa disso. A Igreja que prega e vive essa prática, é um verdadeiro centro de negócios. Eu ingresso no templo com toda pobreza e miserabilidade, e lá dentro, recebo a bênção da prosperidade, e esta me concede uma vida material e espiritualmente rica e abençoada. Nessa teologia, Deus não passa de um dispensador de bens materiais.
O conteúdo dessa teologia resume-se no seguinte: a pessoa não tem os bens e não cresce financeiramente, porque esta possui uma maldição. A pessoa está sendo perseguida pelo demônio. Este tem controlado a vida dessa pessoa. E a pessoa só consegue se libertar depois de passar por uma corrente de oração, um exorcismo que amarra o demônio e liberta essa pessoa. Depois de liberta, a pessoa está convidada a colocar diante do Senhor tudo ou parte do que possui, fazendo com que Deus possa lhe conceder o cêntuplo de tudo. Percebe-se que essa teologia também pode ser chamada de teologia da retribuição, em que eu dou a Deus a oferta, e ele me manda de volta em dobro, isso porque a escritura diz que Deus prometeu, não volta atrás. E se ele prometeu, ele é fiel e cumpre o que promete.
Essa teologia não é nova nem apresenta novidades. Desde o tempo de Jesus, a maioria dos religiosos do tempo de Jesus ensinava a lei de Deus tendo em vista a exploração dos pobres. Naquele tempo a lei do Dízimo sempre obrigava as pessoas a darem dez por cento do que possuía para o Templo. E essa obrigação era tida como vontade de Deus. Sempre foi dito que o Dízimo era para Deus. E que quem negasse a contribuição seria amaldiçoado por Deus e seus representantes. Penso que seja a partir daí que nasce essa teologia. Só o método é que mudou, mas o objetivo é o mesmo: ganhar dinheiro, utilizando-se do anúncio da Palavra de Deus. A finalidade da Palavra é convencer as pessoas de que essa prática está de acordo com a vontade de Deus.
Essa maneira de pensar e viver a fé aliena e escraviza as pessoas. Deus nesse movimento financeiro é a fonte de toda riqueza material. Ele só é invocado para resolver os problemas das pessoas. Ele não tem outra tarefa a não ser libertar as pessoas do poder do diabo para que elas prosperem na vida. Descobre-se que nessas condições a fé é materialista, em que se visa tão somente a posse de bens e poder aquisitivo. O padre teólogo José Comblin, em seu livro O Caminho nos diz que são Igrejas de satisfações dos desejos, em que se atinge a emoção, a sensibilidade das pessoas, atingindo o ponto franco da maioria da população cristã: os pobres, aqueles que nada tem. Estes, por sua vez, são levados a compreender que sua pobreza é coisa do demônio, pois o desejo de Deus é que todos sejam ricos neste mundo.
É verdade que Deus quer a nossa felicidade. Mas, é mentira que a pobreza é coisa do demônio. O demônio é o pai da mentira, não da pobreza. Quem tem essa visão não entende que a realidade de opressão e pobreza de nossa sociedade é conseqüência da falta de partilha e solidariedade entre as pessoas. A fome, a violência, a pobreza e toda espécie de desumanização são conseqüências da falta de amor entre as pessoas. Se as pessoas se amassem de verdade o mundo seria diferente. Se houvesse a prática autêntica do amor fraterno entre as pessoas e os povos, a justiça e a paz se abraçariam... Ser cristão é assumir a luta pela humanização do mundo, é ser co-criador da obra criada, é ser servidor de Deus nas pegadas e no exemplo de Jesus.
Não existe este Jesus rico que nos dá tudo o que precisamos. Se quisermos uma casa, um carro, ou outra coisa, que trabalhemos. O que Deus tem a nos conceder é força, coragem, inteligência, muita capacidade para vencermos na vida. Aliás, Deus já nos criou seres humanos livres e capacitados para vivermos neste mundo. O que sempre houve foi uma “deturpação” da liberdade humana e a prática do individualismo que escravizam as pessoas e as matam em todos os aspectos da vida. O aquecimento global e a degradação do meio ambiente estão sendo mais dois problemas que estão assolando a humanidade em nossos tempos. Será que é correto afirmar que o culpado por estes problemas é o diabo?...
Quando a Igreja Católica na América Latina fez a opção preferencial pelos pobres, e apesar suas limitações busca viver essa opção é porque a Igreja crer que Jesus nasceu pobre, e fez a opção pelos pobres. Negar isso é desacreditar no Evangelho. A pregação de um Jesus desencarnado que não tem ligação com os pobres, é desconhecer o Evangelho. Se tivermos a certeza de que Jesus era pobre, viveu, morreu e ressuscitou entre os pobres, que não tinha onde reclinar a cabeça, por que acreditar que pagando dez por cento daquilo que você tem esse mesmo Jesus pode te conceder bens materiais? Infelizmente muitos cristãos procuram achar e acreditar em um Deus assistencialista, um Deus que concede de tudo o que se pede. A atitude de muitos cristãos é: procuram Deus, têm a impressão de que ele resolveu o problema, e logo após, somem... Só reaparecem quando precisam de novo. Na cabeça dessas pessoas reside um Deus “tapa-buracos”. A pergunta que surge é: onde fica o compromisso cristão de batizados (as) e de filhos (as) de Deus perante os irmãos e a sociedade?...
Eis nossa missão: combater todo cristianismo que aparenta levar as pessoas a uma verdadeira experiência de Deus, mas que na realidade tem como objetivo o enriquecimento ilícito. Enriquecimento que se dá através da “pregação” da Palavra de Deus. Pregação que se fundamenta na busca incessante dos interesses pessoais, no uso indevido do nome de Jesus. A Igreja deve procurar conscientizar cada vez mais seus fiéiss, educando-os e formando-os na fé de Jesus o Pobre de Nazaré, tornando conhecida e vivida a opção q2ue foi feita pelos pobres. Os pobres sempre são os destinatários e as maiores vítimas da teologia da properidade. E o que fundamente a opção que a Igreja fez na América Latina é justamente a libertação dos pobres.


Seminarista Tiago de França.
Província de Fortaleza da Congregação da Missão

Partilha fraterna (agosto de 2007)

Fortaleza – CE, 28 de agosto de 2007.

Partilha Fraterna

Disse-lhes Jesus: “Vinde em meu seguimento e eu farei de vós pescadores de homens”
(Mc 1, 17)

Introdução

Prezados irmãos em Cristo Jesus, nestes meses em que a Igreja volta suas atenções para uma maior reflexão sobre o chamado de Deus e a uma escuta maior da Palavra de Deus, ofereço-vos também algumas pistas de reflexão que julgo necessárias para um melhor entendimento deste chamado insistente que nosso Irmão Jesus nos faz. Fatos como a censura imposta ao padre jesuíta Jon Sobrino, a V CELAM, o pronunciamento do Papa sobre a identidade católica perante as demais religiões e Igrejas e as conclusões do teólogo José Comblin, motivaram-me a partilhar convosco algumas inspirações surgidas ao longo do proceder destes fatos e declarações. Rejeitando a pretensão de obscurecer as grandes reflexões já elaboradas em torno destas, quero apenas reacender ainda mais essa chama de santa e audaciosa inquietação em que são tomadas as nossas realidades eclesial e social. Crendo no Espírito de Deus que faz novas todas as coisas, espero que este mesmo Paráclito nos mantenha fiéis ao projeto de Deus que é vida abundante para todos.


O chamado de Deus

O nosso Irmão maior e Filho de Deus, Jesus Cristo, sendo obediente ao Pai até a morte e morte de cruz, nos faz um convite: “Vem e segue-me!” Os doze por ele escolhidos não se recusaram ao convite, e seguiram a Jesus. Eles escutaram o chamado e responderam decididamente, deixando tudo e seguindo o jovem Galileu. Durante todo o seguimento tiveram dificuldades de entender o projeto de Jesus. Eram pessoas simples, pobres pescadores, sem conhecimento da lei hebraica. Jesus chamou pessoas trabalhadoras, que viviam do suor de seu rosto, alguns pais de família, dedicados a viver comumente neste mundo. Jesus chamou pessoas de sua condição. Tudo muito simples para trabalharem em um projeto de simplicidade. Um projeto simples, mas desafiador. Esse mesmo Jesus vai encorajando os discípulos, que ora entendiam o que ele falava, ora não entendiam! Viviam a pregar a Boa Nova do Reino, sem riquezas, sem apegos a nada. Viviam sendo assistidos pela Divina Providência. Os discípulos seguiam em tudo o seu Mestre. Certa vez resistiram e afirmaram que não estavam suportando mais aquelas duras palavras, mas como Jesus tinha seu jeito, tudo se ajeitava e se normalizava... Chegando ao fim de sua peregrinação terrena, ele morre na cruz, mas antes afirma que irá ressurgir ao terceiro dia. Um pouco decepcionados com a morte do Nazareno, não acreditando muito na Ressurreição, mas esperam escondidos por medo das autoridades dos judeus. Quando Jesus ressuscita aparece no meio deles e lhes deseja a paz. Diante de tanta confusão e medo, eles precisavam de paz! E depois, recebendo o sopro que sai das entranhas do Cristo, posteriormente, assistem pasmados a sua ascensão aos céus. Resta agora esperar a vinda do Espírito que os encoraja para a missão. E o Espírito desce sobre eles, e a partir deste grande momento, inicia-se a fundação do Caminho de Jesus. É aqui que surge a Igreja povo de Deus, assembléia dos chamados. Os discípulos dão continuidade à missão iniciada pelo seu Mestre.
É a isso que somos chamados: a sermos continuadores da missão de Jesus. Mas para que isso aconteça, precisamos saber qual é essa missão. O que Jesus pediu? Qual é a missão? É preciso entender o sentido da missão para depois vivenciá-la. Fazer a missão acontecer é andar no mesmo caminho que Jesus andou. Estar com ele onde ele estiver. Basta lermos as instruções que ele deu aos discípulos e descobriremos a nossa missão. Sintetizando para facilitar a compreensão, vejamos o que nos relata Lucas, fazendo Jesus ler na sinagoga de Nazaré onde fora criado, repetindo o que já dizia o profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4, 18 – 19). Este trecho revela a nossa missão. Vejamos os verbos: evangelizar, proclamar, recuperar e restituir. Se fugirmos disso, não estamos sendo fiéis a Jesus. Lucas coloca este trecho no início de seu evangelho. A partir de nosso batismo todos somos consagrados pelo Espírito do Senhor. Somos constituídos sacerdotes e sacerdotisas para a missão. Nosso povo não sabe que é um povo de sacerdotes. E se sabem não tem plena consciência disso. O povo pensa que sacerdotes só são os padres, e só ficam esperando por eles! O povo pensa que os protagonistas da missão são os padres e somente eles. A maneira de a Igreja catequizar contribuiu para a construção dessa visão errônea. O povo aprendeu a ser ovelha, e o papel da ovelha é escutar e obedecer. Mesmo na Igreja pós-conciliar essa visão ainda permanece. Todo cristão é protagonista no Reino de Deus. Alguns críticos da teologia afirmam que a catequese católica educou os fiéis para a acomodação. Quando os religiosos europeus vieram para o Brasil e América Latina, a forma de educação para a fé era quase que totalmente assistencialista. O conteúdo transmitido foi para a obediência cega à hierarquia. Obediência cega seria uma forma de obediência sem diálogo, sem questionamentos. Como dizem os antigos: “duvidar dos padres era um pecado grave, pois eles diziam a verdade”. E isso virou herança. Nós, infelizmente, herdamos isso. E a maioria dos católicos sente até saudade desse modelo de Igreja! Sentem saudade porque aprendeu a gostar de obedecer dessa forma. A obediência é uma virtude dos céus, mas vivida nessa dimensão, é demoníaca porque não liberta as pessoas.
O Senhor nos chama na liberdade de filhos e filhas de Deus. Somos livres para respondermos ou não ao chamado que Ele nos faz. Não importa nossa condição, Deus nos chama insistentemente a assumirmos nosso compromisso batismal, manifestando sua presença neste mundo. A nossa vocação é para um serviço de amor neste mundo. Um serviço que se dá na doação total ao próximo. Responder a este chamado é ser obediente à voz daquele que nos fala ao coração e também fala-nos através da realidade em que nos cerca. Não seremos felizes se nos recusarmos ao chamado de Deus. Ele nos chama insistentemente porque precisa de nossa colaboração para a construção de um Reino que é nosso. Antes de tudo a Igreja deve orientar o povo para uma melhor compreensão de como esse chamado se dá em nossa vida, em nossa realidade, em nosso tempo... Deus tem nos falado em todas as épocas de maneiras diferentes. O Espírito do Senhor nos orienta e nos faz escutar e sentir a presença divina onde quer que ela se manifeste. Abrir-se a este Espírito que já habita em nós é colocar-se a disposição da vontade de Deus. A vivência dessa vontade é que nos faz semelhantes a Jesus que obediente ao Pai não fugiu da Cruz, mas com humildade e mansidão, inaugurou o Reino de Deus nesta terra.
No caminho de Jesus há os desafios e dificuldades. Atender ao chamado de Nosso Senhor é saber que trilharemos seus caminhos. Um caminho de liberdade no Espírito. Um caminho de amor e doação. Caminho de perseguição e tribulações. Se afirmarmos ser membros deste caminhar e não padecermos as chagas do Crucificado, vã é nossa vocação. Seguir Jesus é está em comunhão com ele. Está presente onde ele se faz presente. E Jesus está presente na vida e nas pessoas que são excluídas pelo governo, pelas instituições civis e por que não dizer também pelos excluídos de nossas Igrejas. Aqueles que não são vistos nem assistidos pela nossa evangelização. É por isso que Dom Hélder Câmara ao instituir o projeto de criação da CNBB, afirmava a urgente necessidade de voltarmos todo o nosso agir missionário para os pobres, os prediletos de Jesus! Cremos e professamos a fé no Jesus que nasceu, viveu e foi morto em meio aos pobres. Nossa fé deve ser alicerçada no testemunho missionário junto aos pobres. É por isso que afirmamos sem medo de errar que as Comunidades Eclesiais de Base, as comunidades dos pobres do Evangelho, estão vivas e atuantes. A Igreja enquanto corpo hierárquico deve tomar conhecimento da necessidade de voltar às origens enquanto é tempo. E a origem de nossa Igreja está nas comunidades dos pobres. Nossa origem é a pobreza. Não nascemos para a riqueza dos dogmatismos e secularismo religioso, mas nascemos para contagiar o mundo com a lei de Jesus: o amor. O santo Bispo Oscar Romero afirmava sem medo em El Salvador, que a Igreja descobre sua verdadeira vocação quando ela perde o medo de despojar-se e tornar-se pobre.

O sacerdócio ministerial

Diante disso, o sacerdote ordenado é chamado a viver servindo ao povo de Deus na alegria. O sacerdócio só tem validade perante Deus se estiver voltado ao serviço do povo. O sacerdote que não direciona sua vida para o serviço não segue a Jesus. Mas, usando do ministério a ele confiado pela Igreja, procura ser servido e neste agir antievangélico oprime o rebanho a ele confiado. Certo dia um velho amigo católico fervoroso e exemplo de vida para todos, em uma de nossas conversas me dizia: “Eu queria que o Papa tirasse esses padres do poder, acabando as paróquias e cortando os salários, para ver se ainda iria existir tanto padre na Igreja”! Ele tinha me dito isso logo após ter assistido a “Missa do Galo” celebrada pelo Papa no Vaticano. Ele achou grande a quantidade de padres presentes na Missa. A Igreja anda muito preocupada com o número de sacerdotes. Sobe a Deus a prece incessante “enviai, Senhor, operários para a vossa messe”. Diante da crítica do velho amigo acima mencionado, surgem alguns questionamentos. O que dizer de nosso método de evangelização paroquial? A maioria dos Bispos reunidos na V CELAM já admitiu a urgência de reformas. Sabiamente o padre Comblin expressou que as mesmas estão ultrapassadas. Após a Conferência alguns Bispos estudam a possibilidade de paróquias missionárias. É possível uma paróquia ser missionária? Creio que se continuarem as mesmas estruturas de paróquia que temos atualmente, certamente não será possível. Curioso como os Bispos apontam a necessidade de mudanças, mas não apontam vias de solução para tal mudança. Como transformar as paróquias que temos em comunidades missionárias? É preciso reavaliar a ação pastoral dos que são chamados “leigos” e revisar também o modelo de sacerdócio ministerial, afirmam grandes nomes da Teologia em nossa Igreja. Creio que o próximo Sínodo dos Bispos não poderá deixar de lado essa temática. Enquanto as reais mudanças não ocorrem os nossos párocos e vigários vão colocando em prática aquilo que aprenderam no Seminário. Há alguns que se sobressaem e vencem as circunscrições eclesiásticas, trabalhando em seus ministérios a missionariedade da vocação recebida. Estamos certos de que estamos perdendo muitos fiéis graças à nossa metodologia ultrapassada. Na minha paróquia de origem, em Alagoas, a participação ativa nas Missas é dos idosos. A maioria destes sente saudade da Missa em latim! Não reivindicam por uma Igreja jovem nem voltada para um melhor trabalho de conscientização das massas. Outro item que merece destaque é a crise ética e moral vivida por muitos sacerdotes, que por vários motivos, perderam o sentido de sua vocação, mas que não abandonando o ministério, escandalizam a fé do povo fiel. O problema está no método de formação presbiteral. Desde a fundação dos Seminários e Casas de Formação, a Igreja continua formando seus presbíteros quase do mesmo jeito. Mudou pouca coisa no processo formativo em muitos séculos que já se passaram... Uma entre muitas saídas seria uma maior aproximação do formando em relação à realidade do povo, ou seja, a formulação de um projeto de formação inserida. É urgente a necessidade de homens que renunciando a si mesmos, tomando a cruz e seguindo a Jesus, sirvam ao povo de Deus na condição de sacerdotes. Um sacerdote despojado é um homem livre. Um presbítero destituído de poder é um homem livre para a missão. Se o sacerdote é a personificação de Jesus, ele precisa ser simples e humilde como Jesus. Quando a grande maioria de nossos sacerdotes estiver na condição dos pobres, certamente a evangelização será mais eficiente. Pois, o discurso destes sacerdotes será mais realista e coerente. Padre Comblin vai dizer que os sacerdotes são mais professores de Filosofia e Teologia do que humildes operários da messe do Senhor. Claro que ainda temos bons sacerdotes, dedicados ao povo, vivendo uma vida de sacrifícios, mas são poucos. O que se pede é que basta ao discípulo ser como seu Mestre.

As novas fundações

Desde as origens da Igreja o Espírito de Deus tem feito surgir novas formas de vida e de serviço apostólico. Estas fundações têm convertido a Igreja ao longo dos séculos. A partir de uma visão de fé, cada fundação é como se fosse um alerta do próprio Deus, chamando-nos a atenção para com o compromisso e sentido original da missão. Basta recordar Francisco de Assis, apresentando seu projeto de vida missionária, baseado na pobreza radical e na opção pelos pobres. Francisco surgiu em um dos períodos mais críticos da Igreja. Ignorado por todos, ensinou-nos que seguir Jesus é imitar Jesus. Francisco era tido como louco, assim como Jesus. O pobre de Assis despertou na Igreja um novo jeito de ser Igreja! É claro que não mudou a Igreja, e não pretendia fazer isso, mas relembrou a Igreja da necessidade de revisar sua caminhada e lembrar que o que Jesus mandou fazer foi simplesmente pregar o Evangelho a toda criatura. Francisco nos fez lembrar que o que Jesus fez foi abrir um caminho e que precisamos caminhar neste caminho. Caminho e vida para o mundo. O projeto de Francisco só não morreu, porque ainda há pessoas de boa vontade, atentas aos sinais dos tempos que continuam pisando nas pegadas deixadas por ele, mas são poucos. A valia da Igreja e do mundo são essas pessoas que se doam e arrastaram e ainda arrastam multidões ao seguimento de Jesus. Estes dias, debrucei-me num estudo mais espiritual do testemunho evangélico da Toca de Assis, projeto fundado pelo padre Roberto Lettieri. Esse projeto é uma atualização do carisma de Francisco de Assis. É preciso que rezemos ao Senhor para que possam continuar sendo fiéis ao projeto que ainda é original. Recordo que nossas Congregações Religiosas precisam fazer uma releitura do carisma de seus fundadores e fundadores, atualizando-os na prática do amor gratuito. O Concílio Vaticano II aceita e reconhece o valor das novas comunidades. Estas provocam a Igreja a uma maior reflexão sobre sua missão no mundo. São fundações santamente ousadas que mexem com nossa juventude. É o novo que o Espírito grita no seio da Comunidade Cristã Universal. Vão surgindo mulheres e homens ousados que pensam e põe em prática projetos de práticas de amor ao próximo, rejuvenescendo a Igreja.
Quero ainda partilhar uma experiência missionária que está surgindo em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. Trata-se do jovem Henrique Luis, meu irmão na fé e no sangue, que decidiu fundar um estilo de vida contemplativa. Ele tem vinte e seis anos de idade, até fevereiro deste ano residia em Alagoas com meus pais. Mas, mudando para Guaraciama – MG, atendendo ao sopro do Espírito que sopra onde, quando e em quem quer, resolveu viver uma experiência de vida contemplativa. Está iniciando um projeto que já tinha em mente. Estou ajudando-o na condição de orientador espiritual. Estamos nos colocando na presença de Deus para ver o que Deus quer que ele faça. Ele sentiu uma santa inquietação que o motivou a viver o que São Bento pediu a séculos atrás “ora et labora”. É o que ele está fazendo: orando e trabalhando. Estamos preparando textualmente a idéia para que possamos apresentar ao Arcebispo de Montes Claros, mas a preocupação maior é na construção de um seguimento coerente a Jesus. Ele está iniciando bem a experiência. Rezo ao Senhor para que esta seja mais uma provocação de Divina Providência em nossa Igreja. Suplico as bênçãos proteção de Deus a todas as novas comunidades para que continuem sendo instrumentos de vida e transformação da realidade na construção do Reino de Deus.

Conclusão

Prezados irmãos e irmãs, é preciso que confiemos em Deus e nos abramos ao seu Espírito. Estamos no caminho de Jesus e precisamos aprender cada vez mais a caminhar. Espero que esta reflexão venha motivar a todos a viverem mais intensamente a aventura do seguimento a Jesus na opção pelos pobres. Não podemos perder o referencial. O centro da mensagem cristã é Jesus. Ele é nossa Boa Notícia. Peçamos a Senhor a graça de pregarmos com nossa vida esta Boa Notícia. Nosso povo está cansado de discursos e palavras. Os cristãos precisam ser testemunhas do amor no mundo. Deus está nos falando todos os dias através dos sinais. Abramos os olhos e nos convertamos à mensagem cristã. Cessem as rivalidades religiosas, as discriminações, as divisões, as injustiças sociais e religiosas, vivamos o amor a Deus na pessoa do próximo e isto nos basta! A nossa regra de vida é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Dependemos totalmente da graça de Deus para que isso aconteça, pois sem a graça divina nada podemos ser nem fazer. Assim como deseja o Apóstolo Paulo aos Coríntios, eu vos desejo a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós! Que a Virgem Maria, mãe fiel ao pé da cruz, ajude-nos com sua intercessão!

Fraternalmente,


Tiago, seminarista
missionariotiago@hotmail.com
O valor da religião

O filósofo e socialista alemão Karl Marx caracterizou a religião como o “ópio do povo”. Com essa expressão o filósofo quis dizer que a religião entorpece e cega o povo diante da realidade. Fazendo uma leitura crítica ainda veremos que Marx quer afirmar que a religião aliena as pessoas perante a realidade. Marx acredita que a religião só atrapalha na busca da igualdade entre as pessoas no que diz respeito à vivência dos princípios comunistas.
Não podemos crer que Marx esteja totalmente certo. Não se pode afirmar que a religião simplesmente aliena as pessoas e pronto! O escritor cristão Lactâncio (séc. IV d.C.), a palavra religião vem do latim religare e significa “ligar”, “prender”. Este mesmo escritor afirma que a religião liga os homens a Deus pela piedade. O filósofo Cícero (140 – 43 a.C.), vai dizer que a religião é um procedimento consciencioso, mesmo penoso, em relação aos deuses reconhecidos pelo Estado. É verdade que a função de religião é religar a criatura (homem) ao Criador (Deus). Esse religar dar-se por meio da fé. Esta fé é um dom gratuito de Deus e que tem por finalidade crer incondicionalmente a partir da vida. Ou seja, fé e vida estão ligadas. A religião serve então para trabalhar a vida do homem, fazendo com que este homem encontre Deus. Na teologia a piedade é entendida como um dos sete dons do Espírito Santo. Podemos simplesmente afirmar que a pela piedade o Espírito Santo nos dá o gosto de amar e servir a Deus com alegria. Pela piedade tem-se interesse pelas coisas divinas, cria-se certa intimidade com Deus, num relacionamento livre e consciente.
Na Idade Média a Igreja compreendia que o fim da religião era a salvação da alma. Nessa concepção Deus seria um Ser Supremo que viria buscar as almas por Ele criadas e levá-las ao paraíso. Assim sendo, a salvação era entendida como uma ação divina desencarnada deste mundo, ou seja, a idéia de Deus era de um Homem que vivia no mais alto dos céus, assistindo a este mundo, sentado em seu trono. Esta visão de religião e salvação alienou e perdeu a muitos, e infelizmente, ainda perdura em muitas Igrejas Cristãs de nosso tempo. Quando a Igreja Católica assim pensava, realmente esta cegava e alienava a muitos...
Há estudos em Teologia que visa quebrar essa visão ainda influente no mundo religioso. Segundo a nova concepção de religião, a idéia central é que esta tenha como função primordial a libertação das pessoas. Toda pessoa humana precisa de liberdade e dignidade para viver, e a religião tem o dever de promover a liberdade e a dignidade humana. Na prática esse dever não está sendo cumprindo. Para que se cumpra esse princípio de que a religião é sinônima de liberdade e dignidade, faz-se necessário que os sujeitos protagonistas da missão religiosa nas religiões tenham consciência do valor e do significado da verdadeira liberdade e dignidade. O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962 – 1965) pede que as religiões sejam solícitas em promover a dignidade humana. A função da Igreja neste mundo é descrita no 4º parágrafo do documento Lumem Gentium nº. 8: “A Igreja ‘continua o seu peregrinar entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus’*, anunciando a paixão e a morte do Senhor, até que ele venha (cf. 1Cor 11, 26). No poder do Senhor ressuscitado encontra a força para vencer, na paciência e na caridade, as próprias aflições e dificuldades, internas e exteriores, e para revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo, até que o fim dos tempos ele se manifeste na plenitude de sua luz”. [* Santo Agostinho].
Conforme este documento o papel da Igreja e também da religião é revelar ao mundo o mistério de Cristo. Essa revelação se dá em meio às dificuldades, às perseguições, às aflições internas e externas, às sombras... Isto porque as Igrejas são formadas por seres humanos, propensos ao erro. Portanto, o pecado da religião é retirar a liberdade de filhos e filhos de Deus das pessoas. E isso infelizmente acontece. Mas, este pecado não pode ser generalizado. Pois, em meio a tanta opressão religiosa, há sinais de liberdade e libertação. Há dirigentes comprometidos na construção do Reino de Deus neste mundo. Quando tomamos consciência dos valores morais, éticos e cristãos, dificilmente nos deixaremos oprimir por falsos profetas e falsas promessas que acarretam sofrimentos, alienação, opressão. Todo bom cristão denuncia a falta de fé a opressão religiosa praticada por nossas Igrejas. Fiquemos certos de que quando nos sentimos livres em nossa profissão de fé em nossas Igrejas, é sinal de que estas estão nos oprimindo, consciente ou inconscientemente. A missão da religião deve ser religar o homem a Deus, e não ligar as pessoas a interesses puramente humanos e financeiros através da boa fé e da piedade. Demos graças a Deus porque temos muitos profetas e profetisas que denunciam este absurdo. Estes, por sua vez, são caluniados e perseguidos.
Há teólogos que afirmam sem sombra de dúvidas que Jesus não fundou religião. Dessa forma, não podemos afirmar que fora desta não há salvação. A salvação não depende da pertença à religião ou Igreja, mas a fé que se pode ter em Deus mesmo fora das mesmas. Isso é possível a partir de um encontro pessoal com Deus, da vivência da fé. A Bíblia afirma seguramente que a fé salva o homem. Se cremos somos salvos. Mas este crer precisa ser concreto, responsável, consciente. O convite que fica é que independentemente de nossa crença, religião ou Igreja, somos convidados a crer na transformação do mundo não somente pela fé, mas pela prática da fé. A fé leva-nos a prática do amor fraterno. Um amor que transforma nossa vida e o mundo no qual vivemos. Se todas as pessoas que têm fé realmente vivessem o mandamento do amor, com certeza o mundo seria diferente. É importante que a transformação do mundo comece a partir de nós, cada um está convidado a agir conforme a lei do amor. Se cada um fizer sua parte o mundo em breve será diferente. Isso é possível, só depende de nós!


Tiago França Silva
Seminarista Lazarista
missionariotiago@hotmail.com

Dom Hélder Câmara: profeta da Justiça e da Paz

Dom Hélder Câmara: profeta da Justiça e da Paz

Queridos irmãos e irmãs, leitores e leitoras deste valioso espaço de espiritualidade, ofereço-vos, resumidamente, uma palavra saudosa sobre o grande profeta da Igreja no Brasil, D. Hélder Câmara. Falar sobre este Bispo é uma tarefa desafiante, visto que se trata de uma personalidade provocante e questionadora. Escrever sobre D. Hélder é proclamar as maravilhas de Deus, que por meio de Jesus Cristo e seu Espírito de Amor, se manifestaram na vida deste homem de Deus. Há vários escritos sobre D. Hélder, mas cada pessoa que se dispõe a escrever, sempre apresenta coisas boas e novas sobre ele. O Evangelho de Jesus sempre é novidade, e a vida de quem se doa pelo anúncio deste Evangelho, também é motivo de novidade para todos. É preciso nunca esquecer o significado e a importância deste grande profeta na Igreja do Brasil, pois, muito mais do que os títulos e reconhecimentos recebidos, a verdade proclamada por D. Hélder é o que mais nos deve interessar. O conteúdo do testemunho de vida deste pastor de multidões nos faz questionar nossa maneira de ser Igreja e de ser cristão. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, durante todo este ano, realizará vários eventos, rumo ao Centenário de Nascimento de D. Hélder, que se comemorará no dia nove de fevereiro do próximo ano. Será a festa da memória daquele que ajudou a Igreja a ver o Caminho, o Caminho da liberdade, da verdade e da vida. Oh, como ele sofreu ao assumir a postura de apontar esse caminho! As incompreensões, sensuras e perseguições sempre fizeram parte de sua existência: enquanto pessoa, cidadão, presbítero e Bispo da Igreja. Quando terminou seus estudos no Seminário da Prainha, o jovem clérigo já começava a incomodar a Cúria Romana, pois teve que pedir licença para ser ordenado aos vinte e dois anos e meio de idade. O seminarista Hélder foi formado presbítero no rigor da disciplina do Seminário daquele tempo. Para se ter uma idéia, vejam um dos dizeres do Seminário quando os seminaristas eram pegos falando sobre a figura da mulher: “Mulher é palha, homem é fogo. Se se colocam os dois juntos o diabo vem, assopra e incendeia”. E o seminarista Hélder, poeta e escritor sempre disposto a questionar com cautela, os excessos da disciplina e seus superiores lazaristas, que dirigiam o Seminário da Prainha no seu tempo.
Como todo profeta, D. Hélder era um homem da palavra. Esteve presente em muitas partes do mundo, em palestras e conferências, exercendo a sua missão de evangelizador. Era homem do anúncio e da denúncia. Sem temer a ameaças, profetizava para o mundo, opondo-se ao neoliberalismo exacerbado, que matava e ainda mata a humanidade dos pobres. Em seus discursos, preparados com o devido cuidado e cautela, sempre assessorado pro pessoas que entendiam da conjuntura política e eclesiástica, D. Hélder falava numa linguagem simples e humilde, numa linguagem acessível ao povo e aos expectadores presentes. Era o Bispo que falava a linguagem dos pobres. Sabia transmitir os valores evangélicos ao alcance da compreensão de todos. Era um homem do povo. Sabia acolher e escutar as pessoas. Eram duas as qualidades que faziam parte de sua essência missionária: acolhida e escuta. Homem paciente no ato da escuta, prudente nas palavras e no conselho diante das situações difíceis. A palavra da verdade dita por ele incomodava os mentirosos e exploradores do povo de Deus. Já que eram verdades, e toda verdade vai de encontro com a Verdade maior, então, eram verdades conflitantes. O linguajar de Dom Hélder não era eclesiástico. Ele sabia que o povo de Deus não entendia e nem entende da linguagem eclesiástica. Para o povo simples, o povo dos pobres, a linguagem eclesiástica não diz nada. Mas, apesar disto, ele não ignorava a linguagem eclesiástica, pois a utilizava entre os eclesiásticos.
Sabemos que o perfil do Bispo do Concílio de Trento é do Bispo administrador do clero e dos bens da Igreja e disciplinador. O lugar do Bispo de Trento é na Cúria Diocesana, sentado na cadeira, a espera das pessoas. O Vaticano II convida os Bispos a saírem de suas Cúrias e Palácios Episcopais, exortando-os a irem ao encontro do povo. O Vaticano II veio reafirmar a figura do Bispo como Pastor de uma Igreja Particular. E qual é o lugar do pastor? O lugar do pastor é nas estradas do mundo. O lugar do pastor é nas periferias das grandes cidades, nos povoados dos lugares menores, é no meio dos pobres. Outra grande qualidade de D. Hélder era ir ao encontro das necessidades dos pobres. O apoio aos movimentos sociais era total, sempre corrigindo com humildade aos exageros e desvios existentes. Era homem da responsabilidade social. A Igreja pensada e vivida por ele estava além da sacristia e do altar. A fé e a vida estavam intimamente ligadas na doutrina anunciada por D. Hélder. Este homem inaugurou uma nova maneira de ser Bispo. Através de sua maneira de pensar e de ser, ele provou que é possível ser um Bispo missionário. Ele usou da liberdade concedida pelo Concílio Vaticano II. Na administração da Arquidiocese de Recife e Olinda teve Dom Lamartine, seu grande companheiro na missão, como Bispo Auxiliar. D. Hélder entregou a este a administração da Arquidiocese, porque sabia da importância de uma instituição organizada, onde o poder está a serviço dos pobres. O testemunho de D. Hélder mostrou a necessidade de o poder eclesiástico está ligado ao serviço. O poder que não serve é o poder que explora! Quando pregava retiros aos presbíteros de sua Igreja e de outras Igrejas Particulares, sempre frisava a necessidade de o padre ser um homem do serviço, da doação, da missão. Ele irritava-se com as denúncias que lhe chegavam em relação a padres preguiçosos e exploradores. D. Hélder ensinava que é impossível querer ser padre visando o poder, o prestígio e a riqueza. Deus não nos chama a isso. Ele era um homem preocupado com o futuro da Igreja. Suas duras críticas à Igreja era um gesto de amor e preocupação em reação a ela. Assim como Jesus criticou a religião de seu tempo, D. Hélder não teve medo de expor ao mundo as fragilidades de sua Igreja. Assim como Jesus não falava ocultamente, D. Hélder utilizou-se dos meios de comunicação de massa para apontar o Caminho inaugurado por Jesus. Olhando para o Documento de Aparecida, imagino que se ele estivesse entre nós, em pessoa, deveria estar muito feliz com o resultado dos trabalhos que se deram na V CELAM, este CELAM que ele mesmo foi co-fundador. Uma Igreja discípula e missionária sempre foi o sonho do Bispo Dom Hélder Câmara.
Além do homem da palavra da verdade que ele era, é preciso não esquecer de um dos principais alimentos de D. Hélder: a oração. Ele era um homem de oração. O horário preferido de D. Hélder para a oração era a madrugada. Ele fazia momentos de oração e reflexão pessoal a que ele mesmo chamava de “vigílias”. Entre as duas as cinco da madrugada estava ele em comunhão com Deus. Durante este tempo rezava, lia, estudava, escrevia, meditava... Criou este hábito deste quando foi ordenado presbítero. Este espírito orante fazia dele um homem pacífico e pacificador. Trabalhou incansavelmente pela construção da paz. Era devoto de São Francisco de Assis quando se falava de paz e devoto de São Vicente de Paulo quando se falava na caridade para com o próximo. Quem fosse ao encontro dele, encontrava um homem aberto ao diálogo. Ele transmitia uma paz muito grande, por meio das palavras e dos gestos durante a fala. Pessoalmente, quando assisto ao filme “D. Hélder Câmara, o santo rebelde”, fico muito emocionado. A leitura da vida deste profeta da esperança me estimula a continuar alimentando na minha personalidade e vocação, um novo jeito de ser Igreja. E isso não me é nem me será impossível. A oração fazia dele um homem sensível às misérias que assolavam e assolam a vida humana. A oração transformava-o num homem afetuoso e audacioso na promoção humana em favor dos desfavorecidos.
Deus é sapientíssimo ao fazer surgir no tempo oportuno, profetas como D. Hélder, Ir. Doroth Stang, D. Oscar Romero, D. Pedro Casaldáliga, D. Flávio Cappio, entre outros e outras que auxiliam no processo de conversão da Igreja, e conseqüentemente, na construção do Reino. O testemunho de vida dos verdadeiros santos e mártires de nossa Igreja, principalmente os de nossos dias, é a prova concreta de que o Espírito assiste a Igreja. Somos únicos e todos bebemos de um mesmo Espírito, por isso, ninguém está excluído da missão profética recebida no batismo. D. Hélder mostrou que o Espírito age na liberdade. E o testemunho episcopal dele proporcionou espaços de liberdade. Sobre ele, disse o teólogo Gustavo Gutiérrez: “Dom Hélder foi durante toda a sua vida um testemunho da esperança em meio as realidades que pareciam negá-la a cada passo”. E o teólogo José Comblin disse: “Dom Hélder foi um sinal visível de que às vezes o Espírito Santo pode manifestar-se na Igreja: recebe liberdade: ninguém o reprime para salvar as estruturas e salvar a lei. Pois o que o Espírito quer é a liberdade, ele foi e é um homem livre. Livre, isto é, cristão!” que o Espírito nos dê liberdade e na liberdade possamos viver e anunciar a Boa Notícia de Jesus, sem esquecer daquilo que São Vicente de Paulo também ensinava: “os pobres são os nossos mestres e senhores”. Um presbítero não aprende a ser missionário numa faculdade de teologia, mas aprende vivendo a vida dos pobres em meio aos pobres. É um desafio possível que só pode ser abraçado na liberdade do Espírito que nos encoraja na missão.


Tiago de França da Silva
Seminarista Lazarista
missionariotiago@hotmail.com

O processo de formação do seguidor de Jesus

O processo de formação do discípulo missionário

O presente artigo tem a intenção de refletir sobre o processo de formação de um discípulo missionário de Jesus Cristo, levando em consideração o Documento de Aparecida (DA), aprovado na V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, ocorrida no ano passado, em Aparecida, SP – Brasil. Em primeiro lugar, precisamos afirmar que toda pessoa batizada é chamada a seguir Jesus. A missão é seguir Jesus. Para que possamos seguir Jesus precisamos nos comprometer com aquilo que ele disse e fez quando esteve neste mundo. A efetivação da proposta se dá no seguimento e no compromisso. O sentido destas duas palavras está interligado. Não pode haver seguimento sem compromisso. E todo aquele que se compromete com Jesus, implícita e explicitamente já é um discípulo missionário. O número 276 do DA diz: “Àqueles que aceitaram segui-lo, os introduziu no mistério do Reino de Deus, e depois de sua morte e ressurreição os enviou a pregar a Boa Nova na força do Espírito Santo”. Jesus nos faz um convite, temos a liberdade de aceitar ou não. Este é um dado importante, porque muitos pensam que todos estão obrigados a seguir Jesus. Ninguém está obrigado a nada. O seguimento a Jesus se dá na liberdade e para a liberdade. A verdadeira vocação se vive na liberdade. Quem não é livre não pode seguir Jesus. Jesus nos quer livres. O seguimento requer posturas de liberdade. O convite é para escolhermos. A opção é nossa. Jesus nos chama e nós respondemos, cabe-nos responder e corresponder ao chamado de Deus. A religião não pode obrigar ninguém a aceitar e seguir Jesus. A resposta livre pertence à pessoa, ou seja, ninguém pode responder por ninguém. Quando aceitamos seguir Jesus, somos introduzidos no mistério do Reino de Deus. Esta introdução ao mistério não foi privilégio somente dos discípulos que estiveram com Jesus. Se somos sucessores da missão evangelizadora dos Apóstolos pelo batismo, também somos introduzidos no mistério do Reino de Deus. O número 382 do DA, entre outras palavras, diz: “Jesus Cristo é o Reino de Deus que procura demonstrar toda a sua força transformadora em nossa Igreja e em nossas sociedades”. Jesus é o Reino de Deus. Jesus tem uma força que transforma. Quando não há mudança e transformação é sinal de que não há a presença da força de Jesus. Esta força de Jesus se manifesta na Igreja, nas sociedades e na totalidade do mundo. A força de Jesus se manifesta mais no meio dos pobres. O pobre é o lugar da transformação. Toda verdadeira transformação nasce da base da sociedade. A força de Deus se manifesta nos pobres e por meio dos pobres. Isso explica o fato de a Igreja Latino-americana ter feito a opção preferencial pelos pobres. Então, o descobrir e deixar-se envolver pelo mistério do Reino de Deus é fazer a experiência de Deus no meio dos pobres. O pobre é o lugar da experiência com Deus. Jesus viveu a sua relação com o Pai no meio dos pobres. O evangelho mostra claramente isso.
Assim sendo, antes de qualquer coisa precisamos conhecer Jesus. Não podemos segui-lo, sem antes conhecê-lo. Não se segue um desconhecido. A missão da Igreja é justamente fazer com que as pessoas percebam que Jesus está no meio de nós. Ninguém leva Jesus a ninguém. Jesus está no meio de nós. A missão é identificar onde a força de Jesus se manifesta.
Quando soubermos onde está a força de Deus, saberemos onde está Deus. Esse processo de identificação se dá no cotidiano da vida e não é algo abstrato nem sobrenatural. Quando Deus quis se revelar ao gênero humano, não precisou elevar o homem a um alto grau de contemplação ou êxtase, mas desceu a nós, encarnando-se em nosso mundo. Mundo este que não é maldito como muitos pensam. O seguimento de Jesus se dá a partir do mundo e para o mundo. Uma pessoa não se converte para si nem para Deus, mas se converte para o outro, para o bem do outro e dom mundo, em vista da construção do Reino. A conversão não é um sentimento nem um estado de fé direcionado ao céu, em que devo me esforçar para que minha alma seja salva, mas é um processo que perdura por toda a vida, que ocorre na relação fraterna entre as pessoas, por meio do amor. Não se conhece Jesus somente pela leitura de sua Palavra ou através do magistério eclesiástico. Para conhecer Jesus a pessoa precisa segui-lo, colocar-se a caminho. É preciso fazer a experiência. O DA aponta cinco aspectos fundamentais que compõem o processo de formação de um seguidor de Jesus: o encontro com Jesus, a conversão, o discipulado, a comunhão e a missão. Cada aspecto desses requer um estudo aprofundado, pois precisamos buscar saber o sentido de cada um deles. O que vem a ser o encontro com Jesus? Quando queremos encontrar alguém, saímos à procura deste alguém. Este deve está em algum lugar. Qual é o lugar? Onde Jesus está? Se é necessário encontrar-me com Jesus, então devo procurar saber onde ele está. A partir da leitura do Evangelho de Jesus veremos que ele tinha muito interesse em estar ao lado das pessoas sofredoras e oprimidas. Todo o Evangelho mostra Jesus em meio aos sofredores. Podemos concluir que em todas as ocasiões de sofrimento e opressão Jesus se faz presente. Ele está encarnado em nossa realidade, ensinando e nos despertando para a vivência do amor. Quando amamos as pessoas estamos fazendo a experiência de Deus, e aí está o encontro com Jesus. Depois do encontro, acontece a conversão. É justamente o encontro com Jesus que converte as pessoas. Quando nos encontramos com Jesus mudamos de vida, como fez muitas pessoas tidas como pecadoras no Evangelho. O encontro e a conversão não acontecem necessariamente dentro das Igrejas. Não são nossas Igrejas que nos convertem, mas a força transformadora do amor e da Palavra de Deus. Muitos não faltam em nossas Igrejas porque pensam que estão convertidos pelo fato de estarem presentes nos cultos e celebrações. Estes são importantes, porque celebram a conversão da pessoa, mas não é lugar nem o momento da conversão. Se a conversão é algo concreto da vida da pessoa, então não podemos afirmar que tal culto ou celebração me converteu... Nunca esqueçamos de ligar conversão e vida. A conversão não é uma emoção momentânea, mas um processo cotidiano da vida do cristão. Até a hora de nossa morte estamos nos convertendo... Toda a nossa vida é uma busca constante de Deus...
Depois que encontro Jesus e me converto já me tornei seguidor. Não pode haver seguimento sem o encontro e a conversão. Como posso proporcionar aos outros o encontro com Jesus se eu mesmo não vivi tal encontro? Como posso ajudar o outro a se converter se eu mesmo não busco me converter? Ninguém está convertido plenamente, estamos numa busca constante, caminhando nas estradas de Jesus. E quem está caminhando não pode ousar dizer que chegou ao lugar de destino. Somos chamados a caminharmos juntos, um ajudando ao outro a se converter. O discipulado é este caminhar nas pegadas de Jesus, buscando viver o que ele viveu apesar das limitações que nos são inerentes. O DA aponta dois fatores necessários nesta fase: catequese permanente e vida sacramental. Estes ajudam na vivência do discipulado. Neste, a pessoa amadurece mais a sua fé e aprofunda-se mais nas convicções cristãs e no conhecimento de Jesus Cristo. O discípulo precisa estar consciente de sua vocação e missão. E esta consciência nasce do conhecimento do Mestre. Acolher, entender e viver os ensinamentos de Jesus é exigência para o verdadeiro seguimento. A maioria de nossos cristãos não entende a fé que professa. A falta de conhecimento de Deus é um mal em nossas Igrejas. Muitos invocam a Bíblia, mas desconhecem seu conteúdo. O DA apontou como necessidade urgente a formação das consciências dos cristãos, pelo menos daqueles que professam sua fé na comunidade eclesial.
O discípulo de Jesus não caminha sozinho no mundo. O discípulo vive e promove a comunhão entre os irmãos: entre os que professam o mesmo credo e os de outras confissões religiosas. A unidade dentro da comunidade eclesial é como um selo de reconhecimento e é condição necessária à vida de cristãos. A falta de unidade entre os cristãos é sinal vivo de que ainda não aprenderam a interpretar a Palavra de Deus nem a vivê-la. A verdadeira interpretação e a vivência da Palavra não ocasionam separação nem discriminações. Muitos não se cansam de anunciar com a boca que Jesus é o Príncipe da Paz, mas que constantemente se recusam em viver em paz com os outros de diferentes formas de pensar e de servir a Deus. Muitos conflitos e até guerras se deram e se dão por causa do sagrado. Este, às vezes, torna-se motivo de rixas entre pessoas e denominações religiosas. Os cristãos, às vezes, parecem um bando de pássaros, que em determinada fase da vida precisam sair para outras regiões em busca de alimento, mas que não sabem que direção tomar... A Palavra de Deus tornou-se um meio de vida e muitos dedicam toda a vida em enganar e viver à custa da boa fé dos inocentes, que não entendem do significado da Palavra que escutam. Ai dos que se aproveitam da ignorância dos pobres, tirando o que lhes resta para sobreviver!... o cristão coerente precisa anunciar Jesus ao mundo e denunciar as forças da morte que se manifestam todos os dias. O Espírito Santo nos ajuda nesta missão. Ele nos inspira e nos encoraja na difícil missão de ser cristão em tempos de pós-modernidade. Sintamo-nos abraçados e abrasados por esta força que vem do Alto e que ela nos reúna num só povo, um povo santo e pecador. Que o Deus da vida nos ressuscite para uma vida nova, que consiste na adesão livre e consciente do projeto de Jesus: vida plena para todos, mesa farta, comunhão e participação.

Tiago de França da Silva
Seminarista da Congregação da Missão e estudante de Filosofia no ITEP
missionariotiago@hotmail.com

sábado, 22 de março de 2008

Mensagem de Páscoa 2008


Fortaleza – CE, 22 de março de 2008.

“O Cristo, que leva aos céus, caminha à frente dos seus!”
Ressuscitou de verdade. Ó rei, ó Cristo, piedade!

Estimado (a) irmão (ã),

Cristo ressuscitou e vive para sempre! Esta é a grande e maravilhosa Boa Notícia que a Igreja proclama para o mundo neste santo domingo de Páscoa. Jesus venceu a morte e nos trouxe a vida plena. Todos os homens e mulheres são convidados a receber esta vida, porque Jesus não morreu e ressuscitou por alguns, mas pela salvação de todos. A salvação trazida por Jesus é universal. A ressurreição de Jesus é o marco que inaugura o Reino de Deus nesta terra. O sentido profundo de nossa fé está na ressurreição de Jesus. O apóstolo Paulo ensina-nos que vã seria a nossa fé se Jesus não tivesse ressuscitado dentre os mortos.
Obediente, Jesus abraçou o madeiro da Cruz. Nesta Cruz estava o peso da humanidade inteira, à espera de ser remida pelo seu Salvador. Naquele tempo, a cruz era um sinal de condenação, maldição e vergonha pública, era motivo de escárnio e espetáculo público. Em sua sabedoria e misericórdia eternas, o Senhor nosso bom Deus encontrou na Cruz a maneira de remir a humanidade de seus pecados. Enviou o seu Filho amado e o “abandonou” no madeiro da Cruz. A morte de Jesus, apesar de tão explícita e humilhante, é também um mistério de amor. O hino vai dizer que prova de amor maior não há, que doar a vida pelo irmão. Jesus na Cruz é a maior prova de amor que Deus poderia demonstrar pela humanidade. Atualizando esta prova de amor, temos e sempre teremos em nossa sociedade, várias mulheres e homens, que estão sendo crucificados, levados ao Calvário da fome, da violência, da discriminação, da exclusão social, da prostituição e de tantas outras formas de Calvário. E são poucos os cristãos que fazem o papel de Simão Cirineu ajudando a estas pessoas a carregarem suas cruzes de cada dia. Jesus continua sendo assassinado nas pessoas humilhadas e exploradas pelo capitalismo exacerbado, sistema econômico que exclui e mata sem piedade. Os representantes do Império Romano estão mais vivos do que nunca, nas pessoas que vivem à custa do suor dos pobres e de todas as pessoas constituídas de dignidade. Os herodianos de hoje são as empresas desonestas e sonegadoras de impostos, são a maioria corrupta de nossos políticos, são a maioria de nossas Igrejas, com seus falsos sermões e sua propaganda do Dízimo desonesto, são os países do norte e Europa, que com seus mercados e blocos econômicos matam de fome os pobres do terceiro mundo... A população mundial precisa acordar e gritar por justiça. Onde iremos parar com esta maneira de ser e de viver?...
Antes do momento da Cruz, Jesus encontra-se com seus discípulos numa Ceia. Nesta, ele parte o pão e o vinho, e lava os pés dos discípulos e pedem que eles façam o mesmo. Com esses gestos Jesus ensina e afirma ser o Mestre e o Senhor. O texto sagrado deixa transparecer a humildade e o amor de Jesus ao lavar os pés de homens simples e pecadores, partilhando também o pão e o vinho. Quando lava os pés dos discípulos Jesus ensina-nos a nos acolhermos uns aos outros. Este gesto denuncia a nossa hipócrita sociedade individualista, que vive em preservar e buscar seus próprios interesses mesquinhos. Quando reparte o pão e o vinho Jesus ensina-nos a partilhar aquilo que somos e temos. A partilha dos dons que Deus concede a cada um de nós é uma atitude cristã de amor gratuito. O mundo grita por partilha diante da grande parcela da humanidade que passa fome de pão e sede de justiça e paz. A Igreja é convidada a deixar seu pieguismo e conservadorismo para lançar-se na luta incessante da justiça e paz. A sacramentalização não educa nem converte para a justiça e a paz. O mundo está precisando de paz. E esta paz é fruto da justiça. Por isso, não podemos esquecer o martírio da missionária Ir. Doroth Stang, que com seu sangue gritou por justiça, clamou pelo fim da exploração injusta da terra da Amazônia. A Igreja precisa se empossar do grito desta mártir da justiça ambiental.
Jesus ressuscitou para dizer para cada um de nós que a vida é plena e possível a todos. As forças da morte, por mais cruéis e atormentadoras que sejam não têm a última palavra sobre a pessoa nem sobre o mundo. A vida cristã consiste na adesão ao Cristo ressuscitado. E aderir a cristo é ir ao encontro onde ele está sendo crucificado nos dias de hoje: favelas, indústrias, cadeias, canaviais, hospitais, ruas, praças e avenidas, e tantos outros lugares onde a pessoa humana está perdendo a sua dignidade. Quem se recusar ou fechar os olhos a esta realidade não pode afirmar-se cristão. Quem recebe Jesus na Eucaristia, mas recusa-se a assumir esse mesmo Jesus na vida dos irmãos e irmãs que sofrem, está recebendo a própria condenação. A Celebração Eucarística é a celebração da promoção e da defesa da vida que se dá no dia-a-dia. Vamos à Missa para celebrar a vida que vivemos. E se não vivemos a justiça e a paz, o que vamos celebrar? Não podemos celebrar a Páscoa de Jesus todos os anos e continuarmos fechados em nosso mundo egoísta, quem assim procede, invalida na própria vida o sentido autêntico da paixão, morte e ressurreição do Messias.
Peçamos a Deus perdão pelas vezes que nos recusamos ao amor redentor de Jesus. Oremos: Deus santo e bom, que enviastes Jesus, vosso Filho querido e amado para a nossa salvação e a salvação do mundo, concede-nos teu perdão, para que redimidos de nossas culpas possamos nos comprometer cada vez mais no serviço da justiça e da paz em nossa sociedade desumana e desumanizadora. Olhai, ó bom Deus, os teus pobres filhos, jogados à margem de nossa sociedade, sendo esquecidos pelos doutores da lei e fariseus de nosso tempo. Converte nosso coração para que possamos ser os samaritanos na vida daquelas pessoas que são assaltadas pelo sistema opressor e que não estão conseguindo sobreviver. Envia sobre nós o teu Espírito de amor para que ele nos encoraje e nos santifique. Não nos abandoneis, ó Deus, em nossas fraquezas e limitações, ajuda-nos a construir teu Reino neste mundo e só sermos felizes conforme teu desejo e vontade. Pedimos em nome de Jesus, nosso Irmão maior, que vive e reina contigo em comunhão com o Espírito da vida, amor e liberdade. Assim seja!

Tiago de França da Silva
Seminarista Lazarista
missionariotiago@hotmail.com

sexta-feira, 21 de março de 2008

Páscoa

A Páscoa que celebramos é a Páscoa de Jesus, que vencendo a morte trouxe-nos a vida eterna. A morte de Jesus na cruz é a maior prova de amor demonstrada por Deus à humanidade. Jesus não só veio para nos libertar dos pecados, mas também inaugurar o Reino de Deus neste mundo. Quando Jesus voltar definitivamente, o Reino chegará à sua plenitude. Toda pessoa que aceita Jesus pelo batismo é convidada a participar do Reino de Deus trabalhando na sua construção. Jesus não veio dar de "mãos beijadas" o Reino para nós. Ele pede-nos que colaboremos na obra da redenção da humanidade. No processo de construção do Reino o cristão não pode ser passivo ou alheio, mas através da conversão e da ação caritativa no mundo construir este Reino. A ressurreição de Jesus é o cumprimento da vontade de Deus, e a vontade de Deus é que sejamos felizes, tendo vida plena. Celebrar a Páscoa é acreditar na Ressurreição de Jesus e buscar vivenciá-la hoje em meio às forças da morte que quer destruir a vida humana na terra. Quem crer na Ressurreição deve assumir um compromisso com a vida, pois a vontade e o querer de Deus é vida plena para todos sem excessões nem distinções.
Feliz Páscoa!

quinta-feira, 20 de março de 2008

Seguir Jesus

Olá pessoal,
Criei este blog com o objetivo de partilhar com vocês um pouco das minhas reflexões a respeito do mundo, da Igreja e da vida como um todo. Estou aberto à críticas e sugestões. Também as colaborações são bem-vindas. Aqui é um espaço de diálogo e reflexão sobre a caminhada do povo de Deus. Sintam-se à vontade e recebam meu abraço e acolhida!
Em Cristo e São Vicente,
Tiago França.