terça-feira, 12 de maio de 2009

Tomás Muntzer e a Reforma Protestante


TOMÁS MUNTZER: A NOVA IMAGEM DE DEUS
E O PROBLEMA DO FIM DA HISTÓRIA

por Marianne Schaub
(Resumo)

A autora dá início ao seu texto comentando sobre o triunfo da Reforma protestante nos séculos XVII e início do século XVIII sobre grande parte da Alemanha. Neste período percebe-se um distanciamento de ideais quanto à idéia original da Reforma, ou seja, uma nova geração de contestatários percebe certa traição ao ideal da Reforma, uma verdadeira ruptura. A Igreja Luterana traiu Lutero porque este a abandonou e manteve aliança com os príncipes opondo-se à insurreição popular de 1525. Inicialmente, condenou a Igreja Romana de está aliançada com os poderosos e desviada do Evangelho de Jesus, mas ele mesmo, termina por trair os ideais da Reforma, que propunha uma mudança radical e uma volta ao Evangelho, tomando o partido dos poderosos, dos príncipes, legitimando seu domínio e opondo-se à comunidades dos fiéis que se insurgiu contra os príncipes. Desta forma, Lutero se torna reformador e organizador de uma Igreja elitista e cativa.

Como teólogo, Lutero elabora uma doutrina com o objetivo de legitimar o empobrecimento da Igreja Católica em benefício dos príncipes. Pregava que a Igreja deveria se despojar de seus bens, pois estes eram coisas do mundo secular. Dessa forma, os príncipes retomavam seus bens em detrimento da pobreza e dos pobres. Tomás Muntzer, sabendo desta realidade e a entendendo muito bem, acusa Lutero de “curvar a espinha aos príncipes” e de fazer o jogo da nobreza alemã. Muntzer crer que a doutrina de Lutero devolve aos príncipes e não aos pobres, os bens materiais da Igreja. Lutero se aproveita do braço secular, da força política dos príncipes para enfrentar o poder do papado de Roma. Usam-se argumentos teológicos, mas a luta é essencialmente política.

Karlstadt, na Universidade de Wittenberg é um dos primeiros reformadores, seguidamente por Lutero. O primeiro manifestou-se em 1504 e o último em 1513. Foi a partir destes dois homens que se irradiou a Reforma na Alemanha. O Comentário sobre a Epístola aos Romanos, de Lutero, tema de discussão entre 1515 – 1516 constitui o primeiro manifesto das novas idéias. Com este Comentário, Lutero afirma que a salvação e a justificação do cristão se dão somente pela fé e que as obras não são necessárias à salvação, que pela graça todos os pecadores são regenerados e salvos por Deus. Ele prega ainda que somente a fé é que pode guiar o homem para o discernimento do bem e do mal. Lutero se baseia na teologia agostiniana, pois Santo Agostinho ensinava que a vontade divina e a graça são necessárias, mas que o homem precisa ter iniciativa própria (obras). Lutero rompe literalmente com Santo Agostinho no que se refere à iniciativa humana diante da vontade divina e da graça, julgando-a desnecessária.
Defendendo a justificação e a salvação somente pela fé e não pelas obras, Lutero reprova a intervenção da instituição religiosa na prática da fé cristã. Lutero ensina que o homem não precisa de intermediários para viver sua relação com Deus. Neste ponto, une-se Karlstadt a Lutero e travam uma polêmica comum contra a Igreja Católica até 1922, quando a Reforma é abalada e dividida pela controvérsia sobre a legalidade, o respeito devido à autoridade estabelecida e a manutenção dos sacramentos. Karlstad acrescenta o desenvolvimento de uma teologia do Espírito Santo à crítica de Lutero à Igreja.

No dia 25 de abril de 1517, Karlstadt publica suas 151 teses Sobre a Natureza, a Lei e a Graça, contra os escolásticos. Estas teses é um reforço à doutrina agostiniana da justificação pela graça de Deus. Nelas, Karlstadt fala da graça de Deus e da natureza do homem. Ele prega que nada da natureza é bom, tudo deve ser regenerado pela graça. Ele faz ainda uma distinção do homem interior e do homem exterior, pregando a necessidade da ascese na busca de Deus e na vivencia de uma vida interior, em que o crente se tempera e se confirma, através das privações da dúvida e da inquietação, elevando sua alma a Deus, numa atitude de desprendimento.

No dia 31 de outubro de 1517, Lutero fixa suas 95 teses Contra as Indulgências. Neste período, a Igreja estava vendendo indulgências para a construção de São Pedro em Roma. Frederico da Saxônia foi contra tal construção, pois pensava em transformar Winttenberg num centro de peregrinações. Dessa forma, apóia e defende Lutero do poder pontifício. Com as 95 teses, Lutero pretende denunciar a venda do perdão divino que a Igreja estava realizando. Ele prega que somente Deus é que pode perdoar os pecados e que a Igreja extraviando o povo simples, levando-o à superstição. Imediatamente, o poder pontifício reagiu às teses de Lutero e o proclamou herege. Nada pode fazer além disso porque Frederico da Saxônia defendeu Lutero, sendo este a glória da Universidade de Winttenberg. Lutero acentua cada vez mais a controvérsia com o poder papal publicando mais três escritos: Apelo à Nobreza Cristã da Nação Alemã em Ordem à Reforma da Cristandade; O Cativeiro da Babilônia da Igreja; A Liberdade Cristã. Com estes escritos, Lutero opõe a caridade evangélica e o poder hierarquizado da Igreja e denuncia o poder temporal como usurpação. Lutero anula o sacerdócio clerical e ensina que só é legítimo o poder civil, à qual o crente deve submeter-se. Com a eleição de Carlos V, sai a Bula de Excomunhão contra Lutero, que devido à perseguição papal refugia-se em Wartburg, sob a proteção do Príncipe da Saxônia.

A partir de 1921 iniciam-se as tensões e as desordens, período de transgressões à legalidade. Conforme as regiões iniciam-se as revoltas: quebra de votos monásticos, afasta-se o celibato dos padres, destruição de imagens, novas formas de celebração da missa etc. 1522 é o ano das rupturas, marcado por conflitos entre iconoclastas (reforma do culto por iniciativa própria) e anabaptistas (subtração dos filhos ao batismo). Lutero não se envolve na revolução e defende a legalidade. Em 1522 aparece a oposição entre Karlstadt e Lutero. O primeiro, com sua teologia do Espírito Santo prega a ascese. Explica que a ascese é o movimento do Espírito que age diretamente na pessoa sem a intervenção de sacramentos e da instituição religiosa. Ele prega que, pela ascese, o homem renuncia às paixões e desejos carnais e eleva-se a Deus numa atitude livre. Com esta doutrina, Karlstadt prega a abolição dos sacramentos e da instituição eclesiástica e como renomado professor da Universidade, Kalrlstadt é seguido pela Universidade e pelo Conselho Municipal de Winttenberg, que o apóiam no movimento popular nas reformas que julgava realizar.
Lutero é chamado para conter as manifestações populares, que julgou ilegítimas por serem contrárias à ordem estabelecida, e no dia 01 de março de 1522 consegue conter os ânimos dos radicais e moderados. Mas a controvérsia entre Karlstardt e Lutero continua por muitos anos. O primeiro ainda publica Do Sacerdócio e do Sacrifício de Cristo e como réplica, Lutero publica Contra os Profetas Celestes, das Imagens e do Sacramento, em que defende que ninguém pode arrogar-se o direito de atentar a ordem estabelecida. Já em 1520, Lutero dirigia seu retumbante apelo à Reforma: “Todos quantos consagram os seus bens, o seu esforço, a sua honra, à destruição dos episcopados e à ruína do poder dos bispos são bravos soldados de Deus, combatem a ordem do diabo. Que cada cristão contribua com todas as suas forças para pôr cobro a essa tirania e calque alegremente aos pés toda a obediência que lhes é devida”. Lutero posicionou-se contra os anabaptistas e camponeses revoltados. Os anabaptistas acreditavam na abolição do mundo profano corrompido pela riqueza, na vingança divina que aniquila os maus, no advento do Millenium, na recusa ao clericalismo e na noção de um espírito profético no meio do povo de Deus. Os anabaptistas tiveram grande aceitação nas camadas sociais mais deserdadas da cidade e do campo. Entre eles, havia os anabaptistas insurrecionais e os pacíficos, sendo que estes últimos é que predominaram depois de malograrem as revoltas populares. Eles eram contra o batismo porque entendiam que o batismo constrangia à observância das leis e da ordem estabelecida. Assim sendo, rejeitando o batismo que os incorporava e os subordinava, abre-se a possibilidade formal de contestar a ordem existente, no todo ou em parte. Lutero reage, defendendo a importância do batismo para a salvação do crente: “quem crer e for batizado será salvo”, ensina a Escritura. E defende ainda que o uso da instituição é legítimo se sua existência for atestada pela Escritura como conforme a vontade divina.

Tomás Muntzer é o teólogo mais conseqüente e radical da Reforma. Ele escreve e formula uma doutrina a respeito do culto e do saber. Ele reprova a leitura da Bíblia ao pé da letra e faz a junção entre experiência da ascese mística e luta política pela emancipação do povo. A ciência do divino extraída da Sagrada Escritura, segundo Muntzer deve ser iluminada por esta junção. Ele prega a necessidade de se interpretar a Sagrada Escritura à luz da fé da revelação. A teologia de Muntzer é a da Revelação. Ele crer que por meio de visões, sonhos, da Escritura e da própria realidade, Deus revela sua vontade ao homem. Ele ensina que a Palavra de Deus impulsiona o homem a agir na história, a dar continuidade à história da salvação. A fé segundo Muntzer é revolucionária dois motivos: primeiro, porque liberta o homem da tirania da letra e o ilumina a razão; segundo, porque lhe confere a força de realizar o Reino de Deus na Terra. Muntzer pregava que o crente é chamado a ler a Escritura e entendê-la a partir da realidade em que se vive. A verdade da Escritura abre o caminho à compreensão da realidade.

Muntzer crer na instrução dos fiéis. Ele ver a necessidade de a Igreja dar a Escritura ao povo, fazendo-o entender a vontade de Deus de maneira simples e sem abstrações. Ele se tornou o primeiro pastor a reformar o culto. Esse culto era constituído pelo canto, pela leitura da Bíblia e ela prédica (explicação e apresentação das verdades da fé). Muntzer ensinava que o padre autêntico é aquele que dá a Escritura. No Sermão aos Príncipes, Muntzer defende a verdadeira comunidade cristã baseada no amor, na justiça e na igualdade entre as pessoas como prática autêntica do Evangelho. A autora finaliza sua reflexão citando o sentido e a racionalidade da História, em Muntzer, onde este crer que este sentido só será acessível aos que lutam pela sua realização histórica.


Tiago de França da Silva
Bacharelando em Filosofia pelo ITEP
História da Filosofia Moderna

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