terça-feira, 1 de setembro de 2009

O anúncio da Palavra de Deus


“A Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do Espírito Santo” (DV, 9). Os cristãos acreditam que a Bíblia é a Palavra de Deus, é o seu livro sagrado, assim como o Alcorão é para o Islamismo e a Torá para o Judaísmo. Na Bíblia encontramos a revelação da vontade de Deus, porque a mesma foi escrita segundo a inspiração do Espírito de Deus. A Palavra de Deus orienta a vida de seu povo e o faz herdeiro do Reino de Deus inaugurado por Jesus de Nazaré. É pela Sagrada Escritura que acreditamos na Ressurreição de Jesus, nas suas palavras e obras e é por meio dele que seremos salvos. Por isso, com o Apóstolo Paulo podemos dizer que “toda a Escritura é divinamente inspirada e útil para ensinar, para corrigir, para instruir na justiça: para que o homem de Deus seja perfeito, experimentado em todas as obras boas” (2 Tm 3, 16 – 17).

“A Palavra de Deus é a verdade, sua lei é liberdade!” (ODC, p. 36). Jesus é a Verdade que liberta o homem das trevas e do poder da morte. Nós também o encontramos na Bíblia, porque ele próprio é a Palavra de Deus (cf. Jo 1, 1). Por isso, ao nos encontrarmos com Jesus, estaremos nos encontrando com a Palavra de Deus. Para nós, Jesus é a plenitude da vontade divina, porque em tudo foi obediente ao Pai, até a morte de cruz (cf. Fl 2, 8). Pela leitura, meditação e contemplação da Palavra de Deus somos chamados a sermos obedientes à vontade divina, assim como o foi Jesus. É na Sagrada Escritura que encontramos todas as orientações necessárias para o bem viver neste mundo de acordo com os desígnios de Deus, porque nela estão inscritos seus caminhos e nos faz encontrar com a verdadeira vida. Fora da Palavra de Deus e regidos tão somente pela nossa razão natural, não conseguimos saber quem é Deus, porque a divina revelação nos é dada por meio da Palavra. É nesta que encontramos a Verdade que nos torna plenos do amor de Deus.

Os discípulos de Jesus acreditaram na Palavra de Deus, e a partir daí, puseram-se no meio do mundo e anunciaram o Evangelho de Jesus. A Ressurreição de Jesus é a manifestação de que Deus estava presente nele e o fez Senhor da vida e vencedor da morte. Crentes de que seriam ressuscitados com Cristo, os discípulos se tornaram Apóstolos dele, porque obedeceram ao mandato missionário do mesmo (cf. Mc 16, 20). No anúncio do Evangelho da vida e da liberdade, Jesus esteve presente na vida dos Apóstolos, confirmando-os na fé e na missão. E nós, que acreditamos que Ele é a Boa Nova do Reino de Deus, por meio de nosso batismo, também somos chamados a anunciá-la a presente humanidade, tão carente de justiça e paz. Quem quiser ser cristão de verdade não pode excluir-se do anúncio da Boa Notícia, porque é neste anúncio que nos tornamos autênticos cristãos.

“Quando cresce no cristão a consciência de pertencer a Cristo, em razão da gratuidade e alegria que produz, cresce também o ímpeto de comunicar a todos o dom desse encontro. A missão não se limita a um programa ou projeto, mas é compartilhar a experiência do acontecimento do encontro com Cristo, testemunhá-lo e anunciá-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos os confins do mundo (cf. At 1, 8)” (DA, 145). Quando o crente se encontra com a Palavra, vive a experiência do encontro com Jesus Cristo. Este encontro também se dá na realidade da vida iluminada pela Palavra de Deus. Este encontro com a pessoa real de Jesus confere ao cristão um espírito de pertença, ou seja, o cristão pertence a Cristo. Somos chamados de cristãos porque seguimos a Cristo, o Messias de Deus.
É na Palavra que conhecemos melhor a Trindade Santa, comunidade de amor, que nos ensina a amar. Diante de nossa humanidade cada vez mais desumanizada, o anúncio do Evangelho da verdade e da vida desperta para o amor. Neste somos restituídos em nossa dignidade de filhos e filhas de Deus. É no amor e não fora deste que nos realizamos e que temos a verdadeira vida. Esta é a verdade que precisamos anunciar ao mundo: um amor que gera justiça e uma justiça que gera paz. Não a justiça corrompida do mundo, que nos decepciona todos os dias, mas somos chamados a anunciar a justiça do Reino de Deus. Esta consiste em restituir a dignidade dos explorados e dos marginalizados da história, fazendo-os protagonistas da construção de um mundo mais justo e fraterno. O profeta Dom Hélder Câmara gritava na Igreja de Recife e Olinda: “Precisamos construir um mundo de irmãos!”

Como poderemos construir um mundo de irmãos se a Palavra de Deus é cada vez mais marginalizada entre os cristãos? Como construirmos um mundo de irmãos se os valores do Reino de Deus revelados nas Sagradas Escrituras são esquecidos? Precisamos continuar a missão apostólica do anúncio da verdade do Evangelho, para por meio dela, podermos conferir vida ao mundo e ao homem. É no encontro com a Verdade, que aprendemos a construir um mundo melhor. Não é na “escola do capitalismo” que aprenderemos a construir um mundo fraterno, mas na “Escola do Evangelho”. Quem quiser se matricular na Escola do Evangelho, que é a Escola de Jesus, precisa estar disposto a se converter, a mudar de vida.

A Sagrada Escritura nos converte ao caminho de Jesus. Convertemo-nos ao caminho de Jesus quando nos esforçamos por praticar a vontade de Deus. E qual é a vontade de Deus? Deus nos pede para vivermos o amor, o perdão, a união, a fé, a verdade, a esperança, a alegria, a fraternidade. Com Francisco, o pobre de Assis, somos chamados “a procurar consolar, mais que ser consolado, compreender, que ser compreendido, amar, que ser amado”. Consolar os irmãos diante das dores e angústias da vida, compreender que somos fracos e que não podemos exigir perfeição dos outros e buscar muito mais amar do que ser amado. Eis a vontade de Deus!

Assim sendo, reconhecidos os valores do Reino e do Evangelho de Jesus, o discípulo missionário de Jesus Cristo é alguém que se esforça em se converter ao caminho de Jesus, e nesta busca constante convida outras pessoas a fazer o mesmo. O anúncio do Evangelho só será eficaz se quem anuncia busca viver aquilo que anuncia, porque do contrário, não teremos anúncio, mas exibicionismo. É aqui que aparece o valor do testemunho do missionário. Na comum-unidade, Jesus convida-nos a dar testemunho de sua Ressurreição a partir de nossa experiência de Deus. Para podermos anunciar Jesus é preciso ir ao seu encontro, estar com ele, conhecê-lo, conhecer e aderir à sua proposta e buscar vivenciá-la. Há um ditado popular muito oportuno que diz: “As palavras convencem e os exemplos arrastam”.

Isto vale para nós, missionários de Jesus, quando nos dispomos à missão. Na sociedade pós-moderna, em que o discurso é imperativo nas relações interpessoais e sociais, somos tentados a aderir à prática do discurso para evangelizar. É claro que devemos e podemos utilizar o recurso da palavra para evangelizar, mas no caminho de Jesus, as obras valem mais do que muitas palavras. Não entraremos no Reino de Deus porque fomos grandes pregadores da Palavra, mas porque fomos praticantes da mesma. Assim nos ensina o Apóstolo: “Sejam praticantes da Palavra, e não meros ouvintes, iludindo a si mesmos” (Tg 1, 22).

A Igreja, que é portadora da Palavra e guardiã da mesma, é convidada a ser a primeira a dar testemunho de Jesus ressuscitado na história. Na Encíclica Mater et magistra, sobre a evolução da questão social à luz do doutrina cristã, o Beato João XXIII afirmou que a Igreja é “Mãe e mestra de todos os povos”, assim sendo, ela é convidada a dar testemunho do amor de Deus a toda a humanidade, fazendo com que todos sejam irmãos. Na construção do mundo de irmãos sonhado pelo profeta Dom Hélder Câmara, a Igreja é instrumento e fermento na massa. Que a Igreja seja a primeira a se colocar a serviço do amor que constrói o Reino, renunciando à tentação dos excessos de discursos, documentos e disciplinas que possam obscurecer o Evangelho de Jesus, porque a caridade nos basta e nos faz todos ser mais santos.


Tiago de França

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