segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido


Paulo Freire, educador brasileiro e considerado cientista da educação, escreveu a obra Pedagogia da Esperança, que considerada como um “re-dizer” e um reencontro com a Pedagogia do Oprimido, obra escrita e publicada por ele em 1967. Trata-se de releitura crítica onde o autor se reencontra com o primeiro texto. Ele reler a partir das transformações que se dão na realidade e a partir também das críticas recebidas por aqueles que não entenderam a Pedagogia do Oprimido ou discordaram dela.

A centralidade da proposta educacional de Paulo Freire está na ligação que ele faz da educação com a transformação da sociedade. Ele defende a idéia de que a educação tem um papel importantíssimo com o processo de libertação da pessoa humana. Partindo da idéia de que vivemos num estado de opressão constante, os sujeitos que promovem a educação devem utilizá-la como instrumento eficaz de transformação.

A Pedagogia da Esperança se apresenta como um aprofundamento da obra anterior, a que faz referência durante todo o texto. Ele reafirma as primeiras convicções, buscando responder com mais clareza os pontos principais e relevantes. A pedagogia construída por Paulo Freira é uma pedagogia que se constrói a partir da realidade das massas oprimidas. Por isso, ele defende a idéia de que a realidade sofrida das massas é o lugar da construção do saber popular. Um saber que tem cientificidade, mas que está intimamente ligado com a praticidade da vida comum do povo simples.

Ele fala que a esperança é uma “necessidade ontológica” do ser humano. Este precisa da esperança e do sonho para viver e construir um mundo melhor. A educação tradicionalista (pragmática) não leva em consideração o sonho e a esperança; antes, desmerece plenamente o autêntico sentido e valor de ambos, anulando assim a possibilidade do conhecimento transformador. A educação pragmatista promove a adequação do sujeito à ordem social, ou seja, simplesmente ajuda o sujeito a se conformar com aquilo que está estabelecido.

Não se trata de qualquer esperança, mas de uma “esperança crítica”, ou seja, uma esperança que não torna a pessoa estática (paralisada, alienada no tempo), mas que leva para a ação. É uma esperança não-saudosista, uma esperança que faz a pessoa enxergar o opressor “fora de si”, levando-a, ainda, a reinventar a própria realidade e reconfigurar a vida. Desta forma, a educação é como que um “motor” de transformação social, mas que sozinha não pode transformar. A transformação só é possível quando a educação está atrelada à prática política do sujeito. Aqui entra o aspecto da democratização da escola pública, do ensino e de todo o processo ensino-aprendizagem.

A escola precisa falar para o mundo e não para si mesma. Ela precisa levar a pessoa a entender a palavra, mas antes desta, o mundo que o circunda. Ele diz enfaticamente que “a leitura do mundo é anterior à leitura da palavra”, por isso, que no seu método, Paulo Freire defende uma leitura do mundo do estudante, antes de levá-lo ao encontro do puro saber teórico. A realidade crua e nua precisa ser enfrentada pelo educando, que auxiliado pelo educador aprende a fazer uma leitura da realidade pelo viéis da esperança. Esta o leva a superar aquilo que Paulo Freire chama de “situações-limite”.

Ele também fala da importância da linguagem e defende a idéia de que esta é o caminho para a invenção da cidadania. A linguagem tem um papel muito importante na história, pois ela consegue formular e desmascarar as ideologias opressoras e alienantes. O educando, chamado a ser sujeito cognoscente, é um ser de linguagem. A linguagem proporciona a compreensão do pensar e este é chamado a repensar o homem também como ser relacional.
A obra fala ainda da superação dos sectarismos através do ato de educar. Só que não é qualquer ato educacional, mas o ato de educar politicamente. A importância política do ato de educar leva o educando a assumir-se a si mesmo como indivíduo e como classe, libertando-o do “medo da liberdade”. O papel do educador neste processo é de extrema importância, pois a prática educativa que leva em conta o espírito político ou o sujeito como ser social e política é uma prática que também considera o “senso comum” como fonte de saber, pois este revela o que povo pensa e faz, revela a realidade do povo.

Paulo Freire explica ainda o ato de ensinar. O que é ensinar, segundo ele? A resposta é simples: “Ensinar é um ato criador, um ato crítico, não mecânico”. O ato criador de ensinar revela que o educador não pode pensar que é o sabedor de todas as coisas ou que ele leva o saber aos educandos. Isto é pragmatismo. O educador precisa entender que o educando tem um saber a oferecer, pois este não é uma “tábua rasa”, vazia, sem conteúdo. A educação conteudista pensa justamente isto: pensa que o educando não sabe de nada e que veio à escola somente para aprender.

O ato crítico de ensinar revela que toda realidade precisa se compreendida. Nada ocorre por acaso. Tudo tem lugar, personagem, destinatários, causas. Assim, o educador precisa levar o educando a “desconfiar” das coisas tais como se apresentam, pois não há compreensão da realidade sem uma prévia compreensão. O olhar crítico do educando não é o olhar crítico do educador, ou seja, o educando não pode pensar ou ser induzido a pensar conforme o educador. Isto é enquadramento. O educando precisa ser despertado para o pensar e neste encontro fazer o confronto da teoria com a prática social.

Quando o educando pensa sua realidade e a realidade do mundo, tal como este se organiza e funciona, com sua dialética e seus sistemas elaborados, também passar a compreender a história como possibilidade. A história não está pronta, mas é constantemente construída pelos sujeitos sociais e históricos. Nesta construção a luta entra como categoria histórica. Paulo Freire ensina que “é preciso transformar a vida em existência”. Nós existimos. Nós somos. Eu não sou e você não é, mas nos construímos em sociedade. Ele diz a este respeito o seguinte: “Não sou se proíbo você de ser”.

Finalmente, ele fala sobre o medo na vida do oprimido. O medo “paralisa” o oprimido diante do opressor e da opressão. É justamente diante do significado do medo paralisante que ele reforça o conceito de esperança, como elemento fundamental para se recuperar a utopia como sonho possível. O medo é vencido pela esperança que move o ser humano para a luta incansável de um futuro melhor. A leitura crítica da Pedagogia da Esperança nos faz repensar o projeto educacional brasileiro. Trata-se de uma leitura que nos leva a repensar o conceito e o método educacional. Esta magnífica obra de Paulo Freire denuncia a falta de prioridade dos governos brasileiros no que refere à educação de sua gente. Fora da educação libertadora não temos sujeitos conscientes nem transformadores.

Tiago de França

Referência bibliográfica

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 245 p.

Obs.: Esta resenha crítica foi apresentada à disciplina de Didática II do Curso de Licenciatura em Filosofia no Instituto Santo Tomás de Aquino.

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