domingo, 27 de junho de 2010

O chamado e o seguimento de Jesus


“As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Lc 9, 58).

O seguimento de Jesus de Nazaré é um tema muito discuto no interior da Igreja após a redescoberta da espiritualidade missionária. A Igreja se deu conta de que é essencialmente missionária e sua missão se dá no seguimento de Jesus de Nazaré. Sua missão é levar as mulheres e homens deste mundo ao seguimento do Filho de Deus. “Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos” (Mt 28, 19), eis o mandato missionário de Jesus. Realizar tal mandato num mundo plural, secularizado, materialista e relativista é um imenso desafio.

Quando escrevo sobre o seguimento de Jesus, insisto na idéia de que a Igreja precisa cultivar três valores, a fim de que o mandato missionário de Jesus se concretize na história: abertura, diálogo e compromisso para com os empobrecidos. As reflexões dos teólogos da América Latina, após o Concílio Vaticano II apontam para esta direção. Todos eles refletem a respeito destes valores. Se estes não forem levados em conta, a Igreja continuará perdendo seu tempo na insistência intolerável de evangelizar o mundo a partir de si mesma, impondo-se diante de tudo e de todos. O tempo das imposições passou, hoje já não funcionam mais.

A abertura em relação ao mundo confere à Igreja a possibilidade do diálogo. Não há diálogo sem abertura. O fechamento em si mesma, no dogmatismo e nas verdades doutrinais que se julgam absolutas impossibilita o diálogo. Como posso dialogar com alguém se este já se apresenta com o certo e absoluto? Diálogo é troca de experiências, comunhão de idéias e escuta atenta do outro. Se este não pode me dizer nada, para que escutá-lo? É nisto que consiste a dificuldade de diálogo entre os homens, as nações, as Igrejas e as religiões. O diálogo visa a harmonia e a reconciliação no respeito e na manutenção das diferenças, em vista da convivência e da paz entre as pessoas.

O compromisso para com os empobrecidos é parte integrante da missão libertadora de Jesus e deve ser também da missão da Igreja. Esta é diaconisa da humanidade, ou seja, nasceu para servir às mulheres e homens deste mundo. Tal serviço se dá na construção do Reino de Deus. Este se revela na luta pela libertação integral do ser humano. Responder o chamado de Jesus “[...] exige entrar na dinâmica do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 29 – 37), que nos dá o imperativo de nos fazer próximos, especialmente com quem sofre, e gerar uma sociedade sem excluídos, seguindo a prática de Jesus [...]” (Documento de Aparecida, 135).

O Evangelho mostra que o chamado implica o seguimento e este se mostra exigente. A resposta ao chamado deve ser madura e responsável: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9, 62). A construção do Reino de Deus exige pessoas decididas. A indecisão não pode ser algo permanente na vida de quem deseja seguir Jesus. Ao se colocar no caminho de Jesus, a indecisão já não faz parte da vida do seguidor de Jesus. O seguimento em si mesmo liberta a pessoa de toda e qualquer indecisão, pois somente quem já fez a opção é que pode ser chamado de discípulo de Jesus.

Em seus recentes escritos teológicos, o teólogo belga José Comblin tem insistido sobre o papel do poder vivido no interior da Igreja como obstáculo ao seguimento de Jesus de Nazaré. O poder que não é sinônimo de serviço tem levado a Igreja à rejeição. Uma Igreja que serve é acolhida, principalmente pelos empobrecidos. Somente assumindo a atitude de servidora (diaconisa) da humanidade é que a Igreja verdadeiramente cresce no meio do mundo. Seguramente, podemos afirmar que a atual crise da Igreja é uma crise de serviço. O que significa esta crise de serviço?

Jesus veio a este mundo para servir e não para ser servido. Esta é uma verdade que perpassa todo o seu Evangelho. Toda pessoa que se coloca no caminho de Jesus, o Servo de Javé, deve assumir sua postura original, ou seja, a postura do serviço. O chamado está para o serviço, que se dá efetiva e afetivamente nas relações com as pessoas, preferencialmente com as que são empobrecidas. Na América Latina, a opção pelos pobres é a opção da Igreja. Assim sendo, quem deseja servir a Deus através dos vários ministérios da Igreja deve assumir a postura do Servo de Javé: servir com amor e alegria. A crise de serviço está justamente na falta de serviço.

Os pastores da Igreja, aqueles que são consagrados inteiramente para a missão de servir à humanidade devem ser os primeiros a dar tão sublime exemplo. O fiel ministro de Deus é aquele que se coloca no caminho de Jesus, o Servo de Javé, que se utilizando do avental lava os pés dos discípulos e exige que os mesmos façam a mesma coisa entre si (cf. Jo 13, 1 – 17). O autor sagrado conclui o relato do lava-pés com Jesus dizendo: “Se vocês compreenderam isso, serão felizes se o puserem em prática” (Jo 13, 17). Com estas palavras Jesus nos ensina que a verdadeira felicidade se encontra no serviço. É verdadeiramente feliz quem busca, acima de todas as coisas, servir a Deus no próximo.

Recordo-me do testemunho de São Vicente de Paulo, padre e místico da missão do séc. XVII que nos ensina uma grande verdade: “É um ofício tão elevado evangelizar os pobres, que é por excelência o ofício do Filho de Deus. E vemos que a ele somos aplicados como instrumentos pelos quais o Filho de Deus continua a fazer do céu o que fez na terra. Grande motivo de louvor a Deus, e de lhe agradecer incessantemente por essa graça” (Pierre Coste – XI, 107, 108, 109, 133ss; XII, 79, 80. In: GROSSI, Pe. Getúlio Mota. Um místico da Missão, Vicente de Paulo. Contagem: Santa Clara, 2001, p. 57). As palavras de São Vicente de Paulo nos revelam a sua felicidade e alegria por ter sido um missionário de Jesus na opção pelos empobrecidos. Ser missionário é exercer o sublime ofício do Filho de Deus: evangelizar os pobres.

O versículo que introduz a nossa reflexão e que muito me chamou a atenção revela que Jesus era, de fato, um pobre homem, destituído de bens e de poder humano. Assim também deve ser o seguidor de Jesus: pobre e destituído de poder. A fidelidade ao Evangelho obriga-nos a dizer que entre os poderosos deste mundo não encontramos seguidores de Jesus, o Pobre de Nazaré. Os poderosos sempre pautaram suas vidas no poder que explora e mata as pessoas. Por isso, se não se converterem não entrarão no Reino de Deus. Quem quiser seguir Jesus fique sabendo de sua pobreza, pois ela nos ensina que Jesus não tem nada para dar, a não ser ele mesmo que se dá como presença e alimento na caminhada rumo ao novo céu e a nova terra, onde reinarão o amor e a justiça para sempre (cf. Sl 85, 9 – 14).


Tiago de França

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