segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A morte na poesia


A morte, sem dúvida, também é um tema, objeto de pesquisas e preocupações. Negá-la como fato é difícil. Admitir as perplexidades que a cercam é quase uma virtude, principalmente amparada pelo equilíbrio mental. Querer fugir à realidade de que, ainda, ela assusta, é arriscado intelectualmente.

A morte amedronta? Meu velho tio, brincando, sempre dizia que: "Se a morte é descanso, prefiro viver cansado." A gente ria, mas no fundo aprendeu-se. Já na minha juventude, lia muito poesia e encontrei muitos versos dedicados à morte. Diversos os conceitos, variadas as posições frente à temática. Mas, percebi que, de fato, a morte é, existe e representa, sim, a única e definitiva certeza da vida. Já muitos o disseram.

Gostava do "Poeta do hediondo", o nosso Augusto dos Anjos que, no célebre soneto com esse título, confessou:

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!

Quando me decidi a examinar o tema, vi-me assustado. Lembrei-me de um chiste de Woody Allen, que colhi em Dicionário de Pensamentos, muito interessante:

Não que eu esteja
com medo de morrer.
Apenas não queria estar lá
quando isso acontecesse.

Brincadeira séria, reflete mais ou menos a maioria dos seres vivos quanto à Morte. Quevedo, também, oscila em seis versos significativos:

O que chamais de morrer
é acabar de morrer
E o que chamais nascer
é começar e morrer
E o que chamais viver
É morrer vivendo.

Gostei de esgrimir com a morte. Senti-a, às vezes, amedrontadora. Outras vezes, convidativa. Outras, ainda, repulsiva e indesejável. Quase sempre a senti um pouco misteriosa, assim como se pouco sabida, pouco entendida e pouco explicada. Daí ter me inclinado a examiná-la em relação à Poesia. Os poetas, como sempre, falam bonito das coisas. Adivinham, têm olhos cismadores, fantasiam, acalmam, afastam o medo e a depressão. Com a morte eu bem senti isso. E caminhei. Não sei se cheguei...
O que é a morte?
São Paulo decifrou-a:
"A morte é passagem para a vida definitiva". (2 Coríntios, 4, 16-18 e 5, 1-10)

Eurípedes, o trágico poeta grego, já refletia indeciso por volta de 480 a.C.:

Morrer deve ser como não haver nascido
e a morte talvez seja melhor até que a vida
de dor e mágoas, pois não sofre
quem não tem a sensação dos males.

Fernando Pessoa considerava a morte um "enigma" e falou disso em seus versos:

O que é a vida e o que é a morte
Ninguém sabe ou saberá
Aqui onde a vida e a sorte
Movem as cousas que há
Mas, seja o que for o enigma
De haver qualquer cousa aqui
Terá de mim o próprio estigma
Da sombra em que eu vivi.

Omar Khayyam falou da morte com restrição até à vida:

Não temo a morte: prefiro
esse fato inelutável
ao outro que me foi imposto
no dia do meu nascimento.
Que é a vida?
Um bem que me confiaram
sem me consultar
e que restituirei
com indiferença

Os dicionaristas tratam-na como um fato: "É a cessação completa e definida de vida de um homem, de um animal ou de um vegetal" (Delta Larousse); "o ato de morrer; o fim da vida animal ou vegetal" (Aurélio). Jânio Quadros amplia: "O fim da vida animal ou vegetal; cessação da vida; ação de morrer; termo; fim; destruição; acabamento." Seguem exatamente as mesmas linhas, ainda, os Dicionários da Academia Brasileira de Letras, Melhoramentos e Caldas Aulete. A morte no Oxford Universal Dictionary não difere também: "Death: the act or fact of dying; the final cessation of the vital functions of an animal or plant" (Morte: o ato ou fato de morrer; a final cessação das funções vitais de um animal ou vegetal).

Sob o ângulo médico-jurídico, a coisa se complica. Morte, real ou aparente? Existem os sinais clínicos clássicos e as provas pactognômicas para a certeza da morte? Estão presentes as funções vitais do ser alguma delas? A "fácies cadavérica, a imobilidade e o relaxamento dos esfíncteres" surgiram? A morte é cerebral ou cardíaca?
Sob o ângulo religioso, são igualmente inúmeras as perplexidades? Morreu, acabou? A morte é o fim? Existe a vida depois da morte? Existe a Vida Eterna? O limiar da morte é científico? Que diz a Filosofia sobre a morte, os conceitos de alma, espírito, etc.?

Um verdadeiro Universo, talvez inalcançável...
Depois dessas considerações, voltei rápido à Poesia. A morte fica até um pouco mais bonita, mais desejada, mais compreensível, mais aceitável. Surgiu, então, outra perplexidade. Foram tantos os poemas, sonetos, trovas, textos e abordagens dos poetas sobre a morte que eu me vi obrigado a adotar critérios. Mas, quais? São tão imensos os poetas e são belos e sugestivos tantos trabalhos... Daí porque me antecipo em apresentar escusas se esqueci alguém mais importante dos que eu citei entre os poetas e os poemas a respeito da Parca, às vezes maldita e às vezes, quase sempre, abençoada. Afinal, a morte é também "coisa de Deus".

A morte para os poetas

Augusto dos Anjos tem um soneto em que não fala da morte, mas de quem cuida, um pouco, de sua fase terminal. São os "Versos a um coveiro", um soneto cru, cruel e realisticamente macabro e assustador. É o lado triste da morte:

Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!
Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!
Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais:
Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números
A tua conta não acaba mais!

Castro Alves pedia, profético:

Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto,
Como o viajante desse hotel funéreo.

Oliveira Ribeiro Neto é consciente do poder irreparável da morte:

Pois nada vale esforço, luto e choro,
serão todos cantores do seu coro,
que só não muda e se transforma em nada
a sempiterna de olhos de safira,
potente, alada e lúbrica mentira
pelo sonho dos homens sustentada.

Emílio de Menezes, o satírico, o humorista do verso, fala assim, e tão bem, da morte:

Vai, sacrílega, a morte, em sempiterna ronda
A ceifar e a espalhar o horror e o sacrilégio.
— Quem há que ao seu apelo, acaso não responda,
Seja espírito escasso ou pensador egrégio?

É uma alma juvenil? Ela, em volúpia, a sonda...
É um sábio? Ela o envenena em letal sortilégio...
É um artista? Ela o chama e erguendo a destra hedionda
Ao mundo inteiro impõe o seu domínio régio.

E é bem conhecido o magistral soneto de Francisco Otaviano, mais ou menos na esteira da Hamlet, ao filosofar via Shakespeare, a respeito da morte:

Morrer, dormir, não mais: termina a vida
E com ela terminam nossas dores,
Um punhado de terra, algumas flores
E às vezes uma lágrima fingida.
Sim, minha morte não será sentida,
Não deixo amigos e nem tive amores!
Ou se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.
Tudo é pobre no mundo; que me importa
Que ele amanhã se esb’roe e que desabe
Se a natureza para mim está morta!
É tempo já que o meu exílio acabe;
Vem, pois, ó morte, ao nada me transporta!
Morrer, dormir, talvez sonhar, quem sabe?

Goethe é menos incisivo:

A Morte é uma impossibilidade
que, de repente,
se torna realidade.

Nosso beato José de Anchieta, nosso quase primeiro Santo, tem um sugestivo poema sobre a Morte, chamado "Como vem guerreira":

Como vem guerreira
a morte espantosa,
como vem guerreira
e temerosa!
Suas armas são doença,
com que a todos acomete;
por qualquer lugar se mete,
sem nunca pedir licença
[...]
Por muito poder que tenha,
ninguém pode resistir;
dá mil voltas sem sentir,
mais ligeira que uma azenha,
quando Deus manda que venha
[...]
A uns caça quando comem,
sem que engulam o bocado;
outros mata no pecado,
sem que gosto nele tomem,
quando menos teme o homem
[...]
A ninguém quer dar aviso,
porque vem como ladrão;
[...]
Quando esperas de viver
longa vida, mui contente,
ela entra, de repente,
sem deixar-te perceber,
quando mostra seu poder
a morte espantosa.
Como vem guerreira
e temerosa.

Até aqui, versos tristonhos, pessimistas como se a morte fosse a tragédia (que é?). Há poetas, contudo, capazes de minimizar a crueza do tema.

Metastásio, por exemplo:

Não é verdade que a morte
é o pior de todos os males,
é um alívio dos mortais
que estão cansados de sofrer.

Bocage fala da "Morte dos tristes":

Ah! Só deve agradar-lhe a sepultura,
Que a vida para os tristes é desgraça,
A morte para os tristes é ventura!

Baudelaire fala da "Morte dos pobres":

É um anjo que segura em seus dedos magnéticos
O sono e mais o dom dos êxtases mais poéticos,
Que sempre arruma o leito aos pobres...

Uma curiosa e bem-humorada observação de Sofocleto nesse particular:

Os que mais morrem
são os que não têm onde cair mortos.

Nessa linha quase humorística, há uns versos de Homero, na sua Ilíada:

Eia, meu amigo, morre tu também!
Por que lamentas a sorte?
Também morreu Pátroclos, que valia
muito mais que tu!

E Nabokov sofisma:

Um silogismo:
os outros morrem.
Mas eu não sou outro;
assim, não morrerei.

E uma historinha inglesa sobre um inglês, igual a tantos:

Nasceu numa segunda
Batizou-se numa terça
Casou-se numa quarta
Adoeceu numa quinta
Piorou numa sexta
Morreu num sábado
Enterrou-se no domingo

E este foi o fim de Solomon Grundy.

Há lindos poemas e sonetos sobre a morte. Repito apenas algumas preciosidades, às vezes sem dizê-los inteiros. Cruz e Souza, por exemplo, nosso grande simbolista, que tanto cultuou a morte:

Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Dever cumprido!
Nem o mais leve, nem um só gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.
Morre com a alma leal, clarividente,
Da Crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus brandindo
Como um gládio soberbo e refulgente.

O excelso e efêmero Casimiro de Abreu:

Que tem a Morte de feia?
Branca virgem dos amores
Toucada de muitas flores
Um longo sono nos traz;
E o triste que em dor anseia
— talvez morto de cansaço —
vai dormir no seu regaço
como num clausuro de paz.

Nosso confrade Expedito Ramalho de Alencar é sucinto e objetivo, em sua clara análise da Morte no precioso Dicionário poético de sua lavra:

Morte
Término da vida, cessação
De funções orgânicas vitais.
Um nada, vazio, escuridão,
Sumiço d’amigos e rivais.
Desaparecimento do ser.
A negação do querido ente.
Eliminação do pretender
Ter existência permanente.

Há os poetas que brindam a Senhora Dona Morte com versos exaltativos, brilhantes como seus suas autores, quase cadinho de otimismo no enfrentamento desse enigma, dessa interrogação eterna, desse mistério às vezes até bonito, apesar de tantas perplexidades.

Por exemplo, o grande Vinícius de Morais

A morte vem de longe
Do fundo dos céus
Vem para os meus olhos
Virá para os teus
Desce das estrelas
Das brancas estrelas
As loucas estrelas
Trânsfugas de Deus
Chega impressentida
Nunca esperada
Ela que é na vida
a grande esperada!
A desesperada
Do amor fratricida
Dos homens, ai! dos homens
Que matam a morte
Por medo da vida!

Ou a nossa Arita Damasceno Pettená, espargindo confiança e tranqüilidade:

Quando em mim tudo for silêncio
e a própria via esvair-se
nas esteiras das águas flutuantes,
hei de buscar, no primeiro ancoradouro,
o porto seguro para meus sonhos todos.
Que importa que haja ondas revoltas,
ameaçando um casco acorrentando.
Quero respirar, no último momento,
a esperança diluindo-se em espumas,
espumas desmanchando-se em esperanças.

Ou a maravilhosa sonetista Florbela Espanca, autora de tantas belezas de sofrimento e paixão:

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce lago
E, como uma raiz, sereno e forte.
Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má morte.
Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!
Vim da Moirama, sou filha de rei,
má fada me encantou e aqui fiquei
à tua espera... quebra-me o encanto!

Ou essa jovenzinha tão precocemente roubada (se Deus for capaz de roubar alguém...) antes dos 20 anos à Poesia pátria, Sylvia Celeste de Campos, tão talentosa:

Morrer... Não sonhar mais. Esquecer minha vida
Tão triste, tão vazia...
Nunca mais ver o fim de uma ilusão querida...
Não pensar na tristeza ou na alegria...
Não viver, nunca mais, de uma linda esperança:
Ser para alguém, um dia, um tesouro encantado...
E em paz há de ficar um coração de criança,
Que sofreu e que amou, sem nunca ser amado...

E o nosso incomensurável Guilherme de Almeida, nosso Príncipe por eleição popular, o mágico do verso e das rimas, neste maravilhoso e quase entusiasmante poema:

Uma sombra perpassa, toda vagarosa,
pelo campo amargo do acônito e cicuta.
Ela abre largas asas de carvão e oculta
um corpo cor de medo na veste ondulosa.
Todo o seu grande ser, belo como um lenda,
tem perfumes subterrâneos de argila e avenca.
Nas suas mãos frias e embalsamadas de óleos
há dez unhas agudas que vazam os olhos.
Ela traz asfódelos e heléboros bravos
em torno dos cabelos negros como víboras.
Ela ri sempre: e o seu riso de dentes alvos
brilha como um punhal mordido entre as mandíbulas.
Os homens fortes sorriem quando ela chega:
os poetas, à sombra ilustre da árvore grega;
os heróis, sob as asas de ouro da vitória.
— Porque ela talha as estátuas e a engendra a glória!

Ou este grito ainda juvenil de um poeta novo, com seu primeiro livro de poemas, Pedaços de mim, Fernando Gigliotti Paschoal, campineiro, mas olimpiense de adoção:

Morte que me estremece
Me olhe com suas promessas
Troque meu medo pelo prazer
Me faça viver de verdade
Morte de tantas vozes
Tantos desenhos, tantas cores
Morte louca, morte rouca
Morte de platina
Venha me livrar da agonia
Morte traga-me a imunidade
Livra-me da doença do mundo
Quero dormir ao seu lado.

E muitos outros. Rimbaud, Hugo, Byron, Shelley, Sêneca, Sófocles, Platão, Virgílio, Horácio, Petrarca, Montaigne, La Fontaine, Salomão Jorge, aliás autor de um famoso e belo livro chamado Estética da morte, Tagore, Unamuno, Paul Valery, Maurois, Murilo Araújo, Mário Quintana, Renata Pallottini, Hilda Hilst, quase todos, em algum momento, estiveram pensando e ensinando, em sua linguagem de sonho, o que é a morte.

Antes de encerrar, contudo, não me privo do prazer de ler um poema de Manuel Bandeira, religioso e humilde e pleno de ternura:

Fiz tantos versos a Teresinha...
Versos tão tristes, nunca se viu!
Pedi-lhe coisas. O que eu pedia
Era tão pouco! Não era glória...
Nem era amores... Nem foi dinheiro...
Pedia apenas mais alegria:
Santa Teresa nunca me ouviu!
Para outras Santas voltei os olhos.
Porém as Santas são impassíveis
Como as mulheres que me enganaram.
Desenganei-me das outras Santas
(Pedi a muitas, rezei a tantas)
Até que um dia me apresentaram
A Santa Rita dos Impossíveis.
Fui despachado de mãos vazias!
Dei volta ao mundo, tentei a sorte.
Nem alegrias mais peço agora,
Que eu sei o avesso das alegrias.
Tudo o que viesse, viria tarde!
O que na vida procurei sempre
— Meus impossíveis de Santa Rita —
Dar-me-eis um dia, não é verdade?
Nossa Senhora da Boa Morte!

Castro Alves, aqui e lá.
Castro Alves, o condoreiro, nosso maior poeta épico, romântico na vida e na morte, foi meu maior companheiro de juventude. Li-o e reli-o dezenas, centenas de vezes em alguns poemas e caminha comigo, em sua vida e obra, desde meus mais tenros anos.

Por isso o escolhi para uma última observação, centrada na existência de poesias psicografadas por privilegiadas pessoas, que são publicadas geralmente para angariar fundos para sustentação de trabalhos sociais. Gostaria de apresentar à sua paciência, ainda, trechos do poema "Mocidade e morte", escrito em vida pelo vate, e do poema "A morte", psicografado por Francisco Cândido Xavier, o famoso Chico Xavier que foi já, parece-me candidato, ou candidato a candidato ao Nobel da Paz.

Eis o trecho de Castro Alves, vivo:

Morrer – é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
Condenado – escutar dobres de sino,
– Voz da Morte, que a morte lhe lamenta –
Ai! morrer – é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher – no visco
de larva infame do sepulcro fundo.
Ver tudo findo... só na lousa um nome,
Que o viandante a perpassar consome.
Eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
um mal terrível me devora a vida:
[...]
E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
Quando a sede e o desejo em nós palpita...
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínico da vida – novo Tântalo –
O vinho do viver ante mim passa.
Sou dos convivas da legenda hebraica,
O estilete de Deus quebra-me a taça.
É que até a minha sombra é inexorável,
Morrer! Morrer! Soluça-me implacável!

E do lado de lá teria feito esta bela poesia, inserta no livro Parnaso do além túmulo, de Chico Xavier:

No extremo pólo da vida
Diz a Morte: — "Humanidade,
Sou a espada da Verdade
e o Têmis do mundo sou;
Sou balança do destino,
O fiel desconhecido,
Lanço Cômodo no olvido
e aureolo a fronte de Hugo!
O cronômetro dos séculos
Não me torna envelhecida;
Sou morte — origem da vida,
Prêmio ou gládio vingador.
Sou anjo dos desgraçados
Que seguem na Terra errantes,
Desnorteados viajantes
Dos Niágaras da dor!
Também sou braço potente
Dos déspotas e opressores,
Que trazem os sofredores
No jugo da escravidão;
Aos bons sou compensação,
Consolo e alívio aos precitos,
E nos maus aumento os gritos
De dores e maldição.
Sepultura do presente,
Do porvir sou plenitude,
Da alegria sou saúde
E do remorso o amargor.
Sou águia libertadora
Que abre, sobre as descrenças,
O manto das trevas densas
E sobre a crença o esplendor.
Desde as eras mais remotas
Coso láureas e mortalhas,
E sobre a dor das batalhas
Minha asa sempre pairou;
Meu verbo é a lei da Justiça,
Meu sonho é a evolução;
Meu braço a revolução,
Austerlitz e Waterloo.
Homem, ouve-me; se às vezes
Simbolizo a guilhotina,
Minha mão abre a cortina
Que torna o mistério em luz;
E por trabalhar com Deus,
Na absoluta equidade,
Sou prisão ou liberdade,
Nova aurora ou nova cruz".
Quid inde?!...

Conclusão

Desculpem-me, se os cansei. Embora algo tormentoso, o tema é apaixonante. E são belas as poesias de tantos poetas que foi difícil extirpar alguns, que talvez até merecessem mais. Contudo, foi um problema de tempo e escolha.
Uma conclusão apenas se me oferece. A morte continua um mistério, apesar das revelações aos homens e mulheres que a buscam entender. Assim, o que depois dela vier, a mim ainda parece uma questão de fé. Aprendi criança, ainda os seie os tenho presentes em cada dia de minha vida na Terra. São princípios, verdades religiosas em que, verdadeiras ou não, acredito. Estão no final da oração do "Credo", básica para a minha crença:

Creio no Espírito Santo,
na Santa Igreja Católica,
na Comunhão dos Santos
na Remissão dos Pecados,
na Ressurreição da Carne,
na Vida Eterna.
Amém.

Questão de crença e de fé, claro. Respeito e procuro entender todas as questões assemelhadas que existem mas resguardo a minha com amor e confiança.
Para terminar, um pequeno poema que fiz no fim desta agradável viagem por territórios muito pouco percorridos.

A morte, essa descrença
enganosa, esse medo
conosco no nascimento,
quase crônica doença,
perde todo o seu segredo
só quando chega o momento
de com ela conviver.
Parece, então, corriqueira,
a Verdade verdadeira
do seu lugar neste mundo:
— Não é feia, indesejada,
não se ama nem se odeia!
É um conselho fecundo
e mais uma companheira
conosco junto, na estrada
que às vezes cansa ou enleia!
Ah! a morte!
É ponte, meio ou passagem
onde termina a viagem
por estes páramos plebeus.
Para os bons, é a certeza
do encontro da realeza
no doce aconchego de Deus.

Obrigado.

(O texto do poeta e escritor Alcy Gigliotti recolhe as reflexões de vários poetas e pensadores sobre o tema morte. O lírico e o mórbido se unem nas poesias de todos os tempos).

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