domingo, 17 de janeiro de 2010

O vinho novo da transformação


O texto evangélico deste Segundo Domingo do Tempo Comum (Jo 2, 1 – 11) fala da presença de Jesus numa festa de casamento em Caná da Galiléia. O fato é que faltou vinho e para não deixar os noivos passarem vergonha diante dos convidados, a mãe de Jesus pede que ele resolva a situação. Com certa resistência, Jesus atende ao pedido de sua mãe e manifesta seu primeiro sinal: transforma água em vinho. No último versículo, o evangelista João faz questão de mencionar sinais ao invés de milagres e os discípulos creram em Jesus a partir de seus sinais.

O que este texto diz para nós hoje? A Palavra fala para nós. Ela é um sinal de Deus. O sinal serve para nos advertir, para nos chamar a atenção. O sinal serve, ainda, para apontar uma direção, para mostrar uma situação. Não fala por si, mas a partir de si fala de algo que está ocorrendo ou vai ocorrer. Está para ser visto, escutado e observado pelo homem. O sinal é um toque de espírito, um aviso. Quais os sinais que se manifestam no mundo de hoje? O que eles estão nos dizendo? Onde e como estão acontecendo? Eles estão aí, escutá-los é cada vez mais urgente e necessário.

Mais de cem mil pessoas foram mortas no Haiti, vítimas dos terremotos que se abateram sobre aquele pobre país. Isto parece um forte sinal. Centenas de pessoas estão morrendo no Brasil, vítimas das chuvas e deslizamentos de terra. Pode ser outro sinal. Tudo isto precisa ser lido e interpretado à luz da fé. Estes acontecimentos precisam ser vistos como sinais de transformação. O que precisamos transformar? Antes de ousar transformar qualquer coisa, o homem precisa se transformar a si mesmo. É urgente uma radical mudança de mentalidade. É preciso que se substitua a ambição do TER pela humildade do SER.

O problema do TER está no acúmulo desnecessário dos bens. Bens que se tornam desnecessários. Enquanto sobra para uns, falta para outros. Os EUA anunciaram uma doação de cem milhões de dólares ao Haiti. Isto é muito bom. Mas isso também revela que eles têm demasiadamente. Uma modelo anuncia que fará uma doação de um milhão e meio de dólares. Certamente é uma ação louvável. Por outro lado, a concentração de riquezas se mostra absurda. Há no homem pós-moderno e capitalista um forte desejo de possuir demasiadamente as coisas não importando que estas façam falta a tantas outras pessoas.

Isto é fruto da falta de sensibilidade. Há o que podemos chamar de cultura da frieza entre os homens, que os faz perder até a boa vontade e, conseqüentemente, a disposição em partilhar e servir. Pessoas insensíveis e ricas, eis a desgraça da humanidade! Certamente, temos que reconhecer e aceitar as exceções. E este desejo de riqueza e de grandeza leva os homens a competirem uns com os outros e a se excluírem mutuamente. Conseqüentemente, temos miséria, violência, fome etc. As soluções paliativas que se apresentarão para o Haiti não resolverão os problemas daquele pobre país, pois o mesmo não tem as mínimas condições de competir no cruel sistema capitalista que se enraizou neste mundo, pois neste sistema só há lugar para os fortes.

A transformação deste mundo passa pela conversão íntima e pessoal do homem. Este precisa dialogar consigo mesmo e neste diálogo reconhecer o seu pecado. O reconhecimento do pecado passa pelo encontro com a verdade. Os sinais são verdadeiros. Eles falam a verdade. Reconhecê-los e aceitá-los é a salvação do homem. Mas este continua cego e surdo pelas ambições e pelos prazeres. A escuta dos sinais exige sensibilidade e prudência, mas estes, infelizmente, são valores em crise na sociedade atual. A sensibilidade nos faz estar atentos à realidade, julgando-a a luz da fé e da razão. A prudência ensina-nos a discernir a realidade e a agir acertadamente sobre ela. Trata-se de um processo de conversão para a salvação do mundo que não pode ser adiado. A hora é agora. O tempo chegou. Será que precisamos esperar que mais gente seja assassinada, vítima de nossa insensibilidade e imprudência?...

Jesus transformou água e vinho. O que isto diz para a Igreja e para os cristãos? Enquanto instituição estabelecida neste mundo, a Igreja nunca aceitou o discurso da transformação. Esta palavra ainda lhe causa medo. Verdadeiramente, transformar é um desafio, pois mexe com as estruturas dos homens e das coisas produzidas pelos homens. Em matéria eclesiástica, é muito mais fácil e cômodo manter do que mudar. Ao longo da história, a transformação sempre foi sinônimo de libertinagem e agitação política. Libertinos e agitadores sempre foram punidos, porque incomodaram a ordem estabelecida, porque propuseram a transformação. Mas esta, para a tristeza de muitos, ocorre naturalmente e, às vezes, despercebidamente.

A água foi transformada em vinho. Hoje tal transformação torna-se cada vez mais inevitável. Ela está acontecendo, aos poucos, mas está. Os agentes da transformação estão no mundo, agindo sem parar. Uns são calados, mas terminam ressuscitando. Na falta de uns, surgem outros com mais audácia e vigor do que os primeiros. Isto pode ser chamado de dialética evangélica ou dialética do Reino. Nada está estagnado, tudo caminha. Há um hino que ensina que, “se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão”. O Haiti e a missionária Zilda Arns estão falando para nós. É preciso ter coragem para escutar este grito, pois o grito pela transformação é comprometedor.

Os discípulos de Jesus viram os sinais e creram em Jesus. Para crer parece que foi necessário ver. O que é crer em Jesus? Por que somos chamados a crer em Jesus? A nossa fé em Jesus deve fazer diferença no mundo, ou seja, precisa identificar o cristão. Crer é transformar-se a si mesmo e ao mundo. Crer é seguir Jesus e seguir Jesus é comprometer-se. Comprometer-se é se deixar desafiar pela realidade, é inquietar-se. O cristão é um ser inquieto no meio do mundo. Tal inquietude brota da fé em Jesus e da compreensão de seu Evangelho. Eis a grande exortação evangélica deste Domingo: precisamos analisar e transformar, com sensibilidade prudência, as nossas estruturas pessoais, a fim de transformarmos o mundo em que vivemos, de acordo com nossas possibilidades. Que o Espírito nos inquiete e nos faça instrumentos da transformação.


Tiago de França

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