domingo, 18 de outubro de 2009

O poder e o serviço fraterno


“Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam.
Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo;
e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos”
(Mc 10, 42 – 44).

As primeiras palavras desta citação evangélica demonstram muito bem que Jesus estava consciente da maneira como o poder era exercido pelos chefes e governantes das nações de seu tempo. Os verbos oprimir e tiranizar traduzem para todas as épocas a maneira como os governantes se comportaram ao longo da história. As análises sociológicas da história humana provam que o homem sempre se utilizou do poder para oprimir seu semelhante. O homem é vítima das relações de poder que constrói. O poder pressupõe a relação de um que manda e de outro que obedece. No exercício do poder humano há os que dirigem e os que são dirigidos, os superiores e os subalternos, os que controlam e os que são controlados, os que são livres e os que são escravos. Quando Jesus veio a este mundo, o regime político era o da monarquia. Tudo convergia para o poder real, até a religião. Esta servia e até hoje, em certos aspectos serve, para legitimar o poder imperial. Em nome de Deus, o rei devia governar a todos e todos deviam obedecer aos decretos imperiais. Quando Constantino resolveu reconhecer o Cristianismo e torná-lo religião oficial do Império, certamente pensava neste sentido.

E Jesus diz: “Mas, entre vós, não deve ser assim”. Este não deve ser precisa ser considerado na prática. Este entre vós pressupõe um lugar. Entre os cristãos é, certamente, o lugar. Entre aqueles que se colocaram no caminho de Jesus, não deve existir o poder como forma de opressão. Radicalmente, poderíamos interpretar da seguinte forma: Não deve haver relações de poder entre nós, partindo da compreensão de que no caminho de Jesus todos são iguais. O Evangelho mostra ser este o propósito de Jesus: que todos sejam iguais perante Deus. Mesmo que não sejamos iguais entre nós, mas Deus nos olha a partir daquilo que Jesus anunciou, pois ele não falou por si, mas comunicou-nos tudo conforme a vontade de Deus Pai. Considerando Deus como Criador de todas as coisas, não criou os homens hierarquizados. Mulher e homem foram criados à imagem e semelhança de Deus e esta imagem e semelhança não supõem superioridade de um em relação ao outro, mas igualdade plena.

Jesus, com sua palavra e exemplo, ensinou-nos a sermos irmãos uns dos outros. Ensinou-nos que somos uma só família, de filhos e filhas de um mesmo Pai. Por meio de Jesus nos tornamos filhos de Deus e podemos chamá-lo pelo nome de Pai. Crendo que Deus é nosso Pai, logo somos irmãos. E se somos irmãos em Cristo Jesus, não pode haver opressão entre nós, porque não há relação autenticamente fraterna onde há opressão entre os irmãos. Como posso ser irmão de meu semelhante se o oprimo? Toda opressão quebra a relação fraterna entre nós, quebra-se a fraternidade. Se não temos fraternidade entre nós é porque em nossas relações nos oprimimos mutuamente, não vivemos a comum-unidade.

Depois que o Cristianismo se institucionalizou, o poder surgiu na Comunidade cristã e a ameaça constantemente. O poder ameaça a comum-unidade porque o homem ainda não aprendeu a lidar com o poder. Há no homem uma tendência para a opressão no exercício do poder, tanto na sociedade civil quanto na comunidade eclesial. Com a institucionalização, há na comunidade cristã pessoas tidas como superioras às outras. Confere-se um poder em nome de Deus com a finalidade de organizar a vida eclesial. Criam-se leis para a organização jurídica e institucional, mas terminam por se aproveitarem do poder e das leis para tirar a liberdade dos filhos de Deus. Na medida em que o tempo passa e o homem evolui, na sua maneira de pensar e agir, vão se criando novas formas de poder e novas leis. Algumas melhores, pois influenciam menos na liberdade das pessoas; outras piores porque oprimem explicitamente e sem piedade.

O teólogo José Comblin ensina que o Evangelho de Jesus é o da liberdade. A citação evangélica acima mostra que Jesus é totalmente contra todo tipo de opressão. O contrário da opressão é a liberdade. Toda a Sagrada Escritura se resume na presença amorosa de Deus junto a seu povo na luta pela liberdade. Desde o ato criador, no qual Deus criou o ser humano livre até a mensagem apocalíptica, a liberdade é o eixo norteador da ação divina no ser humano e no mundo. Fiel à vontade de Deus, Jesus dá continuidade ao processo de libertação iniciado no Antigo Testamento, pois em Jesus a mensagem libertadora do Deus da vida tem a sua plenitude.

O serviço aos irmãos é a saída que Jesus propõe para o fim do exercício do poder opressor. A partir de Jesus e de seu Evangelho, quem quiser ser grande deve servir à comunidade; quem quiser ser o primeiro deve tornar-se escravo de todos. Com isto, Jesus inverte tudo e transforma o poder em serviço. Desta forma, quem não quiser servir, denuncia-se a si próprio como opressor. Todo aquele que exerce o poder e se recusa a servir, pode ser considerado opressor. Na Igreja, isto vale primeiramente para a hierarquia constituída, sendo o Papa aquele que exerce maior autoridade jurídica na ordem hierárquica. O serviço deve fazer parte da vida de todos os que exercem poder eclesiástico: diácono, padre, bispo e papa. Claro que não estão de fora os cônegos, arcebispos, monsenhores, cardeais, secretários e prefeitos de Estado etc. com seus títulos e honras. Sem o serviço, todo e qualquer ministério na Igreja é inválido diante do Evangelho da liberdade. Nas comunidades cristãs, as demais lideranças comunitárias também são chamadas a servir na liberdade, para que seus ofícios não sejam invalidados diante do Senhor da vida que nos chamou à caridade fraterna.

Depois da realização do Concílio Vaticano II, deu-se início na Igreja o processo de descentralização do poder. O padre deixou de ser o homem mais importante da comunidade e passou a partilhar seu poder com os conselhos pastoral e econômico. As decisões passaram a ser tomadas em comunidade. É verdade que ainda há resistências por parte de muitos padres, que dando oportunidade ao leigo para participar das tomadas de decisões pensam que estão perdendo o poder. Desta maneira, revelam-se apegados ao mesmo e isto é contrário à essência do sacramento da Ordem. Há leigos que, acostumados à cultura antiga da submissão ao padre, também não aceitam participar das tomadas de decisões vivenciando um saudosismo doentio.

Precisamos tomar consciência da necessidade de colocarmos em prática a mensagem do Concílio Vaticano II: a construção de uma Igreja pautada na comunhão e na participação. Não vale aparência de comunhão e participação, mas vivência concreta do amor-serviço na construção do Reino. É caminhando na humildade e simplicidade, na justiça e no amor, que teremos uma Igreja mais humana e mais povo, pois somente assim haveremos de construir um mundo de irmãos, onde nossa lei será o amor e Deus será tudo em todos.


Tiago de França

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