domingo, 26 de outubro de 2008

O amor e a missão


O texto do Evangelho do XXX Domingo do Tempo Comum da liturgia da Igreja (Mt 22, 34 - 40) reflete sobre o maior mandamento, aquele que é mais importante na vida de quem segue a Jesus: O AMOR A DEUS E AO PRÓXIMO COMO A SI MESMO. Desde todos os tempos os cristãos sempre refletiram sobre sua missão neste mundo. Apareceram várias correntes teológicas, contruíram-se várias reflexões, pensaram vários caminhos. Mas, toda a reflexão teológica cristã destes 21 séculos resume-se na seguinte verdade: DEUS É AMOR E QUER QUE NOS AMEMOS UNS AOS OUTROS. O amor é o sentido e a base da espiritualidade do caminho de Jesus. Sem o amor não há caminho de Jesus, mas suposições ilusórias. A compreensão deste amor é simples. O próprio Jesus viveu o amor de Deus para ensinar seus seguidores a fazerem o mesmo. Viver o amor sempre foi um desafio porque a vivência do amor se contrapõe a valores que desumanizam o ser humano, criado a imagem e semelhança de Deus. O amor supera todas as forças do mal que operam no ser humano e no mundo. O mundo só será uma Casa possível quando os que nela habitam se conscientirem que a transformação do mundo vierá para prática do amor. Há muitas pessoas que amam e são amadas. É por isto que o mundo está sendo possível para muita gente. Os valores justiça e paz existem no mundo por causa das pessoas que amam, porque quem ama vive a justiça e a vivência desta provoca a paz. É por isso que se diz que a paz é fruto da justiça. O século XXI está marcado pela violência e pelo processo de destruição da vida. O mundo perdeu a consciência ética da preservação da vida. Os ambientalistas, filósofos e teológigos apontam para o surgimento de uma consiência planetária. O teólogo Leonardo Boff afirma que a Terra é a Casa comum dos seres vivos e não vivos e que o CUIDADO para com a natureza é extremamente urgente, porque a humanidade, dia após dia, caminha para a morte plena do planeta. A realidade ecológica é a maior prova de que o ser humano não aprendeu a amar a natureza. Ele esqueceu que é parte desta natureza. Surge uma indagação: Se o ser humano não consegue amar a si mesmo e aos outros de sua espécie, como vai conseguir amar a natureza?... O problema da relação entre os humanos reflete na degradação da natureza. O fato é que a natureza está sendo dizimada e que a ausência do amor na vida das pessoas está causando a morte da vida na Terra. O homem precisa revisar sua maneira de ser e de agir no mundo, pois percebe-se uma visão deturpada da natureza, como seus recursos fossem ingesgotáveis e infinitos. A natureza é a Mãe que sente a dor da exploração e está clamando por justiça, por meio das catástrofes que estão ocorrendo na atualidade. A solução para todo esse problema está no AMOR. Só o amor reconstrói o ser humano e com a reconstrução deste, naturalmente a natureza também se regenera. Refletindo sobre o AMOR do ponto de vista religioso temos o papel do Cristianismo. A Igreja já se declarou defensora da vida humana. Há um processo de conscientização religiosa a respeito da preservação e com o cuidado com a vida. Leonardo Boff deixou de escrever sobre temas especificamente teológicos e eclesiásticos para pensar a questão ecológica. Suas contribuições estão sendo valiosíssimas para a Igreja e para o mundo, porque para defender a natureza o homem precisa conhecer a riqueza do universo natural. A Igreja está dizendo para o mundo que quem ama promove e defende a vida, porque amor é vida, amar é viver. Na cotidiano da vida, por meio de gestos e palavras, todos são responsáveis pela promoção e defesa do amor e da vida. O respeito, a solidariedade, o perdão, a justiça, a paz, a amizade, a consciência planetária, o cuidado, o diálogo e tantos outros valores éticos e cristãos são gestos concretos de amor e vida. E Deus disse a Ezequiel: "Não quero a morte do pecador, mas que se converta e viva" (Ez 33,11). O homem precisa se converter ao amor, pois só por meio desta conversão é que conseguirá viver. Esta é a missão do cristão: amar e viver.

sábado, 11 de outubro de 2008

O sofrimento na vida cristã


Sabendo dos pesados dias em que passa a humanidade, resolvi escrever sobre o sofrimento humano do ponto de vista da fé cristã. Tenho assistido a muitas pessoas em situações de risco e também tenho sofrido no seguimento de Jesus.
Antes de tudo é preciso fixar algumas verdades importantes nesta reflexão:
a) O sofrimento faz parte da condição humana;
b) O sofrimento faz parte da vida dos seguidores e seguidoras de Jesus;
c) O sofrimento também está atrelado à nossa condição de pecadores;
d) Jesus é o modelo por excelência de sofredor, apresentando-se como o Servo Sofredor;
e) A caminhada do povo de Deus se faz num caminho estreito e perigoso.
Compreender o sofrimento é muito importante. Todo sofrimento tem uma causa, um motivo. O cristão precisa dar sentido ao seu sofrimento, pois ninguém sofre à toa. A natureza da cada ser vivo não aceita o sofrimento porque este causa mal estar físico, psicológico e até espiritual. Desde o processo de gestação de uma criança até a morte na velhice o sofrimento sempre fez parte do ser humano. Diante disso, pode-se perguntar: e onde fica a felicidade? Ela existe? É inegável que ela existe. Claro que a felicidade existe! Só que há um detalhe na reflexão sobre a felicidade, que consiste na existência da felicidade plena. Esta só existe na plena visão de Deus, ou seja, o ser humano só será plenamente feliz quando estiver com Deus. E este está com Deus é o fim último do gênero humano. Só na eternidade com Deus o homem será plenamente feliz. O mundo não oferece a felicidade plena. A felicidade do homem é humana e condicional. É um estado passageiro de bem estar para alguns. Digo alguns porque não são todos os seres humanos que têm uma vida digna. Mesmo que o homem tenha tudo o que considera bom ao seu alcance, ainda não é feliz. Aqui está a angústia dos que possuem riqueza material, pois possuem tudo, menos a verdadeira paz. Como pode uma pessoa viver em paz tendo tudo, enquanto tantos milhões no mundo não têm o mínimo para viver?
“Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga”, disse Jesus em Mt 16, 24. Esta é a exigência de Jesus para toda pessoa que deseja segui-lo. São três passos: renunciar a si mesmo, tomar a cruz e segui-lo. Atender a essas exigências é abraçar o sofrimento. Em muitas outras citações evangélicas, Jesus exige renúncia àqueles que desejam segui-lo. Se não há renúncias não há seguimento. Se o cristão não aceita tomar a cruz, não pode ser considerado cristão. Quando o sofrimento humano está ligado ao sofrimento de Jesus, este sofrimento tem sentido evangélico. Quando o sofrimento está ligado à causa do Reino de Deus, trata-se de um sofrer edificante. O sofrimento dos mártires é um exemplo disso. Quem são os mártires? São pessoas que escutando a voz de Deus na realidade do mundo, anunciam a Boa Notícia e denunciam as injustiças, e por causa disso, são perseguidos e mortos. Neste sentido, a maior tentação que o seguidor de Jesus sofre é a de buscar uma vida tranqüila, sem perturbações, sem incômodos, sem perseguições. Quando encontramos pessoas que dizem: “Não me comprometa! Não tenho nada que ver com isso! Quem tiver seus problemas que resolva!” Estas são pessoas que buscam fechar os olhos diante da realidade, evitando se comprometer com a mesma. Mas, por que isso acontece? Porque estas pessoas procuram viver em “paz”. Na verdade, são as mais angustiadas porque se recusam viver confirme o convite de Jesus. Faz parte da natureza humana fugir e não aceitar o sofrimento, pois o nosso ser físico pede conforto, mas a condição cristã pede-nos renúncia a uma falsa tranqüilidade de espírito. Os cristãos da Igreja Primitiva eram pessoas que se sentiam mais felizes nos momentos mais desafiantes da missão. Os imperadores romanos e oficiais do exército ficavam admirados sem entender a alegria dos cristãos diante da perseguição e da morte.
Alguns que não pensam muito no sentido da vida, da existência humana e sobre a ação de Deus no mundo afirmam: “Deus não existe, pois se ele existisse não permitiria tanto sofrimento”, “Deus é o causador do mal, pois ele permite tal situação de miséria humana”. Pensar dessa forma é desconhecer e negar a essência de Deus. Diante de tais acusações, basta afirmar: “Deus é amor e bondade”. Deus criou o ser humano livre. O homem é livre até para negar a Deus, que o concedeu a vida e a liberdade. Quando se afirma que o homem é livre para fazer o bem e para fazer o mal, isso já explica a realidade do mundo. Toda a maldade que há no mundo é fruto da ação humana. O mal não é criação do demônio, mas do homem. O homem não é mal na sua essência, mas pratica a maldade. Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança, logo ninguém pode dizer que o homem é mal. Mas, o mal se infiltrou no mundo por escolha do próprio homem que se voltou contra Deus. O homem é livre para evitar e fazer o mal. Quando o homem não age conforme a vontade de seu Criador, termina por trilhar caminhos que não são os de Deus, caminhos que não elevam o homem a Deus. É uma questão de escolha. Deus respeita a escolha do homem e não interfere na sua liberdade. “Porque é do coração que provêm os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as impurezas, os furtos, os falsos testemunhos, as calúnias”, disse Jesus em Mt 15, 19. Facilmente o homem procura colocar a culpa no demônio pelos males que acontecem no mundo, mas na verdade não é o demônio que está construindo as estruturas de pecado, mas o próprio homem, consciente ou inconscientemente. Na sua essência, Deus é amor e bondade, logo é incapaz de fazer o mal. O mal não provêm do amor e da bondade, afirmar isso seria uma grave contradição e um pecado contra o próprio Deus.
Mesmo sendo tentado pela sua condição humana, Jesus não renunciou ao sofrimento das perseguições e da morte de cruz. Ele foi fiel ao projeto de Deus de resgatar o ser humano de todo o pecado e opressão. Jesus lutou contra as forças da morte que reinavam e ainda reinam no mundo. Sua ressurreição é o ápice de sua mensagem. A ressurreição de Jesus é a resposta de Deus perante os poderes opressores que regem este mundo. Optando pela condição sofredora dos pobres, Jesus quis dizer à humanidade que Deus existe e que quer a vida do homem. A mensagem de Jesus é um forte apelo em favor da vida do homem e do mundo. A vinda de Jesus é sinal de que Deus não abandonou a humanidade corrompida pelo pecado. O desejo que a Palavra de Deus deixa transparecer é que Deus quer ver o homem livre e feliz. E que esta liberdade e felicidade deve ser uma conquista do próprio gênero humano. Deus optou por não conceder “de mãos beijadas” a liberdade ao ser humano, mas com o auxílio de sua graça, o homem pode chegar a possuir a Deus, e possuir a Deus é ser plenamente livre. A caminhada do povo de Deus na história da humanidade mostra claramente isso. É uma caminhada difícil de realizar, mas possível porque Deus está presente na história. A Sagrada Escritura mostra muito bem a ação dinamizadora e libertadora de Deus em favor do homem. Quando o profeta Isaías disse que o Messias era o Emanuel, que quer dizer Deus está conosco (cf. Is 7, 14), quis dizer que Deus não está sentado em seu trono de glória observando “de braços cruzados” a situação do mundo, mas que o Deus da vida está trabalhando junto com o homem na instauração do Reino de Deus. O caminho que leva à vida plena é estreito. As estradas do Senhor são pedregosas. Por isso, toda pregação que anuncia um Deus que dá tudo a todos sem exigir nada de nossa parte, é mentirosa e antievangélica. A Teologia da Prosperidade vivida pelo neopentecostalismo é uma distorção do Evangelho de Jesus. Trata-se de uma reflexão superficial que está desviando muitas pessoas do verdadeiro caminho de Deus. Tal reflexão recria um Cristianismo descomprometido com a realidade dos pobres sofredores deste mundo. Falam de sofrimento e de fé, mas não aceitam o compromisso com a mudança das estruturas religiosas, sociais e políticas. Falam de conversão, mas não de uma transformação da pessoa no serviço do amor gratuito. “Invocam sem cessar a Bíblia, mas desconhecem seu conteúdo”, disse o teólogo Joseph Comblin em seu livro O Caminho, ensaio sobre o seguimento de Jesus. A Igreja Católica precisa revisar seu método de evangelização, pois a Teologia da Prosperidade está cada vez mais se infiltrando nas realidades eclesiais que se recusam a um maior compromisso com a libertação integral do ser humano. A Igreja não pode se tornar um instrumento de cura espiritual. Todo o documento Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II ensina que a Igreja é sacramento universal de salvação. E esta salvação é integral, ou seja, não se trata de anunciar a salvação da alma humana. Jesus não veio ao mundo salvar as almas, mas integralmente o homem (corpo e espírito). Deus salva o homem de sua condição espiritual e material de pecado, por isso que o pecado social passou a fazer parte do discurso e do método de evangelização da Igreja. O trabalho de evangelização que não leva em consideração a situação concreta do homem não pode ser considerado anúncio do Evangelho. “Como núcleo e centro da sua Boa Nova, Cristo anuncia a salvação, esse grande dom de Deus que é libertação de tudo aquilo que oprime o homem, e que é libertação, sobretudo do pecado e do maligno, na alegria de conhecer a Deus e de ser por ele conhecido, de o ver e de se entregar a ele. Tudo isto começa durante a vida do mesmo Cristo e é definitivamente alcançado pela sua morte e ressurreição; mas deve ser prosseguido, pacientemente, no decorrer da história, para vir a ser plenamente realizado no dia da última vinda de Cristo, que ninguém, a não ser o Pai, sabe quando se verificará”, n. 09 da Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, do Papa Paulo VI. Nas palavras do Papa Paulo VI encontra-se o verdadeiro sentido da Evangelização na vida da Igreja.

Tiago de França da Silva
Seminarista

sábado, 4 de outubro de 2008

São Francisco de Assis e a Igreja


Quando Deus quer interferir na história da Igreja e da humanidade, ele se faz presente nas circunstâncias da vida. O Deus de Jesus é um Deus presente. Os cristãos acreditam nesta presença, que é real e que também é misteriosa. É misteriosa porque nem todo cristão consegue ver a Deus nas circunstâncias da vida. A história bíblica revela que Deus se revela aos pequeninos (cf. Mt 11, 25). Esta foi a escolha de Deus: optar pelos mais fracos, pelos oprimidos, pelos desumanizados de todos os tempos e lugares. Aí está o sentido do seguimento de Jesus: fazer a mesma opção que ele fez, imitá-lo. A história da Igreja está marcada pelos testemunhos dos mártires e santos, que deram a vida por causa do Evangelho do Reino. E no grande número dos santos de Deus está Francisco de Assis, nascido no século XII. A Igreja no tempo de Francisco era a Igreja da Idade Média, voltada para a conquista do poder junto ao Estado. No discurso teológico, Deus estava no centro da reflexão (teocentrismo) e a Igreja era considerada a "dona da verdade". Foi neste contexto de Igreja que Francisco nasceu e foi educado. Inicialmente, homem rico e entregue à tudo aquilo que a riqueza poderia oferecer. A conversão do jovem Francisco deu-se no encontro com os pobres de seu tempo: leprosos marginalizados das ruas de Assis. Resolveu abraçar a Senhora Pobreza como esposa por toda a vida. Tornou-se um pobre entre os pobres. E neste despojamento de tudo que era material, iniciou seu novo projeto de vida: seguir Jesus no espírito de pobreza, na simplicidade e humildade. São Francisco fundou a Ordem dos Frades Menores, em 1209 e teve a aprovação da regra pelo Papa Inocêncio III. Qual a regra da Ordem fundada por ele? Viver o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Toda a vida de São Francisco de Assis muito questiona a vivência dos atuais cristãos em todo o Cristianismo. São Francisco faz lembrar a Igreja, já no século XII, que a Igreja deve estar do lado dos pobres, sendo pobre como os pobres. Quando Deus responde a Francisco: "Vai e reconstrói a minha Igreja", está apontando justamente nesta direação: Jesus deseja que a Igreja seja mais humilde, mais simples, mais humana, mais missionária. Ao mesmo tempo em que era um místico estigmatizado, São Francisco de Assis era o homem da ação huamana entre os humanos. Ele renunciou ao mundo vivendo humanamente no mundo, pois vivia simples e humildemente no meio dos pobres e em plena comunhão com a Mãe Natureza. Para ele toda a Criação é Irmã do homem e a missão deste é justamente viver em plena sintonia com esta natureza. Qual o legado que São Francisco deixa para a Igreja e para a humanidade? Resumidamente, podem-se dizer que são dois: o amor misericordioso pelo próximo e o cuidado com a natureza. As atitudes dele revelavam um homem que quis reconstruir a Igreja por meio do amor, porque sabia que só o amor é que converte o ser humano. Ele sabia que não eram as leis nem os dogmas da religião que convertiam as pessoas, mas o amor de Deus vivido na relação fraterna. Morreu em 03 de outubro de 1226 e em 1228 foi canonizado pelo Papa Gregório IX. Tornou-se patrono da ecologia e padroeiro da Europa e um dos santos mais populares da Igreja em todo o mundo. Dom Hélder Câmara, que era devoto dele, disse: "Há homens que, vivendo profundamente a problemática do seu tempo e de seu povo, são tão humanos que permanecem como inspiração para todos os tempos e todos os povos. Francisco de Assis é um desses homens raros que, ao longo dos séculos, das latitudes e longitudes, interpelam, questionam, desinstalam".
- São Francisco, modelo de missionário do Pai,
rogai por nós!