sexta-feira, 18 de abril de 2008

Teologia da Libertação: viva ou morta?

O que é Teologia? A palavra em si quer dizer “estudo de Deus”. A Teologia é uma forma sistemática de explicar a fé a partir da razão e da realidade. A razão é a capacidade humana de refletir sobre a realidade e as coisas. É uma busca incessante da verdade. O que seria então uma reflexão teológica? Em seu livro Teologia da Libertação, o teólogo Gustavo Gutiérrez afirma: “A reflexão teológica seria então, necessariamente, uma crítica da sociedade e da Igreja enquanto convocadas e interpeladas pela Palavra de Deus; teoria crítica, à luz da Palavra aceita na fé, animada por intenção prática, portanto indissoluvelmente unida à práxis histórica”. Este conceito aponta-nos uma afirmação importantíssima para o fazer teológico: teoria crítica à luz da Palavra. Assim sendo, a reflexão teológica leva a pessoa a refletir sobre a vida e sobre o mundo em sua totalidade. A verdadeira Teologia leva a pessoa à uma ação livre e consciente na sociedade em que vive, atuando na transformação necessária dos padrões de vida que oprimem o gênero humano, do contrário não temos Teologia, mas positivismo dogmático.

O positivismo dogmático é o fazer teológico sem compromisso com a vida do mundo. Trata-se de uma reflexão teológica desvinculada da realidade. Podemos caracterizar e afirmar que o positivismo dogmático leva ao orgulho dogmático ou sistemático e à legitimação da instituição eclesiástica. No positivismo dogmático a Teologia existe em função da instituição. O grande mal do positivismo dogmático é a cegueira ocasionada por ele. Quem se submete a este tipo de reflexão teológica torna-se “cego” diante da realidade, negando-a e desligando-se dela, ou seja, pensa a fé a partir dos dogmas e de verdades sem fundamentação na realidade. A ausência da Filosofia na Teologia causa o positivismo dogmático. Uma afirmação simples que explica tudo: “eu tenho fé, mas não sei como ela é; creio, mas não entendo”, ou seja, é como se fosse uma fé sem razão em si mesma.

Onde nasceu a Teologia da Libertação (TdL)? O professor e coordenador do Centro de Estudos Anglicanos, Carlos Eduardo B. Calvini, afirma: “A Teologia da Libertação não nasceu nos gabinetes das grandes faculdades teológicas européias ou norte-americanas, mas na experiência de luta pela sobrevivência na América Latina”. Após o Concílio Vaticano II toda a Igreja, e principalmente a Igreja Latino-americana optou radicalmente pela transformação da sociedade buscando instituir uma nova maneira de ser Igreja no mundo. Isso custou o sangue a vida de muitos... A Igreja pensou em mudanças, mas não teve a coragem de colocá-las em prática. As mudanças ocorreram em alguns aspectos e lugares, mas em outros tudo ou quase tudo permaneceu do mesmo jeito. A TdL nasceu a partir da experiência de luta. Nasceu e permaneceu como realidade desburocratizada, sem protocolos nem dogmatismos. Assim como Jesus não veio abolir a lei, a TdL não veio abolir as preocupações dogmáticas ou sistemáticas. A TdL nasceu com preocupações éticas e pastorais. O grande lema da TdL é a opção preferencial pelos pobres. O pobre é o lugar teológico, ou seja, se faz Teologia da Libertação a partir do processo de libertação integral do ser humano. A reflexão sobre a pobreza na TdL não se reduz unicamente ao aspecto econômico, pois sabemos que a opressão tem várias faces. Após vinte anos de reflexão teológica a TdL chegou a conclusão de que era preciso uma pastoral libertadora da classe média, pois se chegou à consciência de que a libertação deve alcançar a todos, não apenas aos oprimidos, mas também aos opressores ou aos que se beneficiam da opressão.

Com a eleição de João Paulo II ao papado da TdL começou a ser vigiada e seus representantes, perseguidos. A Congregação para a Doutrina da Fé foi assumida pelo teólogo alemão Joseph Ratzinger, hoje, Bento XVI. Surpreendentemente, oriundo da teologia lema – famosa em seus aspectos protestantes-, o alemão foi intransigente, e em meados doa anos oitenta, obrigou o frade menor Leonardo Boff a sentar-se na cadeira daqueles que são vistos e julgados como “subversivos”, condenado-o ao silencio obsequioso por causa do livro “Igreja, Carisma e Poder”, uma avaliação critica sobre a estrutura da Igreja. João Paulo II também não tolerou as Comunidades Eclesiais de Base reorganizando os seminários e as dioceses. A nomeação dos novos Bispos também começou a ser mais cauteloso, evitando assim novos Bispos como Hélder Câmara, Oscar Romero, Pedro Casaldáliga, Luciano Mendes de Almeida, entre outros. Diante disso, o Papa começou a dar abertura e aprovação pontifícia a movimentos mais conservadores e poucos críticos, destinados a atrair pessoas de volta à Igreja, tais como a Renovação Carismática Católica, Focolares e Comunidades de Vida Apostólica voltadas para a classe média. Na formação seminarística, boa parte dos atuais seminaristas e futuros padres da Igreja pouco conhecem dos fundamentos teóricos e metodológicos da TdL. A Teologia Tradicional da formação presbiteral é pouco aberta às relações ecumênicas (e isso explica a dificuldade no ecumenismo com outras Igrejas e credos), centrada no fortalecimento da instituição eclesiástica, de forte ênfase convensionista, recheada por uma densa camada de pietismo.

A TdL não foi totalmente condenada. A Igreja, na pessoa do Papa João Paulo II reconheceu alguns aspectos importantes. Alguns Bispos, entre os quais estão os citados acima, foram grandes defensores e protagonistas da TdL junto à Cúria Romana e ao povo de Deus, através do exercício pastoral no episcopado. O clero se dividiu e em algumas dioceses, a maioria optou pela TdL. Optar pela TdL não significa renunciar ao sacerdócio ministerial desligando-se da instituição ou mesmo quebrar o voto de obediência, mas colocar em prática a opção de Jesus. A TdL nasceu para dizer à Igreja e ao mundo que os pobres existem e que precisam de libertação. A TdL existe para afirmar que o capitalismo mata e que a promoção da vida na terra é uma questão de urgência. A TdL nasceu para lembrar à Igreja que Jesus está na pessoa dos oprimidos e sofredores deste mundo. A TdL é acusada de fazer político junto aos pobres, e há ainda os que afirmam ser ela um movimento político que fez um mal à Igreja desvirtualizando-a. Quem assim afirma é porque não conhece a verdadeira intenção da TdL, ou seja, criticam o que não conhece, logo se trata de uma crítica inválida, porque não tem fundamentação. A TdL entende que a fé e vida são inseparáveis e que a salvação do ser humano é a comunhão do homens com Deus e entre si, que orienta, transforma e leva a história à sua plenitude. E o pecado não é outra coisa senão essa quebra de comunhão do homem entre si e Deus.

A Teologia da Libertação não morreu. Ela está viva na Igreja e por meio da Igreja. Há um hino que diz: “Igreja é povo que se organiza, gente oprimida buscando libertação”. Enquanto esta Igreja estiver presente no mundo, a TdL também estará presente. Enquanto houver os pobres entre nós a Teologia da Libertação estará refletindo sobre eles e a partir deles, pois se acredita que Jesus está presente neles e converte a Igreja a partir deles. O teólogo Jon Sobrino ensinou que o Ressuscitado é o Crucificado, com essa afirmação ele quis dizer que a Igreja tem a missão de promover a dignidade humana das pessoas, especialmente os pobres. Se ela foge dessa missão, nega sua essência e sua razão de ser Igreja. Finalizo a presente reflexão com um outro conceito de salvação na TdL segundo Gustavo Gutiérrez: “Salvar-se é alcançar ao plenitude do amor, é entrar no circuito de caridade que une as pessoas trinitárias; é amar como Deus ama. O caminho que leva a essa não pode ser outro que o do próprio amor, o da participação nessa caridade, o de aceitar, explícita e implicitamente, dizer com o Espírito: ‘Abbá, Pai’” (Gál 4, 6). Queria perguntar aos ultraconservadores: onde estão os aspectos heréticos que contradizem a fé cristã na Teologia da libertação?...



Tiago de França da Silva

Seminarista Lazarita

Um comentário:

Anônimo disse...
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