sábado, 24 de abril de 2010

Testemunhas da Ressurreição


“As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (Jo 10, 27).

Neste 4º Domingo da Páscoa a liturgia nos oferece a figura de Jesus, o bom Pastor. O texto evangélico é curto (cf. Jo 10, 27 – 30) e de um significado profundo para a vida cristã. Na pessoa de Jesus encontramos o sentido e o valor da vida cristã. Jesus é a referência por excelência para se compreender a mística e a espiritualidade cristãs, sem abordar seu testemunho de vida, toda reflexão não passa de falácia e/ou ilusão. Por que, de início, é preciso enfatizar tal questão? Porque, atualmente, Jesus e seu Evangelho estão sendo marginalizados na reflexão e na prática da fé, enquanto outros valores e/ou interesses estão sendo proclamados e vivenciados. Fala-se da pessoa de um Cristo que nunca existiu, pois falam de um Cristo sem projeto. Falar de Jesus sem referência ao Reino que ele inaugurou é falar de um Jesus falso, sem rosto, sem história.

Nestes dias, minha turma de Seminário está realizando um passeio comunitário na cidade do Rio de Janeiro. Na chegada, tivemos muita dificuldade, pois o trânsito estava caótico. Motivo: o dia D da Igreja Universal do Reino de Deus. O famoso Dia da Decisão. Neste dia, segundo o que a mesma Igreja ensina, Deus é invocado e atende prontamente às preces dos fiéis. Segundo a Polícia Militar do Rio compareceu 1 milhão de pessoas ao evento e 8 milhões em todo o país. Abstenho-me em fazer um juízo de valor sobre o evento em si, pois é matéria para outro artigo, mas a partir do título da presente reflexão, podemos indagar o seguinte: Qual o testemunho de fé que procede de tal evento?

Peço ao leitor que não me julgue mal, interpretando que esteja querendo difamar a Igreja Universal e exaltar a Igreja Católica. Não perco meu tempo com isto, afinal de contas, ambas se encontram numa histórica e triste situação. Os escândalos falam por si mesmos. Teologicamente, o que preocupa é que não se fala da construção do Reino de Deus. Falar de tal construção é o primeiro passo. É necessário que tal temática esteja no centro das discussões e seja o projeto fundamental da Igreja e/ou do Cristianismo (conjunto das Igrejas cristãs). Falar da construção é comprometer-se. Quem anuncia Jesus deve se comprometer com ele, pois é o próprio Jesus o Reino de Deus entre nós. O fato é que assisti a ida de pessoas indo ao encontro de pastores que prometem curas e milagres para uma multidão insaciável e cheia de problemas para resolver, principalmente problemas de ordem financeira. Multidão que procura somente milagres porque é induzida somente para isto.

A Igreja Universal do Reino de Deus tem interesse especial por pessoas com problemas financeiros, pois a Teologia da Prosperidade está no centro daquilo que chamam de anúncio da Boa Nova. Esta se resume no seguinte slogan: “Entrega a tua vida e teus bens ao Senhor Jesus e ele resolverá todos os teus problemas”. O nome da Igreja é até bonito, pois faz referência ao Reino de Deus, mas a prática marginaliza plenamente tal Reino. É revoltante a lavagem cerebral que se faz na cabeça da pobre gente ignorante. Gente que desconhece o conteúdo autêntico da Palavra que integralmente liberta. A Palavra é usada como instrumento de manipulação e alienação da consciência. Trata-se de um pecado que fere o princípio da misericórdia divina, um pecado contra o Espírito de Deus. Trata-se do pecado e do deplorável veneno dos fariseus, que precisam ser condenados e denunciados com a maior veemência possível.

A espiritualidade do Bom Pastor nos ensina que os verdadeiros pastores precisam dar a vida por suas ovelhas. O pastor que se aproveita da inocência e ingenuidade de suas ovelhas é mercenário. Recentemente, estamos assistindo às denúncias dos crimes de pedofilia cometidos por alguns membros do clero, que envergonham a Igreja Católica. Criminosos de batina que se aproveitaram da inocência de crianças e adolescentes ao longo de décadas. Misericordiosamente, é preciso que clamemos pela justiça dos homens e pela divina, a fim de que tais atos não sejam mais tolerados por Bispos descomprometidos com a saúde pública e com a moral cristã, que, comprovadamente, se deixaram corromper e/ou que acobertaram tais crimes.

A espiritualidade do Bom Pastor nos ensina também que a Igreja precisa de ovelhas dóceis à voz do Espírito, que trabalhem eficazmente na construção do Reino. A Igreja não precisa de ovelhas alienadas e passivamente obedientes à hierarquia, mas de cristãos adultos e comprometidos na justiça e no amor. Tais exigências apontam para uma responsabilidade maior por parte dos que podem oferecer uma formação sólida às lideranças do Povo de Deus nas Comunidades. É preciso que se recupere o sentido de comum-unidade, a fim de que a Igreja se torne verdadeiramente Povo de Deus, do contrário, assistiremos gradativamente a falência de uma Igreja que insiste remar contra as novidades que o Espírito faz surgir no mundo. É preciso que se tenha a coragem de se aplicar verdadeira e eficazmente o espírito de comunhão e participação que transforma e converte a Igreja.

Somente pela Comunhão e Participação de todos na Igreja é que podemos dar testemunho da Ressurreição de Jesus. Como é possível dar testemunho se somos desunidos? Como podemos dar testemunho se temos medo de avançar para as águas mais profundas? Se a desunião e o medo tomam conta de nosso ser Igreja, como construir o Reino? Já passou da hora de pensar seriamente sobre isto. Pensar seriamente é pensar tendo em vista o compromisso. Na Igreja temos muita coisa bem elaborada, penso que seja a hora de efetuarmos algumas questões, pois o tempo passa e a sociedade evolui, a Idade Média com sua cristandade não existem mais, a não ser na cabeça de alguns saudosistas e/ou revoltados.

O Espírito do Ressuscitado é a força que reanimou os discípulos de Emaús, que na partilha do pão os fez reconhecer Jesus. Este mesmo Espírito nos revela por meio de sinais claros que a Igreja precisa se converter. Ela sabe dos seus pecados e conhece as próprias feridas. Não se podem buscar paliativos, remédios que não curem. É urgente que se busque auxílio antes que certas doenças se tornem um câncer, que poderá ser incurável. Para o Espírito do Senhor tudo pode ser transformado, mas tal transformação deve partir de cada pessoa que forma a Igreja, pois o Espírito não faz mágica, mas com e a partir da humanidade dos homens faz a transformação acontecer. É este o Espírito que guia e ilumina a Igreja, o mundo e os homens. Ele é livre e libertador. Quem se deixa conduzir por ele torna-se verdadeiramente livre. É ele quem nos faz testemunhas da Ressurreição no cotidiano da vida.


Tiago de França

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