terça-feira, 13 de outubro de 2009

O jovem e a transformação social


“O segredo de ser jovem – mesmo quando os anos passam, deixando marcas no corpo –
é ter uma causa a que dedicar a vida”
(Dom Hélder Câmara).

Ultimamente, tive a oportunidade de estar conversando com alguns grupos de jovens e neste breve artigo quero partilhar algumas preocupações. Enquanto jovem confesso que estou preocupado com a situação dos jovens de nosso tempo. Quero destacar dois momentos: minha participação na exposição do filme Batismo de Sangue durante a XV Semana Teológica do ISTA - Instituto Santo Tomás de Aquino, em Belo Horizonte – MG, no dia 8 passado; e minha assessoria no VIII Encontrão Provincial da JMV - Juventude Marial Vicentina, em Barbacena – MG, nos dias 10 e 11 passados.

O filme Batismo de Sangue é baseado no livro homônimo de Frei Betto, originalmente lançado em 1983 e vencedor do prêmio Jabuti. O livro e o filme retratam os horrores do período da ditadura militar no Brasil. Não quero narrar o filme, nem fazer um comentário sobre o mesmo, apesar de necessário. Quero chamar a atenção para a ação transformadora da juventude universitária brasileira no período ditatorial. A maioria jovem da população brasileira das universidades era constituída por pessoas preocupadas com a situação do Brasil. Eram jovens que pensavam a realidade do país e não aceitavam a ditadura que reprimia e ameaçava a liberdade.

Os jovens se reuniam, dialogavam, planejavam ações, discutiam a temática da liberdade de ir e vir e de expressão; sonhavam com um mundo mais justo e fraterno. Eram jovens que sonhavam em ser alguma coisa no mundo e contribuir na construção de um outro mundo possível. Este sonhar e esta vontade de ser feliz os encorajavam a lutar até as últimas conseqüências. E foi a luta irrenunciável, corajosa e audaciosa dos jovens intelectuais que libertou o Brasil do regime militar. Ao assistir ao filme me senti motivado a continuar acreditando na possibilidade de melhoras em nosso país e no mundo, apesar dos contrastes e contradições vigentes.

Não temos mais ditadura militar. A vitória de governos oriundos do meio popular mostra muito bem que o povo latino-americano não aceita mais a volta da ditadura. Vivemos numa ditadura diferente e mais destrutiva do que a militar, trata-se da ditadura neoliberal. Nesta, as pessoas são livres para pensar e falar, mas não são livres para viver bem. A exclusão das massas pobres e desqualificadas é uma das marcas da ditadura neoliberal. Nesta, o exército e a polícia não prendem os cidadãos porque discordam com as políticas adotadas pelo governo, mas também não impedem o massacre de milhões de pessoas, principalmente jovens negros, analfabetos e pobres, vítimas da violência cotidiana. Violência que mata mais do que qualquer guerra instaurada no Oriente Médio. Violência que tem sua origem na miséria e na exclusão de muitos brasileiros. Minha tristeza e indignação é que os jovens, as maiores e principais vítimas de tal ditadura, não param para pensar na realidade que os oprime e mata.

Outro momento interessante foi o encontro que tive com pouco mais de cem jovens da JMV, em Barbacena – MG. O tema do Encontro foi: “JMV, vive o que és” e os assessores trabalharam a importante temática da identidade. Particularmente, senti que os jovens não estavam interessados em descobrir ou redescobrir sua identidade, enquanto pessoa e grupo JMV, salvo as exceções. Fui convidado para falar sobre identidade cristã. Antes de pensar ser alguma coisa na vida, é preciso pensar e ser cristão. Não canso de repetir que não adianta querer ser um bom padre, um bom profissional ou uma boa pessoa, sem antes não buscarmos ser cristãos. Se conseguirmos ser cristãos, conseqüentemente exerceremos bem nosso papel na sociedade.

Costumo dizer que na Igreja, antes de qualquer objetivo ou planejamento, precisamos de autênticos cristãos. Na atual conjuntura social e eclesiástica é preciso confessar que é quase impossível ser cristão. Quase impossível não quer dizer que é impossível, antes aponta para um desafio que, às vezes, se sobrepõe às nossas capacidades humanas. É aqui que entra o papel daquele que é o Emanuel, do Deus presente na história, que em Jesus se fez homem como nós e que nos mostrou o caminho que devemos seguir. No caminho de Jesus somos cristãos. Conhecer tal caminho, compreender a proposta do caminho e aceitá-lo, colocar-se nele e perseverar é a missão daquele que se identificou com Jesus e quer tornar-se cristão. Este processo ultrapassa a religião e pode ser vivido dentro ou fora dela.

O jovem de hoje não questiona e nem se deixa questionar. A música, o cinema e a arte quase que não retratam mais a realidade, pois são usadas para “anestesiar” a criatividade e o espírito crítico. São poucos os jovens que se preocupam em pensar na vida e sonham com um mundo diferente. Pensar e sonhar obriga-nos a agir. Se não temos ações transformadoras por parte de nossos jovens é porque eles pouco ou nada pensam sobre a realidade. Isto é muito grave, porque todos pregam que o futuro do país e da religião depende dos jovens, que serão os adultos de amanhã. A política, que tem o poder de transformar a realidade social quando é constituída por governos idôneos, verdadeiramente comprometidos com as causas sociais, não desperta o interesse de nossos jovens. São jovens politicamente desinteressados.

O interesse está no time de futebol, nas garotas “saradas” e garotos de brinco na orelha, no uso das drogas como fuga da realidade, nas novelas televisivas, nos jogos e filmes de ação, no celular de última geração, na moda e no corte de cabelo, nas baladas etc. Certamente isto faz parte da vida. A diversão e o lazer fazem parte da vida. O ser humano precisa explorar o lado lúdico da vida para viver bem. O problema está em colocar a diversão e o lazer como centro da vida cotidiana. Eu falava para uma jovem que trabalhava o dia todo e todas as noites participava de festas, que a vida exige seriedade e compromisso. Como o jovem pode construir seu futuro se ele pauta a sua vida na diversão? A diversão constrói o futuro? O prazer pelo prazer é algo verdadeiramente bom e construtivo? Não se trata de reprimir o prazer, pois faz parte de nós, mas de rever como estamos vivendo o prazer. Este deve contribuir para a nossa felicidade e não para a nossa destruição.

A Igreja e a Escola têm missão fundamental na vida dos jovens, pois devem ajudá-los a tomar consciência da realidade, a fim de que possam contribuir na construção de um mundo melhor. A Educação deve oferecer não somente conteúdo interdisciplinar, mas também realizar um eficiente trabalho de conscientização do jovem. A Igreja precisa levar o jovem a cultivar uma fé encarnada. Os grupos de jovens na Igreja atual estão voltados mais para a oração/louvor do que para a reflexão orante da realidade. Um louvor distante da realidade é alienante e escravizador, pois explora o lado emotivo do jovem crente levando-o a esquecer e até negar a realidade concreta da vida. A oração como fuga da realidade é algo perigoso e nocivo à fé cristã. O jovem precisa sonhar e lutar para que seus sonhos se realizem. Os jovens unidos, organizados e conscientizados podem mudar o rosto da Igreja e da sociedade. Isto é possível!


Tiago de França

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