quinta-feira, 10 de setembro de 2009

As estranhas afirmações de Felipe Aquino


Recebi recentemente um artigo do Prof. Felipe Aquino da Comunidade Canção Nova, intitulado “O desafio das seitas”. O artigo apresenta algumas distorções que merecem algumas observações. Não pretendo desmerecer a pessoa do Prof. Felipe Aquino, mas como estudante de Filosofia e membro da Igreja, tendo em vista a exposição crítica das idéias e a verdade que forma e informa o povo de Deus, aspiro apresentar meu ponto de vista sobre algumas afirmações do artigo, que as considero inadequadas ou equivocadas. Apresentarei literalmente as afirmações em cada parágrafo e farei os devidos comentários.

“É muito bom meus irmãos poder lembrar que logo que nossos colonizadores chegaram aqui no Brasil, eles foram dando nomes de santos a algumas coisas que encontraram”. Pela leitura da história civil e eclesiástica da formação do povo brasileiro sabemos que os colonizadores que aqui chegaram só tinham uma intenção: explorar a terra e os índios que aqui encontraram. Juntamente com os colonizadores, a Igreja também se fez presente para cristianizar os que aqui moravam. Se fizermos a leitura da obra historiográfica de Darcy Ribeiro, um dos maiores antropólogos da história do Brasil e autor da obra O Povo brasileiro, encontraremos a história da formação do povo brasileiro e descobriremos que o que ocorreu foi um verdadeiro genocídio indígena, que ultrapassa e muito o massacre aos judeus na Alemanha. Então, esta de colocar “nomes de santos a algumas coisas que encontraram” é a expressão plena da imposição da cultura religiosa européia sobre a cultura indígena, tida como pagã e selvagem. Não “é muito bom” lembrar disso como sinal de salvação na história, porque o catolicismo tradicional colaborou com a quase erradicação da cultura de nossos índios, nossos antepassados.

“O primeiro Bispo que chegou ao Brasil foi mártir e muitos morreram aqui, enfrentando os índios, as doenças e outros perigos”. É inegável que na edificação da Igreja no Brasil, muitos religiosos deram sua vida pela defesa da vida. No que se refere aos verdadeiros mártires, a nossa justa homenagem. Aqui destaco a atuação de muitos santos jesuítas que defendiam os direitos dos povos indígenas contra a exploração da Coroa portuguesa. Mas é verdade também que a fé foi usada em favor dos exploradores no sentido de alienar os explorados, fazendo com que estes se submetessem à escravidão permanente. Os nossos índios, tidos como preguiçosos, nem com as rezas dos clérigos aceitaram a escravidão, porque não era e nem é da cultura indígena a exploração indevida da terra e da natureza. Interessante como o autor do artigo iguala índios, doenças e outros perigos. Na visão do autor, os índios representavam uma ameaça aos brancos e aos clérigos. Isto é inaceitável porque os índios, nesta triste visão, são vistos como selvagens. Índio não é bicho do mato, mas um ser humano digno de respeito.

“Precisamos prestar uma homenagem a tantos missionários e padres que vieram de suas pátrias para implantar o Evangelho no nosso Brasil”. O dicionário Aurélio ensina que a palavra implantar significa inserir (uma coisa) em outra, plantar, arraigar, fixar, introduzir, estabelecer. Por isso, a idéia de implantar o Evangelho é por si mesma antievangélica, porque passa a idéia de que todas as pessoas são obrigadas a aceitar o Evangelho implantado. O Evangelho de Jesus não é uma lei, norma, disciplina ou uma vontade que deve ser imposta sobre a pessoa, grupo ou nação. O anúncio do Evangelho se dá na liberdade. Se houve implantação do Evangelho, certamente podemos afirmar que não houve evangelização. Todas as pessoas, de todos os tempos e lugares, que receberam o anúncio do Evangelho são livres para aceitá-lo. Ninguém está obrigado a aceitar o Evangelho, mas pela citação do autor, todos foram obrigados a aceitar, querendo ou não. Talvez a dispersão cristã a que assistimos hoje seja herança disso.

“João Paulo II diz em uma de suas cartas que surgem seitas que fazem ruir a estrutura de fé de muitas nações e ainda diz em outra de suas cartas que a expansão das seitas constitui uma ameaça para a Igreja”. O uso do termo seitas em si já cria separação. Quando dizemos que as demais Igrejas são seitas, afirmamos que a nossa é a verdadeira e as demais são falsas. Diante disso pergunto: É dessa forma que estamos buscando o ecumenismo entre nós cristãos? É verdade que não podemos esconder que muitas Igrejas surgem com a intenção de explorar financeiramente as pessoas, como é o caso da recente denúncia contra o Bispo Macedo e sua Igreja. Mas é verdade também que Jesus nos quer unidos em seu amor e nós cristãos somos totalmente desunidos. Ao longo da história percebemos que também a nossa Igreja é responsável pela divisão entre os cristãos. Afirmar que a expansão das seitas constitui uma ameaça para a Igreja é induzir as pessoas a brigarem pela sua fé. Ninguém precisa brigar pela fé que professa. A finalidade da fé não é competir com outros credos ou crenças. Este tipo de afirmação causa divisão e ódio entre os que aspiram seguir o mesmo Cristo. Cristãos ameaçando cristãos é um verdadeiro absurdo!

“O segundo ponto é o culto a Virgem Santíssima, porque sabem que a Virgem Santíssima é a mãe do Brasil e da América”. Para nós, católicos, certamente a Virgem Maria é a Mãe da Igreja e nossa. Isto faz parte de nossa fé. Mas os irmãos separados não são obrigados a aceitar isso. Eles não acreditam na Virgem Maria como nós acreditamos. No tempo em que a Igreja era a religião oficial do Império até que era aceitável afirmar que a Virgem Maria é a Mãe da nação brasileira, mas hoje, diante da diversidade cultural e religiosa em que vivemos, creio não ser mais necessário afirmar que a ela é a Mãe de todos os brasileiros, sendo que muitos deles não a aceitam como Mãe. Nós não podemos estender a maternidade da Virgem Maria a todos os cristãos, mas somente aos católicos, porque a mariologia faz parte da doutrina da Igreja.

“O povo de Deus não quer uma Igreja Católica política, mas sim uma Igreja que traga sua identidade, sua espiritualidade”. A Igreja não pode assumir partido político. Ela própria, em suas constituições, reprova o envolvimento com partidos políticos e a politicagem. Afirmar que a Igreja não faz política é ir contra os princípios constitucionais da mesma, pois além de ser religiosa, também é uma instituição e todas as instituições têm suas políticas de governabilidade. O Vaticano é um Estado independente dentro de Roma. O Papa é chefe religioso e político da Igreja, pois é Chefe de Estado. Isto não é novidade, pois todos sabem disso. A Igreja tem seu discurso político e está inserida na política quando luta pelos direitos humanos, pela promoção humana e pelos seus interesses. Estando no mundo vítima do capitalismo assassino, é impossível à Igreja ausentar-se da política. O ser humano é um ser político, porque é um sujeito social. E este mesmo ser humano também é chamado a ser cristão e este não pode negar-se à política, pois desta dependemos para vivermos em sociedade, quer no regime monárquico, quer no democrático. A política juntamente com outros setores rege a sociedade.

“Meus irmãos, as simples vestes de um religioso já dizem para nós de Deus”. Com esta afirmação, o autor saudosista deseja que o hábito e a batina preta voltem na Igreja. Antes do Concílio Vaticano II, o hábito religioso e a batina eram distintivos das religiosas e clérigos. Após o Concílio, o uso ficou facultativo e pelo que se vê, a grande maioria resolveu abolir tal uso. Tal uso fazia parte das imposições do Concílio de Trento e do jeito de se vestir em tempos de Cristandade. A renovação da mentalidade proposta pelo Vaticano II não admite o uso de tais vestes, porque o testemunho do discípulo missionário de Jesus não depende das mesmas, pois “não é o hábito que faz o monge”. Sem o hábito e a batina, os religiosos e padres se tornaram mais próximos do povo, porque passaram a se vestir como o povo. A idéia de que os consagrados e ordenados são pessoas superioras ou especiais diminuiu depois da abolição de tais vestes.

“O Papa quer ouvir bater os sinos das igrejas chamando o povo a rezar”. Esta expressão revela o modelo de Igreja que imperava antes do Vaticano II, voltada para o templo e para os sacramentos. A justiça social e a situação do mundo não importavam, porque a vontade de Deus se revelava na recepção dos sacramentos e na prática da ascese. A busca da perfeição pessoal era a meta do cristão. Atualmente, boa parte dos católicos se recusam a participar do culto divino. O catolicismo do templo não está funcionando mais. Agora, a Igreja é chamada a ir ao encontro das pessoas. Na Europa, os templos estão sendo vendidos porque os católicos não aceitam rezar na igreja. Por mais que se convide, somente os que tradicionalmente se acostumaram é que aparecem. Os jovens só aparecem quando estão participando da catequese dos sacramentos da iniciação cristã. Depois disto, a grande maioria julga que a religião não é mais tão importante.

“O Papa nos convoca como Igreja a buscar estas ovelhas que eram católicas e estão perdidas por aí”. Há uma falsa idéia de que somente é cristão aquele que é católico e que freqüenta o culto divino. É verdade que para aquele que professa a sua fé na comunidade, o culto torna-se necessário e importante. Os que praticam a fé na comunidade não podem julgar a fé dos que não praticam. Não podemos afirmar que os não praticantes da religião “estão perdidos por aí”, pois não é verdade. Ninguém está perdido. O Evangelho não nos confere o poder nem a autoridade para dizermos que as pessoas estão perdidas. A missão da Igreja é acolher as pessoas e não julgá-las. A missão da Igreja não é fazer com que toda a humanidade se torne cristã católica, mas levar a toda a humanidade o Evangelho de Jesus. Não precisamos converter todas as pessoas à nossa Igreja, mas chamá-las à conversão ao Evangelho. Apresentar o Evangelho como proposta e alternativa à humanidade sem imposições.

“Nós para ganharmos uma pessoa para Deus, precisamos primeiro ganhar para gente”. Nós não precisamos ganhar as pessoas para Deus. Antes disso, precisamos levar as pessoas a se encontrarem com Deus. É a pessoa, se possível com nossa ajuda, que precisa conhecer a Deus e crer nele. Ninguém ganha as pessoas para si e para Deus, mas em comunidade vivemos em união com Deus. O autor pensa assim porque há uma falsa idéia de que evangelizar é levar Jesus para as pessoas, e na verdade, nós não levamos Jesus para as pessoas, mas ele já está presente na vida delas. Nossa missão consiste em levar as pessoas a enxergarem Jesus, compreender sua mensagem e aceitá-la, e segui-lo na liberdade.

“O Papa diz que a inculturação do Evangelho não é uma adaptação mais ou menos oportuna dos valores do ambiente, mas uma verdadeira purificação da cultura e a remissão dela”. Na elaboração dos conceitos profano e sagrado, a cultura afro-brasileira sempre foi condenada pela Igreja como obras das trevas. As religiões afro-brasileiras como o Candomblé, a Umbanda, o Xangô e tantas outras irmandades sempre foram mal vistas pela Igreja. Sempre afirmam que tais religiões precisam ser “purificadas”. Certo dia, assistindo a uma Missa na Canção Nova, um neo-presbítero disse na homilia: “Se os irmãos das religiões afro-brasileiras não se converterem, não herdarão o Reino de Deus porque suas práticas são obras das trevas”. Creio que a mente e a inteligência deste neo-presbítero é que têm que ser purificadas e convertidas. Nós precisamos respeitar a cultura dos povos indígenas e africanos, porque todo o povo brasileiro é oriundo destas culturas. Somos filhos de nossos antepassados e a cultura deles forma o nosso jeito de ser brasileiro. Não existem culturas impuras, mas culturas diferentes. A inculturação do Evangelho se dá no respeito às demais culturas.

“O Papa diz também que as coisas precisam ser feitas na lei e a Igreja não pode fomentar a invasão de terras, pois isso está fora da lei...” O que realmente está fora da lei, aqueles que vivem sem a terra ou aqueles que a tem demasiadamente sem necessidade? O autor deveria ter pensado um pouco antes de ter falado tamanho absurdo. Não há invasão de terras, mas luta pela terra que é de todos. Deus criou a terra para todos. A Comissão Pastoral da Terra, órgão da Igreja que apóia a luta dos movimentos sociais na luta pela terra compreende que a terra é um dom gratuito de Deus e um direito de todos.

Infelizmente, o Prof. Felipe Aquino é escutado por muitas pessoas, e a grande maioria considera o que ele fala como certo porque não pensam no que o mesmo está falando. Ele não entende de Teologia e nem busca entendê-la. Simplesmente, repete o que diz o Magistério, sem uma interpretação das leis e da doutrina. A Palavra de Deus e a doutrina da Igreja precisam ser melhor compreendidas. Não podemos fazer afirmações sem levar em consideração a realidade da vida, pois é a vida que deve estar em primeiro lugar. Toda a doutrina e todo o Evangelho estão em função da vida do povo de Deus. A nossa missão é defender e promover a vida.


Tiago de França

4 comentários:

Anônimo disse...

As afirmações de Prof Felipe Aquino são Lúcidas, Coerentes e Pertinentes nestes tempos de tantas futilidades e esvaziamento dos valores éticos/Cristãos, que estamos vivendo! Equivocado é quem o critica! Está perdendo precioso Tempo de se Voltar para as COisas Do Alto!

Anônimo disse...

Discordo das afirmaçãoes do "professor" Felipe. Que pena que seu programa, seus comentários não enalteçam os verdadeiros mártires católicos: Dom Helder, Dom Oscar Romero e também tantos leigos que deram suas vidas em prol de uma vida mais justa. Estes foram realmente santos, e não o foram por usarem batinas, mas por usarem a única lei de Cristo: O AMOR.
Alexandre Quinet

Marcelo Pinelli disse...

Sabemos que a Renovação Carismática e, em seu interior, a comunidade Canção Nova, representam o que há de mais reacionário em nossa Igreja católica. Não por menos, essa turma faz guerra sem trégua à Teologia da Libertação. Um dos paladinos "cançãonovistas" no ataque à Teologia da Libertação é um padre de nome Paulo Ricardo, que está sempre na tela da CN. O homem é um verdadeiro brucutu ideológico, o que ele, estou certo, considerará um elogio. Sua profissão de fé anticomunista é das mais primitivas, onde se mistura teorias conspiratórias das mais esdrúxulas. Nesse capítulo, eu gostava mais do bravo Gustavo Corção, pensador católico que estava à direita de Gêngis Khan.
Paulo Ricardo, o padre, não o cantor, em seu blog e em suas apariões televisivas mostra-se bem brasileiro num aspecto, qual seja, o do bovarismo, aquela coisa de passar pelo que não é. Ele, por exemplo, quer dar a entender à sua platéia que é um estudioso do marxismo, de suas fontes autênticas e dos autores marxistas de nomeada. Mas, ao ouvir, em seu blog, uma palestra que ele deu sobre marxismo cultural, aposto toda minha coleção da revista Fon Fon que toda essa "erudição" nada mais é do que uma cópia dos artigos e livros do direitista jornalista Olavo de Carvalho. Deste, pode-se até não gostar, mas é inegável que se trata de um homem inteligente e de muitas e variadas leituras. Já o Paulo Ricardo, o padre, apenas faz mimetizar o Olavo.
Quanto ao professor Felipe é uma dessas figuras que só tem repercussão porque figuras como ele são típicas da cultura de massa. E quem leu Adorno, sabe que a cultura de massas é o verdadeiro ópio do povo. Enquanto isso, um teólogo como Leonardo Boff é atacado por essa gente porque quer revelar a verdadeira face - humana - de nossa Igreja católica.

Marcelo Pinelli

Anônimo disse...

É confortador a gente se deparar com uma página na qual os nobres seguidores da Teologia da Libertação não são demonizados, pelo contrário, são mui justamente respeitados. Daí eu concordar com quem, nesta página, alcunhou o padre Paulo Ricardo de um "brucutu ideológico". Mais ainda: que a erudição que o padre ostenta, na verdade é uma versão clonada das diatribes de Olavo de Carvalho, jornalista (e não filósofo)cujo único talento é insultar todos e tudos de quem discorda. Até na prática dos insultos, o padre PR imita seu ídolo. Assim como o Olavo, no You Tube, usa palavras de baixíssimo calão para atacar o doutor Dráuzio Varela, o padre PR, um dia desses, em seu programa Oitava, numa cena de histeria e ódio explícito, chamou os teólogos da libertação de desgraçados (sic). Como um cristão pode carregar tanto ódio no coração?