sábado, 2 de janeiro de 2010

Um exame de consciência para a construção de um mundo melhor


Estamos iniciando mais um ano novo. Com a presente reflexão convido o leitor a repensar algumas questões. Trata-se de um exame de consciência. A sociedade atual é marcada pela ausência do pensamento crítico, que leva o homem a agir sem a preocupação de pensar na vida. Não se trata de um pensar alheio à realidade sem as devidas referências. Pensemos na vida segundo os princípios do amor e da liberdade para não nos perdermos na arte de pensar. Podemos pensar sobre vários assuntos e também podemos nos omitir e não pensarmos em nada. É possível não pensar em nada? Penso que não! As ações contrárias à vida humana demonstram que os homens pós-modernos pensam pouco naquilo que fazem. Isto é um dado preocupante. Sem o pensar crítico e sem o exame da própria consciência, o homem corre o risco de destruir a si mesmo e ao meio em que vive. As análises mostram que isto está acontecendo.

Estas mesmas análises têm passado a idéia de que o homem é um sujeito mau. A leitura cristã da personalidade humana proíbe-nos de pensarmos desta forma, pois cremos que o homem é imagem e semelhança do Deus que é Vida e Bondade. Somos imagem e semelhança da vida e da bondade divinas. Nascemos para viver. A vida faz parte de nossa essência. Assim sendo, não somos essencialmente maus. Aqui surge uma indagação: Se somos imagem e semelhança do Deus que é sumamente Bom, por que praticamos tanta maldade? As correntes espiritualistas das Igrejas Cristãs são claras e unânimes na resposta: “Porque somos dominados pelo demônio”. Já escutei padres católicos e pastores evangélicos afirmarem que o homem age mal quando se deixa dominar pelo demônio!

São muitos os que se deixam levar por tal pensamento e se sentem perseguidos pelo demônio. Este passa a ser o centro da pregação de muitos pastores. Estes se dedicam tão somente a expulsar o demônio dos corpos humanos e dos ambientes. O Evangelho de Jesus é marginalizado e o demônio é a grande novidade da pregação. Muitas pregações só têm sentido se o demônio fizer parte do vocabulário e dos exorcismos praticados. Em meio a tudo isto, o amor e a liberdade anunciados por Jesus são totalmente esquecidos. Na vivência de tais práticas ninguém é livre: tantos os pastores quanto às ovelhas, todos são prisioneiros da imagem e da idéia de demônio que criaram! É uma situação lamentável. Fala-se em libertação, mas no fim de tudo, todos se tornam cada vez mais escravos e alienados.

Assim sendo, nosso exame de consciência não tem o demônio como referência. Deixemos o demônio para quem o invoca e nos voltemos para o amor e para a liberdade. O amor é uma palavra ou uma verdade que é cada vez mais falseada pelo ser humano. Tornar falso o amor é conferir ao mesmo um falso significado. As pessoas afirmam que amam umas às outras. Os extremismos são evidentes: uns não acreditam no amor, pois acham que ninguém é capaz de amar. Para estes, o amor é uma mentira, pois acham que as pessoas se interessam umas pelas outras e vivem um contrato social de convivência mútua. Outras ainda crêem no amor e o colocam acima de tudo, mas não tem coragem de amar de verdade. Trata-se de um amor de palavras, de juramentos e declarações falsas, de aparências enganadoras.

O Cristianismo insiste no amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, que constitui o maior mandamento divino, mas os próprios cristãos falham na vivência deste amor exigente. Os moderados, que não são extremistas, defendem que o homem não é mal e que a vivência do amor só é possível na gratuidade. O verdadeiro amor é gratuito e incondicional. Este é o amor de Deus. O homem é chamado, apesar das limitações inerentes, a viver o amor de Deus. Fora deste amor não há felicidade nem liberdade. Somente o amor de Deus consegue libertar integralmente o homem. A adesão a este amor divino é essencial para a vivência da justiça e, conseqüentemente, para a construção da paz. Quem ama vive a justiça e quem vive a justiça constrói a paz.

Os homens inventaram várias formas de satisfações das necessidades e de buscas de felicidade, mas continuam infelizes. Alguns ricos, por possuírem saúde e riquezas pensam que são felizes, mas sabemos que se enganam totalmente. Pe. Zezinho, cantor católico, tem uma canção que diz: “Os homens fogem do amor e depois que se esvaziam no vazio se angustiam”. Fora do amor existe um profundo vazio. Este é sinônimo de solidão e nesta ninguém pode ser feliz. A solidão é capaz de matar uma pessoa, pois o homem não nasceu para a solidão. Até Deus vive em comunidade, pois é Uno e Trino. A solidão mata porque gera angústia e esta leva ao desespero. Solidão, angústia e desespero nunca fizeram bem ao gênero humano, antes, revelam sua total destruição.

Para que o mundo e os homens tenham um futuro garantido, independentemente de raça, cor, cultura, condição social e religiosa é urgente a abertura para o amor. O amor está acima de todas as crenças e culturas. Todos são chamados ao amor, pois fora do amor não existe salvação para nenhum ser humano vivo na face da terra. Levando em consideração a diversidade das culturas construídas ao longo da existência humana, abrir-se ao amor significa abraçar o respeito e a solidariedade. Só é possível construir a paz na plena adesão a estes valores fundamentais. Acreditar que o homem não é essencialmente mal é crer que ele pode viver o amor no respeito e na solidariedade. A realidade de guerras e conflitos entre os homens e nações é a prova de que o respeito pelo diferente e a vivência da solidariedade são valores esquecidos.

Quando cuida de si, o homem cuida da Casa onde habita. A economia ecológica, que se traduz no cuidado para com o planeta, está gravemente em crise. As atuais reflexões do teólogo Leonardo Boff apontam para a urgente necessidade da superação do que ele chama de “crise de humanidade”, ou seja, o homem precisa redescobrir a sua verdadeira vocação. E qual é a verdadeira vocação do homem? Um professor de História Geral no curso propedêutico do Seminário da Prainha dizia sem temor à turma: “Meus amigos, Deus nos chamou ao amor”. É a maior verdade que já tinha escutado até então. É no amor que descobrimos o sentido e o valor da liberdade. Quem não ama jamais pode entrar no caminho da liberdade.

Segundo o teólogo José Comblin, a liberdade é um caminho, pois ninguém é plenamente livre neste mundo. As estruturas e os condicionamentos são entraves para a liberdade. A liberdade é algo tão sublime, que o fato de estar no caminho da mesma já confere certo sentimento de ser livre. É como que experimentar antecipadamente da liberdade a que somos chamados. Jean-Paul Sartre, filósofo francês, dizia que “o homem é condenado a ser livre”. A liberdade anunciada pelo Evangelho de Jesus é uma liberdade sem adjetivos e sem condicionamentos. A reflexão teológica da liberdade é uma reflexão desconfiada. Quando falam de liberdade acrescentam logo o princípio da responsabilidade e outros. Para Jesus, o homem é livre quando consegue se libertar da lei. Esta é superada pela vivência da liberdade.

Os homens pós-modernos são homens escravos. É até angustiante assistir a expressões alienantes de pessoas que se consideram cristãs por cumprirem a lei. A alienação os faz sentir livres somente quando obedecem à lei. São escravos os que não conseguem observar a lei. Aqui surge uma pergunta: É possível viver socialmente sem as estruturas e a leis que as legitimam? A Sociologia (estudo da sociedade e de suas relações) ensina que não, mas a Pneumatologia (estudo do Espírito e de sua ação no mundo) afirma que sim. Imaginemos que todos os homens amassem e fossem autenticamente livres, certamente não precisaríamos de leis, pois todos agiriam conforme a reta consciência pessoal. Enquanto isto não se torna possível, então deve existir a lei para os “fracos”, como afirma José Comblin. Os fracos são os que se recusam a trilhar o caminho da liberdade, logo precisam observar a lei para não se tornarem desordeiros.

Examinar a consciência tendo em vista a ótica do amor e da liberdade significa colocar-se no caminho de Jesus e perseverar. Santa Luísa de Marillac dizia para as Filhas da Caridade: “Não basta começar bem, é preciso perseverar”. São muitos os que se iniciam no caminho de Jesus, mas devido às exigências do amor e da liberdade terminam por desistir porque se trata de um caminho estreito e difícil. O amor de Deus é exigente porque está voltado para o serviço fraterno e gratuito. Para servir ao próximo o homem precisa estar ciente de suas limitações, pois o outro se apresenta também de forma limitada. Servir segundo o amor de Deus é viver a superação das indiferenças e amar nas diferenças e não as rejeitando. Por tudo isto, a caridade não se apresenta como uma realidade pronta, mas como uma vivência a ser construída e vivida na gratuidade. A caridade evangélica vivida no amor e na liberdade santifica o homem porque todo aquele que a pratica consegue ser sal e luz no mundo revelando a presença de Deus.

Iniciemos 2010 na plena certeza de que só seremos melhores do que aquilo que fomos em 2009 se tivermos a coragem de trilharmos o caminho do amor e da liberdade. Só assim a justiça e a paz reinarão em nosso meio e construiremos um país mais justo e solidário. Que o Deus da vida confirme nossos passos no seguimento de seu Filho Jesus e que o Espírito nos ensine a amar de verdade.

Feliz Ano Novo!


Tiago de França da Silva

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