sábado, 29 de agosto de 2009

As leis, as tradições e o Evangelho de Jesus


O texto evangélico deste 22º Domingo Comum é Mc 7, 1 – 8. 14 – 15. 21 – 23. A questão central do texto é discutir a validade das leis e das tradições religiosas. Jesus estava inserido numa realidade em que estas eram rigidamente observadas. Ele encontra no cumprimento rígido das mesmas um gravíssimo problema: não estavam promovendo a dignidade do homem. Não podemos afirmar que Jesus anulou as leis e as tradições judaicas. Ele as ordenou para a vida, pois estavam sendo praticadas sem levar em consideração o ser humano e sua dignidade. Em outras palavras, a lei e a tradição não estão acima da vida, mas em função da vida do homem. É para o bem comum da sociedade civil e eclesial que existem as leis e as tradições. Todas as sociedades têm suas leis e tradições e perante elas encontramos o homem submisso, sem liberdade e dignidade. É verdade que não são todos os homens que são submissos e não são injustas todas as leis e tradições, mas as que são não precisam ser observadas. Nesta falta de observação de leis e tradições injustas é que Jesus não foi compreendido nem aceito entre os judeus, pois foi acusado de transgredir a lei e a tradição.

Atualizar a mensagem de Jesus contida no texto é um desafio que sempre nos incomoda. A palavra de Jesus vem desestabilizar aquilo que aparentemente está correto. Nós temos, na sociedade e na Igreja, muitas leis e tradições e somos chamados, à luz do Evangelho, a fazer uma revisão das mesmas. Analisar e julgar as leis e os costumes civis não é da competência da Igreja. Esta não é a sua missão. Padres e Bispos não são juízes das leis nem dos costumes das nações. Mas, uma vez inseridos no mundo e, muitas vezes vítimas das atrocidades das leis e dos costumes, somos também chamados, enquanto seguidores de Jesus, a denunciar as injustiças cometidas pela lei e pelo costume.

Na sociedade civil encontramos inúmeras leis que acabam com a vida dos mais fracos, pois são sancionadas pelas classes dominantes que não querem ver o bem estar do povo. Os poderes públicos estabelecidos democraticamente, mas que não visam à dignidade das pessoas exploram através da imoralidade política. Ultimamente, estamos assistindo à vergonhosa situação do Senado Federal, composto por um número significativo de parlamentares que não tem compromisso com a ética nem com a coisa pública. São estes mesmos parlamentares que elaboram as leis que regem a nação. É por causa deles que as leis são contraditórias e, às vezes, desumanas, porque muitas visam o bem estar deles próprios, em detrimento da população que os elegeu. Somos expectadores das mazelas praticadas por aqueles que elegemos para nos representar. Diante de tal situação percebemos o quanto faz mal ao homem o jogo obsessivo pelo poder e pelo dinheiro. Por trás de toda confusão, há sempre a ambição pelo poder e pelo dinheiro do povo.

Na sociedade religiosa, encontramos a Igreja. Enquanto instituição, ela tem suas leis e tradições. Enquanto sociedade composta por homens sabe-se que as leis e as tradições da Igreja são frutos da ação humana ao longo da história, pois é na história dos homens que a Igreja caminha e se realiza. Levando em consideração a estrutura da Igreja e sem renunciá-la, certamente não se pode regê-la sem leis. A questão que se apresenta é: Até que ponto necessitamos de leis no processo de Evangelização? Cito um exemplo para fazer o leitor entender a influência da lei na Evangelização. Em Alagoas, há alguns anos, um padre mexicano de uma paróquia do interior foi convidado para conceder a unção dos enfermos e a Eucaristia a um doente. Este estava acamado, prestes a morrer! O padre o confessou e depois perguntou se o mesmo tinha recebido o sacramento do matrimônio. Tendo respondido negativamente, o padre retirou-se e não lhe deu a Eucaristia porque a lei proíbe a Eucaristia à pessoa que não recebeu o matrimônio e se encontra “amigada”. Neste exemplo percebemos que o presbítero achou mais importante obedecer à lei aprendida no curso de Teologia do que ter concedido a Eucaristia a um pobre enfermo. Se Jesus se fizesse presente em nossas vidas somente pela Eucaristia, aquele doente tinha se perdido! Infelizmente, neste caso específico e em tantos outros que ocorrem em nossas comunidades, o homem se torna escravo da lei.

Certamente, a Igreja precisa renunciar às leis contrárias ao Evangelho. Este não pode ser abafado pela lei. Nenhuma lei é maior do que o Evangelho de Jesus. Assim como a Igreja é convidada a denunciar às leis injustas elaboradas pelos homens, também é convidada a revisar e abolir às leis eclesiásticas que não contribuem com a construção do Reino de Deus. Infelizmente, a Igreja tem uma forte tendência a apegar-se às tradições. Há certo saudosismo. Alguns querem ressuscitar a Cristandade! A evolução do pensamento e da cultura não permite à Igreja regredir, pois se ela fizer, ficará sozinha, marginalizada. Se quiser ser escutada, precisa falar a altura do nosso tempo. Muitos não entendem que a Missa presidida de costas para o povo e rezada em latim não corresponde mais ao nosso tempo. Não adianta querer obrigar as pessoas a se adaptarem aos ritos antigos, porque aquilo que é antigo não corresponde ao que é novo. O ontem não é o hoje de nossa história. Esta continua no decurso do tempo e precisamos caminhar. A estaticidade não deve mais fazer parte da Igreja. Se a Igreja continuar ignorando muitas coisas, terminará sendo ignorada pelas pessoas. Isto já é uma realidade, pois, cotidianamente, as pessoas vão se autoafirmando e recusando a presença da religião em suas vidas. Muitas não vêem mais sentido na religião. Por outro lado, ainda há certa efervescência da religiosidade, mas sem prática concreta de amor, somente como satisfação de desejos e exteriorização de frustrações.

O que a lei e a tradição têm a ver com isto? As Igrejas cristãs pregam que quase tudo na vida humana é pecado! Os neopentecostais que o digam! A Igreja Universal do Reino de Deus prega que o mal tem origem no demônio e este é o causador de todos os males. Tudo é responsabilidade do demônio! Em nossa Igreja, a Renovação Carismática Católica tem quase que a obrigação de pregar contra o relativismo. A grande maioria das comunidades de vida que estão surgindo, têm a missão de recordar aos católicos a importância do cumprimento das leis e a fidelidade às tradições. A idéia central da pregação de tais comunidades está centrada no seguinte discurso: “Entrega a tua vida ao Senhor Jesus e Ele tudo fará por ti!” Esta é a exigência. Fazendo isto você estará renunciando ao pecado e aos vícios da sociedade e tem garantida a sua salvação.

Diante de tal pregação, pergunto: Onde fica o Reino de Deus? Simplesmente, não existe. Jesus deixa bem claro no Evangelho deste Domingo, que não são as coisas externas que tornam o homem impuro, mas as que saem de seu interior. Não são as leis nem as tradições que nos salvam ou nos tornam cristãos. É no seguimento de Jesus e na construção do Reino de Deus que somos salvos do poder da morte. Se as leis e tradições não estiverem a serviço do Evangelho e do Reino de Deus, certamente não precisamos observá-las, porque são farisaicas.


Tiago de França

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Dom Luciano Mendes de Almeida, um exemplo de cristão


Um artigo é insuficiente para falar sobre Dom Luciano Mendes de Almeida, SJ. Não tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, mas mesmo assim, atrevo-me a escrever algo sobre este grande Bispo da Igreja, nascido no dia 05 de outubro de 1930 no Rio de Janeiro. Filho de família rica, tradicional e de vasta cultura, teve acesso a uma boa educação, que o transformou em um grande intelectual. Estudou no Colégio Santo Inácio, no RJ e no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo. Ingressou na Companhia de Jesus (jesuítas) em 1947. Nos anos 50 e inícios da década de 60 estudou em Roma, onde fez doutorado em Filosofia pela Universidade Gregoriana de Roma e em 1958, ainda em Roma, foi ordenado presbítero. Foi nomeado Bispo Auxiliar de São Paulo, sendo sagrado por Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, OFM, Dom Clemente Isnard, OSB e Dom Benedito de Uchoa Vieira. Em 1988, o Papa João Paulo II o nomeou Arcebispo de Mariana, MG, onde permaneceu até a morte. Ficou mais conhecido no Brasil quando foi eleito Secretário Geral da CNBB (1979 – 1987) e Presidente da mesma de 1987 a 1995 (dois mandatos consecutivos). Além do português, falava e escrevia em inglês, francês, alemão e latim. Também era um ótimo caricaturista.

Qual a personalidade episcopal de Dom Luciano? Dom Luciano era um intelectual e um homem moderado na palavra. Não era de escandalizar as pessoas, apesar de seu aguçado pensamento crítico. Ele gostava de dizer: “Sou moderado no discurso e radical na ação”. De fato, quem o conheceu pessoalmente concorda planamente com suas palavras. Seu discurso moderado o fez ocupar grandes cargos e ser escutado por muitas pessoas. Tinha o dom da palavra certa na hora certa e para a pessoa certa. Presidiu a CNBB em momentos difíceis, período em que vigorou a redemocratização do Brasil. Acertadamente, o Papa Paulo VI o nomeou Bispo da Igreja e, profeticamente, o colocou junto a outro grande pastor da Igreja, o então Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, OFM. Certamente, o Espírito do Senhor não faltou ao Papa Paulo VI em tal nomeação! Posteriormente, João Paulo II desfez a aliança fraterna dos dois profetas da Igreja Particular de São Paulo, nomeando Dom Luciano para o Arcebispado de Mariana, MG.

Dom Luciano era conhecido pela sua ternura para com os pobres. Durante toda a sua atividade de pastor zeloso, costumava recolher as crianças abandonadas nas praças e calçadas das ruas, principalmente pela madrugada. Era um homem que dormia pouco. Este serviço aos pobres abandonados, entre tantos outros, o transformou num pastor simples e humilde. Todos que se aproximavam dele ficavam extasiados pela sua inteligência, simplicidade, ternura e humildade. Uma oportuna colaboração para a Igreja latino-americana foi sua participação na Conferência de Puebla. Graças a ele e aos demais Bispos do grupo da “Igreja dos Pobres” é que tal Conferência teve bom êxito, sem dar muita margem às influencias da Cúria Romana. Foi em Puebla que a Igreja teve a coragem de se propor à opção preferencial pelos pobres.

Dom Luciano deixa à Igreja, principalmente aos Bispos uma grande lição: o exercício da autoridade no serviço e na humildade. Ele ensinou que a autoridade só é válida e respeitada quando se coloca a serviço, principalmente dos esquecidos da sociedade. Dom Luciano era um Bispo discreto em suas ações. No silêncio da madrugada e na ação misteriosa do Espírito de Deus buscou servir humildemente aos prediletos de Jesus, os pobres. Isto o constituiu cristão. Ele ensinou que, antes e durante o exercício das ordens sacras, os pastores do povo de Deus devem procurar ser cristãos. Se conseguirmos ser cristãos, então corresponderemos aos anseios do Evangelho e seremos santos no amor de Deus. Simplesmente, Dom Luciano mostrou com a vida que ser cristão é ser santo. A santidade da vida consiste em sermos cristãos de verdade. Trata-se de um mistério simples de ser compreendido, mas que é vivido somente por aqueles que se dispõem à aventura do amor.

A Igreja de nossos dias precisa de Bispos da linha de Dom Luciano, Dom Hélder Câmara, Dom Oscar Romero, Dom Pedro Casaldáliga entre outros. Foi uma geração de Bispos que compreenderam o evento Vaticano II e procuraram colocá-lo em prática. Estes homens foram profetas (Dom Pedro Casaldáliga ainda está entre nós). Foram profetas porque se deixaram guiar pelo Espírito que sopra onde quer. A ação do Espírito do Senhor só é plenamente compreendida por aqueles que se deixam conduzir, porque vivem conseqüentemente a aventura do amor. Que nossos Bispos sejam solícitos com aqueles que profeticamente os precederam no ministério episcopal, e que os projetos de amor e vida sejam reanimados e revigorados na Igreja, pois os pobres estão à espera da caridade fraterna dos verdadeiros cristãos. As injustiças são gritantes, precisamos urgentemente de profetas. Jamais o Espírito deixará faltar à Igreja homens que a ajudem a converter-se ao caminho do Evangelho, caminho de Jesus.

Cremos que os santos são autênticos cristãos, portanto não vejo exagero nem erro reconhecer a santidade de Dom Luciano Mendes de Almeida. E se esta não for canonicamente reconhecida, certamente o bom Deus o já tem feito na morada dos justos, assim como aqueles e aquelas que o conheceram de perto. Hoje, dia 27 de agosto, dia em que também celebramos a memória da Páscoa de Dom Hélder Câmara, coirmão no episcopado de Dom Luciano. Completados os 75 anos, idade exigida pelo direito canônico para a renúncia dos Bispos, em Mariana – MG, entregou seu espírito a Deus num gesto de amor-serviço. Como são misteriosos os desígnios da Providência! Dom Hélder celebrou a Páscoa definitiva em 27 de agosto de 1999 e seu coirmão Dom Luciano no mesmo dia 27 de agosto do ano de 2006, sete anos após. Pela vida e testemunho destes dois santos, demos graças a Deus!


Tiago de França

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Chamados à santidade


Certa vez, escutei de alguém a seguinte expressão: “Hoje, mais do que em outros tempos, precisamos de santos na Igreja e na sociedade”. Também concordo com tal verdade. Ser santo não é coisa fácil, mas também não é algo impossível. Em algum lugar do Evangelho Jesus diz: “Sede santos, assim como o vosso Pai do céu é Santo”. É um bom convite. Vamos tentar entender este convite, para ver se é possível sermos santos. Temos o convite, esforcemo-nos em atendê-lo.

Primeiro, é preciso crer que Deus é Santo, pois é a fonte de toda santidade. O texto do Evangelho do domingo passado nos revelou por meio das palavras de Pedro a seguinte verdade: “... tu és o Santo de Deus”. Jesus é o Santo de Deus. Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus, isto quer dizer que, segundo as Escrituras, somos imagem e semelhança da santidade de Deus. Isto indica-nos a possibilidade não de sermos iguais a Deus, mas semelhantes a ele no que concerne a sua santidade. Em outras palavras, somos chamados a participar da santidade de Deus. Ele, por sua própria vontade, partilha conosco o seu amor e nos faz santos no amor e para o amor.

No amor somos santos e para o amor somos santificados. Isto é muito belo! Mas onde fica a nossa condição de pecadores? A santidade divina é sinal de perfeição, porque Deus é perfeito. Somente Deus é, essencialmente, bom. Se o pecado passou a fazer parte de nossa condição, logo não seremos, jamais, perfeitos. E se conseguíssemos ser de fato, seríamos deuses, iguais a Deus. Isto não nos é possível! Então, como podemos ser santos? Partindo da compreensão de que somente Deus é Santo e Justo, Puro e Perfeito, o convite de Jesus aos homens a serem santos, não implica estado de perfeição, ou seja, participamos da santidade de Deus, mas não somos perfeitos como Ele.

Assim sendo, o homem não é chamado a ser perfeito, mas sua santidade consiste num esforço permanente, auxiliado pela graça de Deus, de participar da divindade de Jesus por meio da prática dos mandamentos. Ao jovem rico que queria salvar-se, Jesus perguntou pelo cumprimento dos mandamentos, e sendo ele rico materialmente, lhe foi proposto ainda, renunciar às suas posses para o seguimento de Jesus Cristo. Parece que Jesus não ficou satisfeito somente com o cumprimento dos mandamentos. Ele pede a renúncia daquilo que prende e que impede à realização da pessoa no seguimento. A proposta é renunciar os bens, deixar tudo e seguir, para assim, se alcançar o tesouro no céu.

Em São Vicente de Paulo, padre francês do século XVII e fundador da Congregação da Missão e outros ramos voltados à caridade para com os pobres, além dos mandamentos da lei de Deus, há cinco virtudes, que praticadas no exercício da missão, torna a mulher e o homem, santos e santas no amor de Deus: humildade, simplicidade, mansidão, mortificação e zelo. São virtudes práticas. São instrumentos a serviço da missão. A prática de tais virtudes eleva o homem ao ser de Deus e o torna santo.

Vejamos o que São Vicente de Paulo diz sobre cada uma das virtudes citadas. Sobre a simplicidade: “Deus é simples. Onde encontrares a simplicidade cristã caminharás seguro; pelo contrário, os que recorrem a precauções e artimanhas estão num medo contínuo de que descubram seu artifício e que, ao se ver surpreendido em sua falsidade, ninguém quer ter confiança neles” (XI, 740s, 462). Sobre a humildade: “Entendei bem isto, meus senhores e meus irmãos: nunca poderemos fazer a obra de Deus se não tivermos uma profunda humildade e uma humildade de opinião sobre nós mesmos” (XI, 71). Sobre a mansidão: “Não há pessoas mais constantes e firmes no bem que aqueles que são mansos e pacíficos; pelo contrário, os que se deixam levar pela cólera e pelas paixões são geralmente muito inconstantes, porque agem por impulsos e ímpetos” (XI, 752). Sobre a mortificação: “Cristo disse: ‘Quem quiser me seguir, negue-se a si mesmo e tome sua cruz cada dia’. E dentro do mesmo espírito, São Paulo acrescentou: ‘Se viveis segundo a carne, morrereis; mas, se com o espírito fazeis morrer as obras da carne, vivereis’. Por isso todos nós dedicaremos assiduamente a submeter à vontade e o próprio juízo, e a mortificar todos os sentidos” (RC II, 8). E sobre o zelo: “Se o amor de Deus é fogo, então o zelo é sua chama” (XI, 590). São Vicente de Paulo foi proclamado santo porque viveu tais virtudes.

Há algumas falsas imagens ou idéias sobre a santidade. Alguns pensam que os santos não dormem, não bebem, não comem nem pecam! Outros pensam que a santidade é para alguns escolhidos. Antes do Vaticano II somente os clérigos é que podiam ser proclamados santos, pois eram celibatários e ordenados. Quem estivesse fora de tais condições, dificilmente era proclamado santo, porque o “estado de perfeição” era reservado aos clérigos, considerados pessoas de ordem superior em relação aos leigos. Na Igreja pós-Concílio houve uma reforma do conceito de santidade, mas ainda há resistência por parte de alguns. Hoje, é preciso pensar a santidade a partir do seguimento de Jesus. Podemos afirmar, seguramente, que somente aqueles que seguem Jesus é que podem ser santos. Não há santidade fora do seguimento de Jesus. E o seguimento de Cristo se dá na adesão ao seu projeto de amor e de vida para todos.

Certamente, podemos ser santos. O senhor nos chama a isto desde o nosso batismo. A confiança na divina Providência é outra qualidade do homem que almeja a santidade e o reconhecimento da condição de pecador é outra marca característica. O homem torna-se santo quando procura, acima de todas as coisas, fazer a vontade de Deus. E a vontade de Deus consiste em amá-lo acima de todas as coisas e ao próprio como a si mesmo. Temos toda a vida para buscar viver tal mandamento, pois é este que nos santifica todos os dias. Ninguém, a não ser o próprio Deus, é quem é santo plenamente. A santidade é uma construção cotidiana, uma caminhada de renúncias e sacrifícios. Seguir Jesus e fazer a vontade de Deus são uma só coisa e quem aceita abraçar tal empreitada, deve implorar a graça de Deus, pois sem esta é impossível agradá-lo e, conseqüentemente, ser santo.

Ó Deus, fazei-nos santos como Vós sois Santo!


Tiago de França

sábado, 22 de agosto de 2009

A quem iremos, Senhor?


O texto do Evangelho deste 21º Domingo do Tempo Comum (cf. Jo 6, 60 – 69) convida-nos a assumir o compromisso cristão, que se dá no seguimento de Jesus. É um trecho que revela o quanto Jesus é exigente para conosco. O autor diz que “muitos discípulos” criticaram as palavras de Jesus, considerando-as um ensinamento “duro demais”. Parecem escandalizados com o ensinamento de Jesus. Estes “muitos discípulos” deixaram de segui-lo. Interessante é a pergunta feita aos Doze: “Vocês também querem ir embora?” Esta indagação revela que os Doze não eram obrigados a segui-lo. Eram livres no seguimento, livres na opção. E em nome da comunidade de discípulos, Pedro responde: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Agora nós acreditamos e sabemos que tu és o Santo de Deus”.

O que este Evangelho nos ensina hoje? Estamos no mês vocacional, no qual a Igreja reflete sobre o chamado de Deus e o seguimento de Jesus. Levando em consideração a radicalidade do ensinamento de Jesus, somos chamados a pensar o processo de evangelização da Igreja. Como estamos apresentando o Evangelho de Jesus? Que Jesus estamos anunciando? A nossa maneira de pregar o Evangelho, enquanto metodologia humana, tem demonstrado ineficiência, ou seja, parece que não estamos sabendo anunciar Jesus. Por que digo isto? Porque as pessoas não seguem Jesus, mas simpatizam-se com ele. Trata-se de uma relação de estima e consideração. Simpatizar-se com uma pessoa é achá-la interessante e cordial. É gostar da pessoa.

Jesus não veio ao mundo com o intuito de agradar as pessoas. Um budista pode simpatizar-se com Jesus, mas não se torna seu seguidor, pois não acredita que Jesus é o Senhor. A mesma coisa acontece com as pessoas que não querem compromisso com Jesus. Elas gostam dele e até rezam para ele, mas não o seguem. Por que isto? O problema está na pregação. Hoje temos vários Jesus e vários ensinamentos. Uns afirmam que Jesus fez isto, outros afirmam que fez aquilo. E no fim de tudo, não se sabe realmente o que Jesus disse e fez. Trata-se de uma confusão! Cada Igreja anuncia um Jesus que atende aos interesses institucionais. Exemplo: se a Igreja dá ênfase ao Dízimo, o ensinamento se volta para o Jesus que mandou pagar o tributo do Templo. Infelizmente, é preciso admitir certa deturpação do Evangelho de Jesus.

O que está acontecendo? É simples perceber o erro fundamental. Jesus precisa voltar à pregação. Precisamos anunciar Jesus. Os grandes oradores anunciam a si mesmos. São inúmeros os livros que tentam traduzir a mensagem de Jesus. As prateleiras das livrarias estão fartas de livros. O mercado editorial vive de publicações, muitas a respeito de Jesus. A grande maioria dos livros não diz absolutamente nada. Não estou desmerecendo os tratados e os estudos sérios e comprometidos que há sobre Jesus e seu Evangelho, mas denuncio aqui as imagens deturpadoras a respeito de Jesus e sua mensagem que há na maioria das publicações. Publicações ricas de sentimentalismo religioso, que chama para uma piedade alienante e descomprometedora. Estas publicações não apresentam o Cristo do Evangelho deste Domingo.

Não podemos afirmar que o Evangelho de Jesus não desperta mais o interesse das pessoas. Isto não é verdade. O problema não está no Evangelho, este não é mais um problema na vida das pessoas. O problema está na metodologia da Evangelização. Em muitos lugares tenho participado de encontros e celebrações e não consigo ver anúncio do Evangelho em muitas das ocasiões. Não preciso apelar para a história do Cristianismo para afirmar que o Evangelho de Jesus foi e ainda está sendo traído. Em nome do Evangelho já queimaram pessoas em fogueiras e cortaram muitos pescoços em guilhotinas. Em nome deste mesmo Evangelho tiram-se 10% do salário de um trabalhador para “entregar a Jesus”, dentre outros absurdos cometidos em nome de Jesus.

Na semana que passou um jovem me dirigiu a palavra através de um e-mail e disse: “Tiago, pare de escrever, pois suas palavras causam divisão e confusão na cabeça das pessoas”. Ao receber tal mensagem tentei compreender a pessoa que me mandou e o contexto no qual ela está inserida. Compreendo-a perfeitamente, mas não recuo diante de tal pedido. A Igreja somos todos nós, isto é que se fala em todas as comunidades. Defendo que a Igreja precisa anunciar Jesus e este é o Caminho, a Verdade e a Vida. No mundo atual, anunciar a Verdade é falar “duro demais”. As pessoas não querem escutar a verdade, salvo as exceções. As pessoas participam do culto divino e não querem ser incomodadas pela Verdade. Diante disto, pergunto: Se a Verdade não for anunciada, qual a validade do nosso culto? A quem estamos cultuando?... Não podemos “camuflar” Jesus, precisamos apresentar tal como ele se apresenta no Evangelho. Isto se chama fidelidade ao mesmo.

Não canso de escrever e repetir: Seguir Jesus é coisa séria. Isto é uma novidade porque poucas pessoas vivem isto. Constatou-se na V CELAM, em Aparecida, SP, que há uma evasão de fiéis da Igreja. Por que isto? Porque as pessoas não querem seguir Jesus, mas ser curadas por ele. Curadas de seus problemas temporais e espirituais. Para elas, Jesus é a fonte de todas as graças, que resolve todos os problemas da vida. Diante disto, pergunto: Pode-se formar Igreja com gente pensando e agindo desse jeito? Estas pessoas estão dispostas a seguir Jesus? Claro que não! É verdade que todos são livres para seguir ou não, mas não podemos aceitar o fato de pessoas afirmarem seguir Jesus, sem estarem, de fato, seguindo. Esta mentira precisa ser denunciada. Isto não é seguimento, mas aparência de seguimento, pura ilusão.

Jesus precisa de discípulo decidido. Discípulo decidido não quer dizer dividido! Jesus pede-nos certeza no seguimento. Um querer definitivo. Optar por Jesus é optar pelo Filho de Deus, crucificado e ressuscitado na história da humanidade. É aderir a seu projeto por excelência: o Reino de Deus. Corresponder ao chamado de Deus, de servir ao povo santo e pecador, é renunciar às nossas pretensões meramente interesseiras e abraçarmos o projeto, auxiliados pela graça de Deus. Agora, se não quisermos compromisso com o caminho, com a verdade e com vida, podemos continuar com nossa piedade e devoção a Jesus na certeza de arcarmos com as conseqüências desta opção. E se acharmos que o ensinamento de Jesus é duro e inaceitável, então, apresenta-se também para nós a pergunta: “Você também quer ir embora?”... Somos livres e nossa vocação se dá na liberdade e para a liberdade.

Tiago de França

A missão


"Missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha no nosso eu. É não se deixar bloquear pelos problemas do pequeno mundo a que pertencemos; a humidade é maior. Missão é sempre partir, mas não devorar quilômetros. É abrir-se aos outros como irmãos, descobri-los e encontrá-los. E, se para encontrá-los e amá-los, é preciso atravessar os mares e voar lá nos céus, então missão é partir até os confins do mundo" (Dom Hélder Câmara).

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O saber e a humildade


O saber pertence ao ser humano. Somente o homem é que sabe que sabe. Os animais e as plantas não pensam, logo não sabem que sabem. O homem é dotado de inteligência, razão e criatividade. Pelo estudo, pesquisa, observação e pela curiosidade, o homem tem acesso à essência das coisas. Ele descobre o sentido de cada coisa. E o mais importante é que o homem é o único ser que consegue dar sentido à própria existência. A busca, o encontro e o reencontro do sentido da existência é algo extraordinário. Trata-se de um processo que dura por toda a vida.

Até os tempos atuais podemos encontrar grandes figuras que se destacaram em todas as áreas do conhecimento. Inventor de todas as ciências, o homem racional e inteligente desenvolve o próprio conceito de homem e de humanidade. O homem cria a si mesmo e ao mundo em que habita. É também um ser transcendente. Além daquilo que é visível e palpável, ultrapassa os limites da razão e da inteligência e atinge o mundo meta-físico. Consegue pensar as realidades que estão além daquilo que é sensível e material.

E para aqueles que têm fé, acredita-se que Deus é o autor da vida e o Criador de todas as coisas. Criado à imagem e semelhança de Deus, o homem é chamado a reconhecer que Deus o criou com razão e inteligência, para amar e cuidar da criação. Deus confiou ao homem toda a criação, para que nela e por ela vivesse feliz. Assim sendo, Deus é a plena Sabedoria e aqueles que nele acreditam, também recebem o dom da sabedoria. Todos podem saber, mas nem todos são sábios. O sábio pode até ser culto, inteligente e criativo, mas a sabedoria do sábio ultrapassa a tudo isto. Se afirmarmos que os sábios são somente os que são chamados cultos, então os que não tiveram acesso ao conhecimento das ciências não poderiam ser sábios. Quem assim pensa, engana-se profundamente.

O verdadeiro homem sábio é um homem humilde. É sábio aquele que admite nada saber. O sábio cristão é o homem que procura seguir Jesus nas pegadas da humildade. Jesus é o ícone da humildade. É o sábio por excelência, pois cremos que ele participa da natureza de Deus, apesar de não ter se aproveitado disto. É a partir desta verdade que encontramos um grave pecado entre nós. Tal pecado consiste naqueles que possuem muito conhecimento, mas não são humildes. O saber, ao mesmo tempo em que confere cultura e entendimento, também confere certo orgulho e vaidade.

Trazendo esta reflexão para o meio eclesiástico, vamos encontrar muitos leigos, padres, bispos e até papas muito cultos na história da Igreja, mas foram e ainda são poucos os que conseguem unir saber e humildade. O equilíbrio de tais virtudes é necessário para termos mulheres e homens sábios. A tentação da soberba é muito comum entre aqueles que são considerados cultos, inteligentes, gênios, etc. Por isso, se faz necessário, que o homem agraciado por Deus com o dom da inteligência reconheça que a escola da vida é infinita, ou seja, que ninguém sabe de todas as coisas e que somente Deus é onisciente.

De que adianta ser culto ou inteligente e não saber acolher as pessoas? Qual a vantagem de acumular os saberes científicos, mas não ter uma visão ampla da realidade? São muitos os inteligentes que sofrem de miopia, ou seja, não conseguem entender a vida nem conferir sentido à mesma. O saber está para o homem e não o contrário. É para a nossa edificação que precisamos saber das coisas. Antes dos conhecimentos científicos, precisamos saber ler e escrever a vida. Saber enxergar além daquilo que se apresenta, no sentido de buscar entender as possibilidades e as viver bem. Somente a sabedoria divina, que se manifesta na e por meio da linguagem humana, é que pode conferir ao homem a verdadeira sabedoria que humaniza e liberta integralmente.

O sábio também é um místico. Ele contempla a criação e nela vê e vive a vida. Os homens pós-modernos buscam os porquês das crises a que passamos e se esquecem de que a resposta está na criação. Não precisamos ser filósofos, teólogos ou cientistas para saber as razões e motivações históricas das crises causadas pelo homem. Tudo é muito simples. A complexidade obscurece a visão da realidade. O homem, às vezes, complica a vida e a torna difícil de viver. O sábio, com sua perspicácia transcendente e espiritual consegue enxergar além da complexidade, e apesar das fragilidades que lhe são inerentes, sobrevive em meio às mazelas produzidas pelo homem, tendo a plena consciência do sentido de cada realidade. É preciso rogar a Deus, incessantemente, a serenidade e paz necessárias, para que neste mundo conturbado, possamos ser sábios suficientemente para darmos continuidade à peleja da vida.


Tiago de França

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O chamado e a resposta


Fui convidado para falar sobre vocação para um grupo de jovens crismandos. A primeira coisa que disse para eles foi que Deus chama a todos. Ninguém está excluído do chamado de Deus, porque todos somos chamados a fazermos algo neste mundo. Ninguém pode estar à toa. O mundo precisa de mulheres e homens que pratiquem o amor e a justiça a fim de que possamos ser felizes. A falta de amor e de justiça causa muita infelicidade no mundo. Desta forma, Deus nos chama a amar e sermos justos. Este chamado ultrapassa as fronteiras entre as nações e religiões. Chamados à felicidade plena precisamos amar e sermos justos, pois fora do amor e da justiça não pode haver felicidade verdadeira.

Disse ainda aos jovens que precisamos conhecer melhor o Deus que nos chama, pois não podemos seguir a um desconhecido. O conhecimento de Deus está no amor e na justiça, porque Deus é Amor e Justiça. Conhecer a Deus significa pôr em prática o seu maior mandamento: O AMOR. É na dinâmica do amor que conhecemos a Deus. Quem não se arrisca na aventura do amor jamais poderá conhecer a Deus, pois é no amor que Deus se revela. É no amor que Deus ama e é amado. E é no amor que o homem torna-se humano e se humaniza. Crer no amor é crer em Deus. Desacreditar do amor é não acreditar em Deus.

É verdade que, teoricamente, as palavras são belas e as fórmulas são bonitas, mas como deve ser isto na prática?... Certamente é um desafio quase que impossível. Levando em consideração a condição humana e a realidade do mundo presente, somos tentados a cair no desespero e desacreditarmos de tudo. Penso que não podemos incorrer a isto, porque a nossa esperança está em Deus. O Apóstolo Paulo vai dizer que “nossa vida está escondida em Deus”. Se só assistimos desgraças, precisamos esperar em Deus, pois ele é nossa esperança e nossa vida. Esta verdade precisa ser cada vez mais anunciada ao mundo, diante do desespero a que assistimos e vivemos.

Enquanto falei para os jovens, observei o semblante de alguns. Interessante como os nossos jovens não esperam mais em Deus. Estão entregues à inércia do cotidiano agitado e ensurdecedor. Foi neste momento que discorri sobre a necessidade da escuta. O chamado de Deus se dá na escuta. Alguém chama, precisamos escutá-lo para discernirmos sua voz. Quem está chamando? Onde está chamando? Para quê está chamando? Não se chama para fazer nada, mas para se realizar algo. Por isso, a escuta é necessária. Silenciar o coração diante da voz do Senhor da vida e compreendermos o seu chamado.

Recordo do chamado de Deus à Virgem Maria. Ela escutou a Deus e o questionou. Ela buscou compreender a proposta divina e respondeu prontamente: “Sim!” Colocou-se à disposição do divino Criador, que em Cristo regenerou toda a humanidade. Tendo reconhecido a Deus e compreendido sua proposta, ela não hesitou em responder positivamente ao Deus de Jesus. A partir do momento em que o homem responde positivamente ao chamado de Deus, este concede todas as possibilidades para a realização de tal chamado. E a grande proposta é a edificação do Reino da Vida em nosso meio. Somos chamados a sermos agentes da vida divina que se manifesta na vida humana.

É verdade também que responder ao chamado divino no mundo atual é uma atitude audaciosa e corajosa, pois são inúmeros os sinais de morte que se manifestam todos os dias. Somente Deus é quem concede a coragem e a força necessárias ao discípulo e missionário de Jesus, a fim de que possa abraçar o Evangelho e a causa do Reino até as últimas conseqüências. Aqui recordo a vida dos mártires, mulheres e homens, que tendo escutado o chamado divino e o clamor dos oprimidos, lutaram incessantemente por um mundo mais justo e fraterno. E o Deus da vida, que os confirmou na história e na opção feita, não deixa a causa sem justos operários.

Fazer ressoar a verdade em oposição à mentira, irradiar o amor em oposição ao ódio é nossa missão. Quem assim agir, certamente será perseguido por aqueles que não se contentam em fazer o bem. Os inimigos da justiça do Reino de Deus são muitos, e nós, que procuramos em primeiro lugar o Reino e sua justiça, somos encorajados pelo Espírito a insistirmos na luta cotidiana pela vida, mesmo que custe a nossa própria vida. Isto é o que podemos chamar de pleno exercício da profecia. Na verdade, os profetas não perdem a vida, mas a ganham plenamente porque andaram nas pegadas do Cristo.

Celebrar o mês vocacional é fazermos uma avaliação do chamado de Deus em nossas vidas. Estamos buscando ser fiéis ao chamado de Nosso Senhor? Estamos correspondendo às exigências do Reino? Será que não estamos procurando preservar a nossa própria vida, por meio do comodismo? Cada um de nós, a partir das promessas de nosso batismo e de nossa consagração, é chamado a pensar a vocação. Pensar na perspectiva do Reino de Deus, pois se este não for a referência da missão, então estamos equivocados e não chegaremos a lugar algum. O Reino de Deus é a nossa meta e a nossa missão consiste em construí-lo entre nós. Deus nos chama e espera nossa resposta. Que esta seja, cotidianamente, generosa.

Tiago de França

domingo, 16 de agosto de 2009

Por uma Igreja servidora e pobre


A liturgia da Igreja neste Domingo celebra a Assunção de Nossa Senhora. O texto evangélico é o de Lucas 1, 39 – 56. Trata-se da visita da Virgem Maria à sua prima Isabel, seguida do cântico Magnificat. A leitura deste Evangelho me fez recordar da espiritualidade missionária da Igreja. Assim como a Virgem Maria foi ao encontro de sua prima Isabel, a Igreja é convidada a ir ao encontro do mundo. A Virgem Maria foi ao encontro de sua prima para servir, pois esta estava grávida. O cântico mostra claramente que Maria era de fato uma mulher disponível para o serviço fraterno quando diz: “... porque olhou para a humildade de sua serva”. Antes de ir ao encontro de Isabel, Maria tinha dado seu sim a Deus, tornando-se sacrário da Palavra de Deus.

Assim como Maria, a Igreja precisa cada vez mais servir à humanidade. Como se dá este serviço? Antes de respondermos a tal indagação, precisamos responder a outra que surge: Qual a missão da Igreja. O n. 386 do Documento de Aparecida responde claramente: “A Igreja tem como missão própria e específica comunicar a vida de Jesus Cristo a todas as pessoas, anunciando a Palavra, administrando os sacramentos e praticando a caridade. É oportuno recordar que o amor se mostra mais nas obras do que nas palavras, e isso vale também para nossas palavras nesta V Conferência. ‘Nem todo aquele que diz Senhor, Senhor...’ (cf. Mt 7, 21). Os discípulos missionários de Jesus Cristo temos a tarefa prioritária de dar testemunho do amor a Deus e ao próximo com obras concretas. Dizia Santo Alberto Hurtado: ‘Em nossas obras, nosso povo sabe que compreendemos sua dor’”.

Estas palavras da V CELAM mostram claramente que a Igreja tem plena consciência de sua missão. Ela sabe que precisa estar voltada para o mundo e não para si mesma, pois sua existência é essencialmente missionária. A Igreja nasceu para corresponder ao mandato missionário de Jesus: “Ide e evangelizai”. O n. 386 do DA aponta três maneiras de a Igreja exercer sua missão: pelo anúncio da Palavra, pela administração dos sacramentos e pela caridade. Certamente teríamos muito a falar sobre estes três requisitos, mas uma palavra sobre cada um é necessária.

O anúncio da Palavra se dá na liturgia. Esta precisa ser revista, porque atualmente está tendendo para o esvaziamento. Liturgias que não têm ligação com a realidade vivida pelo povo são liturgias vazias, sem sentido e que causam tédio nas pessoas. É aqui que a Igreja deve analisar até que ponto o neopentecoslismo faz bem às liturgias de nossas comunidades. O canto litúrgico precisa louvar a Deus e não os sentimentos humanos (sentimentalismo alienante e doentio). A administração dos sacramentos é muito importante para a vida da Igreja, pois os sacramentos são sinais que devem exprimir e manifestar a graça e a presença de Deus no mundo. Levar as pessoas a redescobrirem o sentido de cada sacramento celebrado nas comunidades é urgentemente necessário. Precisamos de uma catequese mais dinâmica e vivencial. Enquanto sacramento, a Missa precisa ser valorizada e dinamizada, para que nela, as pessoas se encontrem verdadeiramente com o Cristo Pão da Palavra e da Eucaristia. A prática da caridade reúne em si os valores anteriores, visto que se resume no próprio Deus que é a Caridade por excelência. O Documento de Aparecida faz questão de explicar a prática da caridade quando diz: “É oportuno recordar que o amor se mostra mais nas obras do que nas palavras”. Isto precisa seriamente ser levado em conta para não cairmos no assistencialismo que vicia as pessoas e as torna dependente de nossa falsa caridade.

Efetivar estas três exigências é um desafio imenso nos dias de hoje, pois a sociedade, escrava do capitalismo e do neoliberalismo, induz as pessoas a não acreditarem na eficácia de tais práticas. É preciso renunciar aos excessos de planejamentos e deixar-nos conduzir pelo Espírito que age de forma poderosa e dinâmica na Igreja a serviço do mundo. Há um hino de louvor que diz: “Glória ao Espírito Santo, que nos consola no pranto, que orienta a Igreja, para que do pobre ela seja”. Enquanto o espírito capitalista estiver enraizado nas pessoas e em nossas comunidades, destruindo as verdadeiras relações cristãs, não teremos uma Igreja servidora e pobre. A ideologia capitalista destrói o sentido de comunidade e é contrária ao serviço e aos pobres. No capitalismo, os pobres são o “lixo do mundo”, e só servem para consumir o lixo que o mesmo produz.

Por isso, a Igreja precisa tomar posições claras em favor dos pobres, não somente na caridade que produz o alimento e no mutirão que constrói uma casa para o pobre, mas na tomada de posições políticas. A Igreja não é chamada somente a amenizar o sofrimento dos pobres, mas ajudá-los a serem agentes de transformação e sujeitos da própria história. A Igreja precisa ficar ciente de que, uma vez ficando ao lado dos pobres, será perseguida pelo capitalismo e seus representantes legais. Quando Dom Hélder Câmara, que foi Arcebispo de Recife e Olinda – PE, resolveu ficar do lado dos pobres, foi perseguido e quase que assassinado pela causa do Reino de Deus. Os teólogos comprometidos com os pobres ensinam que os pobres são a manifestação do rosto sofrido de Deus.

As denúncias recentes contra o mercenário Edir Macedo devem nos motivar a fazermos uma reflexão séria sobre o processo de evangelização, a fim de que tais denúncias não se voltem contra nós. Precisamos anunciar o Evangelho de Jesus às pessoas sem consumismo, sem assistencialismo, sem relações comerciais. Precisamos abolir de nossas igrejas alguns resquícios da chamada teologia da prosperidade. Que o Espírito de Deus não permita que regridamos ao passado nem caiamos na tentação de que precisamos transformar o Dízimo em troca de favores com Deus. Roguemos a Deus que ele nos liberte e nos oriente no caminho de Jesus e que a Virgem Maria ensine-nos e ajude-nos a servir com amor gratuito.

Tiago de França

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O mercado da fé


Desde que o homem institucionalizou a religião cristã, o mau uso das riquezas e do poder se tornou presente. Nenhuma Igreja pode afirmar que Jesus é o fundador da instituição religiosa, pois Jesus não fundou para si nem para os outros nenhuma instituição. A partir do Evangelho, Jesus aparece como aquele que, obedecendo à vontade de Deus, inaugurou neste mundo o Reino de Deus. Com isto, contou com a ajuda e a companhia de homens e mulheres dispostos a anunciar a Boa Notícia, que era o próprio Cristo. Seguramente, isto pode ser considerada uma verdade que não julga nem exclui ninguém.

As riquezas e o poder fazem parte da vida das instituições religiosas, as Igrejas. Foi sempre o mau uso das riquezas e do poder que corrompeu as relações institucionais religiosas e levou as Igrejas a traírem o projeto original de Jesus, a construção do Reino, ou seja, este foi esquecido para dar lugar às preocupações com as riquezas e com o poder. Em todas as Igrejas cristãs encontramos riquezas e poder. A partir de uma leitura histórica da religião cristã sabemos que a Igreja Católica, a primeira de todas, foi a que mais se destacou no que se refere às riquezas e ao poder. Hoje, as riquezas e o poder na Igreja Católica são menores, mas ainda são muito presentes. A infidelidade da Igreja Católica ao Evangelho de Jesus deve-se à posse das riquezas (bens materiais em excesso) e ao uso indevido do poder.

Estamos assistindo aos noticiários e estes nos informam que o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus está sendo acusado e processado por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Particularmente, confesso que não fiquei surpreso com a notícia. As atividades comerciais desta Igreja já nos são conhecidas. O absurdo é tão grande, que tal notícia não escandaliza mais a ninguém, pois tal situação torna-se cada vez mais normal. É normal porque este não é só um crime da Igreja do bispo Macedo, mas de muitas Igrejas que estão surgindo. É preciso analisar bem para sabermos até que ponto podemos chamar tais estabelecimentos de Igrejas, para não cometermos injustiças contras as Igrejas tradicionais e conceituadas.

A Justiça acatou as denúncias da Promotoria Pública, resta-nos rezar para que tal crime seja realmente apurado, pois em nosso país, mulheres e homens ricos custam para ser realmente condenados. O patrimônio pessoal do bispo Macedo, segundo a Justiça, é de 2 bilhões de dólares, dificilmente um homem com tal riqueza vai parar atrás das grades! Certo dia, para ter certeza da situação e das denúncias, fui assistir a um culto na Igreja do bispo Macedo. O que vi e ouvi foi um verdadeiro absurdo! Absurdo que certamente podemos chamar de lavagem cerebral, um verdadeiro pecado contra a bondade e à misericórdia de Deus.

O Evangelho de Jesus é claro em ensinar que o despojamento, a simplicidade e a humildade devem fazer parte da vida dos pastores do povo de Deus. É verdade que o mesmo Evangelho vai dizer que “todo operário é digno de seu salário”, mas isto não significa acúmulo de riquezas. Os pastores do povo de Deus são chamados a imitar o Mestre Jesus e este “não tinha onde reclinar a cabeça”. Deixa de ser anúncio da Boa Nova toda evangelização que tem por finalidade arrecadar dinheiro. Jesus não chamou ninguém a isto. O pastor que pautar seu ministério na coleta do Dízimo pode ser chamado de mercenário, porque está visando o enriquecimento pessoal. Não podemos negar que em todas as Igrejas existe este mal.
É verdade que não podemos julgar a fé nem a religiosidade dos outros. Só Deus pode julgar e condenar. O nosso batismo nos confere o dom da profecia e no espírito profético somos chamados a denunciar as injustiças. As injustiças cometidas pelas Igrejas são inúmeras. Jesus criticou a religião de seu tempo e foi julgado e condenado por ela. Jesus expulsou do Templo os ladrões e exploradores do povo. Nós precisamos expulsar das nossas Igrejas os pastores ladrões e exploradores. Quem são eles? Onde estão? Como agem? É preciso retomar o Evangelho de Jesus para descobrirmos os falsos pastores e os falsos profetas de nosso tempo. Eles não são poucos e possuem duas características principais: gostam de lugares públicos, para serem vistos e cumprimentados pelos homens e têm um bom discurso, abusam do uso da palavra para convencer e arrebanhar multidões. Quanto mais gente, maior será a arrecadação do Dízimo e das ofertas, que são coletadas para o templo e para Deus!

Neste mês vocacional, em que a Igreja celebra e reflete sobre todas as vocações, especialmente à dos pastores (vocações específicas), e também neste Ano Sacerdotal proposto pelo Bispo de Roma, somos chamados a pensar na realidade dos pastores de nossa Igreja. Certamente, há mercenários entre eles e não são difíceis de ser encontrados e reconhecidos. Repito uma questão colocada por muitos teólogos há anos: precisamos repensar o modelo de presbítero na Igreja. Nossos jovens não se sentem motivados para abraçar o ministério ordenado. Será problema somente dos jovens, que não querem nada com a vida? Penso que não. E aqueles que já procuram responder à vocação de presbítero nas Casas de Formação, também são convidados a pensar: Por que quero ser padre? O que me motiva a ser padre? O padre está em função de que ou de quem?... Precisamos, quer como rebanho, quer como pastores, nos libertar cada vez mais das riquezas e do poder, pois estes podem nos desviar do caminho de Jesus. Neste mundo material e como seres humanos que somos chamados a ser, somente o necessário à manutenção da vida é que nos basta, pois o supérfluo nos atrapalha e nos torna operários infiéis na vinha do Senhor.

Tiago de França

Sobre atualização

Caro/a leitor/a,

Devido à falta de tempo, este espaço está sendo atualizado a cada dois ou três dias, e não diariamente como vinha sendo.

Obrigado,

Tiago de França

domingo, 9 de agosto de 2009

O Pai e os pais


Neste dia 9 de agosto, celebra-se o Dia dos Pais. Deus concedeu ao homem a graça de ser fecundo e se tornar pai. Ser pai é um dom de Deus. Pensei em escrever brevemente sobre a paternidade, mesmo não sendo pai, porque alguns aspectos da paternidade em nossos dias me chamam a atenção. A Palavra, desde o Gênesis, ensina que unido à mulher, o homem torna-se pai. É importante frisar a unidade com a mulher, porque sem ela, o homem não pode ser pai. O leitor pode até dizer: “Não vejo novidade nisso, pois é claro e evidente que sem a mulher, o homem não pode ser pai!”, pois bem, mas em nossa realidade, temos muitos homens, pais de família, que não vivem com suas esposas. São vários os motivos: viuvez, separação etc. Uma vez destituída a estrutura familiar comum: pai, mãe e filhos, o homem fica só e sente dificuldade de exercer a missão de pai. Por isso, o Gênesis vai dizer: “E Deus viu que o homem estava só”. Deus criou para o homem um ser que lhe é semelhante, a mulher, e esta para ser sua companheira e dar-lhe a graça da paternidade. Falar da vocação paterna exige-nos falar da materna, pois homem e mulher tornam-se uma só carne. Se são uma só carne não podem ser divididos, porque uma vez unidos, unificaram-se num só corpo para a felicidade na realização humana.

É muito belo, bom e agradável a Deus ver um casal unido no amor. Na relação homem e mulher manifesta-se o amor de Deus. O amor entre o homem e a mulher revela a face de Deus, pois Deus é amor. Sendo Deus o amor por excelência, também se torna para todo pai de família a referência maior da paternidade. Deus é Pai de bondade e ensina ao homem a bem viver sua paternidade. Amando a Deus sobre todas as coisas, encontrando Nele o sentido da vida, o pai de família encontrará força e coragem para assumir a sublime missão de ser pai. É Deus mesmo que ensina a cada homem que se dispôs a ser pai, a exercer, no cotidiano da vida, tão linda vocação. Deus é a fonte da vocação paterna e Ele mesmo capacita o homem a bem viver tal vocação. Por isso, a comunhão com Deus é muito necessária para termos pais de famílias maduros, responsáveis e realizados na paternidade. Quando Deus é a referência excelente, a missão de ser pai torna-se mais leve e mais fácil de ser entendida e vivida.

Ser pai em nossos dias é um desafio. Aliás, sempre o foi, mas principalmente nos dias de hoje, a paternidade enfrenta uma terrível crise. Há uma idéia de que se pode ser pai de todo jeito! São muitos os filhos que não têm a presença constante de seus pais no cotidiano da vida, pois muitos pais fogem de suas responsabilidades e se recusam a assumir seus filhos. Diante disto, é importante perguntarmo-nos: Pode ser chamado verdadeiramente de pai o homem que não assume seus filhos? É uma interrogação curiosa. Quando alguém se afirma pai, perguntamos logo pelos filhos. Para muitos pais podemos perguntar: Onde estão os seus filhos?! Certamente, muitos têm dificuldades de responder a tal questão. O pai é assim chamado porque possui filhos e estes também são assim chamados porque têm pai. Há uma íntima relação entre pai e filhos, relação esta que não pode ser quebrada, porque quando isto acontece, ambos se prejudicam. Não temos filhos saudáveis sem estarem com seus pais e nem pais sem o estar com seus filhos. Este permanecer com seus filhos dá ao pai a dignidade e a felicidade de se sentir e se tornar, de fato, pai de família. Assim, pais sem filhos e filhos sem pais é uma triste realidade que afeta a estrutura familiar de nossos dias. Temos muitos “órfãos” de pais vivos! Deus, certamente, anda muito triste em ver tantos filhos abandonados por seus pais.

A vivência precoce da sexualidade entre adolescentes e jovens leva a muitos a assumirem precocemente a paternidade. Trata-se de um dilema! Muitos não têm maturidade para serem pais de família, outros não têm estrutura (casa, trabalho etc.), e os filhos terminam por serem criados pelo avô ou avó. Estes, muitas vezes, são obrigados a acolher e criar, para evitar maiores sofrimentos. Encontramos aqui a grande responsabilidade dos pais e mães de famílias, que devem educar os filhos para a paternidade. Educar através da palavra e do exemplo, mais deste do que daquela. Se tivermos pais e mães responsáveis, a tendência é termos futuras famílias bem estruturadas. Um dos fatores que explicam o mal na sociedade é o grande número de famílias desestruturadas.

A fidelidade ao compromisso assumido deve levar os pais a serem felizes e fazerem suas famílias felizes. A fidelidade à esposa e aos filhos deve ser vivida harmoniosa, afetiva e amorosamente. A fé aparece como elemento importante na vivência do amor, pois a fé nos une a Deus, que é amor e fonte do amor. Roguemos, pois, ao Pai dos pais, para que nossos pais busquem cada vez mais se espelhar na bondade divina e serem em nossas casas exemplos de fidelidade, honestidade, seriedade, responsabilidade e respeito. Que Deus ajude aos pais desempregados a encontrarem uma fonte de renda que seja suficiente para o sustento necessário de seus filhos. Demos graças a Deus pela vida e pelo testemunho de nossos pais!

Tiago de França

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Feições da Igreja latino-americana


“Que feições deveria assumir a Igreja de Cristo em nosso continente, para expressar adequadamente a fé cristã, fazendo-a produzir frutos de vida abundante para os povos latino-americanos?” Foi com esta indagação que o Bispo de Jales, SP, Dom Demétrio Valentini concluiu seu artigo intitulado “América Latina: Quo Vades”?, publicado ontem na ADITAL. A questão é importante e se mostra complexa, tendo em vista as realidades históricas da Igreja e da América Latina.

Particularmente, acredito muito na Igreja proclamada pelo Concílio Vaticano II e pela Conferência de Aparecida. É verdade que as conclusões de Aparecida atualizam os princípios do Vaticano II, por meio de um fiel espírito de continuidade. Assim sendo, o problema que se nos apresenta é a vivência do Vaticano II e das conclusões de Aparecida. Alguns Bispos e padres, após o Vaticano II, buscaram por em prática algumas resoluções. Um exemplo de Bispo foi Dom Hélder Pessoa Câmara, em Recife e Olinda, PE. Um exemplo de padre foi Pe. Josimo Tavares, em Imperatriz, MA. Estes homens incorporaram um jeito novo de ser Igreja. O primeiro não foi compreendido pela Cúria Vaticana e o segundo foi martirizado em nome de Jesus e pela causa de seu Reino.

Fazer uma revisão da caminhada e ter a coragem de assumir o novo jeito de ser Igreja vivido pelas Comunidades de Base sob a orientação do Vaticano II e de Aparecida, certamente, é fazer a Igreja avançar e muito em seu processo de conversão. A revisão feita em Aparecida foi suficiente. A Igreja sabe muito da realidade. O Papa a chamou de “perita em humanidades”. Pois bem, se o diagnóstico está feito, resta-se procurar sanar as “doenças” detectadas. Para sanar as “doenças eclesiásticas”, a Igreja precisa mudar de mentalidade. Infelizmente, ainda reina uma mentalidade arcaica, pensa-se ainda em viver a cristandade, já morta e sepultada.

Fazer uma releitura do Evangelho e do Cristo nele expresso, também é algo importantíssimo. O neopentecostalismo católico e protestante fabrica um Cristo que nada tem a ver com o verdadeiro Filho de Deus, Homem de Nazaré. Como bem ensina Jon Sobrino, precisamos ler Jesus a partir das vítimas da sociedade, pois o “Ressuscitado é o Crucificado”. Esta fidelidade e identidade com o verdadeiro Cristo levam a Igreja a estar onde Jesus se encontra nos dias de hoje. Só assim, seremos mais práticos e menos ritualistas. Jesus inaugurou o Reino e este está sendo esquecido no discurso religioso e na prática eclesial. Sem levar em consideração a existência do Reino de Deus na história, Jesus perde o sentido de sua existência, pois ele veio a este mundo em função do Reino de Deus e não para fazer milagres e mudar a vida das pessoas, como muitos pensam.

A formação de um clero missionário é urgentemente necessária. Na avaliação feita sobre o Documento de Aparecida, o teólogo J. Comblin disse que o Seminário e as Faculdades de Filosofia e Teologia não formam discípulos e missionários, mas professores. Se fecharmos os Seminários e as Faculdades é radicalismo, então, pelo menos, providenciemos uma Filosofia e uma Teologia que forme para a vida e para a vivência da espiritualidade missionária tão pregada atualmente na Igreja, do contrário, continuaremos nos iludindo, pensando que estamos evangelizando com nossas posturas de mestres e sábios do mistério divino.


Tiago de França

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Partilhar o pão



O texto do Evangelho proposto pela liturgia do 18º Domingo Comum (Jo 6, 24 – 35), domingo passado, fala da partilha do pão. Jesus se coloca como o Pão da Vida descido do céu. É o próprio Jesus que se torna alimento na caminhada de fé. Nas espécies do pão e do vinho, quis Jesus se fazer presente na vida da comunidade. Como compreender Jesus presente no pão e no vinho? O que a Eucaristia significa para o seguidor de Jesus?

A mesa é o lugar do encontro e da partilha. Quando estamos em torno da mesa, não só nos alimentamos, mas também participamos da vida das pessoas que se fazem presente. Quando somos convidados para almoçar ou jantar na casa de alguém, é porque este alguém deseja a nossa presença em sua mesa e em sua vida, portanto partilhar o pão é partilhar da vida da pessoa. O mesmo se dá em nossa participação na Eucaristia. Quando vamos ao encontro das espécies sagradas, estamos querendo participar da vida Daquele que vamos receber, ou seja, participamos da vida de Jesus na vida de nosso semelhante e na vida do mundo, quando comungamos a Eucaristia.

Eucaristia é comum-união. Ao recebê-la estamos nos comprometendo em vivermos em comum, partilhando do que temos e do que somos. A unidade também se torna meta daqueles que comungam. É para fortalecermos a nossa união que comungamos, pois Jesus nos faz irmãos em seu precioso Corpo e Sangue. Esta maneira de pensar denuncia a participação mecânica no sacramento eucarístico. E esta mecanicidade é um mal que afeta a vida da Igreja. Os que não querem participar da vida de Jesus, descomprometendo-se com seu projeto, mas que insistem em comungá-lo na Eucaristia terminam por colaborar no fortalecimento de uma Igreja descomprometida com a realidade e longe do convívio social.

Quando mais intensificarmos no mais íntimo de nossa consciência e do nosso ser, o verdadeiro sentido da Eucaristia na vida cristã e eclesial, mais colaboramos na construção do Reino de Deus, pois tal sentido denuncia o individualismo e a fome no mundo atual. Tomados pelo consumismo exacerbado e pelo individualismo doentio somos cada vez mais impelidos a não partilharmos daquilo que temos e somos. O encontro com a Palavra e com os gestos de Jesus desperta-nos para a partilha. O Cristianismo é a religião do pão. Na mesa, no momento da refeição, Jesus é reconhecido na comunidade.

A Igreja de nossos dias precisa pensar nesta realidade, pois enquanto celebramos a Eucaristia, enquanto milhões de pessoas comungam em nossas liturgias em todo o mundo, neste mesmo mundo padecem milhões de pessoas de fome todos os dias. O faminto está na África e em nossa rua. O que podemos fazer? De quem é a culpa? Qual é a solução? Certamente sabemos que a nossa responsabilidade na fome que tira a vida de muitos é significativa, façamos, pois, alguma coisa. Precisamos apelar para a consciência mágica e ingênua de muitos cristãos que só aceitam encontrar Jesus na Eucaristia, zelado pela patena, pelo cálice, e pelas âmbulas de prata e ouro, mas que se recusam a encontrá-lo na partilha com o maltrapilho que padece de fome. Peçamos perdão a Deus pela nossa acomodação diante de tal sofrimento e agradeçamos pelos gestos concretos que já se manifestam em nossas comunidades.

Tiago de França