sábado, 31 de outubro de 2009

Os bem-aventurados


Neste Domingo a Igreja celebra a Solenidade de Todos os Santos e Santas de Deus. O texto do Evangelho é o de Mt 5, 1 – 12. Inicialmente, podemos afirmar que a pessoa santa é bem-aventurada. No Evangelho, Jesus revela quem são os santos e santas de Deus. Quem não se encontrar na lista dos bem-aventurados não é um santo ou santa. O texto diz que os santos e bem-aventurados são: os pobres em espírito, os aflitos, os mansos, os famintos de pão e justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os promotores da paz, os perseguidos e os insultados. Levanto uma questão que ajuda a enxergar melhor o sentido de cada termo: Na sociedade em que vivemos quem são estes santos e bem-aventurados?

As bem-aventuranças falam do Reino de Deus e sua justiça. Jesus fala que os pobres em espírito são os que possuirão o Reino; os aflitos serão consolados, os mansos possuirão a terra, os famintos de pão e justiça serão saciados, os misericordiosos alcançarão misericórdia, os puros de coração verão a Deus, os que promovem a paz serão chamados filhos de Deus e os perseguidos e insultados serão recompensados. Não precisaríamos acrescentar palavra alguma às de Jesus, pois tudo é muito claro. Mas algumas pessoas mal intencionadas direcionam a reflexão por outro caminho, transgredindo o Evangelho de Jesus. A centralidade do texto é clara: o Reino e sua justiça.

Se observarmos bem, veremos que os bem-aventurados são os pobres de nossa atual sociedade, vítimas das injustiças cometidas pelo sistema neoliberal opressor. Os ricos e os descomprometidos com a justiça do Reino de Deus não estão inseridos na lista das bem-aventuranças, pois não padecem injustiças. Vivemos num mundo ecologicamente em vias de destruição. A culpa é dos pobres? São os pobres os proprietários das grandes multinacionais poluidoras do meio ambiente? São os pobres os detentores do poder político neoliberal? Vivemos numa sociedade altamente violenta. São os pobres os que causam a violência? O capitalismo neoliberal afirma que sim, argumentando que os pobres são incultos e só atrapalham, só servem para consumir.

A justiça do Reino de Deus não interessa aos poderosos deste mundo, pois nela todos são destituídos de seus tronos. O pensamento de Jesus está na contramão, pois se opõe plenamente à lógica neoliberal: “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos”, nos diz o Deus da vida por meio do profeta (Is 55, 8). Fazer justiça aos oprimidos é a lógica do Reino de Deus. A religião precisa permanecer agindo segundo esta ótica, do contrário, pode-se confirmar o que disse o filósofo alemão Karl Max: “A religião é o ópio do povo”. Quando a religião abandona seu papel libertador, a alienação se apresenta como a desgraça dos crentes.

Os santos e santas na Igreja, em sua grande maioria, foram mulheres e homens que viveram segundo o princípio da justiça do Reino de Deus. A santidade se manifesta na justiça. O santo e a santa é o homem e a mulher que pratica a justiça. As pessoas pensam os santos como pessoas extra-mundanas, que viveram somente para Deus numa total negação deste mundo. Isto não é santidade, mas repressão do ser pessoa. O verdadeiro santo não nega este mundo, porque a santidade está para o mundo e não para as alturas. A santidade não parte da negação de si, nem do mundo, mas da afirmação, da integração do ser, do mergulhar-se na vida do mundo, como fez Jesus ao viver entre os pecadores.

Celebrar a Solenidade de Todos os Santos é fazer a memória da vivência da justiça. O testemunho dos santos edifica a Igreja e fecunda a vida no mundo. Os santos foram testemunhas da Ressurreição de Jesus e ressuscitaram com Cristo, porque foram fiéis até as últimas conseqüências do seguimento. Na Igreja de nossos dias, precisamos de autênticos testemunhos de justiça, pois o mundo está cada vez mais entregue às graves injustiças que ameaçam a vida humana em todos os seus aspectos. A justiça defende e promove a vida, e quem se dispõe a seguir Jesus, também se dispõe a ser santo e este deve ser pela prática da justiça. Somente assim, as falsas idéias e falsas práticas de santidade que imperam nas Igrejas cristãs de nossos dias perderão seu vigor, dado que somente prospera aquilo que provém de Deus e não da invenção do homem. Sejamos santos a exemplo de Jesus, imersos no mundo criado por Deus. Isto é possível, pois temos na atualidade muitas mulheres e homens santos, que seguem Jesus no anonimato, como pede o Evangelho.


Tiago de França

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O cristão e a violência


Quando assistimos aos jornais, as notícias falam de violência. Ao abrirmos os jornais e revistas impressos, a violência permeia quase todas as páginas. Na consulta à Internet, as notícias de violência nos perseguem. A violência está se tornando coisa normal em nossa sociedade. Recentemente, tem nos assustado a situação calamitosa da cidade do Rio de Janeiro. Diante de tal situação, três fatores são importantes para nossa reflexão.

O primeiro refere-se ao lugar da violência, onde ela predomina mais. As favelas do RJ são verdadeiros conjuntos de cortiços, onde as pessoas buscam sobreviver. As favelas não deveriam existir, pois as condições de sobrevivência são péssimas. Quem nasce e vive nas favelas são vítimas do preconceito social, pois impera a falsa idéia de que os favelados são pessoas “perigosas”, propensas à desordem e ao crime. Isto é uma mentira que a mídia e a ideologia dominante pregam para nós. Os habitantes das favelas são os desfavorecidos da sociedade, pois nelas o Governo não investe nos direitos necessários à vida urbana: educação, saúde, saneamento básico, segurança etc. Quando os órgãos de segurança vão às favelas, ao regressar deixam um saldo de violência pior do que o encontrado anteriormente. Nas favelas, a presença da polícia é sinônimo de ameaça, porque vai entrar em conflito com as gangues e neste conflito, as maiores vítimas são as pessoas e as famílias que não têm ligação com o crime organizado, como foi o caso de um senhor de oitenta e seis anos de idade, vítima de uma bala perdida quando, inocentemente, ia comprar o pão para tomar seu café da manhã durante a troca de tiros entre a polícia e os “bandidos” numa das favelas do RJ. Assim sendo, se não há segurança pública nas favelas, o crime organizado se enraíza e domina a vida do povo.

O segundo fator refere-se à situação dos jovens favelados: muitos não estudam, nem trabalham; são negros e a maioria é analfabeta; não têm acesso ao lazer, nem a cultura. A cultura que conhecem é a da violência. Como exigir dos jovens favelados integridade moral se seus direitos são vetados ou desrespeitados? Sem condições mínimas de vida, os jovens ficam sem alternativas e entregam-se à prostituição, às drogas e à violência. Isto é quase que inevitável. O mercado de trabalho do centro da cidade não ver com bons olhos e não acolhe os jovens oriundos de favelas, porque o preconceito e a falta de profissão não permitem. Os jovens favelados não correspondem às exigências do mercado neoliberal, que exige deles boa aparência e preparo técnico-profissional. Por isso, fico perplexo com a ignorância daqueles que assistem à violência pela TV e afirmam: “A polícia tem que matar mesmo. Esses jovens não querem nada com a vida”. Quem assim se expressa engana a si mesmo ao pensar que não é violento. Como posso afirmar que sou contra a violência se desejo a morte daqueles que são vítimas da violência?... Se não há políticas públicas de defesa e promoção da juventude, as favelas continuarão sendo verdadeiras produtoras de marginais para a sociedade.

O terceiro fator refere-se aos investimentos do Governo Federal em políticas de segurança. Apesar de se discutir tanto sobre o problema da violência, o Governo ainda pensa que o problema está na falta de policiamento e de ações repressivas por parte dos órgãos de segurança. A compra de armamentos eficientes, a construção de presídios, os investimentos na qualificação dos policiais, a aquisição de novas viaturas, o aumento dos salários das polícias etc., certamente são ações urgentes e necessárias, mas não resolvem o problema da violência. Tais ações não intimidam o crime organizado, antes o estimula a ser mais estratégico e eficiente. A solução está na promoção da dignidade humana, que passa pela educação, saúde, moradia digna, trabalho, boa alimentação, lazer, saneamento básico, segurança etc. Quando o cidadão não tem esses direitos assegurados, termina por enveredar para o crime, porque pensa encontrar nele a solução para seus problemas. O jovem desempregado quer dinheiro para prover suas necessidades básicas. Se o trabalho, que é um direito, lhe é negado, como conseguirá suprir suas necessidades? Então, os que não conseguem resistir às tentações do tráfico, terminam por comercializar as drogas para sobreviver.

Precisamos falar do papel do cristão diante desta realidade. A Igreja, por meio das pastorais carcerária, da criança e do menor abandonado, assim como através de outras pastorais voltadas para uma intervenção efetiva na situação dos excluídos, tem trabalhado em favor dos pobres. É verdade que o trabalho ainda é pequeno, visto que são poucos os que têm coragem de integrar tais pastorais. A maioria dos agentes de pastorais da Igreja prefere trabalhar na sede paroquial, onde não se oferecem riscos para a atuação pastoral. É preciso reconhecer ainda a presença de nossos irmãos separados (também chamados de evangélicos, terminologia mal utilizada, tendo em vista que evangélico é aquele que é radicalmente fiel ao Evangelho), que estão presentes nas favelas realizando seu trabalho de evangelização.

O testemunho de Jesus de Nazaré contigo no seu Evangelho mostra claramente que ele, quando esteve neste mundo, optou em nascer, viver e morrer no meio dos pobres, os favelados de seu tempo. Ele não falou sobre os pobres, nem se colocou como líder revolucionário, mas foi pobre e se colocou ao lado dos pobres. O evangelista Lucas fala que Jesus, depois de ter voltado do deserto, encontrando-se na sinagoga de Nazaré, onde se havia criado, cumpre a profecia de Isaías dizendo: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres” (Lc 4, 18). Este texto legitima a ação missionária daqueles que se colocam ao lado dos pobres na luta contra a violência, pois são os pobres suas maiores vítimas.

Jesus não veio ao mundo sanar as necessidades materiais dos pobres, pois quando foi crucificado e ressuscitado, os pobres continuaram sua marcha na história, desta vez, contando com sua presença. Assim sendo, o cristão é chamado a estar presente onde Jesus esteve e está até hoje: entre os pobres. Certamente é um desafio muito grande, pois onde os pobres estão é sempre perigoso. Por isso, no conceito de missão, colocar-se ao lado dos pobres é participar da sorte deles e isto acarreta sérias conseqüências. O missionário não é chamado a sanar as necessidades materiais dos pobres, pois isto é papel do Governo. É verdade que se pode ajudar materialmente, via caridade fraterna, mas o papel do missionário e da Igreja não é resolver as necessidades materiais das pessoas, apesar de suas necessidades. Ajudar os pobres a se libertarem de suas opressões, isto sim, é papel da Igreja. E esta ajuda passa pelo anúncio da Boa Nova, pela prática da caridade e pela denúncia das injustiças.

Para concluir esta reflexão, cito o testemunho do grande missionário dos pobres, Pe. Alfredinho, sacerdote suíço nascido em 1920 e falecido em 2000, que viveu na zona de prostituição de Crateús, CE, de 1968 a 1983, migrando posteriormente para Santo André, SP, onde viveu na favela Lamartine, junto aos pobres. Padre Alfredinho era um homem de oração, contemplativo e um místico. Ele fazia parte do Instituto dos Filhos da Caridade. Assim disse Da Silva (Convergência, 2000) sobre o Pe. Alfredinho: “A grande contribuição de Alfredinho não é outra senão chamar nossa atenção para os pobres, os sofredores, mostrar que o lugar deles é o coração mesmo do Evangelho, que o seguimento de Jesus é inseparável do serviço aos Pobres, e que só a partir dos últimos da sociedade é que se pode incluir e amar a todos” (p.636). A maior violência que podemos cometer contra os pobres é esquecê-los ou nos aproveitarmos deles.


Tiago de França

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Fuga mundi


Há pessoas
Que mesmo sendo humanas
Buscam se comportar
Como supra-humanas.

Há outras
Que pensam que o chamado divino
É para as alturas
E se esquecem que o Verbo se fez carne.

Há outras ainda
Que rezam para morrer
Negando em si a vida na carne
Pois passam toda a vida combatendo-a como maldita.

Minha alegria
É que apesar da fuga
Ninguém consegue fugir
E apesar da negação, ninguém consegue negar.

Fuga e negação
Causam repressão
E esta é inimiga da liberdade
E a liberdade é dom gratuito de Deus.

Nascemos da carne
Somos de carne
Padecemos na carne
Não podemos negar, nem fugir da carne.

Carne,
O Espírito mora em ti
Confere-te vida
E te ressuscita.

E Aquele que nos deu vida na carne
É bom e justo
Fazendo-nos viver sua vontade
Viver segundo o Espírito, na carne.

Ó Deus Pai encarnado na história,
Libertai-nos das amarras da carne
Sem ser preciso que a neguemos, nem fujamos dela
Amém.


Tiago de França

sábado, 24 de outubro de 2009

Dia Nacional da Juventude 2009


Neste dia 25 de outubro, a PJ – Pastoral da Juventude no Brasil celebra o DNJ – Dia Nacional da Juventude. O tema deste ano é: “Contra o extermínio da juventude” e Lema: “Juventude em marcha contra a violência”. Trata-se de um dia de oração e reflexão sobre a realidade dos jovens em nosso país, que é celebrado desde 1986 pelo Setor Juventude da CNBB e as Pastorais da Juventude do Brasil. Inicio esta reflexão com alguns números e constatações assustadoras:

- Segundo o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros – 2008, entre 1996 e 2006 o índice de homicídios na população jovem teve um aumento de 31,3%, enquanto na população total foi de 20%;

- Os negros representam um índice de vitimização 73,1% superior aos brancos na população total e 85,3% superior na juventude;

- A violência contra os povos indígenas, ocorrida entre os anos de 2006 e 2007, aumentou mais de 60%, sendo a maioria jovens;

- Sete milhões de jovens brasileiros não trabalham nem estudam;

- Segundo a Pastoral Carcerária, os presos são, em geral, jovens, pobres, analfabetos e negros;

- Segundo dados do Ministério Público, somente no Distrito Federal, entre 2003 e 2005, 178 jovens foram mortos enquanto cumpriam medida socieducativa;

- Segundo dados do Ministério da Justiça, os jovens de até 24 anos são aqueles que figuram nas estatísticas com mais de 46% do total das vítimas de homicídios intencionais e mais de 50% dos autores no ano de 2005;

- Um estudo da OIT - Organização Internacional do Trabalho concluiu que 15% dos jovens que trabalham no tráfico têm entre 12 e 14 anos;

- Segundo o IHA – Índice de Homicídios na Adolescência, divulgado em julho passado, que analisou 267 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, concluiu que, dentre todas as causas de mortalidades de adolescentes entre 12 e 18 anos, 45% foi por homicídio, seguida por morte natural (25%) e acidentes (22%).

Esta é a triste realidade de nossa juventude brasileira. Não se trata de uma visão pessimista ou ideologia anti-neoliberal, mas da realidade dos jovens brasileiros. São números que nos envergonham, porque provam o descaso em relação à situação juvenil. Enquanto milhares de jovens morrem todos os anos no Brasil, nossos governantes estão preocupados com a descoberta das novas jazidas de petróleo e com as eleições de 2010. Está mais que provado que os jovens são as maiores vítimas da violência urbana de nosso país. Basta observarmos o número dos que compõem as gangues que têm enfrentado a polícia nos conflitos das favelas do Rio de Janeiro. São jovens os chamados “bandidos” das favelas do Rio de Janeiro e das favelas presentes nas demais capitais de nosso país. Quais as razões da não priorização da juventude brasileira?

No cenário religioso, observa-se a mesma coisa. Nas comunidades paroquiais, são poucos os párocos que priorizam ou apóiam a juventude. A Igreja, com sua linguagem quase que inacessível, nela os jovens não se sentem acolhidos. A nossa Igreja parece não saber evangelizar e deixar-se evangelizar pelos jovens. Eles são tidos como rebeldes, delinqüentes, dispersos, que mais atrapalham do que ajudam. Quando a Igreja olha para os jovens, é para convidá-los para integrarem as pastorais e organismos paroquiais. E quem disse que os jovens estão preocupados em ajudar na manutenção dos organismos paroquiais (pastorais de manutenção)? Não estão interessados e nem podem se interessar! A renovação da Igreja, no seu jeito de ser e de agir no mundo, certamente passa pela juventude. Não se trata de a Igreja se converter aos jovens, nem os jovens se converterem à Igreja, mas na jovialidade da missão, todos se converterem ao Cristo, que não era sacerdote e nem idoso, mas o jovem missionário do Pai e evangelizador dos pobres. A abertura e o diálogo, tanto da parte dos jovens quanto da Igreja, são de fundamental importância para a construção de um novo jeito de ser Igreja.

O que fazer diante da terrível situação da juventude brasileira? Não esperemos que o sensacionalismo dos canais de TV, principalmente da TV Globo e suas afiliadas, o mercado neoliberal e os governantes descomprometidos com as verdadeiras causas de nosso país façam alguma coisa pelos jovens. Todos eles só pioram a situação, pois são mentirosos e enganadores. Só querem lucrar em cima da desgraças que ocorrem com nossos jovens. Quando os jovens cometem violência, o sensacionalismo midiático publica e ganha dinheiro com o Ibope. E o mercado dita o que os jovens devem consumir. É uma verdadeira ditadura ideológico-midiática que os jovens, fracos na formação da consciência, não suportam enfrentar.

Por isso, a Igreja, o Estado, a Família e a Escola têm profundas responsabilidades no futuro da juventude. Todos têm a missão de colaborar na construção de um futuro melhor, que pode surgir a partir de uma juventude que pensa e age de forma responsável, consciente e organizada. Quando vejo jovens desorientados e dispersos, violentos e tidos como “perdidos”, sinto que vivemos numa sociedade dispersa, violenta e perdida. Os jovens são frutos do meio em que vivem. Isto prova que as instituições acima mencionadas estão faltando gravemente. Se tais instituições não planejarem ações integradas para salvar a sociedade e de modo especial a juventude, a guerra civil a que assistimos se agravará cada vez mais. É hora de quebrar os preconceitos e deixar de lado as resistências para juntos agirmos em favor de um país melhor. Todos sabem do problema, pois o mesmo é a realidade crua e nua do país atual. Até quando suportaremos viver desse jeito? Será que estamos assistindo a uma regressão na evolução da espécie humana sobre a face da Terra? O que está acontecendo com o ser humano, que não age diante de sua autodestruição?...

O Dia Nacional da Juventude é uma boa oportunidade para pensar a realidade. Não podemos negá-la, pois estamos morrendo. A vida dos jovens é a vida do país, pois os jovens devem ser os protagonistas da história. Se não temos jovens conscientes e organizados, penso que não teremos um futuro promissor para o Brasil. Não podemos ocultar que há várias ações em favor da vida juvenil sendo praticadas em nossa sociedade e que precisam de apoio e incentivo. Ver, julgar e agir é preciso urgentemente, antes que seja tarde demais! Enquanto cristãos, acreditamos na vida porque o nosso Deus é vida plena, por isso, lutemos pela vida do futuro de nossa Igreja e de nosso país, que são os jovens.


Tiago de França

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Dos milagres


O milagre não é dar vida ao corpo extinto,

Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...

Nem mudar água pura em vinho tinto...

Milagre é acreditarem nisso tudo!


Mário Quintana

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Dom Hélder Câmara, líder carismático


A palavra carisma vem do grego khárisma e significa atos, graça, favor, benefício. O dicionário Aurélio ensina que carisma é a força divina conferida a uma pessoa, mas em vista da necessidade ou utilidade da comunidade religiosa. O caráter laico da palavra carisma aponta para a definição da influência e fascinação por alguma pessoa. O carisma está ligado à forma da pessoa de ser e de agir. Na Carta paulina aos Efésios 4, 11 – 16 encontramos os carismas como dons de Deus para o aperfeiçoamento dos santos, para desempenho do serviço e para a edificação do Corpo de Cristo. Também no capítulo 14 da Primeira Carta paulina aos Coríntios encontramos o Apóstolo dando explicações à comunidade cristã sobre o sentido e o valor dos dons do Espírito Santo.

Neste breve texto não quero falar dos carismas em si, mas quero falar do líder carismático Dom Hélder Pessoa Câmara, cujo Centenário de seu nascimento a Igreja teve a alegria de celebrar no dia 07 de fevereiro do corrente ano (1909 – 2009). O que significa dizer que Dom Hélder era um homem carismático? Qual o carisma de Dom Hélder? Como ele viveu seu carisma? Precisamos saber do sentido da palavra carismático para não trairmos a pessoa de Dom Hélder e colocá-lo na superficialidade a que o termo atualmente é submetido. Hoje, um jovem entra num grupo de oração e já se afirma carismático! Qual o carisma deste jovem?

O homem carismático, impulsionado pelo Espírito de Deus vive na contramão da história. O carisma é como que um jeito de ser e de agir conforme a vontade divina, e está ligado diretamente ao Espírito. Falar de carisma é falar da presença do Espírito na pessoa, no cristão. Radicalmente, podemos afirmar que os autênticos cristãos são carismáticos. Neste texto refiro-me a Dom Hélder Câmara, mas antes e depois dele apareceram muitos outros: Francisco de Assis, São Vicente de Paulo, Madre Teresa de Calcutá, Ir. Doroth Stang, Pe. Cícero Romão Batista, Dom Oscar Romero, Pe. José Antônio de Maria Ibiapina, Martin Luther King, Mahatma Gandhi etc., que foram mulheres e homens que deram um novo sentido à história da humanidade.

Estas mulheres e estes homens viveram muito além de seu tempo. Não eram seres dotados de poderes sobrenaturais, nem revolucionários alienados, mas pessoas comuns que se identificaram com a verdade e buscaram vivê-la por meio da justiça e do amor. O carismático é pessoa de convicções profundas e irrenunciáveis, que acredita na edificação de um outro mundo possível. Penso que todo autêntico carismático é também profeta, pois sua postura vai contra a lógica comum dos homens. A lógica do mundo está orientada para a esperteza, vantagens, injustiças e corrupção de toda ordem. Os valores da verdade, da justiça e do amor são contrários a tal lógica e inauguram uma sociedade diferente.

Quem conheceu Dom Hélder Câmara pessoalmente sabe de sua presença de espírito. Era um cearense de estatura baixa, “cabeça-chata”, voz forte, que usava batina bege, crucifixo de madeira no pescoço, homem de gesticulações no falar e de um sorriso encantador. Era devoto de São Francisco de Assis e São Vicente de Paulo. O primeiro, pai da pobreza, o segundo pai da caridade. Com Francisco de Assis Dom Hélder aprendeu a ser pobre. Um Bispo pobre na Igreja é algo sublime! Não tinha empregados, mas colaboradores. Com Vicente de Paulo aprendeu a ser amigo dos pobres. Dom Hélder Câmara dizia que quando o Bispo e o padre são pobres torna-se mais fácil ser amigo dos pobres.

Assim, sem sombra de dúvidas, podemos afirmar que o carisma de Dom Hélder Câmara era profético. Pela Escritura Sagrada sabemos que o profeta não é aceito em sua própria pátria (cf. Mt 13, 57). Dom Hélder nasceu no Ceará, foi nomeado Bispo no Rio de Janeiro, andou o mundo no exercício da profecia e morreu em Pernambuco. Nasceu e morreu no nordeste brasileiro. Tornou-se diácono, padre, bispo, escritor, poeta, místico e profeta sem perder o jeito de ser nordestino, fiel às suas origens. No exercício profético de Dom Hélder Câmara podemos citar dois valores fundamentais que ele viveu na radicalidade evangélica: a abertura ao novo e o diálogo para com todos. Ele transcendeu à formação que recebeu no Seminário da década de 20 e tornou-se o grande articulador do Vaticano II, fundador da CNBB e do CELAM.

Os militares, sanguinários da ditadura implantada no Brasil, tinham medo de Dom Hélder Câmara. Sua presença de espírito e a autoridade de sua palavra eram de tamanha grandeza que até os inimigos se curvavam diante da inteligência e da sabedoria do Bispo dos Pobres. Ninguém teve coragem de assassiná-lo. Até que tentaram, mas o assassino confessou ao próprio Bispo: “Dom Hélder, eu fui mandado para matar o senhor, mas não tive coragem!” Era um Bispo de portas e coração abertos para acolher a todos, preferencialmente os excluídos da sociedade.

As desigualdades sociais e a realidade da vida dos pobres levaram-no a percorrer o mundo. As universidades e Igrejas da Europa escutavam-no atentamente, porque ele não falava em nome próprio, mas em nome da vida do povo de Deus e da verdade do Evangelho. Falar em nome de Deus e da libertação do povo, eis o poder da palavra profética. E a palavra do profeta Dom Hélder Câmara incomodou a muita gente: militares, políticos, intelectuais descomprometidos com a verdade, padres e bispos conservadores e inimigos da liberdade. Até o Papa João Paulo II sentiu-se incomodado com a palavra profética de Dom Hélder, quando pediu que ficasse em Recife, pois a função de anunciar a verdade ao mundo era de Pedro e não de um Bispo de uma Igreja Particular como a de Recife e Olinda.

Até hoje os inimigos de Dom Hélder o acusam de “Bispo Vermelho”, que só queria aparecer na mídia e ficar famoso. Acusam-no de ser amigo do poder e do prestígio social, de ser inimigo da Igreja e agitador político. Particularmente, quando escuto tais injúrias, percebo que são oriundas ou da projeção, pois quem o acusa negativamente é porque tem em si os defeitos e projeta-os, ou inveja doentia, porque não consegue ser o que ele foi na história do país e da Igreja. Sendo o carisma dom e graça do Espírito de Deus, certamente Dom Hélder Câmara foi um Bispo carismático.

Diante destas considerações, convido a Renovação Carismática Católica a refazer sua leitura da palavra carisma, uma vez que costuma ser desvinculada da justiça e do amor aos desfavorecidos, voltando-se demais para o louvor e a adoração a Jesus sacramentado. Claro que são importantes o louvor e a adoração a Jesus na vida da Igreja, mas o sentido de carisma, carismático e ser cristão está no seguimento a Jesus de Nazaré, plenamente homem pobre e livre na história, que se encontra em nosso meio, aberto para nos acolher e ser acolhido. Enquanto cristãos, o nosso carisma é o amor, autenticamente gratuito.


Tiago de França

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Rio de Janeiro: Violência e Olimpíadas


Rio de Janeiro
Belas praias
Bela Baía de Guanabara.

Cidade maravilhosa
Quantas favelas
Quanta marginalização!

Rio de Janeiro
Quantas mulatas lindas
Copacabana!

Cidade maravilhosa
Vergonha da nação
Imagem do terrorismo bélico!

Rio de Janeiro
Corcovado
Cristo Redentor!

Cidade maravilhosa
Cidade das drogas
E da bala perdida assassina!

Mesmo diante da violência
Do armamento bélico dos marginais
Da bala perdida
Da infame da droga
Ó cidade maravilhosa
Mostra-te quem és!

Afim de que os grandes da nação
E os das demais nações
Vejam que por trás de tua beleza
Moram realidades obscuras
De dor, sofrimento e morte...

Não aceitas, ó cidade maravilhosa,
Que te vendam pela metade
Reivindica mesmo com a morte de teus filhos
Pede socorro, grita, esbraveja,
Clama, pois quem sabe
A tua voz poderá ser ouvida...


Tiago de França

domingo, 18 de outubro de 2009

O poder e o serviço fraterno


“Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam.
Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo;
e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos”
(Mc 10, 42 – 44).

As primeiras palavras desta citação evangélica demonstram muito bem que Jesus estava consciente da maneira como o poder era exercido pelos chefes e governantes das nações de seu tempo. Os verbos oprimir e tiranizar traduzem para todas as épocas a maneira como os governantes se comportaram ao longo da história. As análises sociológicas da história humana provam que o homem sempre se utilizou do poder para oprimir seu semelhante. O homem é vítima das relações de poder que constrói. O poder pressupõe a relação de um que manda e de outro que obedece. No exercício do poder humano há os que dirigem e os que são dirigidos, os superiores e os subalternos, os que controlam e os que são controlados, os que são livres e os que são escravos. Quando Jesus veio a este mundo, o regime político era o da monarquia. Tudo convergia para o poder real, até a religião. Esta servia e até hoje, em certos aspectos serve, para legitimar o poder imperial. Em nome de Deus, o rei devia governar a todos e todos deviam obedecer aos decretos imperiais. Quando Constantino resolveu reconhecer o Cristianismo e torná-lo religião oficial do Império, certamente pensava neste sentido.

E Jesus diz: “Mas, entre vós, não deve ser assim”. Este não deve ser precisa ser considerado na prática. Este entre vós pressupõe um lugar. Entre os cristãos é, certamente, o lugar. Entre aqueles que se colocaram no caminho de Jesus, não deve existir o poder como forma de opressão. Radicalmente, poderíamos interpretar da seguinte forma: Não deve haver relações de poder entre nós, partindo da compreensão de que no caminho de Jesus todos são iguais. O Evangelho mostra ser este o propósito de Jesus: que todos sejam iguais perante Deus. Mesmo que não sejamos iguais entre nós, mas Deus nos olha a partir daquilo que Jesus anunciou, pois ele não falou por si, mas comunicou-nos tudo conforme a vontade de Deus Pai. Considerando Deus como Criador de todas as coisas, não criou os homens hierarquizados. Mulher e homem foram criados à imagem e semelhança de Deus e esta imagem e semelhança não supõem superioridade de um em relação ao outro, mas igualdade plena.

Jesus, com sua palavra e exemplo, ensinou-nos a sermos irmãos uns dos outros. Ensinou-nos que somos uma só família, de filhos e filhas de um mesmo Pai. Por meio de Jesus nos tornamos filhos de Deus e podemos chamá-lo pelo nome de Pai. Crendo que Deus é nosso Pai, logo somos irmãos. E se somos irmãos em Cristo Jesus, não pode haver opressão entre nós, porque não há relação autenticamente fraterna onde há opressão entre os irmãos. Como posso ser irmão de meu semelhante se o oprimo? Toda opressão quebra a relação fraterna entre nós, quebra-se a fraternidade. Se não temos fraternidade entre nós é porque em nossas relações nos oprimimos mutuamente, não vivemos a comum-unidade.

Depois que o Cristianismo se institucionalizou, o poder surgiu na Comunidade cristã e a ameaça constantemente. O poder ameaça a comum-unidade porque o homem ainda não aprendeu a lidar com o poder. Há no homem uma tendência para a opressão no exercício do poder, tanto na sociedade civil quanto na comunidade eclesial. Com a institucionalização, há na comunidade cristã pessoas tidas como superioras às outras. Confere-se um poder em nome de Deus com a finalidade de organizar a vida eclesial. Criam-se leis para a organização jurídica e institucional, mas terminam por se aproveitarem do poder e das leis para tirar a liberdade dos filhos de Deus. Na medida em que o tempo passa e o homem evolui, na sua maneira de pensar e agir, vão se criando novas formas de poder e novas leis. Algumas melhores, pois influenciam menos na liberdade das pessoas; outras piores porque oprimem explicitamente e sem piedade.

O teólogo José Comblin ensina que o Evangelho de Jesus é o da liberdade. A citação evangélica acima mostra que Jesus é totalmente contra todo tipo de opressão. O contrário da opressão é a liberdade. Toda a Sagrada Escritura se resume na presença amorosa de Deus junto a seu povo na luta pela liberdade. Desde o ato criador, no qual Deus criou o ser humano livre até a mensagem apocalíptica, a liberdade é o eixo norteador da ação divina no ser humano e no mundo. Fiel à vontade de Deus, Jesus dá continuidade ao processo de libertação iniciado no Antigo Testamento, pois em Jesus a mensagem libertadora do Deus da vida tem a sua plenitude.

O serviço aos irmãos é a saída que Jesus propõe para o fim do exercício do poder opressor. A partir de Jesus e de seu Evangelho, quem quiser ser grande deve servir à comunidade; quem quiser ser o primeiro deve tornar-se escravo de todos. Com isto, Jesus inverte tudo e transforma o poder em serviço. Desta forma, quem não quiser servir, denuncia-se a si próprio como opressor. Todo aquele que exerce o poder e se recusa a servir, pode ser considerado opressor. Na Igreja, isto vale primeiramente para a hierarquia constituída, sendo o Papa aquele que exerce maior autoridade jurídica na ordem hierárquica. O serviço deve fazer parte da vida de todos os que exercem poder eclesiástico: diácono, padre, bispo e papa. Claro que não estão de fora os cônegos, arcebispos, monsenhores, cardeais, secretários e prefeitos de Estado etc. com seus títulos e honras. Sem o serviço, todo e qualquer ministério na Igreja é inválido diante do Evangelho da liberdade. Nas comunidades cristãs, as demais lideranças comunitárias também são chamadas a servir na liberdade, para que seus ofícios não sejam invalidados diante do Senhor da vida que nos chamou à caridade fraterna.

Depois da realização do Concílio Vaticano II, deu-se início na Igreja o processo de descentralização do poder. O padre deixou de ser o homem mais importante da comunidade e passou a partilhar seu poder com os conselhos pastoral e econômico. As decisões passaram a ser tomadas em comunidade. É verdade que ainda há resistências por parte de muitos padres, que dando oportunidade ao leigo para participar das tomadas de decisões pensam que estão perdendo o poder. Desta maneira, revelam-se apegados ao mesmo e isto é contrário à essência do sacramento da Ordem. Há leigos que, acostumados à cultura antiga da submissão ao padre, também não aceitam participar das tomadas de decisões vivenciando um saudosismo doentio.

Precisamos tomar consciência da necessidade de colocarmos em prática a mensagem do Concílio Vaticano II: a construção de uma Igreja pautada na comunhão e na participação. Não vale aparência de comunhão e participação, mas vivência concreta do amor-serviço na construção do Reino. É caminhando na humildade e simplicidade, na justiça e no amor, que teremos uma Igreja mais humana e mais povo, pois somente assim haveremos de construir um mundo de irmãos, onde nossa lei será o amor e Deus será tudo em todos.


Tiago de França

sábado, 17 de outubro de 2009

O Espírito e a Palavra


O Espírito do Senhor...

Gerou a Palavra de Deus
E nos gera para Deus.

Fecundou a mulher Maria
Engravidou-a e a tornou fecunda.

Conferiu coragem aos discípulos de Jesus
Que tomados pelo medo estavam imobilizados.

Assiste o seguidor de Jesus
No deserto do caminho estreito.

Renova o coração humano
A fim de que o homem renove a Criação.

Intercede pelo homem
Com gemidos inefáveis.

Sonda e conhece todas as coisas
Até as profundidades de Deus.

Revela-nos Deus na sua essência
E nos ensina a amá-lo.

Guia-nos na missão
De sermos sal e luz do mundo.

Torna-nos fecundos e férteis
Transforma-nos em terra boa.

Transforma o nosso coração de pedra
Em coração de carne capaz de amar sem limites.

Purifica e santifica o nosso ser
A fim de que possamos nos oferecer como hóstias vivas a Deus.

O Espírito do Senhor
...

É a vida do homem
E a vida do mundo.

Introduz o homem no mundo
E o mundo no homem.

Liberta-nos da falsa liberdade
E na liberdade nos faz viver.


Tiago de França

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Um olhar sobre a liturgia


A liturgia é a expressão celebrada da vida do povo de Deus. A vida do povo de Deus precisa ser celebrada, porque é a vida de Deus. A Escritura revela que a alegria de Deus está na vida de seu povo e desde as origens, as comunidades celebravam a memória da presença salvífica de Deus na história de seu povo. Desta forma, a liturgia precisa traduzir esta presença divina e não ocultá-la. A simbologia da liturgia é uma riqueza que precisa ser preservada e trabalhada. Ela precisa está intimamente ligada à realidade das comunidades. Na liturgia, o povo precisa sentir-se Igreja e esta sentir-se povo de Deus. É por meio de uma liturgia bem celebrada que damos graças ao Deus da vida pela sua encarnação na história em Jesus de Nazaré e pela ação do Espírito nas pessoas e no mundo. Guiados por este mesmo Espírito, na liturgia elevamos a Deus o nosso louvor e a nossa prece, que em nada acrescentam ao ser de Deus, mas que é pura manifestação de um povo que reconhece a ação amorosa do divino no humano.

A música é importantíssima para a liturgia. Por meio da música, bem cantada e instrumentada, a assembléia rende graças ao Senhor tendo em vista sua humilde ação misericordiosa na história. Assim sendo, a música não pode falar daquilo que não se ver e não se toca, porque é algo desconhecido a nós, mas deve cantar a vida do povo de Deus e sua manifestação entre nós. Quando o cantor e a equipe de liturgia desconhecem a vida comum do povo de Deus, pautada no seguimento de Jesus, as músicas se tornam alienantes e insuportáveis. Ultimamente, tenho tido dificuldade em participar de algumas Missas, pois, muitas vezes, o canto litúrgico não tem nenhuma ligação com o sentido da Celebração Eucarística. São cânticos que não tem nenhuma ligação com a Liturgia da Palavra da Celebração. As Missas transmitidas pela televisão estão cada vez piores. É preciso abrir uma exceção para as Missas do Santuário Nacional de N. Sra. Aparecida, onde os redentoristas respondem por uma liturgia organizada e bem celebrada.

A intromissão nas Missas de músicas que retratam o estado psicológico das pessoas é algo desastroso. Músicas sentimentalistas que apelam para um deus fora da história e que é capaz de resolver todos os nossos problemas. As pessoas são levadas, através destas músicas alienantes e insuportáveis, a cultivarem a fé de maneira absurdamente emotiva. As manifestações de choro, desmaios, “repouso” no Espírito, braços estendidos, olhos fechados, gritos, do orar em línguas, danças etc. tornam as Celebrações momentos longos e sessões psicológicas de “descarrego” espiritual. Só para citar um exemplo, a música “Como Zaqueu”, de Regis Danese, que não é um canto litúrgico, porque não responde às exigências da liturgia, está sendo muito cantada nas Missas. Virou moda cantar esta música nas igrejas. Esta música veio se unir a “Noites traiçoeiras”, de padre Marcelo Rossi, também muito cantada nas Celebrações.

Vejamos algumas expressões da música “Como Zaqueu”, de Regis Danese: “... eu quero subir o mais alto que eu puder...”, “... sou pequeno demais...”, “... largo tudo para te seguir...”, “... mexe com minha estrutura, sara todas as feridas...”, “... quero amar somente a ti...”, “... faz um milagre em mim”. São expressões que cultivam a idéia de um Deus todo-poderoso, que resolve os problemas e que está nas alturas. Tais expressões alimentam uma relação intimista com o divino, em que somente Deus interessa ao crente e nada mais. Amar somente a Deus, em detrimento dos irmãos. Não importam as injustiças cometidas pelas estruturas injustas da sociedade, mas a mudança das estruturas espirituais e a cura dos males interiores. Diante disto, pergunta-se: Onde fica a dimensão missionária e comunitária da fé e do ser Igreja? Tais músicas não cultivam nas pessoas o ser Igreja como Povo de Deus na história, mas alimentam uma fé descomprometida com a realidade e comprometida com o emotivo.

Estas músicas fazem sucesso na liturgia e fora desta porque vivemos num tempo em que as pessoas estão cada vez mais depressivas. A subjetividade é fator constitutivo de nosso tempo e como a fé também é subjetiva, então é sempre assimilado tudo aquilo que apela para a subjetividade e toca o lado emotivo das pessoas. Esta realidade levou o padre Fábio de Melo a ser o cantor que mais vendeu discos no ano passado. Livros, músicas, discursos, filmes, peças de teatro e tudo aquilo que é voltado para a auto-ajuda é sempre bem-vindo no mercado e vende bastante. E a religião não fica excluída, pois está sendo capaz de apresentar um Deus bom e providente, que atende as necessidades temporais e espirituais das pessoas. Ao sair do culto a este Deus, as pessoas dizem: “Ah, foi tão bom! Senti-me no céu. Agora não perco mais, pois foi pura unção!” A maioria dos crentes não está preocupada com a situação do mundo, mas com a satisfação de seus desejos em Deus.

O que fazer diante disto? Certamente, uma vez que as paróquias ainda são realidades insistentemente vividas, os párocos são os maiores responsáveis pela formação litúrgica de sua comunidade. Infelizmente, percebe-se que até os padres, muitas vezes, pedem para que se cantem tais músicas. Estes são incapazes de conduzir liturgicamente a comunidade, pois parece que se esqueceram da disciplina Liturgia do curso teológico que fizeram e precisam urgentemente se reciclar. A maioria das equipes de liturgias canta mal ou não sabe cantar porque não recebeu nenhuma formação. A formação litúrgica é imprescindível na vida paroquial. Faz muito bem à comunidade quando a liturgia é bem celebrada. Quando participo de uma Missa, a liturgia preparada ou não me revela a organização da comunidade. O Hinário Litúrgico da CNBB e o Ofício Divino das Comunidades são ótimos instrumentos litúrgicos para uma liturgia bem celebrada.

Concluo esta reflexão com as sábias palavras da poetisa Adélia Prado sobre a Liturgia: “A Missa é a coisa mais absurdamente poética que existe. É o absolutamente novo sempre. É Cristo se encarnando, tendo a sua Paixão, morrendo e ressuscitando. Nós não temos de botar mais nada em cima disso, é só isso”. Referindo-se a certas Missas, assim diz ela: “Olha, gente, têm algumas celebrações que a gente sai da igreja com vontade de procurar um lugar para rezar”. Penso que não preciso explicar as palavras da poetisa, porque são poéticas e por si já dizem tudo.


Tiago de França

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O jovem e a transformação social


“O segredo de ser jovem – mesmo quando os anos passam, deixando marcas no corpo –
é ter uma causa a que dedicar a vida”
(Dom Hélder Câmara).

Ultimamente, tive a oportunidade de estar conversando com alguns grupos de jovens e neste breve artigo quero partilhar algumas preocupações. Enquanto jovem confesso que estou preocupado com a situação dos jovens de nosso tempo. Quero destacar dois momentos: minha participação na exposição do filme Batismo de Sangue durante a XV Semana Teológica do ISTA - Instituto Santo Tomás de Aquino, em Belo Horizonte – MG, no dia 8 passado; e minha assessoria no VIII Encontrão Provincial da JMV - Juventude Marial Vicentina, em Barbacena – MG, nos dias 10 e 11 passados.

O filme Batismo de Sangue é baseado no livro homônimo de Frei Betto, originalmente lançado em 1983 e vencedor do prêmio Jabuti. O livro e o filme retratam os horrores do período da ditadura militar no Brasil. Não quero narrar o filme, nem fazer um comentário sobre o mesmo, apesar de necessário. Quero chamar a atenção para a ação transformadora da juventude universitária brasileira no período ditatorial. A maioria jovem da população brasileira das universidades era constituída por pessoas preocupadas com a situação do Brasil. Eram jovens que pensavam a realidade do país e não aceitavam a ditadura que reprimia e ameaçava a liberdade.

Os jovens se reuniam, dialogavam, planejavam ações, discutiam a temática da liberdade de ir e vir e de expressão; sonhavam com um mundo mais justo e fraterno. Eram jovens que sonhavam em ser alguma coisa no mundo e contribuir na construção de um outro mundo possível. Este sonhar e esta vontade de ser feliz os encorajavam a lutar até as últimas conseqüências. E foi a luta irrenunciável, corajosa e audaciosa dos jovens intelectuais que libertou o Brasil do regime militar. Ao assistir ao filme me senti motivado a continuar acreditando na possibilidade de melhoras em nosso país e no mundo, apesar dos contrastes e contradições vigentes.

Não temos mais ditadura militar. A vitória de governos oriundos do meio popular mostra muito bem que o povo latino-americano não aceita mais a volta da ditadura. Vivemos numa ditadura diferente e mais destrutiva do que a militar, trata-se da ditadura neoliberal. Nesta, as pessoas são livres para pensar e falar, mas não são livres para viver bem. A exclusão das massas pobres e desqualificadas é uma das marcas da ditadura neoliberal. Nesta, o exército e a polícia não prendem os cidadãos porque discordam com as políticas adotadas pelo governo, mas também não impedem o massacre de milhões de pessoas, principalmente jovens negros, analfabetos e pobres, vítimas da violência cotidiana. Violência que mata mais do que qualquer guerra instaurada no Oriente Médio. Violência que tem sua origem na miséria e na exclusão de muitos brasileiros. Minha tristeza e indignação é que os jovens, as maiores e principais vítimas de tal ditadura, não param para pensar na realidade que os oprime e mata.

Outro momento interessante foi o encontro que tive com pouco mais de cem jovens da JMV, em Barbacena – MG. O tema do Encontro foi: “JMV, vive o que és” e os assessores trabalharam a importante temática da identidade. Particularmente, senti que os jovens não estavam interessados em descobrir ou redescobrir sua identidade, enquanto pessoa e grupo JMV, salvo as exceções. Fui convidado para falar sobre identidade cristã. Antes de pensar ser alguma coisa na vida, é preciso pensar e ser cristão. Não canso de repetir que não adianta querer ser um bom padre, um bom profissional ou uma boa pessoa, sem antes não buscarmos ser cristãos. Se conseguirmos ser cristãos, conseqüentemente exerceremos bem nosso papel na sociedade.

Costumo dizer que na Igreja, antes de qualquer objetivo ou planejamento, precisamos de autênticos cristãos. Na atual conjuntura social e eclesiástica é preciso confessar que é quase impossível ser cristão. Quase impossível não quer dizer que é impossível, antes aponta para um desafio que, às vezes, se sobrepõe às nossas capacidades humanas. É aqui que entra o papel daquele que é o Emanuel, do Deus presente na história, que em Jesus se fez homem como nós e que nos mostrou o caminho que devemos seguir. No caminho de Jesus somos cristãos. Conhecer tal caminho, compreender a proposta do caminho e aceitá-lo, colocar-se nele e perseverar é a missão daquele que se identificou com Jesus e quer tornar-se cristão. Este processo ultrapassa a religião e pode ser vivido dentro ou fora dela.

O jovem de hoje não questiona e nem se deixa questionar. A música, o cinema e a arte quase que não retratam mais a realidade, pois são usadas para “anestesiar” a criatividade e o espírito crítico. São poucos os jovens que se preocupam em pensar na vida e sonham com um mundo diferente. Pensar e sonhar obriga-nos a agir. Se não temos ações transformadoras por parte de nossos jovens é porque eles pouco ou nada pensam sobre a realidade. Isto é muito grave, porque todos pregam que o futuro do país e da religião depende dos jovens, que serão os adultos de amanhã. A política, que tem o poder de transformar a realidade social quando é constituída por governos idôneos, verdadeiramente comprometidos com as causas sociais, não desperta o interesse de nossos jovens. São jovens politicamente desinteressados.

O interesse está no time de futebol, nas garotas “saradas” e garotos de brinco na orelha, no uso das drogas como fuga da realidade, nas novelas televisivas, nos jogos e filmes de ação, no celular de última geração, na moda e no corte de cabelo, nas baladas etc. Certamente isto faz parte da vida. A diversão e o lazer fazem parte da vida. O ser humano precisa explorar o lado lúdico da vida para viver bem. O problema está em colocar a diversão e o lazer como centro da vida cotidiana. Eu falava para uma jovem que trabalhava o dia todo e todas as noites participava de festas, que a vida exige seriedade e compromisso. Como o jovem pode construir seu futuro se ele pauta a sua vida na diversão? A diversão constrói o futuro? O prazer pelo prazer é algo verdadeiramente bom e construtivo? Não se trata de reprimir o prazer, pois faz parte de nós, mas de rever como estamos vivendo o prazer. Este deve contribuir para a nossa felicidade e não para a nossa destruição.

A Igreja e a Escola têm missão fundamental na vida dos jovens, pois devem ajudá-los a tomar consciência da realidade, a fim de que possam contribuir na construção de um mundo melhor. A Educação deve oferecer não somente conteúdo interdisciplinar, mas também realizar um eficiente trabalho de conscientização do jovem. A Igreja precisa levar o jovem a cultivar uma fé encarnada. Os grupos de jovens na Igreja atual estão voltados mais para a oração/louvor do que para a reflexão orante da realidade. Um louvor distante da realidade é alienante e escravizador, pois explora o lado emotivo do jovem crente levando-o a esquecer e até negar a realidade concreta da vida. A oração como fuga da realidade é algo perigoso e nocivo à fé cristã. O jovem precisa sonhar e lutar para que seus sonhos se realizem. Os jovens unidos, organizados e conscientizados podem mudar o rosto da Igreja e da sociedade. Isto é possível!


Tiago de França

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Dia das crianças


O que dizer
Da criança
Que começa sua vida
Sem desfrutar as alegrias da infância?

O que fazer
Do adulto
Que se aproveita da inocência da criança
Pela violência, aliciamento, pedofilia e estupro?

O que pensar
Do futuro
Da criança que não é respeitada em sua dignidade
E que já participa do mundo violento dos adultos?

O que fazer
Da criança
Que não tem uma boa escola
Que cultive valores e esperanças?

O que dizer
Da família
Que não oferece estruturas necessárias:
O amor, o carinho e a partilha?

O que pensar
Da criança prostituída
Que é obrigada pelos pais e pela realidade
A ajudar no sustento da família?

Ver a situação
Pensar e dizer o que se passa
Por amor a verdade que liberta
A fim de que a realidade mude e se refaça.

Depois de ver a realidade
Pensar o que se pode fazer
Cabe a cada pessoa em particular
Colaborar para que se tenha garantido o direito de viver.

Precisamos viver
E viver bem
Pois é pelo bem viver
Que se vive bem!


Tiago de França

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Che Guevara e a liberdade


No dia 9 de outubro de 1967 foi assassinado um dos maiores líderes revolucionários da América Latina, Ernesto Guevara de la Serna, mais conhecido por Che Guevara ou El Che. É um dos homens mais venerados da América Latina e se tornou símbolo da luta por justiça e liberdade. Todos os grupos que lutam contra os governos neoliberais e ditatoriais têm em Che Guevara um exemplo de homem sonhador que não se curvou na busca da liberdade.

Os jovens de hoje devem aprender com Che Guevara que o homem precisa ter sonhos, objetivos firmes e convicção. El Che ensina-nos a sermos perseverantes na labuta cotidiana. El Che acreditava na edificação de uma sociedade nova, onde as relações devem ser pautadas na justiça social. El Che é um exemplo de homem de profundas convicções e nos ensinou que a vida só tem sentido se tivermos uma causa para nos ocuparmos até as últimas consequências.

A luta pela justiça social continua sendo uma realidade na vida de muitos homens e mulheres em nossa América. Certamente, a justiça se tornará realidade plena se todo ser humano tomar consciência de seu valor e significado para a vida em sociedade. A realidade atual explica a morte de Che Guevara, pois no seu tempo, as desigualdades e a falta de liberdade eram realidades gritantes e hoje tais realidades continuam se manifestando entre nós, dada a corrupção nas relações humanas e sociais. Finalizo esta breve reflexão com uma forte verdade vivida e anunciada por Che Guevara:

"PREFIRO MORRER DE PÉ QUE VIVER SEMPRE AJOELHADO".


Tiago de França

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A salvação em Jesus Cristo


“Aquele que crer e for batizado será salvo” (Mc 16, 16).

Os cristãos afirmam que Jesus veio a este mundo para nos salvar. Na Igreja Católica pré-conciliar, dizia-se que Jesus veio salvar as almas. A catequese ensinava que todos deviam se purificar por meio de sacrifícios e pela confissão dos pecados, para que se pudesse ter a alma “limpa” para Jesus. Ter uma alma pura era a grande preocupação dos cristãos. Neste contexto, o pecado era o grande mal a ser combatido. Na relação com Deus, mediada pelos sacramentos da Igreja, principalmente a Confissão e a Eucaristia conferidos pelo presbítero, figura central da comunidade paroquial, o fiel era chamado a se purificar, para não ser pego desprevenido na hora da morte. Era preciso se preparar para morrer. Morrer no “estado de graça” era o ideal. Quem morresse em pecado mortal, tinha o inferno como destino certo.

A salvação sempre foi entendida de forma isolada. Jesus veio salvar a cada um em particular. Ele vai separar os homens bons dos que são maus e dar a cada um conforme as obras. É o que todos esperam. Os considerados “crentes” se apegam na afirmação de que a salvação se dá pela fé e pela graça. Os católicos respondem que as obras são necessárias. Há alguns que pensam que estão conquistando a salvação pelas obras que praticam. De um lado, muitas Igrejas cristãs neo-pentecostais afirmam que serão arrebatadas no último dia em detrimento de outras, por outro, a Igreja Católica afirmou que fora dela não existe salvação. Cada uma que queira apropriar-se de Jesus e da salvação oferecida por ele. Todas as Igrejas criam condições para aqueles que aspiram à salvação. Tais condições tiram a universalidade da salvação e a institucionalizam, reservando-a a determinada denominação ou Igreja.

Considerando que Jesus instituiu alguns dos sacramentos, enquanto sinais da presença e da ação de Deus na pessoa e no mundo, que inaugurou o Reino de Deus entre nós; não é possível constatar que Jesus escolheu um povo, uma cultura ou alguma religião como lugares de manifestação de sua presença salvífica. Não é possível ser ecumênico, nem construir ecumenismo particularizando a pessoa de Jesus. Sendo homem-Deus, Jesus não pode ser particularizado. Ele não é Deus de uma pessoa, grupo ou religião. O Jesus individualizado não é o Filho de Deus, mas projeção do desejo das pessoas e construção mitológica das instituições. Um Deus não pode ser apoderado, nem pensado plenamente, pois é o infinitamente Outro. Na relação com Deus todo ser humano é livre e pode adorá-lo dentro ou fora das instituições religiosas e estas não podem julgar a fé dos que não aceitam se submeter aos seus sistemas religiosos.

Na comunidade autenticamente cristã, a salvação é um processo comunitário da construção do Reino de Deus. Rezar para ir para o céu é desconhecer o sentido da salvação em Jesus Cristo. Jesus não veio a este mundo buscar almas para Deus, como já escutei pregações dizer. Reduzir a missão salvífica do Filho de Deus à salvação de almas é desconhecer a missão de Jesus. A alma é uma parte de nós. Uma parte que não participa do processo histórico, apesar de estar em nós. Quando esteve no mundo, Jesus encontrou pessoas e estas estavam situadas na vida comum do mundo. Jesus estava interessado na vida das pessoas e não em suas almas. Ele não foi uma alma penada aparecendo aqui e acolá, mas um homem comum, um sujeito histórico, submetido à realidade humana tão desumanizada de sua época. É este o Cristo que nos salva!

Quando era pequeno, perguntava-me: De que seremos salvos? Não entendia muito a salvação ensinada na catequese porque se tratava mais de uma realidade metafísica (espiritual) do que histórica (ligada à realidade). Se somos pessoas e vivemos no mundo, não seremos salvos a partir de cima, mas a partir daqui de baixo, logo a salvação se dá na história dos homens. Crendo que Jesus é o Emanuel, então cremos que Deus está conosco e constrói conosco o novo céu e a nova terra, o Reino. É na construção do Reino que somos salvos e o somos integralmente.

É preciso compreender a salvação a partir do mistério da encarnação de Jesus. O Filho de Deus encarnou-se em nossa realidade, fez parte da condição humana, igual em nós em tudo, exceto no pecado (cf. Hb 4, 15), e desta forma, conhecendo a nossa realidade manifestou-nos a misericórdia divina, salvando-nos de nossos pecados. Estava no querer de Deus que Jesus viesse até nós e a partir de nossa realidade nos concedesse a salvação. Esta é um dom gratuito de Deus, pura ação da graça em nós, pois não alcançamos a salvação por nossos méritos ou esforços. É verdade que precisamos levar uma vida que corresponda à condição de pessoas resgatadas pelo sangue de Cristo. Tal condição pressupõe a caridade para com o próximo como valor maior do Reino de Deus.

A felicidade que o mundo não consegue oferecer é encontrada em Jesus Cristo e na adesão à sua proposta. A salvação não é proposta de felicidade compensatória, oriunda da relação “comercial” entre Deus e o ser humano, como muitos pregam e vivem, mas um dom gratuito e imerecido, que na bondade e na misericórdia, Deus concede ao ser humano. A leitura da Palavra revela que Deus quer salvar a todos, porque todos são chamados à filiação divina em Jesus Cristo, pois somente este é que tem palavras de vida eterna (cf. Jo 6, 68). É Jesus a nossa salvação e todos podem ser salvos por meio dele. Ele acolhe a todos sem distinção. Na concepção cristã somente Jesus salva e ninguém está autorizado a julgar a fé das pessoas. A Igreja, enquanto instrumento de salvação, é convidada a mostrar o caminho que leva à verdadeira vida sem fazer juízo sobre o destino das pessoas, pois não é proprietária da salvação, nem mediadora entre Deus e os homens, mas chamada a ser servidora do Reino de Deus.

A salvação em Jesus Cristo se dá na gratuidade e na liberdade. A gratuidade denuncia a vivência mercadológica da busca da salvação a que assistimos em muitas Igrejas cristãs. Ninguém pode vender ou comprar a salvação, pois constitui um dom gratuito de Deus. A única exigência que se apresenta para sermos salvos por Jesus é o cumprimento do mandamento do amor. Quem não amar não será salvo, pois é o amor que nos salva das forças da morte e nos restitui a dignidade de filhos de Deus. A salvação se dá na liberdade porque ninguém é forçado a nada. Deus Quer nos salvar, mas toda pessoa é livre para aceitar ou não. Se existe perdição é porque há pessoas, que na liberdade, se recusam a acreditar em Deus e serem salvas por Ele.

Enfim, podemos certamente afirmar que a salvação é o encontro com a vida plena. Em nosso mundo não temos vida plena. As pessoas são agredidas em sua dignidade e o sofrimento parece eterno. Por isso, a pessoa que crer e segue Jesus acredita no novo céu e na nova terra, onde reinarão plenamente a justiça, o amor e a paz. O cristão que acredita em tais valores luta cotidianamente para que os mesmos se tornem realidade no mundo. Se não temos vida plena é porque a verdadeira vida está escondida com Cristo em Deus (cf. Cl 3, 3 – 4).


Tiago de França

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A missão


Dei-me conta de que a vida
Precisa ser vivida e anunciada,
Devido às ameaças que surgem
Das vis ações antrópicas impensadas.

Às vezes fico a pensar
Como Deus consegue suportar,
Ver o homem destruir o que é bom
E sua liberdade ter que respeitar.

Por outro lado penso também
Que Deus é bom e otimista,
Pois confia naquele que criou
Que na liberdade também pode ser artista.

Sendo Deus o grande autor da vida,
Que fez tudo e todos para o bem,
Com o homem faz a história acontecer
E no fim, o mal será vencido pelo bem.

Esta crença transforma-se em esperança
E alimenta uma utopia de viver,
Independentemente da realidade que se apresenta,
É preciso crer e viver.

Tendo Deus se revelado ao homem,
Em Jesus mostrou-se renovador
De um pacto que salva todo o gênero humano,
Pacto que se encerra na mensagem do amor.

E quem crer no Deus de Jesus Cristo
O Messias que se apresentou como Salvador,
Não pode fugir do sério e exigente compromisso
De viver e anunciar o mandamento do amor.


Tiago de França

domingo, 4 de outubro de 2009

Família, dom de Deus


Um dos dons mais preciosos que Deus concede à humanidade é a família. A humanidade em si é a grande família de seres humanos e dos filhos e filhas de Deus. Todas as sociedades humanas são formadas por famílias. A figura do pai, da mãe e dos filhos é universal. Em cada cultura a família se manifesta de maneira diferente. Os costumes e as culturas são muitas, mas em todo tempo e lugar, o homem e a mulher se juntam e tendo filhos dão continuidade à família humana na terra. Também em todas as épocas e culturas, a família tem enfrentado problemas que têm denegrido sua imagem e posto em risco sua identidade. A sociedade humana tem evoluído e nesta evolução têm surgido muitas forças e manifestações contrárias ao bem-estar da família, enquanto instituição integrante da sociedade. Resgatar o valor da família é algo urgente para nossos dias.

A Liturgia da Palavra deste XXVII Domingo do Tempo Comum tem como centro o encontro de Jesus com os fariseus e a discussão da indissolubilidade da união do homem e da mulher (cf. Mc 10, 2 – 16). Jesus é testado mais uma vez pelos fariseus, que colocam a lei de Moisés para ser analisada. A lei permitia a carta de divórcio por parte do esposo, caso este não quisesse mais viver com a esposa. Respondendo a questão, Jesus fala da dureza de coração dos antepassados deles. A dureza de coração levou Moisés a aplicar leis para a organização da comunidade, pois somente a aplicação severa da lei detinha a dureza de tais corações. Mais uma vez, Jesus rompe com a lei mosaica, aperfeiçoando-a. Jesus não concorda com a carta de divórcio dada pelo homem à mulher e recorda o que a Escritura ensina no Gênesis: mulher e homem criados à imagem e semelhança de Deus para serem uma só carne.

Foi Deus mesmo quem instituiu a união do homem e da mulher. Vendo que o homem não podia ficar só, criou a mulher para ser sua companheira. A mulher não foi criada como ser inferior ao homem. Ela não foi criada para ser serva do homem, mas para ser companheira. Isto significa que deve haver igualdade entre homem e mulher. O homem não é em nada superior à mulher. Os dois são filhos de Deus e devem possuir os mesmos direitos e deveres. O fato de se tornarem uma só carne já pressupõe igualdade, pois na unidade não existe alguém que seja superior e outro que seja inferior. A união que deve haver entre o homem e a mulher supera todo e qualquer espírito de indiferença. O homem é diferente da mulher e isto é natural. O que não pode ser tolerado são as indiferenças e desigualdades criadas na sociedade, devido às relações sociais equivocadas, geradoras de exclusão, discriminação e subalternização.

Em todas as sociedades, tanto civis como religiosas, a mulher sempre foi tratada com inferioridade. Isto se reflete no fato de a mulher ainda não ocupar o espaço a que tem direito. Infelizmente, os homens ainda são vistos como mais capacitados e tal visão lhes oferece melhores trabalhos e salários muito superiores aos das mulheres. A mulher ainda é tida como sexo frágil e sujeita do lar. Há uma idéia patriarcal que dita para as mulheres os lugares e funções que devem ocupar. As mulheres negras, pobres e analfabetas são as mais sofridas e vítimas de exclusões e preconceitos. A moda e a estética ensinam o que a mulher deve vestir, calçar e modificar. A idéia do “corpo sarado” virou ditadura: eliminação de gorduras, implantes de silicones e cirurgias plásticas tornam-se necessárias e naturais para as mulheres. Quem é tida como feia tem todos os meios possíveis para ficar bonita. Até os homens estão correspondendo a tal ditadura. A questão está em ser observado/a e desejado/a, não importando se é casado/a ou solteiro/a. Ver a beleza e desejar possuir o outro ou a beleza do outro se tornou algo natural. O importante é “está na moda!”

Alguns males afligem a família, tais como: adultério, alcoolismo, violência, desunião, falta de educação religiosa e moral, desemprego etc., são males que desumanizam e destroem a família. Tais males precisam ser pensados e enfrentados. A família precisa urgentemente ser priorizada na Igreja e na sociedade. Infelizmente, a Igreja demorou a priorizar a família. Penso que a família ainda não é prioridade, pois as preocupações da Igreja são outras. Aqui me recordo da experiência do Padre Henri Caffarel, sacerdote francês nascido em Lyon em 1903, fundador das Equipes de Nossa Senhora, Movimento voltado para a família. O Padre Henri Caffarel, que certamente foi enviado por Deus para fazer a Igreja pensar na causa da família e que se tornou um dos profetas do século XX, entendia que o matrimônio é o sacramento do amor e que deste amor brotam as demais vocações para a Igreja e para o mundo. Ele acabou com a indiferença que havia entre o sacerdócio ministerial, considerado de ordem superior e o matrimônio, até então considerado inferior. Padre Henri Caffarel falava em complementaridade entre ministério ordenado e matrimônio. Ele morreu em Troussures, França, em 1996, onde está enterrado. Morreu com fama de santidade e logo será proclamado santo pela Igreja.

O Gênesis nos revela que o casal está no cume da pirâmide da criação. A espiritualidade conjugal é algo extraordinário, porque compõe aquilo que é a Igreja, Esposa de Cristo. Tal espiritualidade nos faz compreender melhor o mistério de Cristo e da Igreja, pois Jesus tem uma relação marital com a Igreja Povo de Deus. Toda a Palavra de Deus é perpassada pela espiritualidade conjugal. A Igreja compreende a si mesma numa relação familiar em que o amor é a base de tudo. O amor de Deus se manifesta no amor dos esposos, porque a união do homem e da mulher é projeto de Deus para o gênero humano. A primeira relação humana instituída na Sagrada Escritura é uma relação conjugal (cf. Gn 2, 18 – 24). É da união do homem e da mulher que a vida humana surge como dom gratuito do amor de Deus que se manifesta na vida e na relação do casal. A compreensão e a contemplação deste grande mistério de amor santificaram o Padre Henri Caffarel, pois o fizeram viver com fidelidade e santidade os votos de castidade, pobreza e obediência. Assim falava o Papa Paulo VI a respeito do matrimônio: “O casal é o rosto sorridente e doce da Igreja”.

As relações sociais estão cada vez mais pautadas na violência, na mentira e nos interesses particulares. Isto é reflexo da situação de muitas famílias, que também vivem a relação conjunção do mesmo jeito, onde a violência, a mentira e os interesses pessoais falam mais alto do que o amor gratuito. A família precisa recuperar o espírito de verdadeira doação recíproca. Amor é doação. E toda doação exige renúncias. É o sacrificar-se para fazer feliz o/a outro/a. A felicidade conjugal consiste no redescobrir-se a cada dia no amor, a fim de que no amor e para o amor vivam para sempre. Somente o verdadeiro amor vivido no respeito e na entrega total de si é que sustenta a vida do casal. Isto é caminhar para a santidade. Esta há muito deixou de ser privilégio das pessoas virgens e celibatárias e se tornou dom universal que deve ser vivido por todos os batizados, seguidores de Jesus. O matrimônio é uma escola de santidade, pois assim como Jesus esteve no seio de uma família, nós também somos chamados a transfigurar a imagem e a situação da atual sociedade através da busca incessante da santidade na vida de nossas famílias.


Tiago de França

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face


O mês de outubro se inicia com a memória de uma das maiores santas da história da Igreja, Sainte Thérèse de l’Enfant-Jésus de la Sainte Face. Nasceu em Alençon (França) no dia 02 de janeiro de 1873. Com a permissão do Papa, Teresa ingressa no Mosteiro das Carmelitas de Lisieux aos quinze anos de idade. Seu nome de batismo é Maria Francisca Teresa Martin, filha do casal Zélia Martin e Luís Martin. Morreu santamente no dia 30 de setembro de 1897, aos vinte e quatro anos de idade, vítima da tuberculose. Em 1925, Santa Teresinha foi canonizada pela pelo Papa Pio XI e em 1997 foi declarada Doutora da Igreja pelo Papa João Paulo II.

A vocação de Santa Teresinha foi para a vida contemplativa. Ela sonhava em ser missionária, mas a doença não permitiu. Ela conseguiu ser uma missionária no espírito, pois se entregou à oração pela conversão dos pecadores e pelos missionários da Igreja, por isso foi proclamada padroeira das missões. Santa Teresinha tinha uma profunda visão da Igreja e a consciência clara de sua vocação missionária. Suas orações não eram alienadas, mas eram feitas em plena união com a realidade sofrida da Igreja de seu tempo.

Santa Teresinha faz parte do número das santas místicas da Igreja. Sua profunda comunhão com Deus por meio da oração e da vida ascética era algo extraordinário. Os escritos que deixou como riqueza espiritual a tornaram Doutora da Igreja. Era uma jovem santa de ensinamentos profundos, porque era apaixonada por Jesus e mantinha uma forte relação amorosa para com ele. O amor está na centralidade da mensagem de Santa Teresinha. Ela acreditava que pelo amor todos podem ser santos e salvos. O amor também faz parte da mensagem cristã e constitui o centro do Evangelho de Jesus.

O texto evangélico da liturgia da liturgia de hoje é Lc 10, 1 – 12, que narra o envio dos setenta e dois missionários, o anúncio do Reino de Deus e as recomendações de Jesus. A espiritualidade vivida pelo silêncio orante e pela clausura austera de Santa Teresinha estava em plena consonância com a espiritualidade missionária do seguimento de Jesus. E o amor vivido e ensinado pelo testemunho de Santa Teresinha é o conteúdo da Boa Nova que deve ser anunciada e a força necessária que o missionário precisa para a missão. Ela viveu as virtudes da humildade, simplicidade e da plena confiança em Deus.

Alguns pensamentos de Santa Teresinha merecem nossa reflexão, a fim de que possamos cultivar em nós a disponibilidade para a missão.

“Para mim acho que a perfeição é fácil de se praticar, porque compreendi que basta pegar Jesus pelo coração...”

A santidade é tida como um dos ideais cristãos. Jesus nos convidou à perfeição mesmo sabendo de nossas imperfeições. Santa Teresinha, desde muito jovem aspirava a santidade e declarava isto à comunidade. Todos percebiam a luta cotidiana dela na busca constante de viver segundo a vontade de Deus, pois era uma mulher totalmente mergulhada no mistério trinitário. A partir da leitura de seus escritos espirituais percebemos que ela conseguiu “pegar Jesus pelo coração” e tornou-se amiga do Filho de Deus. Os místicos são profundos amigos de Jesus, que se deixam enamorar-se por ele a tal ponto de uma entrega total da vida. Certamente, mais que tantas pessoas, Santa Teresinha conseguiu conhecer e amar Jesus bem de perto.

“Um só ato de amor nos fará conhecer melhor Jesus”.

São muitas as maneiras de que dispomos para conhecer a pessoa de Jesus: a leitura da Bíblia, a oração, pelos estudos teológicos etc., mas para Santa Teresinha, a melhor forma de conhecê-lo é pelo ato de amor. Este é a caridade afetiva e efetiva. Na prática do amor conhecemos melhor a pessoa de Jesus Cristo, porque ele mesmo nos revela Deus, que é amor. Jesus se deixa revelar quando amamos o nosso semelhante. Quem não vive a experiência do amor não pode conhecê-lo, nem participar de sua intimidade. Só pelo amor é que podemos ser amigos de Jesus.

“É preciso que o Espírito Santo seja a vida de teu coração”.

Na espiritualidade missionária é o Espírito Santo de Deus que nos faz missionários de Jesus e na vivência mística da fé é o mesmo Espírito que orienta o coração para a presença constante de Deus. É o Espírito que torna sensível a alma e o coração humano na relação íntima com Deus. O Espírito Santo sabe, sonda e revela todas as coisas. O apóstolo Paulo ensina que o Espírito Santo sonda as profundidades de Deus (cf. 1 Cor 2, 10), desta forma, Ele pode nos revelar o ser de Deus e em Deus podemos viver sem medo de sermos felizes. Este pensamento de Santa Teresinha ainda nos remete à situação de nosso coração, pois sendo o Espírito Santo a vida de nosso coração, então podemos ter um coração de carne, aberto e disponível para a vivência da vontade divina.

“Deus é mais terno que uma mãe”.

Sabemos que o amor de uma mãe muito se parece com o amor que Deus tem por cada um de nós. A mãe conhece mais do que ninguém as necessidades de seus filhos e busca socorrê-los sempre. Independentemente da situação ou comportamento dos filhos, a mãe ama intensamente a todos. Ela quer o bem de todos eles, pois são frutos de suas entranhas. A ternura e o amor de Deus por cada pessoa superam todo e qualquer sentimento humano. Deus é o único que nos ama incondicionalmente. Não importa se somos santos ou pecadores, Deus nos ama com a mesma intensidade de sempre. O amor de Deus é inesgotável, gratuito e incondicional. Santa Teresinha vivia mergulhada no mistério insondável do amor de Deus e procurou mostrar ao mundo que o amor é a via única da transformação pessoal e social. Se realmente colocarmos em prática o mandamento do amor, então teremos um mundo novo, um mundo de irmãos.

Fazer a memória de Santa Teresinha no início do Mês das Missões é recordar à Igreja que pelo batismo somos chamados à missão. É preciso insistir sempre na espiritualidade missionária e no nosso compromisso batismal. A Igreja se renova quando seus membros procuram viver a missão. Não há seguimento de Jesus fora da missão. Seguimento de Jesus e missão são inseparáveis e formam uma mesma coisa, ou seja, quando sigo a Jesus sou missionário e sou missionário quando sigo a Jesus. Quem não segue a Jesus não pode afirmar-se missionário. Que Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face ajude-nos com sua intercessão e que a seu exemplo aprendamos a ser contemplativos na ação.


Tiago de França