sexta-feira, 25 de junho de 2010

José Saramago: ateu, escritor e crítico da religião


Faleceu José Saramago, um dos maiores nomes da história da literatura mundial, o único ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em Língua Portuguesa. Esta foi a grande notícia que tivemos nos últimos dias. Diante dela, perguntamos: Qual a importância da pessoa de José Saramago para a literatura e para o desenvolvimento intelectual dos povos, principalmente os de língua portuguesa? É inegável sua contribuição em muitos aspectos, dada a sua firmeza na defesa de suas convicções políticas e ideológicas.

Conheci, de longe, José Saramago quando no seu conflito com o Governo de Portugal e com a Igreja daquele país, devido à censura à obra Evangelho Segundo Jesus Cristo, publicada em 1991. Depois disso, despertou-me o interesse de ler seus romances e críticas à política e à religião. No mundo do mercado editorial, quanto mais um autor é criticado e censurado mais fica famoso e sua obra é extensivamente lida. A curiosidade do ser humano leva-o a perscrutar aquilo que se apresenta como ilícito e/ou proibido. Este, fortemente, nos impele e nos tenta.

A citada obra, que obrigou José Saramago a deixar Portugal e morar nas Ilhas Canárias, Espanha, de fato, é digna de sérios questionamentos. O texto apresenta, explicitamente, a imagem de um Cristo meramente histórico, destituído de divindade. Para quem professa a fé cristã, trata-se de um dado inadmissível. Em matéria de literatura, a imaginação é a “lei” que rege todo e qualquer escritor. Por isso, eles são livres para criar seus personagens de acordo com a grande capacidade imaginativa inerente ao ser humano. Particularmente, sou contrário à censura imposta pelo governo português ao ilustre escritor, pois ninguém pode dominar ou impedir a manifestação imaginativa de um escritor, por mais subversiva que seja.

No que tange à posição da Igreja Católica em Portugal, é preciso considerar que nenhuma instituição religiosa tem o poder ou o direito de infligir na liberdade de expressão da sociedade secular. José Saramago era um típico secular, um homem destituído de religiosidade. Isto era um direito dele. Ninguém é obrigado a ser religioso, a professar credo algum. Quem professa a fé cristã não tem o direito de impô-la a quem quer que seja. É verdade que a posição da Igreja não estava para a imposição da fé cristã, mas para a defesa do verdadeiro Jesus histórico da Sagrada Escritura, que sendo homem como os demais, também era Deus. José Saramago, em sua grande obra literária acima mencionada, nega a divindade de Jesus Cristo supondo o envolvimento afetivo-sexual de Jesus com Maria Madalena. Teologicamente, trata-se de uma inverdade histórica e inaceitável do ponto de vista da verdade da revelação.

Quanto às críticas institucionais que o autor faz à Igreja, é preciso que a mesma tenha a humildade necessária para uma leitura crítica e teologal. É preciso que se leia a crítica de J. Saramago a partir do lugar e da função que o mesmo exerceu na sua vida. Chamo novamente a atenção para a questão da imaginação. Esta não é regida por leis. Na imaginação, o autor caminha por caminhos livres e infinitos. A liberdade e a infinitude marcaram a vida de J. Saramago, seu ateísmo o tornou livre para se colocar diante da vida e da religiosidade dos homens. Creio que a Igreja tem muito a aprender com as críticas feitas pelo ilustre escritor português.

Politicamente, J. Saramago nos recordou que o capitalismo selvagem não constrói uma sociedade mundial digna de se viver. De caráter socialista, suas convicções políticas o levaram à defesa de uma sociedade com possibilidades de justiça e igualdade para todos. Para os que desejavam seu ingresso no capitalismo, respondeu certa vez: “Parece que todos gostariam que eu passasse para o capitalismo, depois do desastre do comunismo conforme ele foi posto em prática. Lamento desapontá-los.” É verdade que encontramos em José Saramago um mestre da Língua Portuguesa, que com finura e convicção nos deixa um legado valioso.


Tiago de França

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