domingo, 14 de março de 2010

A misericórdia divina


“Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles” (Lc 15, 2).

A parábola do filho pródigo (cf. Lc 15, 1 - 3. 11 – 32) marca a liturgia deste 4º Domingo da Quaresma. Antes de refletirmos sobre o versículo citado acima é preciso relembrar que a Quaresma é o tempo de preparação para a Páscoa, ou seja, esta confere sentido aquela. A Quaresma sem a Páscoa perde o seu valor e significado, pois na primeira somos chamados a refletir sobre a segunda. Sendo a maior festa do Cristianismo, a Páscoa é para os cristãos o grande momento da alegria da passagem do Messias de Deus, aquele que venceu a morte para nos dar vida plena. Deus, em sua infinita sabedoria e misericórdia nos deu a oportunidade de termos vida eterna fazendo seu Filho único passar pela experiência da morte, e a partir da vitória sobre a morte somos introduzidos no mistério divino e passamos a ser participantes da nova e eterna Aliança, esta pautada no amor-doação que deve se expressar em nossa humanidade.

O início do texto revela que Jesus é escutado pelos publicanos e pecadores. Eles se aproximam de Jesus e isto chama a atenção dos fariseus e mestres da Lei, que passam a criticá-lo. Tal crítica deve também chamar a nossa atenção, pois nos mostra que Jesus era próximo dos pecadores de seu tempo. Na crítica das autoridades religiosas do tempo de Jesus podemos ver que eles se utilizam do verbo ACOLHER, verbo muito significativo para a espiritualidade cristã. Depois, se utilizam do FAZER REFEIÇÃO, atitude profundamente cristã, uma vez que o Cristianismo também é conhecido como a religião do pão. Partilhar a vida e viver a comunhão em torno da mesa foram atitudes realizadas por Jesus e transmitidas pelas comunidades primitivas.

O que significa acolher os pecadores? A resposta de Jesus diante da crítica dos fariseus e mestres da Lei se dá na parábola do filho pródigo. Nela, Jesus traduz a misericórdia divina em relação a todos os pecadores. Independentemente dos pecados, Deus os ama incondicionalmente. O amor de Deus pelas mulheres e homens deste mundo é infinito. O perdão divino se revela na acolhida recíproca que deve haver entre aqueles que seguem Jesus. Não se trata de um perdão mágico ou vivido emocionalmente. A experiência do perdão divino se dá na vida das mulheres e homens de boa vontade. Acolher o perdão divino é acolher o irmão pecador naquilo que ele é, fraco e limitado. A acolhida mútua é uma das exigências do caminho de Jesus.

Jesus não era fariseu, ou seja, separado. Não era puritano, ou seja, não se julgava melhor do que os demais homens, apesar de ser o santo e o justo. Aproximando-se dos pecadores e acolhendo-os como irmãos, nos ensina o valor e o sentido de ser fraterno. Se não nos acolhemos mutuamente, a fraternidade não existe entre nós e se a fraternidade não existe, consequentemente, não somos cristãos. Acolher os pecadores foi a atitude de Jesus e deve ser também a nossa. Acolher os pecadores significa acolher aquelas pessoas com as quais não queremos conviver, nem compreender. É costume de gente farisaica tomar distância dos pecadores públicos: embriagados, prostitutas, homossexuais, ladrões, etc. Jesus acolheu estas pessoas, que são nossos irmãos e irmãs na fé. Não somente acolheu, mas fez refeição com elas, numa atitude humilde e despojada, portanto, fraterna, efetiva e afetiva.

Acolher o outro do jeito que ele é e se apresenta é algo desafiador. É tão desafiador que se tornou atitude de poucos. De fato, é muito fácil afirmar a necessidade de tal acolhida, vivê-la no cotidiano da vida é difícil, mas não é impossível. Costumamos nos aproximar das pessoas consideradas certas e quando elas erram, são imediatamente abandonadas por nós, salvo as exceções. Às vezes, detestamos os nossos pecados que se manifestam na vida dos outros. Achar que o outro está sempre errado é um gesto que impede a vivência da misericórdia entre nós. Fazemos o papel do irmão mais velho da parábola quando nos recusamos de aceitar de volta ao nosso convívio aqueles que pecaram. Se todos pecam e ninguém está isento da condição de pecador, logo ninguém tem o direito de julgar, nem de se recusar à acolhida fraterna.

Jesus participou da vida dos publicanos e pecadores. Ele era Deus e não deixou de sê-lo porque se misturou com os pecadores. Isto mesmo: Jesus se misturou com aqueles que eram tidos como os imundos da sociedade. Publicanos e pecadores eram mal vistos e odiados pela sociedade, pelas autoridades e pelos religiosos da época. A experiência divina do amor para com os pecadores se apresentou como novidade e não foi aceita pelos fariseus e mestres da Lei. Até os dias de hoje encontramos tais fariseus e mestres da Lei, que continuam não aceitando o mandamento de Jesus, pois julgam, condenam e desprezam os pecadores públicos. Um exemplo para ilustrar: os homossexuais, discriminados pela sociedade, são proibidos de receber a Eucaristia na Igreja, porque são considerados indignos. Diante deste exemplo pergunto: E quem é digno de receber a Eucaristia? E os padres, recentemente denunciados por serem pedófilos e homossexuais são dignos?... São questões que precisam ser pensadas e repensadas.

Apesar de nossas resistências precisamos buscar atender a esta difícil exigência evangélica: acolher os pecadores de nosso tempo. Eles são muitos, são perseguidos e apedrejados pela sociedade, demonizados e expostos ao ridículo. Por isso, o Evangelho nos convida a darmos a oportunidade a estes irmãos tidos como perdidos, excluídos dos padrões de normalidade estabelecidos pela sociedade. Certa vez, estando num coletivo no centro de Fortaleza – CE, falando dos jovens usuários de drogas, uma senhora falou em alta voz: “Estes marginais precisam ser mortos, pois não prestam pra nada!”. De fato, aquela mulher não sabia o que estava falando, pois condenava à morte os pobres jovens pecadores, vítimas de um sistema econômico excludente e opressor, que destrói e mata diariamente muitas pessoas.

Diante dos que pecam é preciso pensar nos fatores que os levam ao pecado. Penso que, uma vez que o pecado é danoso à vida humana, ninguém peca porque livremente quer, mas porque a realidade impõe certos comportamentos e sentimentos que tiram a vida das pessoas. Os padres homossexuais e pedófilos acima mencionados também precisam ser acolhidos. É verdade que não podemos aceitar suas práticas, mas não temos o direito de julgá-los, nem de condená-los. Todos os cristãos, pecadores no seguimento de Jesus, são chamados a viver a dialética da misericórdia, que chama para atitudes misericordiosas para com o próximo. A parábola convida ainda a sermos filhos pródigos, num constante arrependimento de nossas faltas, pois o Deus de Jesus é o Deus dos pecadores, que nos ajuda na inconstância da vida presente a nos libertar de nossos pecados, principalmente dos pecados da omissão e do fechamento de si mesmo.


Tiago de França

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