quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O presbítero e o resgate da profecia


Neste Ano Sacerdotal proclamado pelo Papa Bento XVI no dia 19 de junho do ano passado, toda a Igreja é chamada a refletir sobre a vida e a missão do presbítero. Qual a missão do presbítero na Igreja e no mundo? Iniciemos, brevemente, com os conceitos de missão, de presbítero, de Igreja e de mundo. Assim sendo, responderemos à indagação e descobriremos a importância do presbítero na missão da Igreja no mundo. A presente reflexão não pretende esgotar um tema tão complexo da vida eclesial, mas apenas apresentar uma colaboração a muitos que não têm acesso às revistas, jornais e livros que têm, demasiadamente, refletido sobre o mesmo tema. Para os que lêem tais fontes bibliográficas e informativas, talvez algumas questões se mostrem repetitivas, mas certamente cada autor expõe de forma diferente e original sobre um mesmo tema.

O que é a missão? Sabemos que Jesus veio ao mundo enviado pelo Pai para inaugurar o Reino. Ele cumpriu fielmente a sua missão, juntamente com um grupo de pessoas que escutaram seu chamado e corresponderam à missão. Jesus não viveu a sua missão sozinho. Ele a cumpriu numa comunidade de pessoas humanas e pecadoras, que na vivência cotidiana de seus costumes e culturas se comprometeram com seu projeto. Com isso quero dizer que Jesus não pediu para que seus discípulos renunciassem à sua vida comum para viverem uma vida sobrenatural, mas a missão se dá na simplicidade da vida humana neste mundo. Substancialmente, não há nada de extraordinário no seguimento de Jesus, ou seja, segui-lo não implica uma transformação da vida comum para uma vida de prodígios, milagres, êxtases, visões etc. Assim sendo, a missão resume-me no seguimento de Jesus, ou seja, a missão é seguir Jesus. Antes de presbítero, o ministro ordenado precisa buscar a autenticidade cristã, ou seja, ser um cristão autêntico.

O presbítero, na Igreja e no mundo, é chamado a seguir Jesus. Antes de qualquer posição eclesiástica que se ocupe na hierarquia ou na sociedade, o presbítero deve ser um seguidor de Jesus. Muitas vezes, infelizmente, certas posições e certos títulos afastam o presbítero do caminho de Jesus, desviando-o para o caminho do prestígio e do poder. Todo aquele que responde o chamado divino na condição de presbítero deve abraçar com radicalidade a proposta de Jesus, pois o ministro ordenado deve ser o primeiro a buscar viver o Evangelho de Jesus e tal vivência encerra-se no caminho de Jesus. Desta forma, percebe-se que o ministério presbiteral é um compromisso sério e exigente, é preciso coragem e muita disposição para cumpri-lo nos dias atuais. A missão do presbítero é levar as pessoas a se tornarem seguidoras de Jesus. Como isto se faz? É simples de entender, mas difícil de viver. O presbítero aponta o caminho de Jesus com a vida e com a palavra, a isto chamamos testemunho.

O que é um presbítero? Também chamado sacerdote ou padre, o presbítero é um homem comum, uma pessoa. Nascido no seio de uma família, ele é filho da carne e do sangue. Tendo escutado o chamado divino opta pelo seguimento de Jesus na condição de ministro ordenado na Igreja, colaborador da Ordem Episcopal, como ensina o Magistério. Antes do Concílio Vaticano II, o presbítero era o centro da vida da comunidade cristã, era visto como homem santo, reservado, detentor e conhecedor dos mistérios divinos, mediador da comunidade e legislador da vida particular do povo. Devido à sua missão específica e elevada em relação aos demais cristãos, era revestido de vestes especiais (hábito religioso) e de um poder sagrado que fazia temer os grandes e os pequenos da localidade, principalmente das pequenas cidades do interior.

Tal mentalidade colocava o presbítero no seu devido lugar, ou seja, era encontrado ou na igreja, ou na casa paroquial. Não era dado às andanças, nem às conversas e locais indevidos. Os antigos costumavam dizer que o padre não era um homem, mas alguém separado e consagrado ao Senhor. Tal mentalidade, construída pela própria Igreja foi bem aceita e assumida pelos católicos. Estes são os primeiros a não aceitar as mudanças realizadas pelo Concílio Vaticano II, salvo as exceções. Os mais velhos da comunidade sentem falta do hábito e da linguagem dura dos padres pré-conciliares.

Certamente não podemos escandalizar tais pessoas, mas precisamos convencê-las de que tal modelo de presbítero não corresponde mais às exigências do tempo presente. O presbítero deve continuar sendo um homem comum, ou seja, pobre entre os pobres como Jesus. A simplicidade da vida presbiteral, por incrível que pareça, é hoje um dos temas mais discutidos, pois as tentações do consumismo e do apego aos bens materiais têm desafiado os presbíteros da Igreja de hoje muito mais do que os da Igreja de antigamente. A globalização do consumismo é também um obstáculo para a Igreja.

O lugar do presbítero, discípulo e missionário de Jesus, é no meio do povo, pois este é que dá sentido para a vida presbiteral. Dom Hélder Câmara, profeta da paz, dizia que o presbítero não existe para si mesmo e o pai biológico deste profeta disse que o ser padre é incompatível com o egoísmo. Este, por sua vez, esvazia o sentido da missão. Um presbítero egoísta é um desastre para a Igreja, pois o ser presbítero está voltado para o serviço e ninguém serve a si mesmo, mas ao outro. Quem não serve, não serve para nada! O sentido autêntico do ministério presbiteral está no serviço ao povo de Deus. O chamado é para ser operário. Jesus não chama para a administração, nem para a posse da vinha, mas para o trabalho na vinha. O presbítero é um trabalhador. O presbítero não é um funcionário da Igreja, nem do altar do Senhor, mas um operário a serviço da comunidade.

O que é a Igreja? O Concílio Vaticano II disse que a Igreja é Povo de Deus (cf. Lumen Gentium). O presbítero está a serviço desta Igreja-povo. Presbíteros, bispos e povo formam a Igreja peregrina e todos devem trabalhar na construção do Reino de Deus. Tudo e todos devem convergir para o Reino, do contrário, tudo e todos perdem o sentido da existência cristã. A Igreja, enquanto instrumento de salvação da humanidade, deve ser uma humilde serva da vinha do Senhor.

O serviço da Igreja à humanidade é de grande importância porque sua missão é de religar os homens a Deus por meio da caridade de Cristo, enviado pelo Pai para a salvação dos homens. O anúncio da salvação em Jesus Cristo restitui à humanidade o vínculo perdido com seu Criador. A Igreja é chamada a apontar o caminho de Jesus, a fim de que se cumpra seu mandato missionário. Recordar aos homens que o amor é o fundamento e o sentido último da existência humana é missão essencial da Igreja. O presbítero está a serviço do anúncio do amor.

O que é o mundo? É a nossa Casa comum. Casa maltratada por seus moradores, seres humanos em crise de humanidade. A missão do presbítero se dá no mundo e para o mundo. A Igreja está a serviço do mundo e como membro da Igreja, o presbítero deve está inserido no mundo, sem medos e pretensões. Por que ter medo do mundo aquele que é enviado por Deus para a conversão dos homens do mundo? É verdade que o mundo, na sua atual dinâmica, desafia radicalmente o presbítero ameaçando-o, mas o Cristo que chama é o mesmo que capacita e encoraja para a missão. A missão presbiteral não se dá na fuga do mundo, pois esta o isola do povo que está no mundo e o afastar-se do povo compromete gravemente a missão do ministro ordenado.

A Igreja e o mundo atuais necessitam urgentemente de profetas. Antes de morrer, Dom Hélder Câmara pediu ao monge Marcelo Barros, OSB, que o visitava: “Não deixem morrer a profecia”. A profecia é necessária para a vida do mundo e da Igreja, pois sem ela o processo de conversão da humanidade se torna impossível. Os profetas fazem o Reino de Deus acontecer na história, porque anunciam a Boa Nova que constrói a vida e a liberdade do gênero humano e denunciam as injustiças, que são as forças do anti-Reino.

Os profetas, com sua palavra e gestos, impedem que o medo e o poder da morte imperem sobre o ser humano. É preciso louvar e agradecer a Deus o testemunho dos presbíteros profetas que tivemos e temos na Igreja, mas que são poucos. A Igreja e o mundo são renovados no seguimento de Jesus quando a profecia se faz presente, do contrário, temos uma Igreja dada à acomodação e à sede do poder, que impede a ação do Espírito Santo.

É o Espírito de Deus que faz surgir os profetas na Igreja. Eles são homens e mulheres livres, que vivem cotidianamente na liberdade do Espírito. Ninguém consegue controlar a vida de um profeta, pois o mesmo não sabe de onde veio, nem para onde vai. A dinâmica do Espírito é indecifrável, pois o mesmo sopra onde, quando e em quem quer. Por isso, os profetas precisam ser acolhidos e compreendidos, o que, muitas vezes, não acontece.

Se tal compreensão e acolhida não ocorrem, os profetas não se incomodam, pois sabem de sua condição e confiam plenamente na divina Providência. São homens e mulheres entregues à vontade de Deus, que no sofrimento e na perseguição, acolhem a graça de Deus colocando-se a serviço da construção do Reino. Este é sempre lembrado pelos profetas, pois constitui a centralidade da mensagem cristã. Fora disso tudo não há profeta, nem profecia, mas suposições e/ou aparências de profetas e profecias. Oremos, pois, ao Deus da vida e da liberdade, que faça nascer no mundo e na Igreja profetas e profetisas, que apontem o caminho da conversão para que possamos verdadeiramente viver.


Tiago de França

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