sábado, 30 de maio de 2009

Solenidade de Pentecostes 2009


“O amor de Deus foi derramado em nossos corações
pelo Espírito que habita em nós, aleluia!”(Rm 5,5; 10,11)

“Recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia, na Samaria e até os confins da terra” (Atos 1, 8). Foram estas as palavras de Jesus antes de retornar ao seio do Pai. Ele promete o Espírito aos discípulos. Os discípulos confiam na palavra de Jesus e reunidos esperam a descida do Espírito Santo. As palavras de Jesus revelam a missão do Espírito Santo ao descer sobre os discípulos e sobre a face da terra: ajudá-los na missão de serem testemunhas da Ressurreição. Jesus deseja que a Boa Nova, que é ele mesmo, chegue aos confins da terra através da palavra e do testemunho de seus discípulos, que se tornando apóstolos foram as autenticas testemunhas de sua vida. Jesus convida-os a segui-lo e o Espírito os encoraja a assumir a missão.

“Mas o defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” (Jo 14, 26). Ensinar e recordar, eis duas ações que o Espírito operou nos discípulos de Jesus. Foram muitas as coisas que Jesus ensinou com a palavra e com sua vida aos seus seguidores. E o Espírito de Deus é aquele que ensina ao discípulo a seguir o Mestre e falar de sua intimidade. O Espírito recorda o seguidor de Jesus a sua missão, para que não se desvie do caminho. Recordar significa ter em mente a missão, o anúncio da Verdade que integra e liberta o homem das forças da morte que se manifestam nas pessoas e no mundo. É o Espírito que mantêm a fidelidade do discípulo, levando-o a doar a sua vida sem reservas.

“Então apareceram línguas como de fogo que se repartiam e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo” (Atos 2, 2 – 3). Verdadeiramente, em nome de Jesus, seu amado Filho, Deus enviou sobre os discípulos, o Espírito Santo. Este veio em forma de fogo. Um fogo que se reparte e pousa. O versículo primeiro fala de um forte barulho e como que uma ventania que enche toda a casa onde os discípulos se encontravam. Todos os verbos relacionados ao Espírito indicam movimento, ação, mudança, transformação. O Espírito veio sobre homens, limitados, pecadores. Faz estes homens falar línguas estranhas. E para que não pensemos que eles falaram a língua dos anjos, o autor dos Atos expressa claramente: “Quando ouviram o barulho, juntou-se a multidão e todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua” (Atos 2, 6), isto seria como seu, brasileiro, falante da língua portuguesa, fosse impelido pelo Espírito para uma missão no Japão e, sem nenhum conhecimento da língua, pregasse a Boa Nova em japonês. Foi isto que aconteceu. Extraordinário! O missionário jesuíta Francisco Xavier viveu esta experiência quando evangelizou indonésios, chineses e japoneses.

“De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1 Cor 12, 13). O Espírito Santo une as pessoas e mantêm a unidade do povo de Deus. Todos são batizados no Espírito, e todos bebemos deste mesmo Espírito. Unidos pelo Espírito formamos um só corpo, tendo Cristo como cabeça. Na missão, não é admissível a divisão e a confusão, pois todos são impulsionados pelo mesmo Espírito de Deus. As divisões que há entre os cristãos devem-se ao esquecimento da missão, por meio da busca de interesses particulares e institucionais. A briga pelo prestígio e pelo poder divide os cristãos de todos os tempos e lugares. Enquanto não houver renúncia de tais interesses não haverá unidade entre os cristãos. Estes precisam tomar consciência de que a missão é seguir Jesus no caminho do amor, dando testemunho diante dos homens do amor de Deus, que dá vida e liberta integralmente o gênero humano e toda a criação.

“Tendo assim recebido pelo Espírito a imagem e a inscrição do Pai e do Filho, façamos frutificar os dons que nos foram confiados e os restituamos multiplicados ao Senhor” (Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo. Séc. II, p. 926 da Lit. das Horas). Nós temos em nosso ser, a imagem e a inscrição do Pai e do Filho, dadas pelo Espírito. Estamos selados. Temos identificação. Somos cristãos. A autenticidade da vida cristã é conferida pelo Espírito de Deus. Toda pessoa que aceitou Jesus pelo batismo, carrega consigo este caráter indelével. Recebemos de Deus os dons necessários para uma vida feliz. Dons que precisam ser colocado a serviço. Os dons só servem para servir. Os dons dados por Deus a cada pessoa é para que ela se torne sua servidora, somos servidores de Deus. Todos os dons estão intimamente ligados ao amor, porque este é o dom maior. Quando amamos, estamos servindo a Deus. O cristão não pode deixar de amar, porque se o fizer, deixará de viver sua vocação por excelência.

“A santidade é o fruto do Espírito, ela não pode ser produzida por poderes humanos. Ser santo é agir pelo poder do Espírito, livrar-se dos poderes deste mundo para viver o poder de Deus. A santidade do Espírito vive-se na renúncia aos poderes deste mundo. Jesus tornou-se fraco, pequeno, pobre para ser santo, para ser instrumento de Deus. Também a Igreja há de se tornar fraca, pobre para ser santa” (José Comblin, O Espírito Santo e a Libertação. Vozes, 1987, p. 132). O Espírito Santo santifica o seguidor de Jesus por meio do amor. O amor de Deus santifica as pessoas. Agir pelo poder do Espírito, isto é ser santo. O teólogo José Comblin coloca o poder como impedimento para a santidade. Um santo não tem poder para nada neste mundo, a não ser o poder de Deus. O verdadeiro santo é aquele que só tem o poder de Deus. Um exemplo de santo pobre que só possuiu o poder de Deus foi São Francisco, o pobre de Assis. Então, para sermos santos precisamos renunciar aos poderes deste mundo. Jesus, modelo e fonte de santidade, não teve poder neste mundo: não era doutor da lei e nem sacerdote do templo, mas filho de um carpinteiro. Jesus não tinha onde reclinar a cabeça, dada a sua pobreza. Numa linguagem popular, em sua humanidade, Jesus foi um “Zé ninguém”. Os ricos costumam dizer que o homem que nada pode e nada possui é um “pobre lascado”, assim foi Jesus.

“No amor participamos da plenitude de Jesus e de Deus. E não há outra fórmula melhor para dizer que existe salvação” (Jon Sobrino, Fé em Jesus Cristo – ensaio a partir das vítimas. Vozes, 2000, p. 300). O Espírito de Deus ensina-nos a viver o amor de Deus e este amor nos faz participantes da plenitude de Jesus e de Deus. Isto é o Evangelho. É isto que devemos viver e assim estamos anunciando ao mundo a Boa Notícia da salvação. As pessoas e o mundo precisam saber desta verdade. A partir do conhecimento desta verdade é se restituirão no mundo, a vida e a liberdade. O Espírito de Deus trabalha incansavelmente todos os dias no mundo, porque o desejo de Deus é a vida do homem e do mundo. Quando o homem vive, o mundo se transforma. Quando a vida é aniquilada, o mundo também perde a vida. Precisamos tomar consciência que este mundo foi-nos dado para nele vivermos pela via do amor e do cuidado. O Espírito de Deus é vida e nos faz viver. Celebrar o Pentecostes significa permitirmos que a vida viva.

“... certamente não tenho prazer na morte do ímpio; mas antes, na sua conversão, em que ele se converta do seu caminho e viva” (Ez 33, 11). Hoje, fala-se muito no Espírito Santo nas Igrejas Cristãs. O Espírito é invocado para muitas coisas, inclusive para legitimar o poder e o suborno. O Espírito é “usado” para invocar curas e milagres a troco de recompensas financeiras. São muitas as curas, visões, êxtases, profecias, prodígios etc. Tomemos cuidado, pois o próprio Espírito de Deus denuncia os falsos profetas e nos faz discernir aquilo que nada tem a ver com a ação divina. Toda ação espiritual que estiver ligada aos poderes deste mundo e tiver a finalidade de ganhar dinheiro em nome de Deus, é mentira e falsidade. Nestas ações, ritos e cultos, o Espírito de Deus está totalmente ausente, porque nelas não há vida nem liberdade, mas alienação, exploração e morte.

Que o Espírito Santo nos guie no caminho da justiça e da paz!

Tiago de França da Silva

O tempo


O tempo é muito lento para os que esperam
Muito rápido para os que têm medo
Muito longo para os que lamentam
Muito curto para os que festejam
Mas para os que amam, o tempo é eterno.


William Shakespeare

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Relatório do Fórum Humanitário Global


Escutando os jornais televisivos e lendo as notícias do meio impresso e cibernético, fiquei horrorizado com o relatório do Fórum Humanitário Global (FHG), publicado hoje, sexta-feira. Estou convicto de que se a situação do mundo não mudar, se o homem não buscar meios alternativos para sua sobrevivência na terra, renunciando ao capitalismo neoliberal predador, o fim da espécie humana será terrível...

O que me chama a atenção é que o homem tem consciência do que está acontecendo, mas não age conforme esta consciência. As análises científicas provam que o homem está equivocado no tratamento com o planeta, mas há uma insistência em continuar no erro e no caminho irreversível para o colapso mundial. Como explicar isso? O que está se passando na cabeça dos líderes das nações que mais poluem e destroem o planeta?...

Diante da crise financeira internacional e do aquecimento global, o homem procura poluir e artificializar a vida cada vez mais. A ordem é: “Precisamos investir!” Quando um agricultor planta feijão em um lugar e a colheita não é satisfatória, naquele terreno ele não semeará outra vez. Então, como é que o homem, assistindo a degradação da natureza e sendo vítima de suas reações, não percebe que o planeta já não suporta mais a degradação?... O desequilíbrio climático que assistimos atualmente é um clamor da natureza. É como se ela dissesse: “Homens, parem de me destruir, porque assim terei que destruir vocês!” A natureza em si não é destrutiva, mas reage às ações antrópicas.

Veja o que diz o citado relatório:
- a mudança climática mata cerca de 315 mil pessoas por ano de fome, doenças e desastres naturais, e o número deverá subir 500 mil até 2030;
- a mudança climática afeta 325 milhões de pessoas por ano, e que em 20 anos este número irá dobrar, atingindo 6,7 bilhões de pessoas, 10% da população mundial;
- os prejuízos decorrentes do aquecimento global já superam os 125 bilhões de dólares por ano e devem chegar a 340 bilhões de dólares por ano até 2030;
- os países em desenvolvimento sofrem mais de 90% do ônus humano e econômico da mudança climática, embora os 50 países mais pobres respondam por menos de 1% das emissões de gases do efeito estufa;
- há 500 milhões de pessoas no mundo que vivem em condições vulneráveis em países pobres propensos a secas, inundações, tempestades, elevação do nível dos mares e desertificação;
- dos 20 países mais vulneráveis, 15 ficam na África. O sul da Ásia e pequenos países insulares também são muito afetados;
- diz que, para evitar o pior, seria preciso multiplicar por cem os esforços de adaptação à mudança climática nos países em desenvolvimento.

A situação é preocupante. Enquanto isto, a Coréia do Norte faz testes de bombas nucleares e lançamento de mísseis. Imagine os custos desses testes... Enquanto milhões morrem de fome no mundo, há governos que priorizam a indústria bélica, outros ainda injetam milhões de dólares em bancos falidos!... Como é difícil entender o ser humano! Os ricos poluem o mundo e acabam com a vida daqueles que não agem da mesma forma. Um verdadeiro absurdo!

Sem querer isentar o perigo da ação norte-coreana, é interessante ver como os EUA exigem o cumprimento das normas de segurança estabelecidas pela ONU, quando os norte-americanos continuam ceifando vidas no Iraque. Sem contar que ainda não quiseram assinar o Protocolo de Kyoto, em vista do aquecimento global. Mesmo com a eleição de Barack Obama, que inicia uma nova fase na história norte-americana, os norte-americanos continuam sem moral diante do mundo destacando-se como um dos maiores poluidores do meio ambiente e os piores exemplos para toda a humanidade.

Todos os governantes das nações precisam sentar e rever as posturas políticas e econômicas vividas nas relações nacionais e internacionais. A ONU precisa ser mais incisiva nas exigências e sanções aqueles que não observam os acordos. Documentos, acordos, pesquisas temos muitos, mas são puçás as ações concretas de proteção e cuidado para com o planeta... O desespero não pode nos tomar. Basta que cada um faça a sua parte e alimente a esperança de um mundo melhor. Se morrer a esperança, estamos perdidos!


Tiago de França

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Por que e como orar?


A oração tem sido motivo de preocupação para muitas pessoas. Diante das tragédias do mundo atual e dos problemas que angustiam boa parte da humanidade, as pessoas estão buscando cada vez mais o sagrado. Há no homem um desejo natural de busca do transcendente. A compreensão e a busca de Deus sempre inquietaram o homem. O sentido da existência é questionado e o homem procura situar-se no tempo e na história.

A oração é um meio eficaz que as religiões se utilizam para encontrar-se com Deus, com o sagrado. Para aquele que crer em Deus, de forma especial, aqueles que acreditam no Deus Uno e Trino, sabemos que Deus atrai para si todas as criaturas da Criação. Tudo foi criado por Deus e existe em função de Deus. Deus é o centro da vida de quem nele crer e confia. Assim sendo, a comunhão com Deus por meio da oração torna-se uma necessidade do crente.

Uma vez comprovada a necessidade de se rezar, pois de Deus tudo recebemos e em Deus tudo somos, resta-se agora saber como rezar. Toda forma de oração é válida? Como explicar a situação de pessoas que muito rezam, mas que continuam se sentindo vazias e sem sentido para a vida? Podemos encontrar sentido para nossas vidas na oração? Nem toda forma de oração é válida, porque algumas deixam de ser oração. Para que nossa oração seja eficaz, precisamos conhecer melhor a Deus. É verdade que ninguém conhece plenamente a Deus, pois nossa razão é limitada no conhecimento de Deus. Apesar de ter se revelado aos homens, Deus continua sendo um mistério insondável.

O grande perigo está em criar uma imagem de Deus. A imagem de Deus não é Deus, mas suposição de nossa mente. Muitas pessoas criam um deus para si e o adoram. Às vezes, discordam ou não aceitam o Deus revelado por Jesus e criam um deus para si. Este deus criado torna-se ídolo e não responde a nada, porque é um falso deus, um deus imaginário. O desafio é acreditar no Deus revelado por Jesus e amá-lo sobre todas as coisas. Crer neste Deus com a vida.

Para bem rezarmos, precisamos também estar cientes de que Deus não precisa de nossas orações. Nós não rezamos para Deus. Deus não depende de nossas orações para ser ele mesmo. Deus é completo e somente ele basta-se a si mesmo. A nossa oração nada acrescenta ao ser de Deus. Nós é que precisamos rezar. A nossa oração é para o nosso bem. Costumo dizer que rezamos para nos tornar pessoas melhores. A oração ensina-nos a viver o amor de Deus. Se a nossa oração não estiver em função da vivência do amor, torna-se inválida e alienante.

Outro dado interessante sobre a oração é que esta deve estar ligada a vida do orante. Quem orar sem sintonia com o cotidiano da vida, não sabe rezar, mas fugir da vida por meio da oração. A oração não pode ser uma fuga do mundo. Há pessoas que rezam para fugir do mundo e esquecer os problemas da vida. A oração torna-se paliativo, momento de "repouso psicológico", em que se fecham os olhos e se esquece de tudo e de todos. Isto não é oração, mas relaxamento das tensões cotidianas.

A oração precisa ser um encontro natural com Deus. A relação com Deus se dá com naturalidade, apesar de ele não se encontrar como pessoa (de carne e osso) conosco na oração. Antes de tudo, é preciso confiar na presença de Deus e permitir que ele ore em nós. A oração não precisa de excesso de palavras. Muitas vezes, as pessoas falam demais na oração e falam tanto que se esquecem de escutar a Deus... Escutar a Deus exige silêncio da boca e do coração, principalmente do coração, pois Deus fala ao coração da pessoa. É preciso se envolver no silêncio orante em que Deus fala suave e certamente. É uma experiência infalível!

Cada pessoa tem sua experiência de oração, mas precisa prestar atenção à oração que realiza. A verdadeira oração leva-nos a comunhão com Deus que se dá na comunhão com nosso semelhante. Escutei de um padre casado e professor no Seminário da Prainha, o grande Prof. Lauro Motta (in memorian), que São João Maria Vianney, padroeiro dos padres dioceses e santo francês, estava diante do Santíssimo Sacramento numa igreja. E quando perguntado sobre o porquê de seu silêncio na oração, porque não falava nada ao rezar, somente olhava para o Santíssimo, então respondeu: "Minha oração é muito simples, eu olho para Jesus e Jesus olha para mim. Isto me basta". Eis um modelo de oração eficiente, vivido por um santo padre da Igreja.

A oração faz bem ao corpo e ao espírito. Se não sentirmo-nos bem ao rezarmos, então é bom que revisemos nosso jeito de rezar. A oração não pode fazer mal a ninguém. Ele é um diálogo aberto e disponível com Deus. Por meio da oração, Deus se faz presente em nosso ser e nos tornamos pessoas mais humanas e humanizadoras. Se a oração não nos ajuda a sermos pessoas melhores, a sermos cristãos autênticos, então é melhor não rezarmos. É por meio da oração que recebemos de Deus o Espírito que confirma nossa fé e nos ensina a amar.

Termino esta breve reflexão sobre a oração com as palavras de São Vicente de Paulo, homem de Deus e dos pobres, que assim conceituou, a partir de sua experiência de oração, o significado da oração interior: "A oração interior é: elevar alma e espírito a Deus. A alma vai se desprendendo devagar de si mesma, para procurar a Deus dentro de si. É um diálogo da alma com Deus, uma compreensão mútua, uma troca de idéias. Deus comunica à alma, interiormente, o que cada um deve saber e fazer. E a alma, de seu lado, confia a Deus, num diálogo silencioso, os próprios desejos, como Ele lhos ensinou. É tão preciosa, a oração interior. Simplesmente não há nada que seja mais importante" (IX, 419).



Tiago de França

Unidos no amor


Há uma só
Palavra
Um só
Senhor
Uma só
Fé...

Há um só
Paraíso
Uma só
Recompensa
Um só
Jesus...

Há um só
Caminho
Uma só
Salvação
Um só
Evangelho...

Há um só
Amor
Uma só
Esperança
Uma só
Promessa...

Então,
De onde vêm as divisões,
Os preconceitos,
As desigualdades,
A intolerância?...

É preciso pensar
Que a fé é uma só,
Mas as manifestações são muitas.
E estas não mudam a essência do cristianismo.
Verdadeiramente, não mudam...

Só há uma
Saída
Para a unidade dos seguidores de Jesus
Neste mundo de divisões:
O amor...

Amor que supera
As divisões,
As desigualdades,
Os preconceitos e a
Intolerância...

Sem o amor
Não há culto,
Nem documento
Nem discurso
Que façam os cristãos se unirem no caminho de Jesus...

Fora do amor
Não há salvação
Não há vida
Não há fé
Não há caminho...

Só no amor e pelo amor é que podemos ser um
Em Deus
E Deus em nós.
Isto é o que nos fala
O Evangelho do caminho, da verdade e da vida...


Tiago de França

terça-feira, 26 de maio de 2009

O pão de cada dia


"Pai Celeste!
Como escutas o pedido
do pão de cada dia
da parte dos que temos
pão garantido
para o ano todo
e até para toda
a vida?

Como escutas o pedido
do pão de cada dia
da parte dos que, tantas vezes,
veem o dia acabar,
sem que chegue o pão!?...

O grave é que
se temos pão
para o mês inteiro,
para o ano todo,
ou para toda a vida,
é porque direta
ou indiretamente
tiramos o pão de cada dia
da boca de muita gente!

Pai, que a ninguém falte
o pão de cada dia!

Amém!"


Dom Hélder Câmara, em 25/ 11/ 1981.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Pensamento


Você precisa saber
O que passa aqui dentro
Eu vou falar pra você
Você vai entender
A força de um pensamento
Pra nunca mais esquecer

Pensamento é um momento
Que nos leva a emoção
Pensamento positivo
Que faz bem ao coração
O mal não, O mal não!

Sempre que para você chegar
Terá que atravessar
A fronteira do pensar
A fronteira do pensar

E o pensamento é o fundamento
Eu ganho o mundo sem sair do lugar
Eu fui para o Japão
Com a força do pensar
Passei pelas ruínas
E parei no Canadá
Subi o Himalaia
Pra no alto cantar
Com a imaginação que faz
Você viajar, todo mundo

Estou sem lenço e documento
Meu passaporte é visão em todo lugar
Acorda meu Brasil
Com o lado bom de pensar
Detone o pesadelo pois o bom ainda virá

Você precisa saber
O que passa aqui dentro
Eu vou falar pra você
Você vai entender
A força de um pensamento
Pra nunca mais esquecer

O tempo voa rapaz
Pegue seu sonho rapaz
A melhor hora e o momento
É você quem faz
Recitem poesias e palavras de um rei
Faça por onde que eu te ajudarei (...)


Cidade Negra. Composição: Ras Bernardo/ Lazão/ Da Gama/ Bino.

Para pensar:
- Que importância tem o pensar em nossas vidas?
- Que perguntas precisamos nos fazer para que outro mundo seja possível?

domingo, 24 de maio de 2009

Solenidade da Ascensão do Senhor


Depois de quarenta dias da Páscoa, a Igreja celebra a Ascensão do Senhor ao céu: “Jesus foi levado ao céu à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não podiam mais vê-lo” (Atos 1, 9). Antes disto, Jesus passou quarenta dias com seus discípulos fazendo-os acreditar na ressurreição. Devido às limitações inerentes a todo ser humano, os discípulos não compreendiam nem acreditavam na ressurreição, apesar das recomendações de Jesus antes de morrer crucificado.

São Paulo, quando escreve aos Efésios, pede: “Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos...” (1, 18). Com esta prece, o Apóstolo ensina-nos que é a luz de Deus que nos revela a viva esperança a que somos chamados. Enquanto esperamos a última vinda do Cristo, devemos viver esta esperança, que consiste na espera paciente e alegre da libertação integral do ser humano, que se dará na parusia do Senhor. O mesmo Apóstolo nos fala ainda da glória que nos é reservada depois de nosso peregrinar na face deste mundo, de uma herança reservada a todos que creram no Filho do Homem e agiram conforme sua vontade.

O texto evangélico deste Domingo se inicia com o mandato do anúncio: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15). Este é o pedido de Jesus: “Ide e anunciai”. A Igreja, instrumento de salvação no mundo deve obedecer a este mandato e cumpri-lo até a parusia do Senhor. Os Doze observaram fielmente o mandato de Jesus e anunciaram com o testemunho de suas vidas o Evangelho. E esta fidelidade ao que Jesus mandou fazer, levou o Cristo a confirmá-los na missão: “O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio de sinais que o acompanhavam” (16, 20). Os Apóstolos não estavam sozinhos. Jesus estava presente na vida e na missão exercida por eles. Não faltava aos Apóstolos o poder necessário para a pregação da Palavra. Eles nada podiam e quase nada sabiam, mas o Espírito de Deus e a presença constante e fiel de Jesus os fizeram autênticos missionários por meio da palavra e dos sinais que a acompanhavam.

Assim, nos dias de hoje, mais do que em outros tempos, nossas Igrejas precisam observar o mandato de Jesus. Nossas Igrejas precisam renunciar à falta de unidade que se dá na competição e na intolerância religiosa, e se unirem no anúncio da Boa Nova. A humanidade dá plenas provas de que esquece cada vez mais o mandamento do amor e a missão do Cristianismo é recordar à humanidade inteira, de que fora do amor não existe saída para as tragédias que estão ocorrendo no mundo. A crise de humanidade dos homens é fruto da falta de amor nos corações, nas ações e relações humanas. Precisamos parar de “olhar para o céu”, sair de nossa estagnação e partirmos para o mundo, para dentro dele, e manifestarmos a ação poderosa de Deus por meio do amor. O mundo espera dos cristãos um testemunho vivo do amor vivido e anunciado por Jesus. Este clamor é urgente em nosso tempo, pois estamos sucumbindo nas trevas da ignorância e do fechamento ao amor gratuito de Deus.

Celebrar a subida de Jesus ao céu é crer que o crucificado é o ressuscitado, que vencendo a morte deu-nos a vida. E crendo nisto, a vitória de Jesus também é nossa vitória. Recordemos sempre que quando se fala em vitória é porque houve luta e se há luta, não podemos fugir dela, pois é na luta cotidiana da vida que vamos construindo o Reino de Deus que será consolidado com a vinda gloriosa de Jesus. Recordemo-nos da indagação dos dois homens vestidos de branco feita aos Apóstolos: “Homens da Galiléia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?” (Atos 1, 11). E a Igreja, está parada, olhando para o céu? E cada um de nós, estamos parados, olhando para o céu?... Olhemos a realidade e pensemos naquilo que fazemos e podemos fazer.


Tiago de França

sábado, 23 de maio de 2009

Hugo Chávez, ditador?


Quem não tiver visão história dos totalitarismos que se deram ao logo do tempo na América Latina chamará Fidel Castro e Hugo Chávez de ditadores. Assim como Che Guevara, estes homens sonharam e os dois primeiros ainda sonham com a liberdade de seus povos.

Nestes dias foram anunciadas as nacionalizações de seis empresas multinacionais na Venezuela. Estas empresas eram de cerâmica e siderurgia e tinham capitais privados da Europa, Ásia e América Latina. O objetivo do Governo Chávez é libertar o país do capital internacional, que não enriquece o país, aumentar o poder do Estado e melhorar a vida da população. Foi o oposto que ocorreu no Brasil, na era FHC, quando este vendeu dentre muitas outras empresas estatais, A Companhia Vale do Rio Doce, que segundo analistas do campo da mineração, se a mesma fosse vendida valeria hoje, aproximadamente 200 bilhões de dólares. Omito-me em falar do preço de venda da mesma em 1997 (faz até vergonha!), dado o valor ínfimo em que foi entregue ao capital especulativo internacional.

A maneira como a rede Globo de TV coloca Hugo Chávez para os brasileiros é pobre e mentirosa. A expressão é: “Hugo Chávez declara guerra aos investimentos internacionais...” e faz ligação imediata à Revolução Cubana. Estamos cansados de escutar dos críticos do capitalismo que o que acaba com a soberania de uma nação são as privatizações e o capital especulativo internacional. Numa linguagem simples pode-se entender que as multinacionais e os bancos estrangeiros querem: investir sem medida, isentar-se do pagamento de impostos e taxas alfandegárias, menos burocracia por parte dos governos, exploração dos recursos naturais, lucros absurdos e inaceitáveis e exportação da riqueza para os países de origens das empresas. A falácia se dá na idéia de que tais empresas oferecem emprego, tecnologia, crescimento do PIB e desenvolvimento sustentável ao país. Puro engano!

Assim sendo, quem é desprovido de consciência história e memória vai ignorar de imediato as ações de Hugo Chávez contra as empresas industriais e midiáticas que estão fazendo de tudo para desmoralizar o Governo junto às populações nacionais e internacionais, mas não irão conseguir por dois motivos: primeiro, porque Hugo Chávez é destemido. É um homem que não tem medo de ameaças, não é alienado e nem se deixa levar pela lábia dos exploradores. Segundo, porque a população acredita na personalidade de Hugo Chávez. O povo venezuelano, assim como os povos das demais nações em que a esquerda venceu democraticamente e com força política em toda América Latina, acredita no fortalecimento da democracia.

A liberdade e a autêntica democracia, que se dão na busca da igualdade entre as pessoas, nunca foram temas do capitalismo neoliberal. Dessa forma, não é de se estranhar que a rede Globo e as demais empresas que pregam o capitalismo como saída para a humanidade busquem desmoralizar governos que escutam o povo e devolvem o poder que lhe pertence. Fiquemos de olhos atentos, pois a manipulação da consciência faz parte dos falaciosos e doentes oradores do capitalismo.


Tiago de França

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Invocação à Mariama


Mariama, Nossa Senhora, mãe de Cristo e Mãe dos homens!
Mariama, Mãe dos homens de todas as raças, de todas as cores,
de todos os cantos da Terra.
Pede ao teu filho que esta festa não termine aqui, a marcha final vai ser linda de viver.
Mas é importante, Mariama,
que a Igreja de teu Filho não fique em palavra, não fique em aplauso.
Não basta pedir perdão pelos erros de ontem.
É preciso acertar o passo de hoje sem ligar ao que disserem.
Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão.
É Evangelho de Cristo, Mariama.
Claro que seremos intolerados.
Mariama, Mãe querida,
problema de negro acaba se ligando com todos os grande problemas humanos.
Com todos os absurdos contra a humanidade, com todas as injustiças e opressões.
Mariama, que se acabe, mas se acabe mesmo a maldita fabricação de armas.
O mundo precisa fabricar é Paz. Basta de injustiça!
Basta de uns sem saber o que fazer com tanta terra
e milhões sem um palmo de terra onde morar.
Basta de alguns tendo que vomitar para comer mais
e 50 milhões morrendo de fome num só ano.
Basta de uns com empresas se derramando pelo mundo todo
e milhões sem um canto onde ganhar o pão de cada dia.
Mariama, Senhora Nossa, Mãe querida,
nem precisa ir tão longe, como no teu hino.
Nem precisa que os ricos saiam de mãos vazias e o pobres de mãos cheias.
Nem pobre nem rico.
Nada de escravo de hoje ser senhor de escravo de amanhã.
Basta de escravos.
Um mundo sem senhor e sem escravos. Um mundo de irmãos.
De irmãos não só de nome e de mentira.
De irmãos de verdade, Mariama.


Dom Hélder Câmara

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A liberdade


A liberdade faz parte dos anseios mais profundos do ser humano. O homem só se humaniza na liberdade porque é um ser vocacionado à liberdade. Sem esta, o humano torna-se vazio e sem sentido. O capítulo IV do livro "O homem, que é ele?", de B. Mondin fala da vontade, da liberdade e do amor. Aqui discorrerei um pouco sobre o que penso a respeito da liberdade em conexão com o pensamento do autor. Mondin incia sua reflexão expressando a dificuldade que há na construção do conceito de liberdade, devido às várias circunstâncias em que a palavra ou o termo liberdade é expresso no cotidiano da vida das pessoas e em suas discussões. Mas, diante de tantas opiniões há o que Mondin chama de "núcleo fundamental" comum, que é a afirmação de que liberdade é sinônimo de "ausência de constrangimento", immunitas a coactione, afirmavam os escolásticos.

Este constrangimento ou coação é oriundo de várias causas. E estas, por sua vez, leva o autor a distinguir alguns tipos de liberdade. A saber:
- liberdade física (ausência de constrangimento físico);
- liberdade moral (ausência de forças relativas à ordem moral);
- liberdade psicológica (ausência de impulsos de outras faculdades humanas para fazê-la agir de determinada forma);
- liberdade política (ausência de determinismos políticos);
- liberdade social (ausência de determinismos sociais).

Mondin se debruça sobre a liberdade psicológica e julga esta como a liberdade plena do sujeito em decidir por si mesmo em sua ação. O homem é livre para agir quando ele decide sobre aquilo que quer e deseja. A ação humana é psicologicamente livre quando o homeme encontra-se na "possibilidade radical de decidir por si mesmo". Aí está a essência da liberdade.

A partir de uma leitura da realidade, citando H. Daudin, Mondin afirma que a Filosofia Grega não deu ênfase ao problema da liberdade. A preocupação dos filósofos antigos estava voltada para a moral, a ética, a orientação da vida humana, o conhecimento sensível, conhecimento do intelecto etc. A liberdade é um tema totalmente ausente na filosofia pagá. No final da antiguidade clássica e durante toda a Idade Média é que a Filosofia mergulha no conhecimeto da liberdade da vontade. A discurssão e o estudo sobre a liberdade aprofundam-se cada vez mais na Idade Moderna, com questionamentos úteis à procura do sentido e da presença da liberdade no homem e em sua ação. Mondin afirma que são três as causas que levaram ao esquecimento ou ausência do tema liberdade na filosofia antiga e pagã:

- porque na filosofia pagã todas "as coisas eram sujeitas ao destino, vontade superior aos homens e aos deuses, que determina consciente ou inconscientemente a ação";
- porque o homem está sujeito à natureza e às leis que a governam e não pode agir diversamente conforme sua vontade;
- "porque o homem é escravo da férrea engrenagem da história, que é concebida pelo pensamento grego como movimento cíclico, no qual tudo se repete regularmente em certo período do tempo".

Foi no pensamento cristão que o tema da liberdade ganhou uma nova dimensão e atraiu interesse. Afirma Santo Agostino: "É o Deus das Escrituras que nos revela que o homem tem livre escolha da vontade". Este pensar constrói a base de uma nova concepção de liberdade. Nesta, o homem é chamado a fazer-se a si próprio sobre a orientação livre de um Deus que é Pai amoroso. Dessa forma, o destino, a história e a natureza não estão mais acima do homem, mas estão a seu serviço. Durante o período patrístico a liberdade foi concebida do ponto de vista teocêntrico, ou seja, a liberdade consistia na relação do homem com Deus. No período moderno, a reflexão sobre a liberdade renuncia o teocentrismo e cede lugar ao antropocentrismo. Agora, a reflexão parte do homem e de sua relação com os demais homens e com o Estado, não mais na relação com Deus. Neste período destam-se os filósofos Descartes, Spinoza, Hume, Freud e aqueles que se debruçaram sobre o estudo das paixões: Marx, Comte, Mill, Croce, Russell, Marcuse e outros. No período contemporânio, com o aparecimento do fenômeno da socialização, a discussão sobre a liberdade ganhou nova forma. A liberdade é avaliada do ponto de vista social. Como se pode ser livre diante de regimes políticos totalitários e de um espírito globalizante ideológico e capitalista manipulador e predador? Os contemporâneos ocupam-se em analisar a liberdade levando em consideração esta rede de relações e complexos sistemas que atuam a partir do homem e sobre o homem.

Depois de conceituar a liberdade de apresentar um breve resgate histórico da discussão da mesma, quero concluir esta breve reflexão imprimindo uma opinião que julgo importante para a reflexão filosófica cristã, a partir da existência de uma filosofia cristã, que o homem é chamado a pensar a liberdade e a partir deste pensar, tornar-se um agente da liberdade no mundo atual. O grande dilema do homem pós-moderno é encontrar-se "amarrado" às correntes de pensamento e sendo alienado não consegue ser feliz. Se a liberdade faz parte da essência do ser humano, fica claro é evidente que sem ela não podemos encontrar a felicidade. Crente de que podemos ser felizes na vivência da liberdade e a partir dela construirmos um mundo melhor para nossa subexistência, é possível alimentarmos nem que seja uma utopia de pensarmos um outro mundo possível.

Tiago de França

Obs.: Texto apresentado à cadeira de Antropologia Filosófica do curso de Filosofia do ITEP.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Pedofilia: um crime contra a natureza inocente


Como entender
O dilema de vidas infantis violentadas
Pela sede de pessoas
Desviadas moralmente?...

Como entender
A violência contra pétalas virgens
De rosas perfumadas
Inocentes e cheias de vida?...

Como entender
O mal olhar e o tocar
Violento de mãos
Contra inocentes que não entendem ainda o sentido da vida?...

Como entender
A satisfação sexual
Utilizando-se de pessoas indefesas
Destituídas de compreensão da realidade?...

Como entender
A pedofilia:
Abuso sexual com crianças indefesas?
Violência!...

A pureza,
A inocência e a virgindade
Clamam por justiça!
Justiça que não pode tardar...

Ó justiça surda e cega,
Devolve a pureza
Daquelas vítimas
Tocadas pela violência da insensatez e insanidade!...


Tiago de França

Celebrando Dom Oscar Romero: Homilia de 24 de março na capela da UCA


Monsenhor no Hospitalito, sozinho com Deus.
Na Catedral, com seu povo.
Em meio ao povo e em sua defesa até o fim.
Em muitos lugares está sendo celebrado o XXIX Aniversário do assassinato-martírio de Monsenhor Romero. No sábado, 21, em uma vigília popular. Hoje (24), às 12:00 horas, em uma missa na Catedral, presidida pelo arcebispo, Dom José Luis Escobar, e às 15:30 horas em outra missa na Cripta, presidida por Monsenhor Rosa. Agora, nesta eucaristia, o recordamos na Capela da UCA (Universidad Centroamericana, em El Salvador). Pedimos-lhe que nos abençoe; que nos anime a ser uma universidade como ele queria e a converter-nos quando, por ação ou por omissão, não o somos. E lhe pedimos que professores, administrativos, trabalhadores/ras e alunos sempre recordem seu nome, o recordem e o honrem.


Para torná-lo presente entre nós, elegi duas leituras. O evangelho é o do Bom Pastor, pois a universidade, com tudo o que tem, conhecimentos e recursos, deve pastorear de maneira universitária o povo salvadorenho. Antes de qualquer outra coisa, deve alimentar as maiorias famintas de pão e de trabalho, de justiça e de verdade. E deve defendê-las dos mercenários, dos poderosos de todo tipo, que não as apascentam; mas, que, muitas vezes, as devoram, como denunciava o profeta Oséias. E nessa defesa, a universidade deve correr riscos, como o bom pastor. Quem nos recorda essa verdade são os nossos companheiros aqui enterrados.

A segunda leitura nos diz quem é esse bom pastor: Jesus de Nazaré. Em palavras belas e bem pensadas, diz-se que Ele "passou fazendo o bem, curando os oprimidos". E agrega, em tom de confissão, o que não costumamos levar em consideração: "que Deus estava com Ele".

Agora, queremos recordar Monsenhor Romero bom pastor a partir de três coisas muito próprias dele: o Hospitalito, a Catedral e seu caminhar com o povo, defendendo-o até o fim.

1. No Hospitalito, sozinho com Deus

Sabe-se que, após sua nomeação como arcebispo, a oligarquia quis atraí-lo para seu lado e lhe ofereceu um palácio episcopal com as habituais comodidades mundanas. Porém, Mons. Romero não aceitou e foi viver em uma modesta casa junto ao Hospital ‘La Divina Providencia’. Lá, muitas vezes, recebeu à noite pessoas de todo tipo. Lá, aos sábados, preparava suas homilias dominicais. E lá, como Jesus junto ao lago ou no horto, orava ao Deus que vê no escondido. A Ir. Teresa contava que altas horas da madrugada via luz na casa de Monsenhor e lhe levava um suco de laranja. O encontrava rezando.

No Hospitalito, em tempos de graves riscos, Mons. Romero vivia sozinho e sem segurança. As pessoas mais próximas eram mulheres, enfermas de câncer incurável, pobres todas elas, com a angústia permanente de não saber o que seria de seus filhos depois que morressem. Monsenhor -tão indiferente às honras mundanas- confessou que teria gostado de ganhar o Prêmio Nobel da Paz de 1978 para, com o dinheiro do prêmio, aliviar a sorte das mulheres enfermas.

Somente Deus que vê no escondido sabe bem quem era o Monsenhor do Hospitalito e o que significava Deus para ele. Porém, algumas coisas podemos recordar. Pouco antes de sua morte, nos momentos mais difíceis do povo salvadorenho, Mons. Romero lhes falou de "Deus":

"Nenhum homem se conhece enquanto não se encontrou com Deus. Quem me dera, queridos irmãos, que o fruto dessa predicação fosse que nos encontrássemos com Deus" (Homilia de 10 de fevereiro de 1989).

E a essas palavras mais reflexivas, agregou outras mais entranháveis. Com humildade dizia: "meu desejo mais íntimo é que eu não seja um empecilho no diálogo de vocês com Deus". E, com entusiasmo, acrescentou: "me alegra muito quando tem gente simples que encontra em minhas palavras um veículo para aproximar-se de Deus" (Homilia de 27 de janeiro de 1980). E com Deus consolava as pessoas: "Deus vai com nossa história. Deus não nos abandonou" (Homilia 9 de dezembro de 1979).

A todos, também a UCA e à Igreja, Ele nos pergunta e nos convida a "estar sozinhos com Deus". E aos que não mencionam esse nome, pergunta-lhes e os convida a estar socinhos, sem defesas e em entrega total, com aquele bom que vejam como último: a compaixão, a justiça, a verdade. "Sozinhos". Sem poder ir além.

2. Na Catedral com seu povo

O Monsenhor da Catedral é mais conhecido. É o Monsenhor das homilias, dos pobres e das vítimas, dos horrores da repressão e da esperança de justiça. É o Deus das organizações populares, dos sacerdotes perseguidos e assassinados, dos inúmeros mártires, sem que Monsenhor deixasse a nenhum deles e delas sem nome. É o Deus do povo salvadorenho. Aqueles que tivemos a sorte de escutá-lo, o recordamos muito bem. Vamos citar algumas palavras suas; porém, talvez o mais importante é saber como preparava suas homilias -profunda lição- para a Igreja, para a UCA, para os meios de comunicação, e para todas as instituições e organismos que querem servir ao povo. Na véspera de seu assassinato, disse Monsenhor:

"Peço ao Senhor, durante toda a semana, enquanto vou recolhendo o clamor do povo e a dor de tanto crime, a ignomínia de tanta violência, que me dê a palavra oportuna para consolar, para denunciar, para chamar ao arrependimento" (Homilia de 23 de março de 1980)

Daí surgia a denúncia e a profecia, e por surgir da dor e do clamor do povo, iam além de declarações éticas ou da doutrina social:

"Eu denuncio, sobretudo, a absolutização da riqueza. Este é o grande mal de El Salvador: a riqueza, a propriedade privada como um absoluto intocável. E ai daquele que toque nessa cerca de alta tensão! Se queima!". "Vivemos em uma falsa ordem baseada na repressão e no medo". "Roubar tornou-se comum. E aquele que não rouba é chamado de tonto". "Brinca-se com o povo; brinca-se com as votações; brinca-se com a dignidade das pessoas". "Estamos em um mundo de mentiras, onde ninguém acredita em nada". E como um Amós ou um Miquéias, dizia: "isso é o império do inferno". A exigência é como ser Igreja e ser universidade de ciência e de profecia.

Nos últimos meses, Monsenhor Romero foi, todavia, mais duro -se é que se pode falar assim-, ao dizer a verdade. E a razão era a compaixão: a verdade estava a favor do povo, que muitas vezes somente tinha a verdade a seu favor. Por isso, a denúncia profética subiu de tom. Porém, é importante recordar também umas palavras cheias de honradez e muito próprias de Monsenhor, que, tomara, todos as tenhamos presentes: "temos que começar em casa".

"Quem denuncia deve estar disposto a ser denunciado e se a Igreja denuncia as injustiças, está disposta também a escutar denúncias contra si e está obrigada a converter-se... Os pobres são o grito constante que denuncia não somente a injustiça social, mas também a pouca generosidade de nossa própria Igreja" (Homilia de 17 de fevereiro de 1980).

3. No meio do povo e em sua defesa até o fim

Monsenhor manteve-se firme na compaixão e na denúncia, sem falcatruas. Sua compaixão e sua profecia não foram ‘flor de um dia’, nem foram palavras, política e eclesiasticamente, corretas. Na sociedade não encontrou facilidades; porém, tampouco encontrou facilidades na Igreja enquanto instituição hierárquica; às vezes, muito pelo contrário. Manteve-se firme e até o último momento defendeu as vítimas, mesmo sabendo que ele poderia ser a próxima. E assim foi.

Monsenhor Romero levou a serio as palavras de Puebla. Deus "ama os pobres e os defende". A primeira o levou a desgastar-se em uma pastoral a favor da justiça, da esperança e da vida dos pobres. A segunda, a enfrentar-se com quem os oprimiam e reprimiam. Colocou a sua Igreja nessa direção de defesa e enfrentamento, de modo que, sem intenções idealistas, chegou a ser uma "Igreja dos pobres". Isso significou riscos e confrontos. "Por defender o pobre, a Igreja entrou em grave conflito com os poderosos das oligarquias econômicas" (Discurso de Lovaina, 2 de fevereiro de 1980). Já antes havia constatado as consequências e emitiu um julgamento notoriamente evangélico, que nunca se emite: "Seria triste que em uma pátria onde estão assassinando tão horrorosamente não contáramos também sacerdotes entre as vítimas. Estes, são o testemunho de uma Igreja encarnada nos problemas do povo" (Homilia de 24 de junho de 1979).

Atualmente, em um mundo mal chamado de globalização e que, na realidade, vive em transe de cruz, pretende eliminar arestas ao horror da realidade e silencia milhões de crucificados -no Iraque, no Congo, em Gaza, no Haiti-, tornar Deus presente na história é seguir Jesus carregando a cruz. Não com uma cruz abstrata e sem história; mas concreta, salvadorenha. "Cristo é Deus majestoso que se faz homem humilde até a morte dos escravos em uma cruz e vive com os pobres... assim deve ser nossa fé cristã" (Homilia de 17 de fevereiro de 1980). Monsenhor o intuiu desde o início. Em Aguilares, no dia 19 de junho de 1977, começou a homilia com estas palavras: "minha responsabilidade é ir recolhendo atropelos e cadáveres". Palavras para a UCA, para a Igreja e para todos.

Monsenhor manteve a defesa de seu povo até o fim e, com isso, manteve a esperança. Dois eram seus pilares, como intuiu Ignacio Ellacuría: Deus e o próprio povo. Sem nenhuma rotina, nas horas mais trágicas de El Salvador, não se cansou de repetir o Emanuel. "Deus vai com nossa história. Deus não nos abandonou. Nenhum cristão deve sentir-se sozinho em seu caminhar; nenhuma família tem que se sentir desamparada; nenhum povo deve ser pessimista, mesmo em meio às crises que parecem mais insolúveis". É o "consolai, consolai o meu povo", de Isaías. E a esse povo deu-lhe dignidade. "Vocês são o divino transpassado", disse em Aguilares a uns camponeses aterrorizados no dia em que foi celebrar a eucaristia quando os soldados, um mês depois em que o povoado havia sido invadido, ocupado e abandonado à sua sorte. Monsenhor dizia: "sobre estas ruínas brilhará a glória do Senhor".

As ameaças iam aumentando. Em sua última homilia, confessou: "Esta semana me chegou um aviso de que estou na lista dos que serão eliminados na próxima semana". E automaticamente, como se se houvesse convertido em segunda natureza, Monsenhor pôs sua morte em relação à salvação do povo: "que meu sangue seja semente de liberdade e sinal de que a esperança logo será uma realidade".

E na relação com o povo, em um supremo esforço para impedir maiores atrocidades, pronunciou as palavras finais de sua homilia, fato insuperável na história do país, da Igreja e de qualquer lugar onde haja um rastro de humanidade: "em nome de Deus e em nome desse sofrido povo, cujos lamentos sobem até o céu cada dia mais tumultuosos, suplico-lhes, rogo-lhes, ordeno-lhes em nome de Deus: parem com a repressão" (23 de março de 1980).

Nunca antes se havia escutado palavras semelhantes; e nunca mais voltaram a ser escutadas. Foram acolhidas com um estrondoso aplauso, nunca antes escutado, e que nunca mais voltou a ser escutado:

Com a morte de Monsenhor, sua palavra não morreu. Poucos dias depois de seu assassinato, em uma missa celebrada na UCA, o Padre Ellacuría disse: "Com Mons. Romero, Deus passou por El Salvador". Muitas vezes repetimos essas palavras e hoje voltamos a perguntar-nos: é verdade? Sim, em muitos lugares. Basta recordar algumas coisas desses dias.

No dia 2 de março, Noam Chomsky, proeminente pensador estadunidense, lutador por causas nobres, muitas delas "perdidas"; acossado de muitas formas pelos poderes estabelecidos, acaba de completar 80 anos. O diário El País o entrevistou sobre temas conhecidos profissionalmente pelo autor: a situação da política internacional, os meios, internet... Porém, rompendo a lógica da profissão, a entrevista termina com uma pergunta pessoal: "Em sua idade, o que o faz continuar lutando?". E ele respondeu:

"Imagens como essa [Chomsky indica um quadro pendurado em seu escritório, no qual se vê o anjo exterminador junto ao arcebispo Romero e aos seis intelectuais jesuítas assassinados em El Salvador nos anos 80 pelos esquadrões da morte]. Um de meus fracassos é que nenhum estadunidense saiba o que significa esse quadro".

No dia 15 de março, algo novo aconteceu em El Salvador. O partido Arena, que nunca havia pronunciado oficialmente o nome de Monsenhor Romero -penso que por medo e por uma espécie de insuperável paralisia fonética-, perdeu as eleições. Mas, o vencedor, presidente eleito, Mauricio Funes, sim, o pronunciou. Analistas existem e existirão que julguem sobre convicções e intenções. Porém, remeter-se a Mons. Romero nesse momento e apresentá-lo como o mais entranhável que produziu e possui El Salvador, indica que Mons. Romero continua vivo.

Na vigília do dia 21 de março, durante a marcha e diante da catedral, muitos salvadorenhos/as sentiram uma vez mais a presença de Monsenhor. Com sentido humano e cristão -e com estranho sentido teológico-, não expressaram essa presença, pelo menos no fundamental, porque tivessem agora em suas mãos "mais poder"; porém, a expressaram com um sentimento de dignidade, esperança e alegria. Com Monsenhor podiam continuar trabalhando e caminhando. E celebrando a vida.

[No dia 26 de março, por primeira vez na história do país se instaurou um tribunal de justiça restaurativa para que, após desentender-se de tanto crime, por vileza ou pela lei de anistia, o Estado reconheça sua culpa e peça perdão; para que as vítimas recuperem dignidade; e para que depois de muitos anos sejam dados passos de reconciliação. Monsenhor Romero passava por El Salvador nos esforços denodados de muitos profissionais para a instauração do tribunal; na palavra das testemunhas, dos familiares das vítimas e, às vezes, das próprias vítimas; na dignidade, no alívio, na mão estendida que essas palavras expressavam].

Terminamos por onde começamos. Estamos na Capela da UCA. Convido-os a tornar realidade o compromisso assumido pelo padre Ellacuría quando, diante de Monsenhor, em 1985, recebeu o Doutorado Honoris Causa outorgado pela UCA.

1. Uma autêntica inserção na realidade nacional lacerada, quase ferida mortalmente, sacudida hoje por dez assassinatos a cada dia, sem ceder à tentação de distanciar-nos dela, mas como algo que traz benefício para a excelência acadêmica.

2. Não cair na neutralidade falaz e concretizar o bem comum a partir do bem das maiorias pobres e oprimidas, das vítimas: isto é, fazer uma opção livre pelos pobres deste país e manter-nos firmes nela.

3. Após a guerra, propiciar e defender de todas as formas possíveis uma paz verdadeira, os direitos humanos e a reconciliação real; frear o sangramento do país e trabalhar para que não sejam necessárias as migrações desumanas.

4. Não desistir da esperança de construir um futuro melhor, mais humano e humanizado. Especialmente, devolver palavra, consolo, dignidade e reparação às vítimas. E deixar-nos salvar por elas.

5. Que não se esmoreça, mas que se robusteça a inspiração cristã que movia todo o atuar de Mons. Romero. O Monsenhor que vivia da fé em Jesus nos move a dar a vida pelos que sofrem, tal como lemos no evangelho.

Peçamos a Deus que esta Universidade, com humildade e com decisão, com convicção e com alegria, seja fiel seguidora de Monsenhor Romero


Jon Sobrino
24 de março de 2009.

Tradução: ADITAL

terça-feira, 19 de maio de 2009

Menos gás carbônico na camada de ozônio


O Presidente Barack Obama deu hoje novos sinais de mudança no comportamento dos norte-americanos. Sabemos que os EUA são um dos maiores emissores de CO2 (gás carbônico) do mundo. Esta emissão de gás acentua cada vez mais o buraco na camada de ozônio. Esta decisão se for mesmo efetuada a partir de 2012 (prazo dado pelo Presidente), haverá de reduzir 900 milhões de toneladas métricas em emissões de dióxido de carbono. A idéia é reduzir também o consumo de combustível. São os motivos que levam o Presidente Obama a agir dessa forma: primeiro, porque o petróleo está escasso nos EUA, e historicamente eles se mostram cada vez mais falidos na aquisição do mesmo. Isto explica as guerras provocadas no Iraque e no Oriente Médio. A sede norte-americana pelo monopólio do petróleo explica as guerras que surgiram desde décadas, e de forma mais acentuada do episódio 11 de setembro. Segundo, porque com Obama, que é mais sensível às causas maiores da humanidade do que seu predecessor, o sanguinário George W. Bush, os norte-americanos estão sendo a piores vítimas de suas próprias ações assassinas contra a natureza. Resta-se esperar que esta decisão se mantenha e que os EUA continuem se autoavaliando e contribuindo, aos poucos, com a luta pela vida da Terra, nossa Casa comum.


Tiago de França

A borboleta e a baleia


Não peço que se mude a Igreja. Peço que ela seja viva. Peço-lhe que permaneça fiel à sua missão, e que leve a palavra de Cristo aos nossos contemporâneos, que testemunhe o mundo renovado pelo Espírito.

Não se trata de conservá-la como um tesouro, com o risco de fazê-la um reduto de costumes ultrapassados. Não se trata de remendá-la com alguma astúcia para que sobreviva a um ou dois invernos. Trata-se de que Ela encontre os gestos e as palavras que falarão de Deus ao mundo de hoje.

Ela é a minha Igreja. Não quero me dessolidarizar dela. Assumo a sua história muitas vezes com orgulho, outras vezes com vergonha, mas sempre com resignação. Assumo tudo nela, o melhor e o pior, as cruzadas e os concílios de Alexandre VI e João Paulo II, a corte de Roma e os santos... Eu creio que esta história de homens, com seus heróis e seus relapsos, suas audácias e suas prudências, é santa pelo Evangelho que ela carrega.


Peço-lhe somente que permaneça na História sem se congelar no eterno. Peço-lhe que não sacralize seu passado a ponto de se fechar ao presente. Peço-lhe que renuncie aos sucessos mundanos e às vãs riquezas para não entristecer o Espírito que a chama.

Gostaria que ela tomasse consciência que é necessário que mude porque o mundo, que é o campo da sua missão, mudou. Gostaria que reconhecesse o trabalho do Espírito mais do que os traços do demônio. As novidades não são forçosamente valores que desaparecerão logo, mas frequentemente "sinais dos tempos", premissas do Reino. É preciso que abra as portas da esperança, ao invés de cultivar os arquivos da nostalgia.

Ela introduziu a escola para todos. Ensinou aos homens ler e escrever. Quis que o homem crescesse, mas se angustia hoje porque seu discurso não é mais aceito. O seu "catecismo" pode ser muito rico e muito coerente, mas os adultos de hoje não esperam mais um catecismo. Esperam que ouça suas questões, ao invés de dar-lhes respostas. Preferem dialogar com Deus e não apenas que se fale d’Ele.

Denunciou os casamentos por interesse e as uniões arrumadas pelos pais. Defendeu a liberdade dos esposos e promoveu o amor no coração do casal. Mas sente-se muito surpresa, quando hoje não se aceita mais a fidelidade hipócrita de outros tempos. A Bíblia nos fala, entretanto, de uma aliança de amor permanentemente traída e renovada.

Pentecostes reuniu a diversidade dos povos no mesmo espírito. A Igreja, e a Igreja Católica em particular, fez tudo para pacificar as fronteiras e encorajar os intercâmbios. Mas hoje ela se contenta em convidar as nações ricas a reconhecer suas raízes cristãs, ignorando a mistura de populações, que estimuladas ou não, atropelam os Estados, as consciências e as nações.

A grandeza da Igreja foi sempre ficar do lado dos pobres. Mesmo quando não conseguia levar a justiça, ela consolava por sua caridade. Ainda hoje os cristãos estão presentes na busca de uma política mais justa e nas ações emergenciais caritativos. É aí que compreendemos o Cristo. É aí que se esperam encontrar seus discípulos, mas os meios de comunicação se divertem enfocando a Igreja apenas através de um Pontífice desempenhando o papel de último monarca absoluto, com um cerimonial de outra época, longe dos problemas urgentes de seu público.

Um grito como este deverá ser dirigido a quem? Uma oração como esta, dirigir a que santo? Para que endereço enviar esta correspondência? Haveria alguma chance de se mudar alguma coisa?

O peso da administração vaticana - que não é um mamute, mas uma enorme baleia encalhada na praia - dá a impressão que nada pode despertá-la. Minhas palavras não farão mais ruído do que as asas de uma borboleta sobre o dorso da baleia, mas, apesar de tudo, sabe-se que um vôo de borboletas, no hemisfério sul, pode desencadear uma tempestade no hemisfério norte. E, além disso, há muitas borboletas. E no vento que elas provocam, sopra também o Espírito.

Por que não poderiam ser capazes de despertar a baleia? Se vier uma grande maré ou uma pequena tempestade, ei-la de volta à água, leve e viva.


Jacques Noyer, Bispo emérito de Amiens, França.

(Tradução de Francisco Pacheco, irmãozinho de Jesus, da Fraternidade Religiosa Carlos de Foucauld)

Fonte: ADITAL

segunda-feira, 18 de maio de 2009

O jovem e a Igreja


Neste fim de semana estive em Bela Cruz, uma pequena cidade do interior do Ceará. Fui ao encontro da Juventude Marial Vicentina, que é um dos ramos da Família Vicentina. No sábado à noite falei para os jovens sobre a participação da Virgem Maria na vida de Jesus. No domingo à tarde conversei com os jovens sobre o tema “O jovem e a pós-modernidade”. Neste segundo encontro, uma pergunta feita por uma jovem me chamou a atenção e é o motivo desta breve reflexão. Perguntou a jovem: “O que a Igreja está fazendo pelos jovens?”

Trata-se de uma pergunta que leva a Igreja a pensar na situação atual da juventude. De uma coisa estou certo: os jovens não estão bem. A crise de valores que assola a humanidade tem nos jovens suas piores vítimas. A falta de uma consciência crítica diante da realidade deixa os jovens sem entender a vida e sem perspectivas. Constata-se que um grande número de jovens pensa muito pouco e não planeja nada para a vida. Há uma estagnação alienante que isola muitos jovens e os levam a caminhos obscuros.

Os jovens estão cada vez mais desacreditados diante dos escândalos das grandes instituições que regem a sociedade: política, religião e economia. Eles não acreditam mais nos governantes. Acusam a todos de serem corruptos e não crêem no poder do voto como fator de transformação da realidade. Eles acusam a Igreja e as demais denominações religiosas de serem capitalistas e de estarem distantes de seu mundo. Os jovens não entendem o linguajar da Igreja, assim como sua maneira de lidar com as questões de ordem moral. Apesar de serem consumistas e usuários dos bens produzidos pelo sistema capitalismo, os jovens reclamam da desumanização dos meios de comunicação, como fatores degenerativos de suas personalidades. Ao mesmo tempo em que usam e abusam dos meios pós-modernos de comunicação de massa, eles se sentem vazios e incompreendidos.

A Igreja tem suas prioridades institucionais e pastorais. Creio que seja urgente a revisão conceitual de alguns princípios morais que se tornaram moralizantes. As expressões “não cometa”, “condenamos”, “proibimos” etc. não são aceitas pelos jovens. Costumo dizer que quanto mais se proíbe e se condena, mais os jovens fazem aquilo que é proibido e condenado. A mudança de linguagem e abordagens de questões de ordem moral devem ser revistas pela Igreja. Os jovens não ligam para condenações e proibições, assim como não ligam para as sanções eclesiásticas. Eles dizem que a intenção da Igreja pode até ser boa e construtiva, mas a maneira de se abordar as questões é inaceitável. O jovem em si não se dá com leis, normas, códigos, etc. porque a construção da liberdade faz parte de suas vidas. Os jovens querem ser felizes, mas não entendem felicidade como sinônimo de enquadramento. É impossível enquadrar os jovens em leis e normas de ordem disciplinar.

A Igreja precisa dialogar com os jovens. Escutar o que os jovens têm para dizer. Estar atenta aos anseios dos jovens. É necessário construir com os jovens as normas que devem reger suas vidas. Toda lei ou norma que não levar em conta a realidade dos jovens não é aceita nem observada. Somente os jovens mais engajados da Renovação Carismática Católica e das novas Comunidades de Vida é que buscam ler e observar as orientações da Igreja em matéria de moral sexual. Os demais jovens, principalmente os que não freqüentam grupos e igrejas desconhecem tais orientações e quando tomam conhecimento das mesmas, recusam-se a aceitar e obedecer. Estou em contato com muitos jovens e percebo isto neles.

Os jovens não estão perdidos. Ninguém está perdido. Há uma crise de valores e de participação juvenil na vida da Igreja. A situação dos jovens é crítica e precisa ser considerada. O jovem precisa ser priorizado. Se a Igreja precisa de pastores para o trabalho na Messe do Senhor, então que cuide em pensar nos jovens e agir no meio deles. Não adianta convidar o jovem para o culto, pois ele não se sente motivado para participar. Os jovens precisam ser escutados e assistidos onde se encontram. Não há necessidade de se tirar o jovem de seu mundo para levá-lo ao mundo do louvor e da prece. O que os jovens querem é viver. Eles precisam de dignidade e esta se dá na vida cotidiana de cada um deles.


Tiago de França

sábado, 16 de maio de 2009

Pe. Josimo, mártir


Sangue,
Palavra vermelha e forte.
Sangue,
Símbolo de agonia, de dor, de morte...

Sangue,
Sinal de paixão, doação sem limites.
Sangue,
Escorrendo pelo orifício provocado por uma bala assassina...

Sangue,
Sinal de purificação, redenção da humanidade.
Sangue,
Sinal de imortalidade e ressurreição...

Sangue,
Líquido unido à verdade.
Sangue,
Conseqüência do crer radical na vida...

Sangue,
Por trás do que assusta reside a glória do vencedor.
Sangue,
Que fecunda a terra e faz germinar vida nova...

Josimo,
Homem da palavra e do gesto.
Padre Josimo,
Participante do sacrifício do Cordeiro...

O mártir,
Pessoa que escutou,
Inquietou-se e partiu...
Partiu com a cruz às costas

E foi ao Gólgota,
Para no sofrimento com Cristo,
Ser ressuscitado com ele
No último dia.

Bendito seja
Aquele que faz nascer a vida
Do sangue
Daqueles que escutaram, responderam e morrendo, viveram...

Amém.


Tiago de França

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Anjos e demônios (comentário sobre o filme)


Estréia hoje nos cinemas brasileiros o filme “Anjos e demônios”, que é uma segunda adaptação para o cinema de um livro do escritor norte-americano Dan Brown, após o sucesso do filme “O Código da Vinci” do mesmo autor. Estes filmes têm provocado reações por parte da Igreja Católica no Vaticano e nos EUA, onde o mesmo foi produzido.

Para levantarmos uma crítica a estes filmes é preciso descobrirmos a intenção do autor. A primeira delas é ganhar dinheiro. O filme “O Código da Vinci” arrecadou 758 milhões de dólares. É muito dinheiro. Mas para que um filme tenha tanto sucesso no mundo atual, precisa ser bem feito e direcionar uma crítica para alguma coisa. O escritor Dan Brown, que é íntimo da biografia e invenções de Leonardo da Vinci, pois é formado em História da Arte na Universidade de Servilha, Espanha, e leitor da História da Igreja; com inteligência e audácia juntou ficção científica e imaginação e reproduziu o que temos hoje em seus livros.

Os livros de Dan Brown pregam duas coisas: liberdade e misticismo. A sociedade pós-moderna é carente dessas duas coisas. Basta olharmos para a efervescência de sentimentos religiosos a que assistimos nos dias de hoje. O autor sabe muito bem que a população mundial passa por sérias crises e o misticismo, assim como o apocaliptismo são muito oportunos. O escritor é um autor oportunista. Ele conhece o vazio existencial e espiritual que toma conta da grande maioria das pessoas em todo o mundo. A sede pelo mistério e pelo enigmático leva as pessoas a irem ao encontro de lugares sagrados, a leitura de livros e histórias misteriosas e enigmáticas. A cultura oriental, agora pregada pela rede Globo na novela “Caminhos das Índias” é um exemplo disso. O ibope é altíssimo.

O cinema é uma arte. O homem precisa da arte para viver. A arte trabalha o sentimento e o bem-estar espiritual do homem, equilibrando-o. O cinema, a música, o teatro, a dança etc. levam as pessoas a se encontrarem e a trabalharem seus sentimentos. Cabe às obras de Dan Brown uma frase de Goethe que diz: “A obra de arte pode ter um efeito moral, mas exigir uma finalidade moral do artista é fazê-lo arruinar a sua obra”. O filme “Anjos e demônios” não expressa uma verdade sobre a fé e sobre a Igreja. Pode ser uma crítica ao conclave (eleição papal), mas não tem nenhuma ligação com o que é um conclave papal em si. Pode ser uma crítica à Igreja, enquanto instituição de influência e que exerce certo poder no mundo, mas não tem nenhuma fundamentação lógica ou verdadeira.

Dessa forma, pessoalmente não vejo nenhum problema os católicos assistirem ao filme. O filme é uma produção cinematográfica divertida. É fruto da ideologia dos filmes norte-americanos: sexo, poder, dinheiro, sucesso, drama. É uma obra de arte. E como a arte e a curiosidade mexem com o ser humano que o produz, então as seções de cinemas ficarão lotadas. Quanto mais o Vaticano condenar o filme, mais ele será assistido. “Se você acha que o filme vai atacar a sua fé, simplesmente vão vá ao cinema. Nós imploramos, por favor, não vá”, disse o ator Tom Hanks. A Igreja sabe que não pode mais interferir decisoriamente nas produções seculares. Os católicos, como todas as demais pessoas, são livres para assistir ao filme. Quem tem maturidade e entendimento sobre sua fé e a ficção saberá discernir aquilo que é verdadeiro daquilo que é falso. Sabemos que as produções cinematográficas de Hollywood são carregadas de uma ideologia consumista e capitalista muito forte. Sabendo disso, não podemos afirmar que o filme fala uma verdade que revela o que é a Igreja. O filme é ótimo para aquelas pessoas que, depois de uma semana puxada de estudos e trabalhos, desejam descansar e se divertir um pouco; assim como, aquelas pessoas que amam o cinema e uma boa produção cinematográfica. Ele em nada abala a nossa fé, porque não é provido de fundamentação para isso.


Tiago de França

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Internet, juventude e sexo


A internet é um dos instrumentos de comunicação mais eficientes e usados no mundo atual. É a rede mundial de computadores, uma grande rede de relações que engloba toda a humanidade. Sem sombra de dúvidas, a internet é um meio de comunicação importante na vida relacional entre as pessoas. Infelizmente, a exclusão digital deixa muita gente fora dos benefícios propostos pela internet. Por meio desta, as pessoas interagem com o mundo todo, com todas as culturas e visões de mundo. É um rico espaço de informações, dados, imagens, sistemas, comércio, produtos, ofertas etc. onde o usuário precisa discernir aquilo que quer, pois na internet encontramos de tudo. São muitas as vantagens, mas também perigosas desvantagens.

A internet pode influenciar a vida do jovem, levando-o à superficialidade. Dentre os vários perigos da internet na vida dos jovens podemos citar:

- relações superficiais e virtuais. Através de instrumentos de comunicação em tempo real, “online”: MSN, Orkut, E-mail etc. o jovem pode levar uma vida afetiva superficial, perdendo contato físico com as pessoas acostumando-se às relações virtuais, baseadas em longas conversas sobre sua intimidade humana, afetiva e sexual. Isso é altamente prejudicial porque enfraquece a personalidade do jovem e seus valores.

- sexo explícito e aliciamento sexual. A internet dispõe de imagens, vídeos, textos e outros recursos onde expõe sem pudor algum a intimidade sexual da pessoa, desumanizando-a e depravando-a. A depravação sexual é um dos piores males da internet e da vida da maioria dos jovens que a utilizam desordenadamente. O uso da internet não tem limites, não há política de privacidade na internet. Tudo pode ser acessado por todos. As idéias, as imagens, as informações e tudo o mais é oferecido a todos. Independentemente da idade do usuário, tudo pode ser acessado. Há avisos e alertas no que se refere ao uso de certos “ambientes” na internet, mas se o usuário quiser, ele pode acessar a vontade sem a menor preocupação com censura ou restrição, salvo os campos em que o uso não é gratuito. Uma vez que não estão se vendo pessoalmente, a relação afetiva da maioria dos jovens pela internet se dá na base do sexo explícito: tiram-se fotos, ligam-se câmeras, acessam-se vídeos, conversa-se em teor altamente depravado, expondo sem vergonha e limites a intimidade sexual.

- esquecimento da leitura de livros e os estudos. Uma vez que a internet tornou-se um vício na vida de muitos jovens, estes não têm tempo para estudar. O uso imprudente da internet seduz o jovem e o leva a considerar os estudos coisa chata e cansativa e alguns até desistem porque considera os estudos como coisa que não dá futuro na vida. O jovem perde as motivações para o campo do conhecimento, porque a internet lhe oferece tudo pronto e elaborado. Depois do surgimento da internet, a preguiça mental se acentuou cada vez mais entre os jovens e na maioria dos usuários. Se o jovem estuda, ele é tentado a “pesquisar” na internet e entregar suas “pesquisas” bem ou muito mal elaboradas a seus professores. Quando bem elaboradas, não sabem o que estão entregando. Ganham boas notas, mas a cabeça está vazia! Quando entendem alguma coisa, não sabe organizar as idéias, porque a internet oferece as informações soltas, sem conexão de sentido.

- problemas de visão, coluna e sedentarismo. Devido ao uso exacerbado da internet, o jovem sempre se encontra estressado, cansado e sem motivação para viver uma vida saudável. Ele já está condicionado, caso tirem a internet do mesmo, poderá até ficar doente e depressivo. Começam a aparecer problemas na visão, ocasionados pela longa exposição ao monitor, problemas na coluna, por estar mal e sempre sentado. O sedentarismo é outro mal. A maioria quer passar a maior parte do tempo diante do computador, em detrimento do convívio social e familiar. O sedentarismo leva ao isolamento do jovem e este passa a não acompanhar a evolução do tempo e da sociedade, sem saber o que está acontecendo no mundo. Torna-se um ser despolitizado, incapaz de fazer escolhas maduras na vida.

Para resolver estas e outras questões relacionadas à influência da internet na vida dos jovens é preciso diálogo. Conversar com os jovens e alertá-los do perigo do uso da internet, pois estão tão mergulhados no sistema, que mais escraviza e manipula do que educa e amadurece o espírito, que não conseguem enxergar as conseqüências do mau uso da mesma. A partir do momento em que os jovens se conscientizarem que precisam ser livres e protagonistas de um novo modelo de sociedade, diferente da que assistimos e vivemos, com certeza tornar-se-ão mais ativos no meio social. Tudo é um processo, nada acontece de repente. Nossos jovens precisam de liberdade e o despojar-se do uso doente e exacerbado da internet pode ser um bom início de caminhada. A família, a escola e as Igrejas têm papel fundamental neste processo.


Tiago de França

quarta-feira, 13 de maio de 2009

De onde vem a poesia?


Papel branco
Dedos ao teclado
Pensei comigo mesmo:
O que irei escrever?...

Quando me dei conta
A primeira estrofe
Já estava pronta e segunda
Já termina.

Uma terceira se
Inicia e pede continuação.
Falar de quê?
Não sei.

A poesia,
Às vezes, se parece com o vento,
Passa
E não volta mais...

Todo poeta sabe muito bem
Que quando quer escrever,
Termina em nada fazer.
A poesia surge quando desistimos de escrevê-la...

Porque poesia é coisa
Da alma
Das entranhas,
Do espírito, da incompreensão...

Na poesia,
O que é vivo parece morrer
O que é morto parece viver...
O inconsciente parece falar do que o consciente desconhece...

Iniciei pensando
Que sobre nada escreveria.
Por que assim pensei?
Porque quando me pus a escrever nada na mente vinha...

Nada na mente vinha,
Na mente não vinha nada.
Poesia, às vezes, coisa estranha
De onde o tudo nasce do nada...


Tiago de França

Como evangelizar?


Minha mãe é missionária e está ligada à Associação dos Missionários do Campo, em Colônia Leopoldina, Alagoas, minha terra natal. Ela enviou-me uma carta partilhando alguns desafios à evangelização. Partilho aqui o que escrevi para ela. O que escrevi também serve para todo aquele que se dispõe a evangelizar o povo de Deus. Boa leitura!

"Minha querida e preza mamãe,

Recebi sua carta. Foi uma verdadeira partilha fraterna! Fico feliz em ver sua preocupação e empenho missionário junto ao povo de Deus. Diante dos desafios da missão, a senhora me coloca uma questão: “Por que uma situação dessas?” Brevemente, quero partilhar com a senhora sobre a situação do mundo atual à luz da fé e da Palavra de Deus.

Em todas as épocas e lugares, o processo de evangelização sempre foi um desafio ao cristão e à Igreja. Pelo batismo somos chamados a assumir a missão de anunciar Jesus ao mundo e isto não é fácil. É um processo de vitórias e derrotas, alegrias e tristezas, encontros e desencontros. Diante disso, quem aceitar anunciar Jesus como verdade e liberdade para o mundo deve estar sempre preparado para as surpresas da missão. Posso dizer que o maior desafio da missão é ir ao encontro das pessoas e encontrá-las tristes e desmotivadas. A tristeza e a rejeição fazem parte da vida do mundo. A verdadeira alegria está em Deus. Nosso mundo é cheio de confusão. O missionário e a missionária são chamados a entender o que é o mundo e o que é o Evangelho para evangelizar melhor e ser evangelizado.

No caso que a senhora contou na carta se trata da falta de interesse das pessoas em relação às coisas de Deus. Nos estudos teológicos isso se chama relativismo. O que é o relativismo? É o esquecimento de Deus. Quando as pessoas não se importam mais com Deus nem com a fé cristã, chamamos isso de relativismo, ou seja, Deus se tornou relativo. As pessoas só procuram a Deus nas necessidades, depois o esquecem. E há pessoas ainda que nem no sofrimento se recordam de Deus. Mais do que antigamente, o mundo de hoje está cheio de pessoas que se apegam mais a este mundo do que a Deus. Para muitas pessoas, Deus está deixando de ter importância. Querem levar uma vida sem Deus. E nós, que lemos e meditamos o Evangelho de Jesus, sabemos que este caminho está errado, que não é o caminho da salvação, pois a salvação está na busca incessante de Deus. Precisamos buscar a Deus para sermos salvos, pois a salvação está em Deus, não fora dele.

É triste ver pessoas que não se importam com a vida de Igreja mesmo sendo católicas. É contraditório se afirmar católico e não praticar a fé na comunidade cristã. A fé é um dom gratuito de Deus para ser vivido em comunidade. Ninguém tem fé para viver isolado. Somos chamados a formarmos o Povo de Deus, a comunidade dos eleitos, pois esta é a vontade de Deus. Fora da comunidade não há Igreja, só há Igreja se houver comunidade. A nossa missão é despertar o povo de Deus, que sofre do individualismo e materialismo mundanos, e chamá-lo a formar comunidade. Jesus formou a comunidade dos Doze Apóstolos e mulheres junto a si. Jesus viveu o espírito de comunidade.

O que fazer diante da frieza das pessoas? O que fazer diante da falta de fé das pessoas? O que fazer diante da desunião e competição entre as pessoas? O que fazer quando as pessoas não valorizam aquilo que é de Deus? São perguntas necessárias que todo missionário e missionária devem fazer na caminhada. Uma primeira atitude é estarmos unidos a Jesus. A nossa união com Jesus na Eucaristia (partilha do pão) e na oração é muito importante. Só estando unidos a Jesus é que podemos ter coragem para anunciar a Boa Nova a um povo muitas vezes rebelde e descrente. Nosso diálogo com Jesus pela oração diária é que nos fortalece na missão. A vinha do Senhor precisa de operários corajosos, audaciosos, alegres, dispostos! A segunda atitude é escutar o povo. O que o povo diz e sente, o que o povo vive e realiza é importante. Para que o anúncio não seja superficial, precisamos viver a realidade do povo e estarmos atentos aquilo que o povo é em si mesmo. Um missionário e uma missionária que não estão atentos aos acontecimentos da vida não sabem por onde caminhar nem por onde começar no processo de evangelização.

Um terceiro passo é falar ao povo do jeito que Jesus falava, tendo em vista que o povo pobre é o povo de Deus e o povo de Jesus. Os pobres, com todos os pecados e limitações, formam a raça eleita de Deus neste mundo dilacerado de dor. Quando o missionário ou a missionária está diante dos pobres, está diante de Jesus. Muitas vezes, os pobres são ignorantes, são mal educados, são teimosos e até mentirosos, mas isto não é a sua essência. Há muitas causas que levam alguns pobres a serem desse jeito. Nós, que estamos com a Palavra na boca e no coração e prontos para anunciar, precisamos ter sensibilidade para compreender as limitações das pessoas e acolhê-las do jeito que são. Ninguém muda ninguém, só o poder de Deus. Precisamos cada vez mais, pedir a Deus nosso Senhor e Pai, para que nos dê um coração simples, humilde e aberto ao novo e ao diferente, à rejeição e às tristezas que encontramos no caminho, pois na caminhada da vida de missionários, temos muitas alegrias, mas também muitas decepções. Somos compreendidos e aceitos, às vezes, somos incompreendidos e rejeitados.

Para sermos missionários de Jesus neste mundo precisamos estar unidos a Jesus pelo Pão e pela Palavra do próprio Cristo. O que fez Jesus? Como viveu sua missão? Como Jesus morreu e por que foi crucificado? Precisamos meditar sobre isso. As perseguições e o desprezo a que Jesus se submeteu ensina-nos que o mesmo acontece com quem o segue e anuncia. O próprio Jesus disse que todo tipo de desprezo, calúnia, julgamentos, incompreensões e açoites devem ser motivos de alegria para o cristão. Desta forma, já somos felizes e seremos ainda mais se permanecermos fiéis no seguimento e na missão. Pelo que conheço da senhora, creio que não deve ficar preocupada. No serviço aos pobres, que é anúncio vivo da Palavra, a senhora já segue Jesus e o anuncia muito bem. O Senhor bom Deus só nos pede que perseveremos. Lembremo-nos do conceito de seguimento de Jesus ensinado pelo nosso mestre e missionário José Comblin: “Seguir Jesus é colocar-se em seu caminho e perseverar”. Isso já realizamos no dia-a-dia, portanto estamos no caminho certo. Caminhemos...

Rogo ao Espírito que nos recorda o amor e nos ensina a amar que permaneça sempre conosco e nos confirme na fé e na missão. Que a Virgem de Nazaré ajude-nos com sua intercessão junto ao Deus da vida. Que desça sobre nós a força e a bênção do Alto. Receba meu abraço e minha prece.

Seu filho e irmão na fé,


Tiago de França da Silva"

terça-feira, 12 de maio de 2009

Tomás Muntzer e a Reforma Protestante


TOMÁS MUNTZER: A NOVA IMAGEM DE DEUS
E O PROBLEMA DO FIM DA HISTÓRIA

por Marianne Schaub
(Resumo)

A autora dá início ao seu texto comentando sobre o triunfo da Reforma protestante nos séculos XVII e início do século XVIII sobre grande parte da Alemanha. Neste período percebe-se um distanciamento de ideais quanto à idéia original da Reforma, ou seja, uma nova geração de contestatários percebe certa traição ao ideal da Reforma, uma verdadeira ruptura. A Igreja Luterana traiu Lutero porque este a abandonou e manteve aliança com os príncipes opondo-se à insurreição popular de 1525. Inicialmente, condenou a Igreja Romana de está aliançada com os poderosos e desviada do Evangelho de Jesus, mas ele mesmo, termina por trair os ideais da Reforma, que propunha uma mudança radical e uma volta ao Evangelho, tomando o partido dos poderosos, dos príncipes, legitimando seu domínio e opondo-se à comunidades dos fiéis que se insurgiu contra os príncipes. Desta forma, Lutero se torna reformador e organizador de uma Igreja elitista e cativa.

Como teólogo, Lutero elabora uma doutrina com o objetivo de legitimar o empobrecimento da Igreja Católica em benefício dos príncipes. Pregava que a Igreja deveria se despojar de seus bens, pois estes eram coisas do mundo secular. Dessa forma, os príncipes retomavam seus bens em detrimento da pobreza e dos pobres. Tomás Muntzer, sabendo desta realidade e a entendendo muito bem, acusa Lutero de “curvar a espinha aos príncipes” e de fazer o jogo da nobreza alemã. Muntzer crer que a doutrina de Lutero devolve aos príncipes e não aos pobres, os bens materiais da Igreja. Lutero se aproveita do braço secular, da força política dos príncipes para enfrentar o poder do papado de Roma. Usam-se argumentos teológicos, mas a luta é essencialmente política.

Karlstadt, na Universidade de Wittenberg é um dos primeiros reformadores, seguidamente por Lutero. O primeiro manifestou-se em 1504 e o último em 1513. Foi a partir destes dois homens que se irradiou a Reforma na Alemanha. O Comentário sobre a Epístola aos Romanos, de Lutero, tema de discussão entre 1515 – 1516 constitui o primeiro manifesto das novas idéias. Com este Comentário, Lutero afirma que a salvação e a justificação do cristão se dão somente pela fé e que as obras não são necessárias à salvação, que pela graça todos os pecadores são regenerados e salvos por Deus. Ele prega ainda que somente a fé é que pode guiar o homem para o discernimento do bem e do mal. Lutero se baseia na teologia agostiniana, pois Santo Agostinho ensinava que a vontade divina e a graça são necessárias, mas que o homem precisa ter iniciativa própria (obras). Lutero rompe literalmente com Santo Agostinho no que se refere à iniciativa humana diante da vontade divina e da graça, julgando-a desnecessária.
Defendendo a justificação e a salvação somente pela fé e não pelas obras, Lutero reprova a intervenção da instituição religiosa na prática da fé cristã. Lutero ensina que o homem não precisa de intermediários para viver sua relação com Deus. Neste ponto, une-se Karlstadt a Lutero e travam uma polêmica comum contra a Igreja Católica até 1922, quando a Reforma é abalada e dividida pela controvérsia sobre a legalidade, o respeito devido à autoridade estabelecida e a manutenção dos sacramentos. Karlstad acrescenta o desenvolvimento de uma teologia do Espírito Santo à crítica de Lutero à Igreja.

No dia 25 de abril de 1517, Karlstadt publica suas 151 teses Sobre a Natureza, a Lei e a Graça, contra os escolásticos. Estas teses é um reforço à doutrina agostiniana da justificação pela graça de Deus. Nelas, Karlstadt fala da graça de Deus e da natureza do homem. Ele prega que nada da natureza é bom, tudo deve ser regenerado pela graça. Ele faz ainda uma distinção do homem interior e do homem exterior, pregando a necessidade da ascese na busca de Deus e na vivencia de uma vida interior, em que o crente se tempera e se confirma, através das privações da dúvida e da inquietação, elevando sua alma a Deus, numa atitude de desprendimento.

No dia 31 de outubro de 1517, Lutero fixa suas 95 teses Contra as Indulgências. Neste período, a Igreja estava vendendo indulgências para a construção de São Pedro em Roma. Frederico da Saxônia foi contra tal construção, pois pensava em transformar Winttenberg num centro de peregrinações. Dessa forma, apóia e defende Lutero do poder pontifício. Com as 95 teses, Lutero pretende denunciar a venda do perdão divino que a Igreja estava realizando. Ele prega que somente Deus é que pode perdoar os pecados e que a Igreja extraviando o povo simples, levando-o à superstição. Imediatamente, o poder pontifício reagiu às teses de Lutero e o proclamou herege. Nada pode fazer além disso porque Frederico da Saxônia defendeu Lutero, sendo este a glória da Universidade de Winttenberg. Lutero acentua cada vez mais a controvérsia com o poder papal publicando mais três escritos: Apelo à Nobreza Cristã da Nação Alemã em Ordem à Reforma da Cristandade; O Cativeiro da Babilônia da Igreja; A Liberdade Cristã. Com estes escritos, Lutero opõe a caridade evangélica e o poder hierarquizado da Igreja e denuncia o poder temporal como usurpação. Lutero anula o sacerdócio clerical e ensina que só é legítimo o poder civil, à qual o crente deve submeter-se. Com a eleição de Carlos V, sai a Bula de Excomunhão contra Lutero, que devido à perseguição papal refugia-se em Wartburg, sob a proteção do Príncipe da Saxônia.

A partir de 1921 iniciam-se as tensões e as desordens, período de transgressões à legalidade. Conforme as regiões iniciam-se as revoltas: quebra de votos monásticos, afasta-se o celibato dos padres, destruição de imagens, novas formas de celebração da missa etc. 1522 é o ano das rupturas, marcado por conflitos entre iconoclastas (reforma do culto por iniciativa própria) e anabaptistas (subtração dos filhos ao batismo). Lutero não se envolve na revolução e defende a legalidade. Em 1522 aparece a oposição entre Karlstadt e Lutero. O primeiro, com sua teologia do Espírito Santo prega a ascese. Explica que a ascese é o movimento do Espírito que age diretamente na pessoa sem a intervenção de sacramentos e da instituição religiosa. Ele prega que, pela ascese, o homem renuncia às paixões e desejos carnais e eleva-se a Deus numa atitude livre. Com esta doutrina, Karlstadt prega a abolição dos sacramentos e da instituição eclesiástica e como renomado professor da Universidade, Kalrlstadt é seguido pela Universidade e pelo Conselho Municipal de Winttenberg, que o apóiam no movimento popular nas reformas que julgava realizar.
Lutero é chamado para conter as manifestações populares, que julgou ilegítimas por serem contrárias à ordem estabelecida, e no dia 01 de março de 1522 consegue conter os ânimos dos radicais e moderados. Mas a controvérsia entre Karlstardt e Lutero continua por muitos anos. O primeiro ainda publica Do Sacerdócio e do Sacrifício de Cristo e como réplica, Lutero publica Contra os Profetas Celestes, das Imagens e do Sacramento, em que defende que ninguém pode arrogar-se o direito de atentar a ordem estabelecida. Já em 1520, Lutero dirigia seu retumbante apelo à Reforma: “Todos quantos consagram os seus bens, o seu esforço, a sua honra, à destruição dos episcopados e à ruína do poder dos bispos são bravos soldados de Deus, combatem a ordem do diabo. Que cada cristão contribua com todas as suas forças para pôr cobro a essa tirania e calque alegremente aos pés toda a obediência que lhes é devida”. Lutero posicionou-se contra os anabaptistas e camponeses revoltados. Os anabaptistas acreditavam na abolição do mundo profano corrompido pela riqueza, na vingança divina que aniquila os maus, no advento do Millenium, na recusa ao clericalismo e na noção de um espírito profético no meio do povo de Deus. Os anabaptistas tiveram grande aceitação nas camadas sociais mais deserdadas da cidade e do campo. Entre eles, havia os anabaptistas insurrecionais e os pacíficos, sendo que estes últimos é que predominaram depois de malograrem as revoltas populares. Eles eram contra o batismo porque entendiam que o batismo constrangia à observância das leis e da ordem estabelecida. Assim sendo, rejeitando o batismo que os incorporava e os subordinava, abre-se a possibilidade formal de contestar a ordem existente, no todo ou em parte. Lutero reage, defendendo a importância do batismo para a salvação do crente: “quem crer e for batizado será salvo”, ensina a Escritura. E defende ainda que o uso da instituição é legítimo se sua existência for atestada pela Escritura como conforme a vontade divina.

Tomás Muntzer é o teólogo mais conseqüente e radical da Reforma. Ele escreve e formula uma doutrina a respeito do culto e do saber. Ele reprova a leitura da Bíblia ao pé da letra e faz a junção entre experiência da ascese mística e luta política pela emancipação do povo. A ciência do divino extraída da Sagrada Escritura, segundo Muntzer deve ser iluminada por esta junção. Ele prega a necessidade de se interpretar a Sagrada Escritura à luz da fé da revelação. A teologia de Muntzer é a da Revelação. Ele crer que por meio de visões, sonhos, da Escritura e da própria realidade, Deus revela sua vontade ao homem. Ele ensina que a Palavra de Deus impulsiona o homem a agir na história, a dar continuidade à história da salvação. A fé segundo Muntzer é revolucionária dois motivos: primeiro, porque liberta o homem da tirania da letra e o ilumina a razão; segundo, porque lhe confere a força de realizar o Reino de Deus na Terra. Muntzer pregava que o crente é chamado a ler a Escritura e entendê-la a partir da realidade em que se vive. A verdade da Escritura abre o caminho à compreensão da realidade.

Muntzer crer na instrução dos fiéis. Ele ver a necessidade de a Igreja dar a Escritura ao povo, fazendo-o entender a vontade de Deus de maneira simples e sem abstrações. Ele se tornou o primeiro pastor a reformar o culto. Esse culto era constituído pelo canto, pela leitura da Bíblia e ela prédica (explicação e apresentação das verdades da fé). Muntzer ensinava que o padre autêntico é aquele que dá a Escritura. No Sermão aos Príncipes, Muntzer defende a verdadeira comunidade cristã baseada no amor, na justiça e na igualdade entre as pessoas como prática autêntica do Evangelho. A autora finaliza sua reflexão citando o sentido e a racionalidade da História, em Muntzer, onde este crer que este sentido só será acessível aos que lutam pela sua realização histórica.


Tiago de França da Silva
Bacharelando em Filosofia pelo ITEP
História da Filosofia Moderna