domingo, 11 de abril de 2010

O Ressuscitado e a misericórdia


“A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21).

Este segundo Domingo do Tempo Pascal é chamado de Domingo da Misericórdia. Esta revela o ser de Deus, ou seja, Deus é Misericórdia porque se compadeceu de nossa humanidade corrompida pelo pecado e se fez homem no meio do mundo para a salvação da humanidade. Aprendemos com o próprio Deus a sermos misericordiosos com o próximo. Aprende-se a ser misericordioso no pleno exercício da misericórdia. Esta é melhor entendida quando vivida na relação com o outro. É na relação com o outro que experimentamos a misericórdia divina, pois Deus se faz presente no outro e nos interpela. É verdade que precisamos, antes de tudo, ser misericordiosos conosco mesmos, para depois o sermos com o outro.

A Ressurreição de Jesus é a maior manifestação da misericórdia divina, pois vencendo a morte, o Cristo nos libertou para uma vida nova no amor. Fomos libertos para amar. A morte é justamente a falta do amor, pois quem não ama, definitivamente, morre. Como qualquer ser humano, Jesus viveu a experiência da morte corporal, mas porque amou como o Pai o enviou para amar, venceu a morte com o poder do amor. É o poder do amor que nos ressuscita, pois quem ama se liberta do ódio, da vingança, do desamor, da solidão, enfim, de toda manifestação do poder da morte. A experiência do Ressuscitado é a experiência do amor vivido até as últimas conseqüências. Quem não viver a exemplo de Jesus, amando durante toda a vida, até as últimas conseqüências, infelizmente, não vai participar das alegrias pascais, das alegrias da Ressurreição.

A experiência da fé cristã remete-nos à experiência de Jesus, pois esta é a base daquela. Não se pode perder Jesus de vista, pois ele deve ser o referencial fundamental. Quando Jesus deixa de ser o centro da vida e da espiritualidade cristãs, estas perdem seu horizonte e se tornam superficiais. A realidade de nossos dias é uma prova da superficialidade da vida e da espiritualidade cristãs. Quando relemos a experiência da Igreja primitiva logo descobrimos o quanto estamos distantes das exigências do mandato missionário de Jesus. Tal mandato remete-nos à inserção no mundo até as últimas conseqüências, como nos ensina o testemunho de vida dos mártires e dos santos.

No texto evangélico de hoje (Jo 20, 19 – 31), no versículo acima mencionado, Jesus deseja a paz a seus discípulos e os envia em missão. Depois de terem visto o Messias morto na Cruz, eles precisavam da paz do Ressuscitado para recuperarem o ânimo. Deve ter sido muito difícil para eles terem visto o Mestre, o missionário do Pai, depois de muitas andanças e realizações no meio do povo, crucificado num madeiro, madeiro que era tido como sinal de vergonha, humilhação e maldição. Imagino o semblante frustrado de todos eles, mas a alegria da presença do Ressuscitado os reanimou e os confirmou no seguimento. Os discípulos foram chamados a ser missionários e o testemunho profético de cada um revela que todos aceitaram a missão.

Este Domingo da Misericórdia nos chama a sermos missionários da misericórdia de Deus. Isto pressupõe que vivamos a misericórdia em nossas atitudes cotidianas, diante da fraqueza de nosso próximo, pois somente assim é que revelamos a face de Deus. Ele se revela no exercício da misericórdia. Esta nos leva à acolhida de nosso próximo a partir de sua condição. O mundo atual carece da espiritualidade da acolhida do próximo, espiritualidade ameaçada pelo individualismo que leva as pessoas ao isolamento em si mesmas e ao egoísmo. Somente na prática da misericórdia é que podemos quebrar as barreiras do individualismo e do egoísmo.

As diversas formas de violência presentes na vida social também revelam a falta de misericórdia nas relações entre as pessoas. A intolerância e a impaciência afetam gravemente a vida em sociedade e entre as Igrejas. Quando conseguimos ser misericordiosos com nosso semelhante e com o mundo em que vivemos, aprendemos também a sermos tolerantes e pacientes com as pessoas e com a natureza, do contrário, só assistiremos ódio e vingança que geram a destruição de todos, do homem e do mundo. Além do sentimento de compaixão em relação ao sofrimento e à realidade do outro e do mundo, o diálogo é outro instrumento necessário para a boa convivência. Sem diálogo não existe entendimento, consequentemente, não existe convivência. Esta exige comunhão e participação na vida do outro e sem o diálogo isto se torna impossível.

Enfim, podemos afirmar que a misericórdia é filha do amor e quem ama pratica obras de misericórdia e se torna misericordioso. A misericórdia nos sensibiliza para irmos ao encontro das necessidades de nossos irmãos. Não podemos nos entregar à insensibilidade de nossos dias. “Cada um por si e Deus por todos” é uma mentira que precisa ser desmascarada, principalmente os cristãos. Somos chamados a viver em comum-unidade e não deve existir a falsa ideologia do “cada um por si e salve-se quem puder”. São Vicente de Paulo ensinou que “o segredo mais íntimo de Deus é a sua misericórdia” (SVP. Coste XI, 341). Assim sendo, se quisermos participar da intimidade divina precisamos aprender a sermos misericordiosos. Peçamos, pois, a Deus esta graça e seremos salvos.


Tiago de França

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