terça-feira, 19 de maio de 2009

A borboleta e a baleia


Não peço que se mude a Igreja. Peço que ela seja viva. Peço-lhe que permaneça fiel à sua missão, e que leve a palavra de Cristo aos nossos contemporâneos, que testemunhe o mundo renovado pelo Espírito.

Não se trata de conservá-la como um tesouro, com o risco de fazê-la um reduto de costumes ultrapassados. Não se trata de remendá-la com alguma astúcia para que sobreviva a um ou dois invernos. Trata-se de que Ela encontre os gestos e as palavras que falarão de Deus ao mundo de hoje.

Ela é a minha Igreja. Não quero me dessolidarizar dela. Assumo a sua história muitas vezes com orgulho, outras vezes com vergonha, mas sempre com resignação. Assumo tudo nela, o melhor e o pior, as cruzadas e os concílios de Alexandre VI e João Paulo II, a corte de Roma e os santos... Eu creio que esta história de homens, com seus heróis e seus relapsos, suas audácias e suas prudências, é santa pelo Evangelho que ela carrega.


Peço-lhe somente que permaneça na História sem se congelar no eterno. Peço-lhe que não sacralize seu passado a ponto de se fechar ao presente. Peço-lhe que renuncie aos sucessos mundanos e às vãs riquezas para não entristecer o Espírito que a chama.

Gostaria que ela tomasse consciência que é necessário que mude porque o mundo, que é o campo da sua missão, mudou. Gostaria que reconhecesse o trabalho do Espírito mais do que os traços do demônio. As novidades não são forçosamente valores que desaparecerão logo, mas frequentemente "sinais dos tempos", premissas do Reino. É preciso que abra as portas da esperança, ao invés de cultivar os arquivos da nostalgia.

Ela introduziu a escola para todos. Ensinou aos homens ler e escrever. Quis que o homem crescesse, mas se angustia hoje porque seu discurso não é mais aceito. O seu "catecismo" pode ser muito rico e muito coerente, mas os adultos de hoje não esperam mais um catecismo. Esperam que ouça suas questões, ao invés de dar-lhes respostas. Preferem dialogar com Deus e não apenas que se fale d’Ele.

Denunciou os casamentos por interesse e as uniões arrumadas pelos pais. Defendeu a liberdade dos esposos e promoveu o amor no coração do casal. Mas sente-se muito surpresa, quando hoje não se aceita mais a fidelidade hipócrita de outros tempos. A Bíblia nos fala, entretanto, de uma aliança de amor permanentemente traída e renovada.

Pentecostes reuniu a diversidade dos povos no mesmo espírito. A Igreja, e a Igreja Católica em particular, fez tudo para pacificar as fronteiras e encorajar os intercâmbios. Mas hoje ela se contenta em convidar as nações ricas a reconhecer suas raízes cristãs, ignorando a mistura de populações, que estimuladas ou não, atropelam os Estados, as consciências e as nações.

A grandeza da Igreja foi sempre ficar do lado dos pobres. Mesmo quando não conseguia levar a justiça, ela consolava por sua caridade. Ainda hoje os cristãos estão presentes na busca de uma política mais justa e nas ações emergenciais caritativos. É aí que compreendemos o Cristo. É aí que se esperam encontrar seus discípulos, mas os meios de comunicação se divertem enfocando a Igreja apenas através de um Pontífice desempenhando o papel de último monarca absoluto, com um cerimonial de outra época, longe dos problemas urgentes de seu público.

Um grito como este deverá ser dirigido a quem? Uma oração como esta, dirigir a que santo? Para que endereço enviar esta correspondência? Haveria alguma chance de se mudar alguma coisa?

O peso da administração vaticana - que não é um mamute, mas uma enorme baleia encalhada na praia - dá a impressão que nada pode despertá-la. Minhas palavras não farão mais ruído do que as asas de uma borboleta sobre o dorso da baleia, mas, apesar de tudo, sabe-se que um vôo de borboletas, no hemisfério sul, pode desencadear uma tempestade no hemisfério norte. E, além disso, há muitas borboletas. E no vento que elas provocam, sopra também o Espírito.

Por que não poderiam ser capazes de despertar a baleia? Se vier uma grande maré ou uma pequena tempestade, ei-la de volta à água, leve e viva.


Jacques Noyer, Bispo emérito de Amiens, França.

(Tradução de Francisco Pacheco, irmãozinho de Jesus, da Fraternidade Religiosa Carlos de Foucauld)

Fonte: ADITAL

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