quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Zilda Arns, profetisa da caridade


“Como discípulos e missionários, enviados a evangelizar, sabemos que a força
propulsora da transformação social está na prática do maior de todos os mandamentos
da lei de Deus: o amor, expresso na solidariedade fraterna, capaz de mover montanhas”
(último discurso de Zilda Arns. Haiti, 12/01/09).

Estando sentado diante do computador, quando terminava de escrever o texto O dom da escuta, resolvi acessar um portal de notícias na Internet e li imediatamente a notícia escrita em forte negrito vermelho: “Morre Zilda Arns no Haiti”. Cliquei na notícia e apareceu de repente uma linda foto da mesma segurando uma criança. O sorriso da pediatra Zilda Arns revela uma alegria que sai do coração da pessoa que ama servir o próximo. Passei a observar esta foto e em silêncio contemplei tal alegria. Aos poucos, foi me tomando uma profunda tristeza. Com esta me veio a seguinte prece: “Meu Deus, faça nascer em vossa Igreja novas Zildas, mulheres que denunciem com o testemunho da doação ao próximo o crime da fome e do abandono”.

A Pastoral da Criança, fundada pela Dra. Zilda Arns, é uma das pastorais mais eficientes da Igreja. É uma iniciativa de caridade que vai ao encontro das famílias pobres de nosso país. A mesma coisa se pode dizer da Pastoral da Pessoa Idosa em relação aos nossos idosos. É uma iniciativa que livra os idosos do abandono e dos maus tratos. Tais iniciativas expressam a opção preferencial pelos pobres exigida pelo Evangelho de Jesus. O trabalho desenvolvido por esta profetisa da caridade é um trabalho justo. Trabalho justo porque está em função do Reino de Deus. A solidariedade fraterna é a expressão da justiça do Reino de Deus e a conseqüência natural da prática da justiça é a construção da paz.

Zilda Arns merecia exemplarmente receber o Prêmio Nobel da Paz. A Pastoral da Criança é um incansável trabalho de combate contra a fome e a desnutrição infantil. É notória a quase erradicação da mortalidade infantil devido ao grande trabalho de milhares de líderes da Pastoral da Criança espalhados pelo Brasil. Quem trabalha para erradicar a fome, conseqüentemente, trabalha contra a violência e constrói a paz. Não tem situação mais angustiante do que assistir uma criança morrer de fome. Tal situação tocou o coração da Dra. Zilda Arns. Sensibilizada pela terrível situação de milhões de crianças famintas e desnutridas, ela não somente denuncia com o discurso, mas vai muito além, fundando iniciativas eficientes de solidariedade fraterna.

Ela compreendia, como se pode ver em seu último discurso, pouco antes de sua morte no Haiti, que o amor é a força propulsora da transformação social. Isto significa que o que a impulsionava a se doar pelo próximo era o amor. Certamente, ela cumpriu com alegria e audácia o maior mandamento da lei de Deus, encontrou-se com o sentido último da vida humana, e a exemplo dos santos e santas de Deus, doou sua vida até o fim à causa do Reino, morrendo em missão. Zilda Arns era o que o Evangelho chama de discípula e missionária, pois seguiu a Jesus nas pegadas do amor. Amor que se manifestou numa vida voltada para a gratuidade e solidariedade.

O que o testemunho de Zilda Arns diz para a Igreja? A Igreja precisa contemplar e aprender com o testemunho desta grande mulher. Trata-se de um testemunho que chama a atenção para a caridade. Esta está na centralidade da mensagem do Evangelho. A Igreja precisa cada vez mais revelar a face de Jesus ao mundo e não há outra maneira de revelar Jesus senão pela via da caridade. Caritas in veritate, disse recentemente Bento XVI. Não se trata de uma caridade, nem de uma verdade discursivas, mas de ambas que na prática afetiva e efetiva convertem os homens e conseqüentemente as estruturas deste mundo. Toda caridade e toda verdade anunciadas tão somente pelo discurso não passam de diplomacia e falsas justificativas para a ausência do amor. Não produzem nenhum efeito. É uma verdade bem elaborada e dita, mas que não produz nenhum efeito. O contrário ocorre com a verdade que é acompanhada com o testemunho de vida de quem a anuncia, pois se trata da palavra do autêntico profeta. Este quando fala não é elogiado, nem aplaudido pelo que disse, mas perseguido e morto porque incomodou a ordem estabelecida.

É urgentemente necessário que todo o clero faça uma profunda reflexão sobre o testemunho de vida de Zilda Arns, pois se a Igreja tentar fugir do caminho da caritas in veritate fugirá também de sua essencial vocação, que é servir no amor fraterno. Nunca devemos esquecer que fora da caridade não existe missão, nem salvação. É preciso que se faça uma releitura do que disse a Conferência de Medellín, quando se fez a opção preferencial pelos pobres. É preciso recordar que fizeram o propósito de viver tal opção, mas a prática é desafiadora. Para se viver tal opção é urgente que se viva uma conversão estrutural na Igreja. Percebe-se que a estrutura é pesadíssima e impede a vivência radical do Evangelho. O testemunho de muitos santos e santas que tiveram que deixar a estrutura hierárquica para viver a caridade evangélica não me deixa mentir.

Demos graças ao Deus da vida que fez nascer na Igreja e no Brasil o testemunho de vida da Dra. Zilda Arns. Que ela sirva de exemplo para todas as mulheres e homens deste sofrido país e que os cristãos, chamados para amar incondicionalmente, a tenham como fonte de inspiração e modelo de discípulo e missionária de Jesus. Que o Espírito do Senhor nos faça missionários do amor neste vale de lágrimas.


Tiago de França

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