segunda-feira, 24 de março de 2008

Solenidade da Ascensão do Senhor (escrito em 17.05.07)

Solenidade da Ascensão do Senhor

Depois de seis semanas, celebrando a Páscoa de Jesus, hoje a Igreja celebra a Ascensão do Senhor, ou seja, sua subida ao céu, conforme as Escrituras. Quarenta dias depois da Ressurreição Jesus é levado ao céu. São três grandes momentos que marcam a liturgia da Igreja durante o Ciclo Pascal: Jesus vence a morte (Ressurreição), Jesus é levado ao céu (Ascensão), Jesus envia o Espírito Santo (Pentecostes). São três momentos que estão ligados e que marcam o início do Cristianismo. O texto do Evangelho proposto pela liturgia deste domingo tem alguns detalhes que merecem destaque, para que possamos entender melhor o mistério desta solenidade.
Antes de falar da Ascensão, é preciso recordar a Ressurreição. Pois, se Jesus não tivesse ressuscitado dentre os mortos não teria sido elevado ao céu. Depois da Ressurreição Jesus permanece com os discípulos durante quarenta dias. A Igreja fez uma leitura e reflexão das aparições de Jesus, ligando o significado a Ressurreição de Jesus com nossa ressurreição. A vitória de Jesus sobre a morte nos garante uma vida nova. Mas, esta vida nova supõe a inauguração do Reino de Deus neste mundo. Antes de morrer na cruz o próprio Jesus já assegurava que “o Reino de Deus está no meio de vocês”. A presença salvífica e libertadora de Jesus já o início de novo céu e nova terra.
Deus ressuscitou Jesus para nos dizer que a morte não é a última palavra sobre nós. Ela não destrói a vida que Deus nos deu. Como conseqüência do pecado, a morte também é uma experiência de vida, pois, como proclamou São Francisco de Assis “é morrendo que se vive para a vida eterna”. É aqui que nossa morte torna-se sinal de redenção em Cristo Jesus. O Apóstolo Paulo vai nos dizer que “se morrermos com ele, com ele viveremos”. Por isso, para que possamos participar da glória de Jesus, precisamos morrer com ele. E morrer com Jesus, é se fazer operário na construção do Reino de Deus iniciado por Jesus, utilizando a ferramenta do amor gratuito, abraçando a cruz, e assumindo esta missão até as últimas conseqüências.
Não podemos falar de um Jesus glorioso sem antes falarmos de sua paixão e morte na cruz. Há um hino que diz “foi preciso ao Senhor, para entrar na sua glória, ser na cruz crucificado: é o caminho da vitória”. O verdadeiro Jesus de nossa fé nos aponta o caminho: a cruz. Infelizmente, as muitas Igrejas e seitas cristãs de nosso tempo e desde sempre, sempre caíram na tentação de anunciar um Jesus descomprometido com a cruz, com a realidade sofrida do povo. A partir de uma interpretação fiel da morte de Jesus, descobriremos que ao abraçar a cruz no Calvário, Jesus estava ao mesmo tempo, abraçando o estado opressor de vida do povo de Deus de seu tempo, ou seja, quando Jesus carrega e aceita livremente morrer na cruz, ele estava comungando da realidade sofrida do povo, um povo escravo, submisso, miserável, alienado, faminto, injustiçado.
É aqui que o teólogo John Sobrino vai dizer “quem quiser conhecer a Cristo e não só ter notícias sobre ele, que o siga. (...) Quem quiser conhecer o mistério cristão de Deus, que esteja disposto a permanecer diante dele , a viver e a agir como Jesus. (...) Quem quiser saber da ação renovadora e vivificante do Espírito, que se coloque como Jesus, entre os pequenos e pobres, lá onde surge a esperança, quando só deveria reinar o desespero...” Somos convidados a não somente conhecer a Cristo pelo estudo, mas no seguimento verdadeiro e fiel. Estamos na era do conhecimento, temos várias universidades de teologia, onde se pode estudar a respeito da fé e do conhecimento de Deus, mas quando este estudo não tem ligação com a realidade do povo que sofre. Tudo não passa de teoria, e muitas vezes, puro farisaísmo.
As palavras do teólogo acima nos apontam um desafio: o conhecimento do mistério cristão de Deus através do viver e do agir como Jesus. Numa sociedade consumista, cada vez mais atéia, prostituta e ridiculamente secularizada, torna-se cada vez mais difícil atender aos apelos do Evangelho que nos chama a uma experiência concreta de fé, que se dá na prática da lei do amor ensinada por Jesus.
Segundo o texto do Evangelho deste domingo, os discípulos são as testemunhas da Ressurreição de Jesus. Antes de subir ao céu, Jesus instrui seus discípulos, e pede “permanecei na cidade até serdes revestidos da força do Alto”. Deus por meio de Jesus promete o Espírito Santo, e Jesus prepara-os para que eles o recebam em breve. Os discípulos obedecem ao Mestre, e “com grande alegria, estavam continuamente no Templo, louvando a Deus”. Na subida de Jesus ao céu se dá o término de seu ministério neste mundo. Jesus deixa com os discípulos a missão de serem continuadores da construção do Reino de Deus iniciado por ele. Os discípulos (seguidores) se tornam Apóstolos (enviados), e são os legítimos sucessores de Jesus na árdua tarefa do anúncio do amor a Deus e ao próximo como a si mesmo. Esta foi a missão dos Apóstolos: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura”. Jesus não pediu outra coisa, senão o anúncio da Boa Notícia que liberta integralmente o ser humano. Assim sendo, se as nossas Igrejas Cristãs não estiverem cumprindo esta missão, então é hora de avaliarmos para onde estamos indo e o que estamos fazendo...
A Igreja latino-americana e caribenha está reunida na V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho – V CELAM, para repensar melhor sobre sua missão em nosso continente. O objetivo é avaliar a metodologia utilizada nestes últimos tempos. Creio que os Bispos irão perceber a necessidade urgente de se confirmar e procurar colocar em prática a opção preferencial pelos pobres. No discurso de abertura o Papa Bento XVI já confirmou esta opção. Na prática cotidiana da Igreja, percebe-se que há certa dificuldade de se viver essa opção. Ninguém pode afirmar que esta opção está sendo vivida plenamente. A prova disso é a evasão de muitos católicos da Igreja. Esta evasão demonstra insatisfação por parte do povo em relação à forma da Igreja evangelizar em nosso continente. O desafio é grande, mas é possível a Igreja buscar ser mais humilde, mais acolhedora e mais humana. É preciso a Igreja observar o que disse o tópico nº 4 do documento Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II: “Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho”. Uma Igreja que investiga os sinais dos tempos é uma Igreja que não pode se apegar ao passado, visto que o método da evangelização no passado nunca deu certo e nunca evangelizou plenamente.
A solenidade da Ascensão do Senhor é uma oportunidade para cada um de nós, buscarmos reavaliar nossa fé. Quem é Jesus? Por que é necessário seguir seus passos? Como se dá este seguimento. É preciso aprofundarmos sobre o sentido de nossa fé, atualizar nos conceitos a partir do Jesus que se fez pobre, assumiu nossa condição humana, viveu e morreu na cruz, foi obediente ao Pai até a morte de cruz, e que nos deixou a responsabilidade e a missão de sermos irmãos e protagonistas da história a partir de um seguimento livre e consciente.


Seminarista Tiago de França
Congregação da Missão – Lazaristas
missionariotiago@hotmail.com

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