terça-feira, 25 de maio de 2010

O Espírito Santo e a profecia na Igreja


“A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21).

Introdução

Devido à falta de tempo, ocasionada pela vida acadêmica, com certo atraso, faço chegar aos amigos, amigas e comunidades, como faço anualmente, uma breve palavra sobre a Solenidade de Pentecostes. Penso que não deve haver uma data ou época específica para se falar do Espírito de Deus, pois ele é presença amorosa no cotidiano da história desde sempre e para sempre. Não se trata de uma palavra sobre a Solenidade em si, que é uma ação litúrgica da Igreja, mas, à luz da fé que nos instiga para a missão, apresento brevemente algumas palavras sobre a ação do Espírito de Deus na pessoa e no mundo. O momento atual da Igreja e da sociedade exige de cada cristão reflexões e posturas firmes que construam o Reino entre nós. Evitarei citação de livro, capítulos e versículos, para que o texto não fique visivelmente cansativo. Um bom leitor dos evangelhos saberá onde cada referência se encontra.

A promessa

Depois de ter cumprido fielmente a sua missão, Jesus promete o Espírito Santo. Este veio ao mundo por causa da vinda de Jesus. Os discípulos não compreenderam suas palavras e seus gestos, foi necessário que o mesmo enviasse o Espírito. Segundo Jesus, a missão do Espírito é a de recordar aos discípulos tudo o que ele viveu e ensinou. Faltou aos discípulos a profunda experiência do Espírito para tal compreensão, pois os aproximadamente três anos com o Mestre não foram suficientes para compreendê-lo plenamente. Aqui podemos levantar uma interessante questão: Quem pode compreender plenamente a missão salvífica de Jesus de Nazaré?

Somente o Espírito Santo, que conhece as profundezas de Deus, é quem conhece a profundidade do sentido pleno da missão do Messias. Por isso, é necessário que o cristão possa viver a experiência do Espírito para compreender Jesus e sua missão. Surge, então, uma segunda indagação: O que é a experiência do Espírito? Com o advento do pentecostalismo protestante e católico se deu mais ênfase à denominada experiência espiritual, mas o termo e seu sentido não são bem compreendidos.

Fala-se de curas, milagres, línguas estranhas, visões, arrebatamentos, repouso, êxtases e de tantas outras experiências de ordem psicológica, que foram traduzidas pela linguagem religiosa das Igrejas. Experiências explicáveis pelas abordagens provenientes da Psicologia e da Parapsicologia. Pode-se arriscar em dizer que são experiências superficiais que não traduzem a legítima presença do Espírito. A ação deste aponta para outra direção.

O cumprimento da promessa

Antes da vinda do Espírito, os discípulos de Jesus viviam escondidos, com medo das autoridades judaicas. Eles esperavam o cumprimento da promessa. Alguns até desistiram de esperar e voltaram desiludidos para suas casas (discípulos de Emaús). O fato de terem convivido com o Filho de Deus, de terem visto vários prodígios serem realizados no meio do povo e presenciado a morte de cruz, a frustração foi total. Humanamente, é compreensível a situação dos discípulos de Jesus, pois assistiam a tudo e não entendiam nada. Faltava-lhes o Espírito Santo. Este fez Jesus saber, entender e refazer todas as coisas. A experiência espiritual de Jesus é o refazer a criação pela força do Espírito. Jesus entregou-se plenamente à ação do Espírito e, graças a esta entrega conseguiu cumprir a vontade de Deus.

Quando veio o Espírito Santo no dia de Pentecostes, todos perderam um dos maiores inimigos do caminho de Jesus: o medo. O Espírito os fez sair do silêncio oriundo do medo para a experiência do anúncio da Boa Notícia. Eles se tornaram testemunhas da Ressurreição de Jesus e testemunharam até as últimas conseqüências, até o derramamento de sangue, à doação da própria vida, a exemplo do Mestre Jesus. Anunciaram a Boa Nova não somente aos judeus, mas aos gregos, aos pagãos, aos escravos e aos livres, enfim, a todos. O anúncio do Evangelho e a salvação trazida por Jesus são universais. Não são propriedades particulares de nenhuma pessoa, Igreja ou sistema religioso.

O Espírito Santo veio para ficar no mundo e conduzir a História ao seu destino final. Ele veio para libertar o mundo do poder da morte e restituir a vida às pessoas. A vinda do Espírito revela que o Deus da vida não abandonou a sua criação. Deus quis ser conhecido e amado pelas pessoas. Estas foram criadas à sua imagem e semelhança. Como poderia Deus abandonar às mãos da morte a sua própria imagem e semelhança? Sendo Deus o amor por excelência, tal abandono seria pura contradição consigo mesmo. Seu amor pela humanidade supera a rejeição humana. O Espírito revela que Deus está no mundo, trabalhando cotidianamente e amando a todos, indistintamente.

O Espírito, os profetas e as profetisas

Desde antes de Cristo até o momento presente, Deus fez surgir profetas e profetisas na história dos homens e na história das Igrejas. São mulheres e homens, escolhidos para uma missão que desemboca no martírio. O Apóstolo Paulo fala que na comunidade dos seguidores de Jesus, após os apóstolos estão os profetas. Estes são pessoas repletas do Espírito Santo para viverem a experiência do anúncio e da denúncia. A coragem e a verdade são características marcantes da sua missão. São pessoas verdadeiramente livres e entregues à ação do Espírito. São livres porque assumem a missão de colaborar na libertação do mundo, e no processo de libertação a liberdade acontece.

A história revela que os profetas são pessoas livres em relação a qualquer tipo de poder ou instituição. O poder do profeta está na palavra e no gesto, por isso que podem morrer facilmente. A morte do profeta tem sua hora, seu momento e seu lugar. Ele só morre quando cumpre a sua missão e a morte só é profética quando está direta e explicitamente relacionada às grandes causas do Reino de Deus. O profeta não fala de si, nem para si, mas fala da vontade de Deus para a libertação integral do homem e do mundo. Ele não fala em nome de uma instituição, mas em nome de Deus. Por isso, o profeta também denuncia as injustiças cometidas pelas instituições religiosas, mesmo correndo o risco de ser condenado e rejeitado pelas mesmas.

O profeta não se preocupa com a própria vida, mas com o anúncio da verdade do Evangelho. Isso não significa que seja masoquista, pelo contrário, no anúncio da verdade o profeta encontra a verdadeira vida e restitui a vida do mundo. A profecia que defende e promove a vida do homem e do mundo resume a missão profética. O profeta é capaz de dar a vida pela vida do mundo, a exemplo de Jesus de Nazaré, o maior modelo de profeta da história. A verdade anunciada sem medo liberta as consciências das falsas ideologias e das mentiras do sistema neoliberal que domina o mundo. Os profetas estão dentro e fora das instituições religiosas, os últimos são mais livres para exercerem o dom da profecia que os primeiros. As instituições religiosas tendem a silenciar os profetas porque os mesmos incomodam. A palavra profética chama para a conversão de vida, conversão que passa pelo reconhecimento do pecado e pelas mudanças estruturais.

O Espírito na vida da Igreja

Atualmente, a Igreja está passando por uma crise histórica. Escândalos de pedofilia expõem a vida privada de alguns membros do clero. A mídia sensacionalista mostra os detalhes dos acontecimentos criminosos e os católicos se decepcionam. Há casos de revolta, abandono da fé e das práticas religiosas. Crime de pedofilia cometido por membros do clero é sinal de que algo de errado está acontecendo na vida interna e estrutural da Igreja. O Papa admite o pecado e apela para a conversão e para a justiça. Diferentemente de outras épocas, em poucas horas ou minutos o mundo todo ficou sabendo de tudo o que aconteceu.

Muita gente acha que a motivação para tais crimes está no celibato imposto pela Igreja. Para tentar salvar o celibato obrigatório, o Secretário de Estado do Vaticano responde que tal crime está ligado à homossexualidade. O Papa é acusado de acobertamento de casos de pedofilia no passado, quando fora Arcebispo na Alemanha. Muitas conferências episcopais, Bispos e a Cúria Romana entram na defensiva e promovem manifestações em solidariedade para com o Pontífice. Este, a partir de Roma escreve à Igreja irlandesa.

No Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos publica novas resoluções para a admissão dos novos candidatos às ordens sacras e punições severas aos que incorrerem no crime de abuso sexual de qualquer ordem. Resta-se esperar que tais resoluções sejam observadas pela Promoção Vocacional das Dioceses, Congregações, Ordens e Institutos de Vida Apostólica, e também pelos Senhores Arcebispos e Bispos.

O que o Espírito diz às Igrejas nesta hora tão difícil? O Espírito chama para a conversão de vida que constrói o Reino de Deus. É urgente que se coloque a questão do Reino de Deus no centro das preocupações da Igreja, ou seja, recuperar o genuíno anúncio do Evangelho de Jesus. É preciso que se despoje da exacerbada preocupação pela imagem institucional perante o mundo. É preciso, ainda, que se estabeleça de uma vez por todas a comunhão e a participação na vida do mundo, sem medo e sem preconceitos, sem condenações e sem exclusões. Comunhão e participação foram as exigências anunciadas pelo Concílio Vaticano II.

Dialogar com as questões emergentes do mundo pós-moderno é outra necessidade emergente. Diálogo que deve acontecer sem atitudes prepotentes, sem a intenção de converter o mundo inteiro à Igreja. O homem pós-moderno recusa-se a se submeter às imposições e prescrições de ordem doutrinal e/ou religiosa. Quanto mais a Igreja apela para a força do discurso condenatório mais causa revolta entre seus membros e na sociedade. Tal discurso deve ser abandonado e transformado em peça de museu nas exposições sobre a era da cristandade. A Igreja deve chamar a atenção do mundo pelo testemunho vivido na caridade e no diálogo. A linguagem do amor deve prevalecer nas relações, pois somente no amor é que o homem pode se realizar. A linguagem do amor é universal.

Conclusão

O Apóstolo Paulo ensina-nos que o Espírito Santo sempre vem em auxílio da nossa fraqueza, ou seja, não somos abandonados às mãos da morte. Assistidos pelo Espírito Santo somos chamados a dar continuidade à caminhada rumo à plena liberdade. É o mesmo Espírito que abre nossas mentes para compreender e aceitar o novo que surge. As novidades do Espírito nos causam medo porque somos apegados e preocupados com as seguranças que os bens deste mundo nos oferecem. O convite divino está para a plena confiança na Providência divina e esta não é outra coisa senão a presença amorosa do Espírito que nos socorre em nossas fraquezas.

A experiência do amor de Deus oriunda da Providência divina que fielmente nos assiste não é um dom vivido no isolamento ou na solidão, mas na comum-unidade, no encontro com o outro. Neste encontramos a Deus e vivemos a experiência do amor. O Espírito Santo ensina-nos a viver o amor. Por isso, todo aquele que não se deixar conduzir pelo Espírito Santo jamais saberá amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

O Espírito nos recordar que acima da lei e dos interesses pessoais está o bem do outro traduzido na prática do amor está acima de todas as coisas. O nosso interesse deve ser a vida do outro, pois este outro me faz encontrar a Deus. O outro é condição para o encontro com Deus, ou seja, quem pensar que vai encontrar-se com Deus somente pela via da oração e das práticas religiosas engana-se profundamente. Roguemos, pois, ao Espírito que nos ensine e nos ajude a viver o amor.


Tiago de França

terça-feira, 18 de maio de 2010

Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2010


Anualmente, o CONIC - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs promove a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Trata-se de uma iniciativa pensada, inicialmente, pelo Papa Leão XIII e reforçada por Lewis Thomas Wattson, um anglicano que se tornou católico. A proposta de Lewis foi de fixar a Semana de Oração para o período que vai de 18 de janeiro (festa da cátedra de São Pedro em Roma) a 25 de janeiro (festa da conversão de São Paulo), mas a data foi transferida para os dias que ficam entre a Ascensão do Senhor e Pentecostes, devido à mudança de mentalidade provocada pelo Concílio Vaticano II (1962 – 1965). Geralmente, na Europa ainda se celebra de 18 a 25; aqui no Brasil se preferiu o período anterior à Festa de Pentecostes.

Três organismos importantes que pensam a unidade dos cristãos: o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, o Conselho Mundial de Igrejas Cristãs e o Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos. Juntamente com a Igreja Episcopal Anglicana, Igreja Evangélica de Confissão Luterana, Igreja Presbiteriana Unida e com a Igreja Síria Ortodoxa de Antioquia, a Igreja Católica forma o CONIC. Ela, a Igreja Católica, recusou-se a participar do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs. No início, quando se falava de unidade dos cristãos, o que se pensava era no retorno de todos os irmãos separados à Igreja Católica. Como isto se mostrou inconcebível e inaceitável, houve uma reformulação do conceito de unidade, que passou a ser sinônimo de diálogo, respeito e tolerância, valores fundamentais que constroem a unidade cristã. Quem primeiro promoveu e celebrou a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos foi a Igreja Episcopal Anglicana, em 1908, em Graymoor, no vale do rio Hudson, no Estado de Nova York, EUA.

A ausência da Igreja Católica Apostólica Romana na constituição do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs é alvo de acirradas críticas em todo o mundo, pois ela prega a unidade dos cristãos, mas recusa-se a estar entre as Igrejas Cristãs. Historicamente, a Igreja Católica tem demonstrado a pretensão de ser a única Igreja de Cristo. Tal pretensão bloqueia o diálogo e a unidade entre as Igrejas. Quando se afirma que a Igreja Católica foi fundada pelo Cristo e que fora dela não existe salvação, automaticamente, peca-se dupla e gravemente contra as demais Igrejas Cristãs: primeiro, afirma-se explicitamente que as demais Igrejas são falsas; segundo, que para os demais cristãos não-católicos serem salvos se faz necessário o retorno ao seio da Igreja. Como dialogar e pensar a unidade com esta mentalidade? A impossibilidade é evidente.

Há três males que precisam ser urgentemente combatidos nas relações entre as Igrejas Cristãs: a falta de diálogo, o desrespeito e a intolerância. Estes constituem o que se passou a denominar fundamentalismo cristão. Os cristãos radicais não se destacam pela prática do Evangelho, que provoca a verdadeira unidade anunciada por Jesus, mas pelos três males mencionados que causam a separação. Cristãos fundamentalistas são os crentes praticantes, católicos e não-católicos, que defendem ferrenhamente os sistemas doutrinais de suas respectivas Igrejas. Trata-se de um conflito incessante que não constrói, nem dignifica, mas somente causa ódio entre pessoas. Há um ódio que busca fundamentação e justificativa em práticas religiosas. Uma situação, evangelicamente, inaceitável.

Atualmente, mais do que em outras épocas, as Igrejas Cristãs tendem a se autoafirmarem na sociedade. Trata-se de um movimento de aglomeração de pessoas que busca chamar a atenção da sociedade não para a prática da Justiça do Reino de Deus, mas para as práticas religiosas e a manutenção do sistema doutrinal. Quando as Igrejas Cristãs realizam grandes eventos costumam se utilizar de alguns recursos que chamam a atenção do público em geral, tais como: grandes palcos em praias, praças ou estádios de futebol; vestes pomposas (este aspecto é mais forte na Igreja Católica), transmissões ao vivo em rádio, Internet e TV; publicação do número dos participantes, convites às autoridades políticas e militares, pedidos de apoio do poder público para a infraestrutura etc. É clara a competição desumana que há entre as Igrejas Cristãs. Tudo se resume a conflitos que visam a hegemonia e o poder.

Comportando-se desta forma, os cristãos perdem cada vez mais o respeito e a confiança da sociedade mundial. Não causa interesse numa pessoa séria ingressar numa Igreja que não professa seriamente a fé cristã, que não tem o Reino de Deus como seu fim, que não tem interesse pelo anúncio da verdade do Evangelho de Jesus. Isto explica o progressivo fenômeno da evasão de fiéis de todas as Igrejas. Cresce cada vez mais a idéia-cultura de que cada um pode professar a sua fé individualmente, sem precisar estar integrado a um credo religioso. Infelizmente, as Igrejas Cristãs, sem exceção, ainda não pararam para pensar esta preocupante questão, pois continuam encarando a situação de forma ingênua e preconceituosa. Em outras palavras, todas as Igrejas repetem a mesma ideologia: que o mundo está contaminado, que o relativismo tomou conta de tudo e de todos, e que as pessoas não querem mais saber de Deus, mas as Igrejas se esquecem de se perguntar pelas motivações que levam as pessoas a desistir da religião.

A Boa Notícia de Jesus deve ser a motivação por excelência para a unidade dos cristãos. É preciso que se renuncie aos interesses religiosos e grupais, a fim de que a pessoa de Jesus ocupe a centralidade da proposta cristã. Neste ano, o lema da Semana é: “Vocês são testemunhas dessas coisas” (Lucas 24, 48). Testemunhar a ressurreição de Jesus por meio da prática do amor fraterno resume a vocação cristã. A desunião oriunda da intolerância é contratestemunho que não pode ser tolerado, pois o chamado de Deus é para a unidade de todos. A autorevelação divina mostra que Deus é amor vivido em comum-unidade, a Comunidade perfeita do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Jesus, obediente e unido ao Pai é o maior exemplo de unidade cristã. É com o próprio Filho de Deus, que ama indistintamente a todos, que as Igrejas aprendem a viverem unidas no amor. Uma vez que desejamos a salvação que vem de Deus aprendamos, pois, a amar-nos uns aos outros vivendo unidos no testemunho da Ressurreição de Jesus.

É preciso recordar, ainda, que não é a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos que vai resolver o problema da desunião. Sem dúvida é uma realização importante na história do Cristianismo, mas a verdadeira unidade se dá no respeito cotidiano às diferenças e à diversidade das manifestações religiosas. As atitudes contam mais do que orações e discursos diplomáticos, pois as primeiras convertem, enquanto as últimas se resumem, muitas vezes, ao plano da superficialidade. Todo discurso religioso que não se converte na prática do amor, da verdade e da justiça não passa de ilusão e diplomacia que não levam a nada. Somente a verdade do Evangelho de Jesus, escutada, refletida e praticada pelos crentes é que os une eficazmente.


Tiago de França

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva


Neste ano, os brasileiros irão às urnas para escolher seu novo Presidente, novos senadores, deputados e governadores. Para ocupar a cadeira da Presidência da República temos três pré-candidaturas que marcam o cenário político atual. Desta vez, temos duas mulheres concorrendo: Dilma Rousseff, que é a candidata do Presidente Luís Inácio Lula da Silva e Marina Silva, ex-petista e candidata do Partido Verde. O candidato do PSDB e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é José Serra. Analisemos os vínculos e vejamos que eles nos dizem muitas coisas.

Comecemos pela candidata Dilma Rousseff. Esta não foi escolhida pelo Partido dos Trabalhadores, mas pelo Presidente Lula. Este encontrou nela uma mulher digna de sua confiança para dar continuidade ao trabalho realizado nos seus dois mandatos. Tecnicamente, por meio de uma economia estável, a candidata, que foi Ministra Chefe da Casa Civil, já deu claras provas do que é capaz. Juntamente com Henrique Meireles e Guido Mantega, Dilma Rousseff salvou o Governo Lula durante a crise financeira que se abateu no mundo. Não restam dúvidas de que o Brasil saiu vitorioso da crise.

A história política da candidata é marcada pela repressão vivida na ditadura militar. Isto mostra que o Presidente está confiando numa militante, que a oposição taxa de guerrilheira. Ela é desprovida do carisma político do Presidente Lula, não somente ela, mas todos os membros do Partido dos Trabalhadores, assim como todos os políticos do atual cenário mundial, pois é sabido de todos que o Presidente Lula é um dos poucos políticos mais carismáticos da história do Brasil e do mundo. Instituições e governos internacionais reconhecem isto por meio de elogios e honras prestadas ao mesmo ao logo de seus oito anos de Governo.

José Serra é o candidato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Homem culto e de vocação política destacou-se como Ministro da Saúde no Governo FHC. Historicamente, também é fruto das lutas contra a ditadura, mas sem muita veemência como os que pertenciam às classes populares. É preciso recordar que as origens de José Serra são muito diferentes da do Presidente Lula, pois o primeiro sempre foi de classe média e formado médico, enquanto o segundo foi um operário que, “pela primeira vez na história deste país” chegou à Presidência da República. Até hoje, tucanos (PSDB) e democratas (DEM), assim como boa parte dos inimigos das lutas de classe não aceitam tal fato histórico. Aquele que foi considerado comunista e que iria acabar com o país, acusado de que não saberia governar, terminar seu Governo com alto percentual de aprovação por parte da nação, apesar dos escândalos de corrupção política.

Assim como Dilma Rousseff, escolhida pelo Presidente Lula, se eleita será uma fiel continuadora da política de governo do operário que se tornou Presidente, a mesma coisa se pode dizer de José Serra, caso seja eleito Presidente. Pode-se dizer com todas as letras: José Serra será, se eleito, um fiel continuador da política de governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Destaquemos dois aspectos de cada governo, a fim de que o leitor reflita sobre ambos os candidatos. São vários os fatores que marcaram os governos FHC e Lula, que alguns analistas políticos meio que partidaristas não gostam de fazer as devidas comparações. Estas são necessárias porque revelam o que cada um fez. Como se pode saber se o país avançou se não se comparar com o passado político e histórico? A história continua e tal continuação decorre do passado. O hoje existe em decorrência do ontem e muitas coisas que são feitas hoje não o foram ontem.

Os dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso podem ser lembrados por duas fortes ações governamentais que marcaram a vida do povo brasileiro: as privatizações e as perseguições aos movimentos sociais. É sabido de todos e ninguém pode se esquecer da maior e mais vergonhosa privatização realizada pelo Governo FHC: a da Vale do Rio doce, empresa estatal vendida a preço de banana à iniciativa privada. O valor negociado não ajudou em nada na economia do país, pois FHC terminou seu governo deixando o país endividado com o Fundo Monetário Internacional. O Governo Lula pagou a dívida e emprestou dinheiro ao mesmo Fundo.

As privatizações estagnaram o Brasil. Tal estagnação se refletiu na falta de crescimento econômico e no aumento da dívida externa. Os pequenos investimentos (negócios) feitos pelos pequenos produtores e pobres não davam certo, pois a economia era praticamente controlada pelas multinacionais, que sempre encontraram as portas do Brasil escancaradas para exploração indevida, principalmente, exploração dos recursos naturais. O dólar controlava o preço das mercadorias e tirava o sono dos pequenos investidores. Hoje, apesar das dificuldades, percebe-se que há uma política de incentivos de toda ordem para o crescimento econômico, e os pequenos produtores também passaram a ser protagonistas da história da economia brasileira. Muitos pobres tiveram a oportunidade de abrir pequenos negócios e de lutar por sua própria dignidade.

As perseguições aos movimentos sociais foi outra página sangrenta da história do país, que depois da ditadura voltou a ser bem escrita pelo Governo FHC. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra estão aí para mostrar o saldo de vítimas brutalmente assassinadas. É notório que a Justiça, principalmente a Justiça Federal, assistia cegamente a tais crimes. A luta do MST sempre foi perseguida pelos grandes latifundiários, boa parte constituída por políticos e empresários aliados e demonizada pela mídia aliada do Governo.

É sabido de todos que tais conflitos não cessaram, mas diminuíram e muito com a posse do Presidente Lula, que deu maior abertura, mesmo sem ter feito a Reforma Agrária. A participação do povo brasileiro nas decisões políticas do país no Governo FHC foi quase que inexistente. O povo não era consultado para nada. Em matéria de Justiça, ricos e criminosos de colarinho branco não iam parar na cadeia. Depois do Presidente Lula isso, aos poucos, começou a acontecer. Hoje, as intervenções por parte do Executivo nas ações judiciais e processuais são menores.

São dois os aspectos que marcam o Governo Lula na história política do país: o crescimento da economia, juntamente com o poder de compra do salário mínimo e os Programas Sociais. É inegável que o alto índice de aprovação do Governo Lula está ligado à economia. Economicamente, apesar da necessidade constante de crescimento sustentável, o Brasil está bem. Destaca-se o aspecto econômico porque o aspecto político do Governo como um todo deixa a desejar, dado os inúmeros casos de corrupção ocorridos durante o Governo Lula. Apesar disto, a pessoa do Presidente saiu como que ilesa da questão, dado seu jogo político e sua maneira própria de lidar com situações deste tipo. Apesar dos apelos da oposição, o Governo não se deixou vencer e deu continuidade ao projeto político iniciado em 2003.

Mesmo sabendo que a maioria dos políticos criminosos não respondeu juridicamente pelo envolvimento na corrupção é necessário que o brasileiro continue acreditando na verdade de que somente pela política é que se pode decidir o futuro de um país que optou pelo regime democrático como regime de governo. A política é imprescindível para a consolidação democrática de um país. Enquanto cidadão, o homem pode isentar-se da política. A autêntica atividade política é necessária para o verdadeiro desenvolvimento do país. Participar é preciso. Apesar das lacunas, o atual Governo tem dado pequenas oportunidades de participação democrática do povo nas decisões governamentais.

Os Programas Sociais do Governo Federal não resolveram, não resolvem e não resolverão o grave problema da desigualdade social historicamente presente no Brasil. A desigualdade social é uma dívida histórica. As desigualdades não se iniciaram no Governo FHC, nem no de Lula, mas nas origens do país. Desde que os povos indígenas foram mortos e expulsos de suas terras, ou seja, a partir da formação do povo brasileiro até os dias atuais constatam-se as desigualdades. Os Programas Sociais do atual Governo pode ser visto como paliativo para situações emergenciais. Na análise e aplicação destes Programas encontramos muitos aspectos positivos, desde o incentivo à distribuição de renda até o aumento do poder de compra da população pobre do país. O pecado que tais Programas revelam é a ausência das três grandes e emergentes reformas que o Governo Lula não fez: Reformas Política, Agrária e Previdenciária.

Marina Silva, ex-petista e de uma belíssima história de vida é um dos poucos exemplos de honestidade política deste país. Aos poucos, a honestidade está sendo abandonada pelos políticos que compõem o cenário atual. Combatida pelos interesses pessoais e corporativistas, a honestidade está se tornando privilégio na vida de poucos. O projeto político de Marina Silva é parecido com o do PT. Politicamente, ela é filha do PT. Pode-se dizer que era uma das filhas mais íntegras do Partido dos Trabalhadores. Decepcionada com as contradições intrapartidárias e governamentais, ela resolveu sair do PT e se candidatar pelo Partido Verde, que é outro importante partido político por aquilo que defende na sua essência ideológica.

Historicamente, também filha das lutas sociais e oriunda da pobreza, assumiu com dignidade e competência a função de Ministra do Meio Ambiente no Governo Lula. O corporativismo não permitiu que a mesma continuasse no cargo. Mulher simples, inteligente, articuladora e com capacidade clara de diálogo, agora se candidata à Presidência da República. Trata-se de uma candidatura sem grandes alianças políticas, que se apresenta à nação de maneira clara e objetiva, tendo como prioridade a defesa e a promoção louvável do meio ambiente.

Pode-se concluir que o povo brasileiro conta com três importantes nomes na disputa presidencial. Três grandes histórias e projetos distintos de governo, que precisam ser vistos e revistos por todos aqueles que ainda acreditam na política como ferramenta de transformação social. Não se pode desesperar, o Brasil tem jeito e estamos no caminho certo. Apesar de todas as limitações políticas de nossos governantes, as forças da regressão parecem aprisionadas e são claros os sinais de avanços. É preciso considerar que, segundo os especialistas sérios e comprometidos com as causas populares, a mídia é contra o Presidente Lula. Quem tem espírito e senso crítico percebe a maneira como a mídia fala do Governo. Diferentemente do tempo do Governo FHC, que era bem elogiado e noticiado pela mídia. Só para citar dois exemplos: Rede Globo e Folha de São Paulo, que perseguem explicitamente o Governo Lula desde quando o operário resolveu querer ser Presidente. E sem o apoio da grande mídia, o ex-metalúrgico, para a surpresa e ódio de muitos, tornou-se Presidente do Brasil. Aqui tenho que concordar com o famoso jargão de Lula: até então “isto nunca tinha ocorrido na história deste país”.

Tiago de França

domingo, 9 de maio de 2010

Guardar a Palavra


“Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23).

Existe uma relação profunda entre o amor e a observância da Palavra de Deus. A Palavra é para todo crente a fonte inesgotável da sabedoria divina, lugar do encontro com Deus. É por meio dela que se aprende a fazer a vontade de Deus, porque é a plena revelação dos desígnios divinos. A Palavra tem o poder de tornar íntimos a Deus aqueles que a lêem e a meditam, pois ela é “capaz de edificar e dar a herança a todos os santificados” (At 20, 32; cf. 1Ts 2, 13). Pelo que disse Jesus, somente aqueles que guardarem sua palavra é que realmente o amam. Logo, quem não guardar sua palavra não o ama de verdade. Mas o que significa guardar a Palavra de Jesus?

“Toda a Escritura é divinamente inspirada e útil para ensinar, para corrigir, para instruir na justiça: para que o homem de Deus seja perfeito, experimentado em todas as obras boas” (2Tm 3, 16 – 17). Guardar a palavra de Jesus é observar seu ensinamento fundamental: o amor. Quem ama está guardando a palavra de Jesus. O amor resume toda a lei e os profetas (cf. Mt 22, 37s). Deixar-se conduzir pelo Espírito que nos ensina, nos corrige, nos instrui na justiça é a autêntica e vital atitude do cristão rumo à perfeição. A vida cristã depende desse deixar-se conduzir. Para isso acontecer, é preciso que se abandone o medo e se abrace a coragem. Mas qual foi a palavra de Jesus no contexto histórico de seu tempo?

Jesus disse e viveu muitas coisas. O texto evangélico é repleto da mensagem que resume a Boa Notícia anunciada por ele. O próprio Jesus é a Boa Notícia. Ele é a Palavra de Deus. A leitura orante de suas palavras revela que as mesmas são verdade e justiça. Ele é a Verdade. Portanto, guardar a sua palavra é guardar a verdade, ser autêntico. Identificar-se com Jesus é identificar-se com a verdade de seu projeto de amor, é aderi-lo radicalmente. O encontro com a verdade do Cristo é fator fundamental de conversão de vida. A verdade da palavra de Jesus liberta a pessoa para o amor e na prática do amor se vive a comunhão com Deus. A Trindade faz morada na pessoa que ama, ensina-nos Jesus. É uma relação amorosa que realiza e santifica a pessoa.

Todo aquele que guarda a palavra de Jesus é amado por Deus e o amor de Deus transforma radicalmente a pessoa, convertendo-a para o amor. A pessoa amada por Deus torna-se, no mundo, instrumento do amor divino. Assim sendo, a transformação do mundo passa pela transformação do homem. A conversão deste faz progredir aquele. Valores como honestidade, sinceridade, verdade, solidariedade, justiça, partilha, respeito, paz etc. são frutos da conversão e necessários para o verdadeiro desenvolvimento da pessoa humana e do mundo.

Muitas mulheres e homens na história do mundo e da Igreja foram e são templos de Deus. Exemplos de profetas preenchidos pela presença divina e que fizeram avançar o processo de conversão da Igreja: Dom Hélder Câmara, Dom Oscar Romero, Ir. Dorothy Stang, Ir. Lindalva Justo de Oliveira, somente para citar alguns. Outros ainda permanecem profetizando entre nós: Dom Pedro Casaldáliga, Dom José Maria Pires, Dom Erwin Klautler, Pe. José Comblin, Ir. Geraldinha (em MG), Ir. Inês de Barros Lima (no CE), entre tantas outras pessoas que vivem o ágape, amor-doação em favor dos pobres.

O testemunho dos mártires, dos profetas e profetisas são sinais vivos da presença amorosa de Deus no mundo. Eles e elas escutaram os apelos do Espírito e se colocaram a serviço da libertação integral dos empobrecidos. O Espírito de Deus fecunda o coração daqueles que se abrem ao amor. Este confirma a pessoa no caminho de Jesus tornando-a missionária da palavra que liberta de toda escravidão. A Igreja de hoje, mais do que em outras épocas, necessita guardar e testemunhar a palavra de Jesus. A sociedade pós-moderna precisa não somente de escutar, mas de ver o testemunho vivo de cristãos e cristãs que, audaciosamente, testemunham e proclamam com a vida a Ressurreição de Jesus, o Pobre de Nazaré.


Tiago de França

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Mandantes e assassinos, julgados e condenados


“A justiça tarda, mas não falta”, eis um ditado popular verdadeiro. Quando o povo fala este ditado fica claro que a morosidade da justiça tem contribuído para o adiamento constante da consolidação democrática do país, ou seja, não teremos autêntica democracia sem a presença eficaz da justiça social. Esta deve permanecer presente como ferramenta necessária na construção de uma sociedade de iguais. A luta constante de muitos membros da Igreja é para que a justiça de fato funcione e que todos, principalmente os pobres, que são os mais injustiçados, tenham seus direitos respeitados.

A missionária norte-americana Ir. Dorothy Stang, assassinada a tiros no dia 12 de fevereiro de 2005 em Anapu, PA é um dos modelos de martírio da Igreja atual. O dom do martírio é concedido por Deus às mulheres e homens que se deixam conduzir pelo Espírito Santo. O mártir não morre à toa. Não se pode atribuir a graça do martírio a qualquer assassinato que acontece na sociedade. O mártir é a pessoa que se encontrando no seguimento de Jesus de Nazaré e guiado por seu Espírito entrega a sua vida pela causa do Reino de Deus. Eis o conceito clássico e autêntico de martírio. Desta forma, fica claro que não existe martírio fora do seguimento de Jesus, nem sem a devida referência ao Reino de Deus. A Ir. Dorothy Stang morreu pela justiça do Reino de Deus.

No início da madrugada deste sábado, 1º de maio, Regivaldo Pereira Galvão, “o Taradão”, um dos mandantes do crime, foi condenado a 30 anos de prisão pela Justiça do Estado do Pará. Antes deste, outros quatro também foram condenados, a saber: Rayfran das Neves Sales, condenado a 28 anos, por executar a Irmã; Clodoaldo Calos Batista, condenado a 17 anos, por participar do assassinato; Amair Feijoli da Cunha, condenado a 18 anos, por intermediar a contratação do executor; Vitalmiro Bastos de Moura, “o Bida”, condenado a 30 anos, um dos mandantes do crime. O crime teria sido encomendado a um valor de 50 mil reais.

Estes cinco criminosos tentaram calar a voz da Igreja na Amazônia. A Ir. Dorothy não agia em seu próprio nome, mas em nome de Deus e em comunhão com a Igreja. Hoje, sua missão é assumida por um Bispo profeta, Dom Erwin Krautler, missionário austríaco na Prelazia do Xingu, e por tantas mulheres e homens que trabalham na construção do Reino de Deus, perseguidos e mortos, clandestinamente. A fé cristã é dinâmica e o sangue dos mártires fecunda a vida da Igreja e do mundo. Todo assassino perde seu tempo pensando que matando um (a) missionário (a) de Jesus a missão profética acabará. O Espírito de Deus tem despertado profetas e profetisas na hora e nas circunstâncias certas da história.

A justiça paraense não pode aceitar recurso algum para redução de pena, anulação de julgamento, habeas corpus etc. em favor de tais criminosos. Eles precisam responder pelo que fizeram. São uma ameaça ao convívio social, precisam ser mantidos presos, pois tudo o que ameaça a segurança pública e a vida da Amazônia precisa estar no estado constante de vigilância. A Justiça sabe da necessidade de um olhar prudente e permanente para a situação da floresta amazônica. Políticas de segurança pública são urgentes para a proteção da floresta e dos povos indígenas que lá residem. A Amazônia é patrimônio da nação brasileira e da saúde do planeta e precisa ser protegida urgentemente. Não se pode mais tolerar o desmatamento, a poluição e a grilagem de terras que ocorrem desordenadamente.

O martírio da Irmã Dorothy Stang interpela a Igreja e a todos os cristãos a se empenharem cada vez mais na luta pela justiça do Reino de Deus. O Reino acontece quando os seguidores de Jesus buscam viver o amor e a justiça. O testemunho da Ir. Dorothy é de amor e de justiça. As Igrejas cristãs precisam renunciar ao prestígio e as riquezas para se dedicarem cada vez mais à prática da justiça. Uma Igreja inserida na luta pela libertação dos oprimidos é uma Igreja de mártires, pois os poderosos deste mundo não toleram os profetas e profetisas do Reino. Somente a profecia, vivida na verdade e no amor, constrói verdadeiramente a Igreja e uma sociedade justa e fraterna.

Tiago de França

domingo, 2 de maio de 2010

O amor e o seguimento de Jesus


“Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13, 34 – 35).

Eis um sério convite de Jesus a todas as pessoas que desejam segui-lo. Como se pode constatar, o seguimento de Jesus é exigente. Para segui-lo é preciso abraçar seu novo mandamento: o amor. Logo, fora do amor não existe seguimento. Outro fator interessante que Jesus deixa transparecer é que não se trata de amar de qualquer jeito, mas como ele amou. Ele é o modelo por excelência da prática do amor. Tendo em vista a condição humana, sabe-se que não é possível imitar a prática amorosa de Jesus, pois ele é Deus.

A singularidade do ser humano revela que todos são chamados a amar, mas cada um a seu modo e de acordo com as circunstâncias da vida. Ninguém é chamado a imitar o amor, pois o que importa é amar. O amor é original quando se revela de infinitas formas. Em outras palavras, o convite é para amar nas diferenças e a partir das diferenças, numa luta constante contra a indiferença, que é um obstáculo ao amor. A indiferença também é sinal de que não existe amor nas relações.

A indiferença é um dos piores males da vida social. É um mal que começa na vida interna das famílias. A sociedade é um reflexo das relações internas vivenciadas pelas famílias. A frieza, que é a falta de solidariedade entre os membros de muitas famílias, tem formado uma sociedade onde até as pessoas se tornam seres descartáveis. A fome, a violência e tantas outras mazelas sociais são oriundas da indiferença. O outro deixou de ser importante. O espírito de competição busca sempre eliminar o outro. Vive-se na sociedade onde só há lugar para os que são capazes. Estes vivem bem, os demais buscam sobreviver.

O ensinamento de Jesus vai na contramão das indiferenças que excluem e marginalizam as pessoas. Todo o Evangelho revela a preocupação de Jesus com a dignidade do gênero humano e com a de toda a criação. Com o ensinamento do amor Jesus refaz todas as coisas (cf. Ap 21, 5) levando-as ao encontro com o outro. É no encontro com o outro que a integridade do ser humano é refeita e/ou restituída. Por isso, o amor leva-nos ao encontro do outro, que não é um desconhecido, mas nosso irmão. No Evangelho de Jesus todos somos irmãos e no Irmão maior aprendemos que é o amor que nos irmana na fraternidade.

O ódio e a vingança fazem parte da vida daqueles que ainda não tiveram a coragem de assumir no cotidiano da vida o novo ensinamento. Quem assume o amor como lei que rege a conduta pessoal está impedido de ceder ao ódio e à vingança. Naturalmente e na liberdade de filhos de Deus, todo aquele que ama não se deixa dominar pelo ódio, nem pela vingança. Estes são sinais de morte que matam centenas de pessoas todos os dias em todo o mundo. As guerras no Oriente Médio e a violência dos grandes centros urbanos são exemplos disso. É verdade que há outras causas, mas é inegável que o ódio e a vingança fazem parte dos sentimentos dos sanguinários. Para estes, a vida não tem valor, nem significado.

O cristão é identificado através do amor: Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros. Jesus se utiliza do verbo conhecer. O discípulo conhece a Deus pelo amor e é conhecido pelo amor. O amor com o qual Jesus amou a todos, principalmente os pecadores excluídos do seu tempo, é um amor incondicional. O que ele pede em troca é simplesmente o amor. Não há política de interesses na prática amorosa do divino Mestre. O amor nos torna íntimos de Deus e das pessoas. Estas quando são amadas só podem nos retribuir amor, pois este verdadeiramente liberta. Trata-se de uma liberdade para o amor, pois somente quem ama torna-se integralmente livre.

Na Igreja, é necessário que se faça uma séria revisão da prática amorosa entre os que professam a fé. Os membros da hierarquia precisam se perguntar se amam de verdade a missão que receberam. Há três males que ofuscam o amor na missão dos membros da hierarquia da Igreja, males que ameaçam gravemente sua missão, a saber: o poder, o prestígio e a riqueza. Todo aquele que se deixa dominar por tais males cai no pecado do abandono da missão, pois os mesmos são incompatíveis com o seguimento de Jesus de Nazaré.

Os pecados cometidos pela hierarquia eclesiástica são oriundos do poder, do prestígio e da riqueza, que desviam todo e qualquer cristão do caminho de Jesus. No caminho do divino Mestre não se encontram poder, prestígio, nem riqueza. Quem procurar tais vantagens no caminho de Jesus sairá frustrado, pois a palavra de ordem de tal caminho é o amor que se traduz no serviço fraterno. Este é o fundamento da missão. Não se pode falar de missão sem que se cultive cotidianamente a espiritualidade do serviço. Seguindo o exemplo de Jesus é preciso servir na humildade e na simplicidade. Através do serviço ao próximo demonstramos que amamos a Deus. Não que sejam necessárias demonstrações e/ou exibicionismos, pois o amor fala de si e por si mesmo.

Estamos no Ano Sacerdotal, período de orações e de reflexões em torno da vocação presbiteral. O presbítero na Igreja é chamado a ser um trabalhador a serviço dos mais excluídos da sociedade. A sua vocação é servir a comunidade. As últimas notícias têm demonstrado que muitos não entenderam a sua missão ou se recusaram a assumi-la, aproveitando-se do ministério junto ao povo para satisfazerem seus prazeres carnais cometendo o hediondo crime da pedofilia. É hora da Igreja, ao acolher os que se candidatam às sagradas ordens para o serviço do Povo de Deus, ser criteriosa e prudente. A carência de vocações não pode ser justificativa para se admitir qualquer pessoa ao ministério ordenado e o critério maior deve ser o serviço vivido na verdade (caritas in veritate) e na liberdade que libertam. Os presbíteros que cometeram o crime de pedofilia se desviaram da caridade na verdade.

É o Espírito Santo que cultiva em nós a graça de viver no amor e para o amor. Abrir-se a este Espírito é uma necessidade vital na missão. Ele nos faz viver relações amorosas com as pessoas, lugar de encontro com o Deus da vida e da liberdade. O amor nos revela Deus e o Espírito nos ensina e nos ajuda a amar a partir de nossa humanidade. Trata-se de uma vivência dinâmica, original, alegre, humilde, simples e criadora. A experiência do amor nos realiza e nos leva a experimentarmos a verdadeira felicidade. Esta fora do amor não existe. No amor está a nossa plena liberdade e, consequentemente, a nossa eterna e verdadeira felicidade.


Tiago de França