quarta-feira, 3 de março de 2010

Ser padre para a Igreja ou para o mundo?



As declarações e publicações recentes da Igreja e de personalidades da Igreja têm insistido na idéia de que é preciso ser padre para a Igreja. Mas o que significa ser padre para a Igreja? De que Igreja estamos falando? Dependendo da compreensão, cada presbítero vive a sua missão. Compreender o modelo de Igreja e de presbítero é importante para sabermos que tipo de Igreja estamos construindo e que tipo de presbítero estamos formando. Não que a Igreja seja construída somente pela ação dos presbíteros, mas pelo que se ensina, eles fazem parte do corpo hierárquico que a rege e governa.

De uns tempos para cá tenho escutado expressões e pensamentos de seminaristas, principalmente daqueles que se encontram na formação teológica e confesso que ando preocupado com algumas idéias. Uma boa parcela deles revela querer ser padres de uma Igreja que não é a Igreja Povo de Deus, proclamada pelo Concílio Vaticano II. Isto é preocupante porque a concepção de presbítero que forma a compreensão da teologia presbiteral ensina que o ministério do presbítero está voltado para o serviço. Não vejo aptidão ou vontade para servir naquele que aspira ser padre somente porque deseja fazer parte da hierarquia, pois tal desejo revela o oposto do serviço, de querer ser servido.

Assim sendo, de maneira breve podemos citar dois modelos gerais de Igreja: aquela centrada em si mesma e preocupada com a manutenção do conjunto hierárquico, portanto, fechada e legalista; e outra denominada Povo de Deus, Assembléia de discípulos e missionários de Jesus, aberta e inserida no meio dos pobres. Dom Hélder Câmara chamava a este último modelo de “Igreja dos Pobres”. São Vicente de Paulo, com sua vida e ensinamento afirmou que “os pobres são os nossos mestres e senhores”. Desta forma, na Igreja dos Pobres sonhada por Dom Hélder Câmara, os pobres são aqueles que regem e governam, pois ensinam a Igreja o verdadeiro caminho de Jesus.

Claramente podemos pensar, a partir desta compreensão, dois modelos de presbíteros. Há aqueles que são os padres da Igreja, sendo que esta não é Povo de Deus, mas estrutura governamental e estruturas de poder. Os padres deste modelo são identificados pela fidelidade à lei, à hierarquia, à uniformidade que quebra a unidade e ao espírito de manutenção das estruturas. Para eles não há novidade do Espírito, pois esta causa “desordem”. O que mantêm a ordem é a obediência à lei, por isso, esta deve ser fielmente guardada. Tal modelo de presbítero se identifica com o poder e se apega exacerbadamente a ele, levando o povo a viver uma vida regrada no direito e no dever para com as prescrições canônicas; são homens de vida tranqüila e boa, pois não se preocupam com as causas dos pobres, que pode tirar sua paz.

A formação dos padres deste modelo é pautada na lei, pois aprendem que a Igreja é um corpo hierárquico e que a obediência é a maior das virtudes. Aprendem ainda que tudo na Igreja é perfeito, que a imperfeição está naquele que desobedece ao que foi inspiradamente instituído, que não se pode misturar com o mundo nem com as pessoas do mundo, pois o presbítero é um homem consagrado a Deus, tal mistura leva ao pecado, ao vício e à tibieza. Aprendem que o presbítero é o centro da vida da comunidade, ou seja, ele deve saber e autorizar todas as coisas. Aprendem também que sem presbítero não existe Eucaristia e que o povo não sabe caminhar sozinho, precisa ser guiado. Ensina-se também, na formação deste modelo, que o presbítero deve ser temido, pois é representante de Cristo na comunidade, desta forma, todos devem venerá-lo como homem sagrado, que leva uma vida totalmente diferente da dos demais homens. Este modelo corresponde ao traçado pelo Concílio de Trento e que, infelizmente, perdura até os dias de hoje, devido às resistências oriundas do medo da guinada do Vaticano II. Este modelo gera cristãos infantilizados, que nunca ficam adultos na fé.

O segundo modelo, traçado pelo Concílio Vaticano II e explicitado nas posteriores Conferências do CELAM é o modelo do presbítero que serve à Igreja Povo de Deus. O conceito de tal presbítero está intimamente ligado ao conceito de povo. É o presbítero voltado para o povo, principalmente o povo dos pobres. Estes, em Jesus Cristo, formam a centralidade de sua missão. Despreocupados com o rigoroso cumprimento da lei, tal presbítero tem no Evangelho a sua força e o fundamento de sua missão. O presbítero da Igreja-povo é aquele que, vivendo no meio do povo, anuncia-lhe Jesus Cristo por meio de uma vida comprometida com as grandes causas do Reino de Deus, que são as causas dos oprimidos. Ele dá a vida na luta pela libertação integral do povo, conferindo ao seu ministério a marca do Cristo crucificado e ressuscitado entre os pobres, destinatários do Reino e prediletos de Jesus.

Atualmente, a formação de tais presbíteros acontece juntamente com a formação dos presbíteros do primeiro modelo. Todos se formam no Seminário. A Igreja ainda compreende que fora do Seminário não há formação clerical. O padre e teólogo José Comblin, em seu primeiro texto comentando o Documento de Aparecida, afirma categoricamente que o Seminário não é mais lugar de formar padres, pois não se formam discípulos e missionários de Jesus, mas professores de Filosofia e Teologia, homens letrados que não sabem viver entre os pobres, porque não vivem pobremente nem se formam na perspectiva dos pobres. É uma crítica a ser refletida, levando em conta a realidade da Igreja e da sociedade atuais.

Uma formação que resgate o Evangelho de Jesus e os pobres como centralidade da proposta do ser presbítero leva o ministro ordenado a fazer a opção de Jesus. Trata-se de uma formação humilde, simples, inserida e sintonizada com o mundo sofrido do povo. Uma vez que não se permite viver plenamente inserido no meio do mundo, através do trabalho e das penúrias do cotidiano, deve-se alimentar uma mística e uma espiritualidade transformadora. Deve-se, ainda, cultivar um espírito crítico e atualizado em relação à atuação missionária da Igreja, a fim de que se evite a alienação e acomodação daqueles que exercem uma missão específica no meio do povo. Tal especificidade não pode ser sinônima de cultivo e manutenção de privilégios. Este também é um dos problemas do primeiro modelo abordado.

Na Semana Teológica da Faculdade Católica de Fortaleza em 2008, perguntei ao teólogo Mário de França Miranda, SJ, depois deste ter falado sobre sua experiência na redação do Documento de Aparecida: Qual o modelo de presbítero que pode corresponder às exigências do Documento de Aparecida? Ele se explicou, mas não respondeu. Dirigi a mesma indagação ao Arcebispo de Fortaleza, que estava presente, mas este também não respondeu. Agora insisto em apresentar esta pergunta a você que está concluindo a leitura deste texto! Penso que a Igreja precisa pensar em responder efetivamente esta questão. É preciso que tenhamos padres da Igreja-povo no mundo.


Tiago de França

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu vos Explico a Teologia da Libertação


Cardeal Joseph Ratzinger – Papa Bento XVI

Para esclarecer a minha tarefa e minha intenção, com relação ao tema, parecem-me necessárias algumas observações :

1) A teologia da libertação é fenômeno extraordinariamente complexo. É possível formar-se um conceito da teologia da libertação segundo o qual ela vai das posições mais radicalmente marxistas até aquelas que propõem o lugar apropriado da necessária responsabilidade do cristão para com os pobres e os oprimidos no contexto de uma correta teologia eclesial, como fizeram os documentos do CELAM, de Medellin e Puebla.

Neste nosso texto, usaremos o conceito ´teologia da libertação´ no sentido que compreende apenas aqueles teólogos que, de algum modo, fizeram própria a opção fundamental marxista.

Anônimo disse...

É verdade que muitos seminaristas querem ser padres para a hierarquia da Igreja. No entanto há muitos outros que sentem que sua formação não condiz com seu chamado. sentem que foram chamados por Cristo para o serviço de Seu povo e no entanto a formação que recebem no seminário é para a hierarquia. sofrem por não estarem com o povo, não viver o que ele vive e não terem liberdade para questionar isto. também acredito que o seminário não é o melhor lugar para se formar um padre, creio que este deveria ser formado no meio do povo e para o povo. A Igreja precisa de pastores e não de intelectuais.