terça-feira, 20 de julho de 2010

Uma prece ao Deus amigo


No Dia do Amigo
Dirijo-te uma prece, ó Jesus
Confiando naquilo que disseste
Que não nos chamas de servos
Mas considera-nos,
Amigos

Quando estiveste entre nós
Vivendo nossa humanidade
Foste amigo das mulheres e dos homens
Pecadores
Foste amigo daqueles que eram considerados
Indignos de tua amizade

Teu jeito de ser amigo é
Verdadeiro e compreensivo
Próximo e misericordioso
Alegre e transparente
Portanto
Afetivo e efetivo

Para o exercício de tua missão
Contaste com amigos e amigas
Pessoas frágeis e confiáveis
Pessoas simples e pobres
Pessoas
Não anjos

Jesus
Meu terno amigo
Eu quero sinceramente aprender
A ser amigo das pessoas
A teu exemplo
Na humildade e na simplicidade

Jesus
Que a amizade cultivada com as pessoas
Concede-me a graça constante
De viver
Intensamente
Mais próximo de Ti

Jesus, meu dileto Irmão e amigo
Não permitas
Jamais
Que eu me separe de Ti
Porque o que mais desejo na vida
É viver
Eternamente
Unido a Ti, com o Pai e na graça do Espírito
Amém.


Tiago de França

domingo, 18 de julho de 2010

Escutar e viver a Palavra de Deus


“... uma só coisa é necessária...” (Lc 10, 41).

A Sagrada Escritura fala diversas vezes de si mesma e da importância da escuta da Palavra de Deus. O episódio de Marta e Maria no evangelho segundo Lucas 10, 38 – 42 retrata bem o significado desta escuta atenta da Palavra. Fala-se muito da necessidade de se escutar o que a Bíblia diz, mas o que significa mesmo tal necessidade? O que é ou quem é a Palavra? Como e onde escutá-la? Por que e para quê escutá-la? Se as pessoas não pensam sobre estas questões, dificilmente procurarão escutar e valorizar a Palavra de Deus. Para que haja valorização e prática é preciso conhecer a Palavra. Como viver um ensinamento que não se conhece?

Em sua infinita sabedoria, Deus quis se comunicar com a humanidade por meio de palavras e recursos humanos. A palavra tem o poder de comunicar e de transformar a vida humana. Sabendo do poder e da influência que a palavra exerce sobre o mundo, Deus resolveu revelar-se por meio da palavra. Desde as origens, Deus quis estar unido ao seu povo por meio da palavra dos patriarcas e matriarcas, profetas e profetisas; mulheres e homens inspirados que tiveram acesso a revelação da vontade de Deus e a transmitiram ao mundo por meio da palavra e dos gestos. Deus fala através da palavra e da ação humanas. Esta palavra e ação humanas inspiradas por Deus são instrumentos de libertação e salvação do gênero humano, pois Deus está presente no mundo através de tais instrumentos.

Depois de ter falado brevemente da presença amorosa de Deus por meio de sua palavra libertadora, voltemo-nos para o episódio de Marta e Maria descrito por Lucas. O texto começa dizendo que Jesus caminhava com seus discípulos e eis que entraram num povoado. Jesus estava caminhando para Jerusalém, pois estava chegando o tempo de “ser levado para o céu” (Lc 9, 51). Ele estava caminhando rumo ao martírio e no caminho foi acolhido por Maria e Marta. A primeira sentou-se aos seus pés, para escutar a sua palavra; a segunda ocupou-se com os afazeres da casa e quando percebeu que Maria somente o escutava, reclamou e pediu a Jesus que a mandasse ajudá-la.

Jesus não atendeu ao pedido de Marta, mas lhe fez a seguinte advertência: “Marta, Marta! Você se preocupa e anda agitada com muitas coisas; porém, uma só coisa é necessária, Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10, 42). Esta advertência, que encerra o episódio, é o centro da mensagem do texto. Maria é a mulher contemplativa, aquela que escuta atentamente a palavra de Jesus. Marta é a mulher das muitas coisas, da ação. Estas muitas coisas apontadas por Jesus revelam certo ativismo que estava deixando Marta agitada e preocupada, excessivamente. Os excessos de agitação e preocupação levaram-na a deixar de lado a coisa necessária, a melhor parte.

O que este episódio fala para o cristão, para a sociedade e para a Igreja de hoje? O anúncio exige atualização da Palavra de Deus. Esta tem o poder de transformar o homem e o mundo. Por isso, o anúncio precisa ser autêntico e tal autenticidade passa pela proclamação da verdade contida na Palavra. Esta verdade é que liberta e converte. Sem o anúncio da Palavra libertadora de Deus não há missão nem conversão, pois esta é conseqüência daquela. Toda pessoa que aceita seguir Jesus de Nazaré é chamada a se comprometer com o anúncio da Palavra de Deus, do contrário, não é discípulo nem missionário.

O cristão precisa aprender a ouvir a Palavra de Deus. Ninguém pode ser cristão sem viver constantemente a experiência da escuta da Palavra. A experiência da escuta leva o cristão ao seguimento de Jesus, que se revela no compromisso de amar e servir. Este amor que se revela no serviço solidário ao próximo é a expressão viva de quem aprendeu a escutar a Deus por meio de sua Palavra salvadora. Por isso, seguramente podemos dizer que a Palavra é o lugar do encontro com Deus. Podemos, também, compreender esta Palavra enquanto livro sagrado, a Escritura; e enquanto pessoa, Jesus de Nazaré. Este é o Verbo, a Palavra enviada por Deus a este mundo.

Permanecer aos pés de Jesus não significa ser alienado diante das tarefas que a vida nos impõe, pelo contrário, é aprender com Jesus a melhor maneira de viver a solidariedade. A vivência desta é sinal de obediência ao ensinamento de Jesus, pois não adianta somente escutá-la, é preciso que haja um esforço constante em buscar viver seu ensinamento. Jesus afirma que a coisa necessária e a melhor parte é a escuta de sua palavra. Por isso, diante do barulho perturbador do mundo atual, o cristão é chamado a viver a experiência da escuta da palavra de Jesus e aprender com ele a ser instrumento de libertação do mundo. Toda escuta pressupõe atenção, silêncio e perseverança.

Os cristãos, principalmente os da Igreja Católica, escutam pouco a Palavra de Deus, pois se acostumaram e se satisfizeram com a Liturgia da Palavra das Celebrações e com as pregações dos padres. O número daqueles que lêem a Bíblia diariamente é mínimo, principalmente antes do Concílio Vaticano II, quando a Escritura era quase que inacessível às pessoas. O texto sagrado tinha como que um segredo que só podia ser lido pelos ministros ordenados da Igreja. O povo sempre tinha que se contentar com os doutrinários sermões dos padres. Então, ficou essa triste herança para as gerações posteriores ao Concílio, apesar do imenso trabalho de estudo e publicação da Sagrada Escritura que se faz hoje.

Os cristãos que não professam a fé na Igreja Católica costumam ler mais a Bíblia, mas desconhecem seu conteúdo. O fundamentalismo bíblico que provoca divisão e alienação cresce insistentemente. As pessoas lêem a Palavra, mas não a compreendem. São inúmeras as interpretações, umas mais absurdas que outras. E com estas variadas interpretações vão surgindo novas denominações religiosas, que mais dividem do que unem os cristãos. Na Igreja Católica há o Magistério que apresenta uma leitura oficial das Escrituras, nas Igrejas não-católicas cada um é livre para ler do jeito que quiser. A leitura bíblica realizada pelos evangélicos é mais livre, na Igreja Católica ninguém pode contradizer a interpretação magisterial.

Vivemos numa sociedade em que a prática da escuta está profundamente comprometida. Os meios de comunicação de massa, com seus programas e coberturas jornalísticas não respeitam a liberdade das pessoas. Há uma explosão de novidades e informações. Quando não existe um controle por parte dos usuários, tudo se transforma numa profunda agitação, e tal agitação vai deixando as pessoas estressadas. Estas não conseguem escutar, pois toda perturbação impede a escuta. Trata-se de uma sociedade formada por pessoas cada vez mais desumanas que não aceitam escutar a Palavra de Deus. As preocupações são tantas que a escuta da Palavra passa ser vista como perda de tempo, coisa de quem não tem o que fazer.

Diante desta situação e a parte dela surge a missão da Igreja. Esta tem duas opções: uma antievangélica, que consiste em pecar por omissão. O pecado de omissão neste caso consistiria no silêncio da Igreja em relação à atual situação de surdez da sociedade. Sociedade que se recusa a cultivar os valores da justiça, da partilha, da solidariedade, do perdão etc. A segunda opção, contrária à primeira, consiste em abraçar a ação profética. Ação profética que se manifesta no anúncio da Palavra, no convite insistente à escuta da mesma e na denúncia das ações e projetos injustos, frutos da ausência da escuta e da falta do conhecimento da vontade de Deus. É pela escuta que conhecemos a vontade de Deus.

Para que a sociedade escute o que a Igreja tem a dizer, é necessário que a própria Igreja seja uma fiel ouvinte da Palavra de Deus. Esta precisa encontrar espaço dentro daquela. As estruturas da Igreja não podem ofuscar o brilho da Palavra nem impedir a manifestação da sua força. Sempre e cada vez mais, a Igreja precisa se deixar conduzir pela Palavra, a fim de que se avance no processo de conversão. Somente na escuta atenta da Palavra é que a Igreja conseguirá ser plenamente instrumento de salvação da humanidade, conforme ensinou o Concílio Vaticano II. Uma Igreja que não escuta nem obedece a Palavra de Deus não é digna de confiança nem deve ser escutada, pois não anuncia a Boa Nova, mas a si mesma, impondo-se ao mundo através de seu regime doutrinal e de seus interesses corporativistas.

O Espírito Santo torna sensíveis nossos ouvidos, coração e mente para a escuta e para a prática da Palavra. Quem não se deixa conduzir pelo Espírito é incapaz de escutar a voz de Deus que se manifesta na Palavra e nos acontecimentos da história. O Espírito conduziu Jesus na sua missão salvífica e o tornou um servo obediente até a morte. Jesus, Palavra de Deus, cumpriu a vontade divina sendo solidário com os pecadores deste mundo libertando-os do poder da morte, tomando parte no sofrimento dos excluídos da sociedade, inaugurando, assim, o Reino de Deus. Estar do lado dos empobrecidos, eis o caminho de Jesus. Conduzida pelo Espírito, a Igreja deve se colocar e permanecer fiel neste caminho até a parusia do Senhor.


Tiago de França

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A oração do coração


Introdução

Vivemos num mundo atribulado por muitas formas de perseguições e sofrimentos. Quando ligamos a TV, lemos os jornais ou acessamos a Internet, a violência se apresenta violentamente. Estamos fartos de notícias más e, aos poucos, tudo vai se tornando coisa normal e as monstruosidades praticadas vão perdendo sua gravidade. Aos poucos, estamos nos acostumando com o clima de violência e insegurança que toma conta do mundo atual. A vida da pessoa e do planeta, nossa “Casa comum”, está perdendo seu sentido e sua sacralidade.

Pensar a partir da realidade

Por causa do dinheiro, do poder e do prestígio, um jovem goleiro, que tinha tudo para ser feliz na vida, resolve encomendar a morte de sua ex-namorada. Recusando-se à possibilidade da paternidade, manda matar uma jovem mãe, tirando-lhe o direito de viver e ser feliz com outra pessoa. Este é somente um caso dentre centenas de outros que a mídia não evidencia. Trata-se de um pecado e de um crime que, ainda, chama a atenção de todos. Vendo a imagem do acusado (o ex-goleiro Bruno), pus-me a pensar comigo mesmo: O que é que se passa na cabeça de um homem tão jovem, a tal ponto de cometer uma barbaridade dessas? Quais os valores que norteiam a vida desse jovem? O que está por trás de um crime desses?...

Na foto tirada no momento de sua prisão, o acusado aparece com a Bíblia, que para o cristão é a Palavra de Deus. Penso que o mesmo não leu, ainda, o versículo que diz: “Com efeito, tudo o que está escondido deverá tornar-se manifesto, e tudo o que está em segredo deverá ser descoberto” (Mc 4, 22). Mais cedo ou mais tarde, aparece a verdade que liberta toda pessoa da escravidão do pecado e da morte. Ninguém escapa da verdade dos fatos. Ninguém consegue esconder, eternamente, a verdade daquilo que realmente aconteceu. Homem nenhum consegue abafar a verdade.

Toda pessoa que pauta seu viver na mentira e no poder que oprime tem seus dias contados. Não adianta fugir, pois quando a verdade aparece, dissipa-se toda mentira e dilui-se todo poder. Somente a verdade tem capacidade de derrubar toda e qualquer espécie de poder opressor, pois nenhum poder opressor resiste ao poder libertador da verdade. Todo e qualquer poder opressor é estruturado pela mentira, que engana e manipula. Quando a verdade aparece, desvanece-se toda mentira que escraviza e manipula.

A prática orante das Igrejas

A realidade do mundo atual exige que os cristãos sejam maduros na fé que professam, e a maturidade cristã nos vem por meio de vários exercícios espirituais, dentre eles quero destacar: a oração. Percebe-se no Cristianismo que os cristãos têm rezado bastante. Nas Igrejas neopentecostais encontramos uma efervescência muito grande. Podemos dizer que as pessoas rezam demasiadamente! São variadas as formas e as manifestações orantes no meio cristão. Com muita liberdade, as pessoas clamam a Deus incessantemente. Os chamados “evangélicos” oram com mais liberdade que os católicos, pois estes estão mais presos às fórmulas canônicas de oração, devidamente aprovadas pela hierarquia da Igreja.

Para os católicos, a Celebração Eucarística (a Missa) é o culto por excelência a Deus. Trata-se de um culto regrado pelo Missal Romano, onde se encontram as fórmulas e rubricas canônicas que devem ser rigidamente seguidas. Nenhum sacerdote (presbítero ou bispo) pode modificar a estrutura da Missa. A estrutura é tão fixa que os católicos mal formados ou desprovidos de formação catequética e litúrgica pensam que toda Missa é igual. Com o ingresso do neopentecostalismo e com o surgimento da Teologia da Libertação na Igreja, tais fórmulas foram, são e continuarão sendo criticadas e em algumas circunstâncias, mesmo contras as prescrições canônicas, foram, são e continuarão sendo modificadas. Muitas vezes, não são modificadas as fórmulas em si mesmas, mas a compreensão e a maneira de como são aplicadas.

Além da Missa temos várias outras maneiras ou formas de oração: ofício divino, terços, ladainhas, salmos, Pai nosso, ave Maria, Salve Rainha, Credo e inúmeras outras orações que são publicadas pela Conferência dos Bispos por vários motivos festivos e/ou celebrativos. Todas as fórmulas e formas de oração podem ajudar em nossa relação com o Deus da vida, mas também podem nos prejudicar, até impedindo uma relação madura e consciente com Aquele que nos ama. A relação com Deus precisa ser verdadeira, e para que isto aconteça é necessária uma comunhão livre e consciente. Neste sentido, há algumas formas de oração que não levam a uma profunda e libertadora comunhão com Deus.

A oração e as formas de compreensão de Deus

Iniciei a presente reflexão falando de um caso que está chamando a atenção de todos os brasileiros e, quem sabe, também do exterior. Com isto quero afirmar que o cristão precisa rezar a partir da realidade da vida. Toda oração desvinculada da realidade é alienante e não cria comunhão com Deus. O Deus e Pai de Jesus não é um ente que está sentado num trono, observando a confusão do mundo dos homens, mas é o Emanuel, o Deus que está conosco (cf. Mt 28, 20). Há pessoas que rezam como se Deus estivesse nas alturas dos céus, fora do mundo, sem nenhuma ligação com as realidades vividas neste mundo.

O deus ausente do mundo e desvinculado da realidade é uma invenção do poder imaginário da mente humana. Este deus exige orações próprias. Durante tais orações, as pessoas precisam gritar, chorar, erguer as mãos o mais alto possível, “repousar no espírito”, oferecer dinheiro, fazer sacrifícios, vivenciar superstições, ler a Bíblia ao pé da letra, fazer promessas etc. É um deus surdo que gosta de manifestações emocionais, é o deus emotivo e milagreiro. Ele não cansa de fazer milagres, pois não está interessado em outra coisa senão a felicidade particular dos crentes.

O Deus e Pai de Jesus de Nazaré é o Deus do Reino, que enviou Jesus para inaugurar seu Reino neste mundo. É o Deus de amor que se manifesta na solidariedade entre os seres humanos. Os crentes que acreditam neste Deus procuram rezar a partir da realidade onde este Deus está atuando constantemente. As orações destes cristãos são destituídas dos elementos descritos no modelo de oração do parágrafo anterior. Trata-se de uma experiência de oração fundamentada na relação entre a fé e a vida. A oração ao Deus e Pai de Jesus de Nazaré é uma oração diretamente relacionada com o sentido e com a compreensão do Reino de Deus, ou seja, reza-se para manter-se no caminho de Jesus, caminho que conduz ao Reino definitivo.

É muito comum encontrarmos nas atuais Igrejas cristãs experiências intimistas de oração, que alimentam e/ou conduzem a uma vivência intimista da fé. Tais experiências geram pessoas descomprometidas com a construção do Reino de Deus. Nestas experiências encontramos pessoas dispostas ao louvor, mas indispostas à profecia. Esta constrói o Reino porque anuncia a verdade que liberta e denuncia as injustiças cometidas pelos homens. Citemos um exemplo para uma melhor compreensão.

O perigo da evangelização mediática


Se fizermos uma análise das mídias católicas ou do uso das novas tecnologias na comunicação do Evangelho, encontramos um grave pecado: a falta de compromisso com a solidariedade e com a justiça que constroem o Reino de Deus. Na Igreja Católica se destacam alguns canais televisivos: Canção Nova, TV Século 21, Aparecida, Rede Vida; além das inúmeras rádios e portais (Internet) católicos das Comunidades de Vida e de Movimentos católicos. Se fizermos uma leitura de textos, programas, palestras, formações, Missas, acampamentos, seminários etc. que são transmitidos é perceptível em todos estes meios a falta de referência fundamental ao Reino de Deus. Eles falam de tudo, menos da construção do Reino, que se dá na prática da solidariedade (amor) e da justiça entre as pessoas deste mundo.

A compreensão e o sentido da oração vivenciadas por estes meios não levam as pessoas ao compromisso com o Reino, pois a preocupação está centrada em reconduzir as “ovelhas perdidas” ao redil católico, a partir da velha compreensão de que fora da Igreja não existe salvação. São meios que se contentam em apresentar a Igreja ao mundo através de certa exposição exacerbada da doutrina e das leis eclesiásticas. Cultiva-se também a devoção aos santos, principalmente à Virgem Maria, muitas vezes, em detrimento do Reino de Deus. Podemos afirmar seguramente que no processo midiático da evangelização o Reino de Deus não está no centro da mensagem. Diante disso, pergunta-se: Qual o objetivo desta evangelização? Que o leitor reflita. Eis uma chave de leitura: Fala-se muito na salvação particular de cada pessoa.

O perigo das mídias católicas é tão grande que há católicos que deixam de viver sua fé na sua comunidade paroquial de origem para viver um cristianismo doméstico, pois a TV e a Internet fornecem Missas e bênçãos de todas as espécies e através de um boleto bancário e outras formas de arrecadação, as pessoas têm a oportunidade de suspender o Dízimo de sua paróquia e enviá-lo às TVs e Comunidades católicas tornando-se sócio colaborador e/ou sócio benfeitor. Não há nenhuma preocupação em viver a comunhão e a participação ensinadas pelo Concílio Vaticano II, pois sem sair casa as pessoas podem “viver” a fé. Até Jesus pode ser recebido espiritualmente!

A oração autêntica

Dito isto, é necessário compreendermos que a verdadeira oração leva a comunhão com Deus através da comunhão com o próximo. Quem julga estar em paz com Deus sem que esteja com seu próximo engana-se a si mesmo. A verdadeira experiência de oração se dá na relação solidária com o próximo, preferencialmente com aquele que sofre. Não adianta ser uma pessoa de muita oração sem práticas de solidariedade e misericórdia. Em nossas Igrejas, a maioria dos cristãos gosta muito de rezar, mas se mostra insensível em relação ao sofrimento do próximo. A Igreja está cheia de levitas e sacerdotes, que simplesmente olham o sofredor caído e passam por longe para não se comprometerem (cf. Lc 10, 25 – 37).

A Igreja precisa ser samaritana, mas para que isto aconteça, ela precisa escutar e obedecer aquilo que Jesus disse ao especialista em leis: “Vá, e faça a mesma coisa” (Lc 10, 37). O amor do bom samaritano é reconhecido no gesto solidário com o pobre ferido e caído. O mesmo se pede da Igreja: Que seja solidária com os pobres feridos e caídos de nossa sociedade. Para isto, a Igreja precisa aprender a rezar. Aprende-se a rezar com o próprio Jesus de Nazaré, modelo por excelência de oração. Jesus rezou ao Pai com a vida, na obediência da vontade divina, inaugurando o Reino. A oração de Jesus é o Reino de Deus. Este mesmo Reino é a verdadeira escola de oração para todo cristão.

Conclusão

Todo cristão é chamado a ser uma pessoa de oração, mas não de uma oração enquanto fuga do mundo, mas que impulsiona para a ação misericordiosa no mundo. Podemos aderir e participar das formas de oração oficiais de nossas Igrejas, mas com o devido cuidado de não ficarmos presos a elas. A oração também é um exercício livre que leva para a liberdade dos filhos e filhas de Deus. Em outras palavras, devemos rezar para nos libertarmos, não para sermos escravos uns dos outros nem escravos de nossas Igrejas. A oração é comunhão com o amor e com a liberdade, a pessoa que não reza não pode ser considera cristã, pois não se liberta para o amor (solidariedade). É preciso rezar com o coração.


Tiago de França
Fortaleza – CE, 09/ 07/ 2010

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O pedido de perdão do Papa Bento XVI


Introdução

No dia 11 de junho do corrente ano, em Roma, deu-se o encerramento do Ano Sacerdotal. O Papa Bento XVI presidiu a Missa de encerramento que contou com a presença de 15 mil sacerdotes, segundo as manchetes dos jornais. Durante a homilia, o Papa aproveitou a oportunidade para pedir perdão a Deus e às vítimas dos crimes de pedofilia praticados por clérigos em várias partes do mundo durante muito tempo. Além do pedido de perdão, assegurou que será mais rigorosa a escolha dos novos candidatos ao ministério ordenado na Igreja e que tais crimes não irão mais acontecer. Louvo a ação do Pontífice e trago alguns questionamentos necessários para a reflexão.

Os abusos

Depois da publicação dos abusos de menores praticados por clérigos norte-americanos em 2002, a Igreja tinha respirado um pouco até que, justamente na celebração do Ano Sacerdotal, novas denúncias surgem e desta vez com mais intensidade. Nesta segunda leva de denúncias, um fato novo chama a atenção: o pecado de omissão praticado pelos Bispos da Igreja irlandesa e de outros países, alguns chegaram a pedir a renúncia do encargo episcopal. O pecado de omissão é um dos primeiros aspectos que precisamos frisar nesta breve reflexão pós-Ano Sacerdotal.

Omitir, profética e teologicamente, é esconder as verdades dos fatos e, eclesialmente, trata-se de uma tentativa de manter uma falsa imagem da Igreja. A catequese tradicional ensina que a Igreja é santa e pecadora. Os escândalos de pedofilia retratam a face pecadora da Igreja, constituída por mulheres e homens vulneráveis à corrupção do pecado. Tais escândalos fizeram sofrer com mais intensidade aquelas pessoas, católicas e de boa fé, que defendiam a imagem de uma Igreja enquanto sociedade perfeita no mundo (concepção eclesiológica oriunda da Idade Média e consolidada no Concílio de Trento).

O pecado de omissão adia a conversão da Igreja e a torna fechada em si mesma, pois se trata de um fechamento que não admite acusações. O pedido de perdão do Papa é algo quase que inédito na história. O Papa João Paulo II, na abertura do Terceiro Milênio, inaugurou tal gesto de forma mais explícita, pedindo perdão pelos erros do passado da Igreja. O atual Pontífice é seu fiel continuador. Com veemência, o Papa – considerado dogmaticamente infalível -, reconhece o grave pecado cometido por alguns de seus membros hierárquicos. Tamanho gesto praticado por aquele que era responsável pela temida Congregação para a Doutrina da Fé, é um sinal animador.

Recentemente, quando esteve em Portugal, o Papa admitiu que o pecado que ameaça a Igreja não vem de fora da mesma, mas nasce dentro dela. Desta forma, não se utilizou de sua famosa e fundamentada acusação ao relativismo. Os crimes de pedofilia cometidos por clérigos não tem origem no relativismo. Surge, então, a pergunta: Qual a origem? O que leva um padre, ungido e consagrado, a cometer tal barbaridade contra pessoas tão indefesas? Antes de forjarmos possíveis respostas é necessário ter em mente a seguinte verdade: A pedofilia é crime, pecado grave e uma doença.

Pedofilia: crime, pecado grave e doença

Sendo crime, o criminoso precisa ser julgado. Sendo padre o criminoso, o julgamento é duplo: é julgado pelos tribunais eclesiástico e civil. Em Portugal, o Papa disse que não basta o perdão, é necessário que haja justiça. Isto depois de ter se emocionado ao se encontrar com algumas vítimas de clérigos da Igreja portuguesa e de ter escutado seus tristes relatos. O Papa viu de perto a situação das vítimas.

Sendo pecado grave, teologicamente a situação é preocupante, pois tais criminosos administravam os sacramentos ao mesmo tempo em que praticavam tais atos. Utilizavam-se do ministério como oportunidade para agredir pessoas inocentemente levadas por uma imagem distorcida de padre. Certamente, o fato de terem sido validamente ordenados e a fé dos fiéis ter recepcionado tais sacramentos, a validade dos mesmos é incontestável. A gravidade do pecado se encontra na falta de coerência entre a pregação (anúncio) e ação destes pregadores. A validade da pregação também se encontra no testemunho de vida do pregador.

Sendo uma doença, o pedófilo precisa de tratamento, mas, ao mesmo tempo, precisa também aceitar a verdade de sua doença. Assim sendo, a punição judicial é necessária, mas sem o devido tratamento a situação torna-se incontornável. Quando cumprir a pena, tal pedófilo, certamente, se encontrará numa situação pior, porque a pena em si mesma não cura a doença. Assim como vitimou pessoas, o pedófilo é vítima de sua doença e deve ser visto neste âmbito. Quem está doente precisa de médico e a saúde é um direito assegurado por lei.

Diante de tais escândalos, várias vozes foram surgindo de inúmeros lugares. Os críticos da teologia do ministério ordenado reivindicam uma reforma do ministério ordenado na Igreja. Em nenhum momento o Papa parece ter escutado tal reivindicação. Na homilia da Missa do encerramento do Ano Sacerdotal, o Pontífice disse que o demônio está por trás de tal situação. Outros se aproveitaram da situação para reivindicar, também, a ordenação de mulheres. O Papa nada respondeu. Este só deixou clara a necessidade da seleção criteriosa daqueles que se apresentam aos responsáveis pela Pastoral Vocacional da Igreja. Mostrou, ainda, a necessidade de se acompanhar o sacerdote ao longo de sua jornada ministerial.

Através da leitura atenta da homilia do Papa na citada Missa, percebe-se as duas exigências, mas não aparecem critérios, ou seja, o Pontífice não fala do como agir, só fala da necessidade. Não aponta caminhos, só constata os fatos. Aqui a situação se mostra complexa por dois motivos: primeiro, será que nas bases da Igreja, os respectivos responsáveis vão levar a sério os apelos do Bispo de Roma? Em 2002, o Papa João Paulo II já apontava para tais problemas e de lá para cá não se estabeleceram critérios para a resolução dos problemas que já se revelavam graves. Segundo, há discussão e aprofundamento de questões afetivas e sexuais no interior da formação dos sacerdotes?

Desafios da formação sacerdotal

A realidade clerical revela que há um grave problema na formação dos sacerdotes. É preciso que se analise bem a maneira como a Igreja lida com a sexualidade de seus clérigos. Estes não são destituídos de sexualidade, pois esta é parte constitutiva de todo ser humano. Com as denúncias de pedofilia, o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarciso Bertone, fez uma declaração que causou uma verdadeira revolta mundial, quando deu a entender que a pedofilia está ligada à homossexualidade, numa tentativa de salvaguardar o celibato obrigatório. Dada a gravidade da situação, o porta-voz do Vaticano declarou imediatamente que a opinião do citado Secretário não condiz com o ensinamento oficial da Igreja.

É preciso que se discorde do Cardeal Tarciso Bertone, uma vez que o mesmo incorre para o perigo da generalização e induz a pensar que todo homossexual seja ou deva ser pedófilo. Não precisa ter leitura clínica para ver o absurdo de tal afirmação. Mas é inegável que, no caso dos clérigos pedófilos, a grande maioria é homossexual. Um exemplo disso são os casos ocorridos na Diocese de Penedo, em Arapiraca, AL. Todos os clérigos envolvidos são homossexuais e pedófilos. Nestes casos e em outros é preciso considerar a possível ligação entre homossexualidade e pedofilia.

A Congregação para a Educação Católica publicou, no dia 04 de novembro de 2005, a Instrução Sobre os critérios de discernimento vocacional acerca de pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao Seminário e às Ordens sacras. No número 2 declara:

À luz de tal ensinamento, este Dicastério, de acordo com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, considera necessário afirmar claramente que a Igreja, embora respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir ao Seminário e às Ordens sacras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais radicadas ou apóiam a chamada cultura gay.

É clara a responsabilidade da Promoção Vocacional: não permitir o ingresso daqueles que praticam a homossexualidade e que apresentam tendências homossexuais radicadas. Se esta orientação fosse levada a sério, o número de escândalos certamente diminuiria. A realidade dos Seminários mostra claramente que candidatos com tais práticas e tendências são admitidos. Ninguém pode negar isso. É fato indiscutível. Se tais indivíduos conseguem se manter na formação, conseqüentemente, não terão dificuldades para serem ordenados. Se tal situação se perpetua, perpetua-se também o problema do agravamento moral de boa parte dos sacerdotes da Igreja.

O número 3 do mesmo documento também faz referência à responsabilidade dos formadores, ao afirmar que

O discernimento da vocação e da maturidade do candidato é uma grave responsabilidade também do reitor e dos outros formadores do Seminário. Antes de cada Ordenação, o reitor deve exprimir seu juízo sobre as qualidades do candidato requeridas pela Igreja.

Os formadores são os responsáveis diretos pelo acompanhamento do candidato na formação seminarística, e devem ter a devida coragem de ajudar o candidato a trabalhar sua situação sexual, quando esta se manifestar desordenadamente. E quando a situação se tornar incontornável, para o bem do povo de Deus e do próprio candidato, este deve ser convidado a deixar o processo para repensar as práticas e atitudes. Muitas vezes e dolorosamente, os formadores precisam oferecer tal convite, pois muitos candidatos se recusam a sair. Trata-se de um convite prudente, necessário e libertador.

Os escândalos e a realidade dos Seminários obrigam a Igreja a rever a formação dos sacerdotes. A questão afetivo-sexual precisa ser trabalhada com o devido cuidado e atenção. O celibatário precisa ter condições para viver o celibato, pois não basta exigir fidelidade, é preciso que se dêem condições para a vivência da fidelidade. Portanto, a realidade escandalosa de nossos dias nos aponta para uma possível crise do celibato na Igreja, estando clara e evidente a dificuldade de muitos na vivência de tal imposição.

Conclusão

Como disse no início do texto, este é apenas algumas pinceladas não-sistemáticas para uma reflexão sobre o que está por trás do louvável pedido de perdão do Papa Bento XVI. Se medidas não forem radicalmente tomadas, no sentido de ajustar certos impasses do processo formativo atual, os problemas irão continuar aparecendo e de maneira mais grave. Uma vez que se recusa a repensar o modelo sacerdotal, deve-se, pelo menos, fazer alguns “reparos” no aparelho formativo dos Seminários, a fim de que cesse a evasão progressiva de vocações e se trabalhe a formação de sacerdotes mais conscientes de sua missão e inseridos na complexa realidade do mundo que se apresenta como pós-modernidade.


Tiago de França

Belo Horizonte – MG, 16/ 06/ 2010.