segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A encarnação do Verbo de Deus e a conversão


No dia 25 de dezembro de cada ano celebramos o Natal de Jesus. Ninguém sabe da data do nascimento de Jesus. Isto significa que o Natal que celebramos não é a festa do aniversário de Jesus. Reduzir o mistério da noite natalina a uma festa de aniversário é desconhecer o verdadeiro sentido do Natal. Além dos que confundem o Natal com o aniversário de Jesus encontramos também os que transformam o Natal numa ocasião de muita comida e bebida. É o tempo do refrigerante coca-cola, do Papai Noel, da árvore de Natal e tantos outros símbolos. É um tempo de festa!

Certamente, não podemos ignorar, nem considerar errada a alegria das pessoas e das famílias na celebração do Natal. É a festa da vida e do reencontro das pessoas em torno da mesa. Mas tudo isto ainda não fala plenamente do Natal de Jesus. O mercado induz as pessoas a mexerem no bolso e comprar presentes. É o período dos grandes lucros, assim como na Páscoa, em que o Papai Noel dá lugar ao coelho e ao chocolate, o mercado também ensina as pessoas a, muitas vezes, comprar o que não precisam. O importante é comprar! Quem ficar de fora da oferta e da procura não participou de tais festas.

O mercado “paganizou” o Natal de Jesus, ou seja, tirou Jesus do centro e o colocou na periferia da consciência das pessoas. Estas só conseguem comer, vestir, calçar e dar presentes. Para não ser tão radical, reconheçamos as exceções que existem na multidão dos que celebram o Natal, pois existem pessoas que se recordam que é no Natal que celebramos a encarnação do Verbo de Deus. Estas pessoas descobriram o verdadeiro sentido do Natal, pois se encarnando em nossa história Jesus assume nossa condição e habita entre nós. Ele veio das alturas dos céus para ficar definitivamente entre nós. Jesus não veio fazer uma visita, mas veio fazer história com as mulheres e homens sofredores deste mundo.

João Batista, o precursor de Jesus, pediu a conversão do coração de cada pessoa, pois somente pela via da conversão é que temos um coração sensível para acolher o Messias de Deus. Como acolher Jesus? Para acolhê-lo é preciso trilhar um caminho composto por três etapas: a primeira refere-se ao querer. Eu quero acolher Jesus? Tal acolhida se dá na liberdade dos filhos e filhas de Deus. Ninguém está obrigado a acolher Jesus. Ele é o Deus da liberdade. Quem se sente e se considera filho ou filha de Deus precisa acolher seu Irmão maior, do contrário, é cair em grave contradição.

A segunda etapa refere-se em reconhecer Jesus do jeito que ele se apresenta. Como Jesus se apresenta? Jesus nasceu pobre, viveu pobre e morreu pobre. O Cristo da fé cristã nasceu na manjedoura. É preciso ter coragem para reconhecê-lo na pobreza de Nazaré, totalmente destituído de poder. A terceira e última etapa, uma vez tendo feito o propósito de acolher e reconhecido o enviado de Deus, agora é a hora da intimidade para com o Filho do Altíssimo, que se dá no seguimento fiel e perseverante. Acolher Jesus é segui-lo. Segui-lo significa aderir ao seu projeto, que se traduz na prática do amor e da justiça. É um desafio necessário e possível.

Trata-se de um processo de conversão. Muitas pessoas se consideram convertidas e salvas. Isto faz bem para o que podemos chamar de “auto-estima espiritual”, ou seja, é um sentir-se bem. Mas a conversão exige caminhar no deserto de nossa vida. João Batista foi o profeta do deserto. É no deserto que nos descobrimos melhor e nos convertemos aos poucos. A mudança de vida é uma exigência do caminho de Jesus. Quem não quiser se converter, é melhor desistir do caminho de Jesus, pois se trata de um caminho de conversão. Ninguém se coloca numa estrada para ficar parado, olhando as margens, a não ser que esteja numa encruzilhada e não saiba para onde ir, mas assim que se decidir, terá que caminhar. E o caminhar é um processo gradativo que perdura por toda a nossa existência.

Na caminhada da conversão o Espírito de Deus é o nosso auxílio revelador. Ele confere visão, disposição e força para trilhar o caminho. A nossa condição limitada não nos permite entender a plenitude do mistério da presença amorosa de Deus junto a nós, portanto, o Espírito do Senhor, que conhece até as profundidades de Deus nos revela a sua presença em nós e no mundo. Tudo é muito simples e sublime! Este mesmo Espírito nos revela que a conversão cristã faz com que a pessoa se torne verdadeiramente humana. O sinal verdadeiro que nos indica que estamos progredindo em nossa conversão é o fato de estarmos nos tornando cada vez mais humanos.

O mundo atual clama por seres autenticamente humanos, pois o processo de desumanização é preocupante. Um dos sinais mais visíveis a que assistimos na atualidade é a manifestação da natureza, que mata e destrói o homem e suas invenções. A natureza não foi criada para destruir o homem, mas para cuidar dele e atender às suas necessidades. O homem não foi criado para destruir a natureza, mas para cuidar e preservá-la. Assistimos a um total desequilíbrio do homem e da natureza e tal desequilíbrio ocasiona destruição e morte. Todo desequilíbrio é prejudicial.

Falar em conversão do coração nos dias de hoje significa despertar o gênero humano para a espiritualidade do cuidado. Não adianta projetarmos o futuro, pensando na aquisição de novos saberes, tecnologias e novas riquezas, se não tivermos condições de vida para alcançar tais aquisições. Temos que ser minimamente sensatos e repensarmos o sentido de nossa vida e de nossas ações. O que é mais importante na vida do homem? Penso que precisamos, antes de qualquer outra coisa, pensarmos e cuidarmos da vida. Sem vida nada somos, nem podemos ser. É urgente a conversão da consciência humana para o cuidado e a promoção da vida, pois acreditamos Naquele que é fonte da vida para todos e em todos faz a vida renascer todos os dias. A espiritualidade do cuidado nos faz crer que Deus cuida de nós e nos exige que cuidemos de nosso semelhante, preferencialmente dos que mais sofrem.

Depois da Solenidade do Natal de Jesus virá o fim do ano. O calendário civil coloca o dia 31 de dezembro como o fim do ano. Diante do fim do ano convido o leitor a pensar ou repensar as seguintes questões, num momento de silêncio, sozinho consigo mesmo: O que estou fazendo da minha vida? Qual a qualidade da minha vida? Para onde estou indo? Como anda a minha fé em Deus? O que estou fazendo em favor do meu próximo? O que penso de mim mesmo e do mundo que me rodeia? Estas indagações nos ajudam a pensar na vida. Pensar na vida faz bem. A conversão de nossa vida passa pelo pensar. Precisamos ser pessoas melhores, a fim de que possamos ter uma sociedade melhor, mais justa e solidária. Que o auxílio divino esteja sempre conosco!

Feliz Natal e Feliz Ano Novo!


Tiago de França

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

As músicas do Padre Fábio de Melo


Em todos os lugares por onde passo, quando visito as famílias, sempre escuto músicas do Padre Fábio de Melo. As rádios católicas costumam tocar músicas dele. Algumas pessoas têm me perguntado sobre o que penso do Padre Fábio de Melo e de suas músicas. E já que tenho um Blog na Internet e costumo escrever algumas linhas sobre vários temas, então resolvi escrever sobre as músicas do Padre Fábio de Melo. Inicialmente, quero que fique bem claro, que não irei escrever contra a pessoa do Padre, mas irei avaliar o conjunto de sua obra musical à luz da Palavra de Deus e da missão da Igreja no mundo. Certamente, os fãs do Padre não irão gostar de minha avaliação, pois pelo que vejo nas comunidades, a maioria se deixa levar pelo rítimo e pela sonoridade da voz do cantor e, muitas vezes, até pela sua beleza física!

Depois de ter escutado algumas músicas do cantor e de ter lido algumas letras cheguei a algumas conclusões, que ouso partilhar com o devido respeito que se deve ter a um padre católico e ao conjunto de sua obra. Percebo certo romantismo nas músicas, apesar das letras serem de teor religioso. Como é este romantismo? A maneira como as músicas são cantadas e o conteúdo da letra transmite o que chamo de romantismo religioso, ou seja, uma maneira apaixonada de falar de Deus. O Padre consegue cantar o Deus de amor que se revela em Jesus. Trata-se de um romantismo envolvente que vai ao encontro da multidão carente de fiéis, que vivendo num mundo angustiante e depressivo, encontra na música do cantor um alívio momentâneo. Este alívio pode ser traduzido por uma dose de êxtase que se recebe na escuta atenta e envolvente da música. Segundo os que as escutam constantemente, as músicas tocam a alma e tranqüiliza o espírito perturbado pelos problemas cotidianos.

Este espírito tranqüilizador das músicas do cantor é que faz o mesmo ser escutado e comprado. Numa sociedade que leva as pessoas à depressão e à falta de controle, tais músicas são bem-vindas porque anestesiam os ouvintes, levando-os a gozar a paz interior. Esteticamente, o cantor se envolve com a letra e com a melodia da música e desta forma toca os corações dos ouvintes, levando-os a crer que Deus resolve todos os problemas daqueles que confiam e crêem em seu poder. Tais músicas levam as pessoas a se entregarem sem reservas ao Deus que tudo sabe e tudo pode, intensificando uma experiência filial e amorosa com Aquele que nos ama incondicionalmente. Tudo é belo porque faz bem. A espiritualidade transmitida é a da paz sem conflitos, ou seja, aquela paz que se consegue numa relação direta com Deus, sem a interferência do outro, nem do mundo. Este precisa se abandonado.

Até aqui os fãs do cantor estão concordando plenamente, pois é assim que compreendem e sentem as músicas. Vamos responder a uma indagação inquietante que nos levará a refletir de forma mais profunda as músicas do Padre Fábio de Melo:

- Qual a ligação que existe entre as músicas e o projeto do Reino de Deus?

Em relação às músicas penso que não é necessário falar mais nada, pois elas falam por si mesmas. As linhas de pensamento que apresentei são suficientes. Falemos agora do Reino de Deus. A oração do Pai nosso diz: “... venha a nós o vosso reino...” Isto quer dizer que o Reino de Deus vem a nós. Isto significa ainda que o Reino de Deus não vai acontecer numa outra dimensão, afinal de contas não há outro mundo senão este no qual habitamos. A espiritualidade do Reino de Deus nos leva a nos comprometer com o amor, com a justiça e com a paz. O amor gera a justiça e esta gera a paz. Os fãs do cantor podem argumentar dizendo: “Mas as músicas do Padre Fábio de Melo falam do amor!” Diante desta argumentação, pergunto: A que tipo de amor ele se refere nas músicas? Se falarmos do amor que gera a justiça, precisamos levar as pessoas a praticarem o amor na prática da justiça.

O amor de palavras é diferente do amor de atos. O amor do romantismo é o amor dos enamorados. Não sou contra este tipo de amor, afinal de contas somos seres de afeto, necessitamos do amor para viver. Para me fazer entender melhor, formulo outra indagação: A que me leva o amor que sinto? Se o amor que sinto não me leva a nada, mas somente a me sentir bem, este não é o amor de Deus. Na vivência do amor de Deus a máxima “sentir-se bem é o que interessa” não tem valor algum. O amar para somente se sentir bem marginaliza a prática da justiça, porque ao me sentir bem não preciso me preocupar com a vida do outro que não está bem. No fundo, trata-se de um amor egoísta e amor egoísta não é amor, mas narcisismo.

No projeto do Reino de Deus quem ama pratica a justiça e esta prática está intimamente ligada a este mundo. Por isso, toda música que se julga cristã precisa levar as pessoas à prática da justiça e não à negação da mesma. No vocabulário e na linguagem que compõem o projeto do Reino de Deus encontramos as seguintes palavras: amor, justiça, transformação, mundo, pobres, compromisso, respeito, partilha, solidariedade etc. Convido os fãs e os ouvintes das músicas do Padre Fábio de Melo e de outros como as do Padre Marcelo Rossi, a procurarem nas letras das músicas tais palavras, logo verão que elas não fazem parte do projeto musical de tais cantores. E porque não fazem parte? Porque a preocupação não está voltada para a construção do Reino de Deus, mas para o sucesso.

Cantar o projeto do Reino de Deus não dá ibope nas emissoras de rádio e TV. Por quê? Porque elas não estão preocupadas com a situação emergente do mundo, mas em ganhar dinheiro e prestígio social. Cantar o projeto de Jesus no mundo não vende CDs e DVDs, pois se trata de uma linguagem profética que incomoda aquelas pessoas que acreditam em Jesus, mas que não tem coragem de aderir a seu projeto de amor e de justiça. Por isso, a grande maioria dos cantores católicos e evangélicos da atualidade está preocupada em ganhar dinheiro e fama, e para que isto aconteça, o cantor precisa cantar o que o ouvinte quer ouvir: músicas que não perturbem a consciência. Tais músicas não formam a consciência autenticamente ética e cristã comprometida com a transformação do mundo.

Para que o leitor não fique pensando que eu não gosto de músicas religiosas, convido-o a escutar as músicas do cantor Zé Vicente e do Padre Zezinho, scj. Este último, aos poucos, está como que “desaparecendo” do cenário da música católica, porque na opinião de muitos, suas músicas se tornaram ultrapassadas por não falar do êxtase do amor de Deus. O primeiro é conhecido nas Comunidades de Base da Igreja, pois canta a vida do povo, aquilo que o povo vive. O cantor religioso precisa cantar a realidade vivida pelo povo e não ficar pairando realidades desconhecidas ou levando as pessoas a se entregarem a sentimentos anestésicos e muitas vezes, alienantes.


Tiago de França

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os destinatários do Reino de Deus


“Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas
vos precedem no reino de Deus”
(Mt 21, 31).

Algumas palavras que compõem o pensamento ou a verdade de Jesus nos causam surpresa e até espanto. Para algumas pessoas, tais palavras são causa de escândalo e até confusão. O versículo acima é uma verdade que não é aceita por muita gente, apesar de serem palavras de Jesus. Muitas pessoas as aceitam superficialmente, porque na prática cotidiana das relações interpessoais julgam ou condenam os publicanos e as prostitutas de hoje. Tais palavras traduzem a verdade que se contrapõe ao tradicional pensamento puritano de muitas pessoas que pensam estar seguindo Jesus.

Na Igreja temos muitas pessoas que odeiam e se distanciam daquelas que são consideradas impuras pela sociedade: prostitutas, homossexuais, ladrões, beberrões etc. Na maioria dos casos são católicos praticantes daquilo que denominamos pietismo. Quem são as pessoas pietistas? São aquelas que aderem às práticas religiosas de forma alienada. Os pietistas são amigos da “lei da pureza” que prega o puro e o impuro, ou seja, que ditam para as demais as regras de conduta moral que não podem ser quebradas e as que se desviam são excluídas da convivência religiosa.

Os pietistas costumam dizer com a boca que odeiam o pecado. Quase tudo no mundo é pecado! Para eles, Deus é o Juiz severo que não dorme, nem cochila; é o guarda que não perde a oportunidade para corrigir ou punir com severidade aqueles que se desviam de sua lei. Tais pietistas costumam se confessar muito com os presbíteros, pois possuem uma noção negativa do pecado, ou seja, pensam que pecam gravemente contra Deus a todo o momento. Professam e anunciam que este mundo está perdido e só perde as pessoas, e que o seguimento de Jesus se reduz à vida ascética de penitência e oração. A participação constante na Missa, na Eucaristia e no Sacramento da Reconciliação é algo fundamental para a vida ascética dos pietistas.

“Tiago, ele não foi a Missa na semana passada e agora quer ir e comungar. Como pode isto? Antes, precisa se confessar, pois faltar a Missa é um pecado grave!”, me dizia uma senhora que confessa assistir à formação do professor Felipe Aquino toda semana pela TV Canção Nova. Os pietistas costumam se julgar melhor do que os outros. Nas Igrejas denominadas “evangélicas” costumam anunciar que já estão salvos no nome de Jesus. Para elas o compromisso com a justiça do Reino de Deus não existe, pois a ação do cristão resume-se à adesão das práticas religiosas (penitências, orações, sacramentos etc.), a fim de serem arrebatadas para o céu. O pietista só pensa no céu. Por isso, precisa se “purificar” constantemente, preparando-se para a parusia do Senhor.

No tempo de Jesus estes alienados já existiam. Aliás, eles existem desde que o homem inventou a religião. Levando em consideração a Boa Nova anunciada por Jesus, tal alienação religiosa é muito prejudicial. Podemos elencar alguns males do estado pietista de muitos “cristãos”: Não conseguem viver a comum-unidade, pois não conseguem ter vida comum com os demais pecadores, nem viver unidos com eles; não constroem o Reino de Deus, pois só pensam na salvação da própria alma; não visam a transformação da sociedade, pois pensam ser responsabilidade somente do Governo sem a contribuição da religião; promovem a desunião, pois costumam formar “guetos” (grupos seletos, farisaicos) dentro da Igreja etc.

O Concílio Vaticano II, que pensou a Igreja enquanto Povo de Deus tentou desmistificar o pietismo, pois antes do Concílio a Igreja estava voltada totalmente para si mesma e separada do mundo dos homens, ou seja, não se compreendia a Igreja dentro do mundo, mas fora dele. O culto era um momento celeste na terra. As leis e os rituais eram rígidos. Para aproximar-se do recinto sagrado, o fiel precisava se purificar. A linguagem do pecado estava constantemente presente na pregação dos presbíteros. Estes eram considerados seres especiais e separados, pois eram destacados externamente e não podiam se misturar, tidos como servos conhecedores e detentores dos mistérios de Deus.

Com a progressiva queda de tal espiritualidade, que mais oprimia do que libertava, a Igreja aos poucos se volta para o mundo e para a acolhidos dos pecadores. Trata-se de um voltar-se com misericórdia, pois se descobriu que a linguagem ameaçadora do pecado não funciona mais, dado o avanço da consciência cristã dos que aderem à fé. Expressar a verdade evangélica de forma misericordiosa significa acolher as pessoas e levá-las ao seguimento de Jesus. Não se trata de enquadrá-las nas leis e exigências canônicas, mas de conscientizá-las da necessidade da construção do Reino de Deus no seguimento de Jesus. Tudo isto é um caminho de liberdade.

É perceptível a resistência de muitos ordenados, consagrados e leigos às mudanças apontadas pelo evento Vaticano II. Infelizmente, há uma “cultura do retorno” ao modelo de Igreja construído pelo Concílio de Trento. Tal retorno não é possível porque a grande maioria do povo não aceita. O povo não fala com discursos, pois não entendem a linguagem eclesiástica, mas fala com posturas e atitudes. Antigamente, a hierarquia falava e o povo obedecia. Hoje, a hierarquia fala e o povo vai pensar se aceita. Por isso, a Igreja precisa repensar sua pregação, pois por mais que pensemos que as pessoas balançam positivamente a cabeça diante de nossa pregação, elas estão analisando se tal pregação tem sentido para a vida concreta delas.

As prostitutas e os publicanos precisam ser acolhidos. Estas pessoas formam uma grande parcela de nossa sociedade. Esta exclui e condena tais pessoas, mas evangélica e misericordiosamente a Igreja precisa acolhê-las. É isto que Jesus nos pede. Enquanto membros do caminho de Jesus precisamos acolher aquelas pessoas para as quais Jesus veio, os pobres e os pecadores públicos. Os santos são aquelas pessoas que acolhem como Jesus acolheu. É verdade que não é tarefa fácil, mas é nossa missão. É preciso tomar cuidado para não nos excluirmos a nós mesmos do Reino de Deus excluindo de nossa convivência e de nossa amizade as prostitutas e os publicanos de nossos dias. O Reino de Deus pertence aos excluídos e marginalizados. Que o Deus da vida nos liberte dos pecados da omissão e da exclusão.


Tiago de França

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

As favelas, as chuvas e os pobres


As favelas fazem parte dos grandes centros urbanos do país. Quem são os moradores das favelas? Os pobres. Discriminadamente, fala-se que a favela é lugar de gente “ruim”, de pessoas perigosas, que ameaçam a ordem social. Tudo mentira! Não existe gente ruim, nem gente boa; mas existem pessoas que fazem o mal e o bem. Rotular as pessoas e discriminá-las nas categorias da bondade e da maldade é um equívoco gravíssimo. Antes de qualquer ação, todos são pessoas e na dignidade de pessoa todos devem ser respeitados. Na sociedade humana e social toda pessoa tem direitos e deveres. Quando há harmonia entre os direitos e os deveres, a sociedade vai bem, do contrário, a desordem torna-se presente e os que mais sofrem são os pobres, que numa sociedade injusta têm os seus direitos desrespeitados. Não há pessoas perigosas ou que ameacem o convívio social, afinal de contas, toda pessoa é dotada de razão; mas existem pessoas que são violentadas em sua dignidade e respondem violentamente a tal violência.

Além de serem vítimas da violência desenfreada, os pobres favelados também sofrem gravemente com as chuvas, pois a localização geográfica das favelas é totalmente desfavorável. As favelas não se encontram nos centros das grandes cidades, salvo raras exceções. Para citar somente uma exceção cito uma pequena favela que há no coração do bairro Aldeota, na cidade de Fortaleza – CE. As pessoas mais ricas desta cidade moram na Aldeota e nesta há um pequeno aglomerado de pobres que resistem em morar em pequenos cubículos. Segundo a Defesa Civil do Estado de São Paulo, aproximadamente 60 mil pessoas moram em favelas. São as grandes periferias da cidade, situadas em morros sujeitos a deslizamentos. Quando estes acontecem, os pobres ficam sem casa para morar. São lugares que não oferecem a mínima condição para a sobrevivência de seres humanos, pois faltam moradia, saúde, saneamento básico, educação, segurança, lazer, trabalho e alimentação de qualidade.

Os pobres que residem em tais circunstâncias têm suas vidas marcadas pela marginalização social. Esta é caracterizada pelo esquecimento governamental. Investem-se milhões de reais em gastos com construções de avenidas, estádios de futebol etc. para receber os jogos olímpicos e a copa do mundo e se esquecem de investir na qualidade de vida das pessoas e na erradicação das favelas. Na verdade, não se trata de esquecimento, mas de má vontade política, pois a grande parcela de nossos governantes está preocupada em criar novas estratégias para desviar as verbas públicas, como é o caso do democrata Arruda e companhia, em Brasília, DF. E para mostrar que são “religiosos”, no ato do crime ousam invocar o nome de Deus para elevar aos céus uma prece de ação de graças pelo bom êxito da operação criminosa. O que desperta a esperança é a certeza evangélica que ensina duas verdades para este caso: a primeira, é “que nada é oculto que não se descubra”, a segunda é que a justiça do Reino de Deus não faltará aos pobres.

É preciso analisar as causas e estudar soluções para a situação dos favelados. A estrutura das favelas não permite o oferecimento de boa qualidade de vida aos pobres, ou seja, é preciso erradicar as favelas das grandes cidades através da construção de moradias dignas para o povo. A moradia é um direito constitucional. Não cabe à religião, nem às organizações não governamentais a construção de tais moradias, mas ao Poder Público. Os desvios de verbas e os grandes investimentos provam que não falta dinheiro público para se investir em moradias dignas para a população carente. Repito: O que falta é boa vontade política. Diante da situação, que é emergente, a sociedade é chamada a se organizar e reivindicar seus direitos. As Igrejas são também chamadas a apoiar as iniciativas de defesa e promoção da dignidade da pessoa humana, abandonando as pregações alienantes e capitalistas, que em nada contribuem para a libertação integral das pessoas.

Por trás da destruição das favelas, que se dá por causa dos deslizamentos ocasionados pelas chuvas encontra-se o clamor da natureza que não suporta mais as agressões constantes por parte do ser humano. Agressões que se manifestam através de queimadas, poluição de mares, rios e lagos, desmatamentos, emissão de gás carbônico etc. Começa hoje, dia 07/11, a Conferência de Copenhague, que conta com a presença de delegações de 193 países. Estes terão seis dias de reuniões técnicas para encontrar e aprovar soluções práticas para a situação ambiental do planeta. Torçamos para que os maiores poluidores do planeta, EUA e China, possam se sensibilizar com a terrível situação ambiental da Terra e tomar iniciativas efetivas em favor da vida da natureza.


Tiago de França

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Fazer a vontade de Deus


“Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino dos céus,
mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus”
(Mt 7, 21).

Estas palavras de Jesus são seríssimas e serve de advertência para todos os cristãos de todas as Igrejas, pois sugerem responder a seguinte indagação: O que o Cristianismo está dizendo à humanidade hoje? Esta indagação pergunta pelo testemunho dos cristãos. Jesus ainda aponta para os que irão ser salvos. Ainda podemos indagar: Qual é a vontade de Deus? Certamente ninguém conhece os pensamentos de Deus, mas ao longo da história da salvação nos revelou sua vontade.

A Sagrada Escritura nos ensina que a glória de Deus é o povo livre. Desde o Gênesis ao Apocalipse encontramos a Trindade libertando o ser humano de seus pecados e da opressão. Por isso, o Deus dos cristãos é o Deus da liberdade, da libertação, é o Deus libertador. Em Cristo Jesus, Deus nos fala da alegria da vida. Ele se identifica com a vida, porque é a Vida por excelência. Toda vida procede de Deus, pois é a fonte da vida do homem e do universo inteiro.

Arrisco-me em dizer que o mundo de hoje, assim como o mundo de todos os tempos sempre careceu de vida e de liberdade. O homem em suas ações e relações se desviou da vida e da liberdade. É o próprio que ao longo da história vai produzindo a morte e a escravidão, pois estas não são oriundas do acaso, nem da ação diabólica, mas são coisas do homem mesmo. Sem saber fazer uso do livre arbítrio concedido pelo Criador, ele se destrói e torna-se escravo de si mesmo.

Com Jesus no meio de nós, Deus está nos dizendo que não desistiu de sua criação, nem se deixa temer pelas forças do mal, pois está acima de todas as coisas. Ele poderia libertar o homem de uma vez por todas “num passe de mágica”, mas o desenrolar da história tem provado que tal libertação acontece tendo o homem como coadjutor, ou seja, Deus está conosco no processo de nossa libertação. A libertação acontece na comum-unidade, tendo a Deus como guia e força maior que motiva e colabora sem cessar.

A citação acima revela claramente que o Reino de Deus é daquelas pessoas que procuram fazer a vontade divina. É engano nosso pensar que podemos fazer plenamente a vontade de Deus. A nossa condição de pecadores nos ensina que isto não é possível. Penso que Deus não nos pediu isto, ou seja, com tal afirmação Jesus quer nos ensinar que só fará parte do Reino de Deus as pessoas que trabalharem na sua construção. E como ficam as pessoas que passaram toda a vida dedicada somente ao culto divino? Pelo que disse Jesus, para elas não há lugar.

Não é que o número dos que serão salvos seja limitado, ou que foram excluídas do Reino de Deus, mas simplesmente porque se recusaram a construir o Reino. Certamente, a oração deve fazer parte da vida do seguidor de Jesus. A oração é necessária, pois é uma das formas de encontro amoroso com Deus. É preciso praticar a verdadeira ORAR – AÇÃO. Quem sabe orar participa da construção do Reino, pois o orar sem a ação é incompleto.

A efervescência do pentecostalismo de pessoas da Igreja Católica e das demais denominações religiosas é um fenômeno presente em nossos dias. Tais práticas religiosas só são prejudiciais se não levar em conta a realidade da vida das pessoas, preferencialmente das que sofrem, ou seja, quando aliena e escraviza as pessoas, tais cultos se tornam abomináveis aos olhos do Deus da vida e da liberdade revelado por Jesus. Por isso, o Cristianismo é chamado a rever sua caminhada, a fim de poder contribuir com a autêntica libertação do gênero humano no mundo. Não podemos reduzir o Cristianismo às práticas religiosas que não contribuem com a salvação integral do ser humano.

O caminho ensinado por Jesus é de vida e liberdade para todos. A mensagem de Jesus está para a vida do homem. A missão do Cristianismo é anunciar ao mundo tal mensagem, fazendo com que todos os homens se reconheçam como irmãos no amor. Foi isto que Jesus nos pediu, que pelo amor reencontremos o caminho da vida e da liberdade. Se não revisarmos a nossa maneira de pensar e de agir no mundo, particularmente vejo que a humanidade não terá futuro. O nosso futuro está em crermos no amor que nos salva.


Tiago de França