segunda-feira, 5 de julho de 2010

O pedido de perdão do Papa Bento XVI


Introdução

No dia 11 de junho do corrente ano, em Roma, deu-se o encerramento do Ano Sacerdotal. O Papa Bento XVI presidiu a Missa de encerramento que contou com a presença de 15 mil sacerdotes, segundo as manchetes dos jornais. Durante a homilia, o Papa aproveitou a oportunidade para pedir perdão a Deus e às vítimas dos crimes de pedofilia praticados por clérigos em várias partes do mundo durante muito tempo. Além do pedido de perdão, assegurou que será mais rigorosa a escolha dos novos candidatos ao ministério ordenado na Igreja e que tais crimes não irão mais acontecer. Louvo a ação do Pontífice e trago alguns questionamentos necessários para a reflexão.

Os abusos

Depois da publicação dos abusos de menores praticados por clérigos norte-americanos em 2002, a Igreja tinha respirado um pouco até que, justamente na celebração do Ano Sacerdotal, novas denúncias surgem e desta vez com mais intensidade. Nesta segunda leva de denúncias, um fato novo chama a atenção: o pecado de omissão praticado pelos Bispos da Igreja irlandesa e de outros países, alguns chegaram a pedir a renúncia do encargo episcopal. O pecado de omissão é um dos primeiros aspectos que precisamos frisar nesta breve reflexão pós-Ano Sacerdotal.

Omitir, profética e teologicamente, é esconder as verdades dos fatos e, eclesialmente, trata-se de uma tentativa de manter uma falsa imagem da Igreja. A catequese tradicional ensina que a Igreja é santa e pecadora. Os escândalos de pedofilia retratam a face pecadora da Igreja, constituída por mulheres e homens vulneráveis à corrupção do pecado. Tais escândalos fizeram sofrer com mais intensidade aquelas pessoas, católicas e de boa fé, que defendiam a imagem de uma Igreja enquanto sociedade perfeita no mundo (concepção eclesiológica oriunda da Idade Média e consolidada no Concílio de Trento).

O pecado de omissão adia a conversão da Igreja e a torna fechada em si mesma, pois se trata de um fechamento que não admite acusações. O pedido de perdão do Papa é algo quase que inédito na história. O Papa João Paulo II, na abertura do Terceiro Milênio, inaugurou tal gesto de forma mais explícita, pedindo perdão pelos erros do passado da Igreja. O atual Pontífice é seu fiel continuador. Com veemência, o Papa – considerado dogmaticamente infalível -, reconhece o grave pecado cometido por alguns de seus membros hierárquicos. Tamanho gesto praticado por aquele que era responsável pela temida Congregação para a Doutrina da Fé, é um sinal animador.

Recentemente, quando esteve em Portugal, o Papa admitiu que o pecado que ameaça a Igreja não vem de fora da mesma, mas nasce dentro dela. Desta forma, não se utilizou de sua famosa e fundamentada acusação ao relativismo. Os crimes de pedofilia cometidos por clérigos não tem origem no relativismo. Surge, então, a pergunta: Qual a origem? O que leva um padre, ungido e consagrado, a cometer tal barbaridade contra pessoas tão indefesas? Antes de forjarmos possíveis respostas é necessário ter em mente a seguinte verdade: A pedofilia é crime, pecado grave e uma doença.

Pedofilia: crime, pecado grave e doença

Sendo crime, o criminoso precisa ser julgado. Sendo padre o criminoso, o julgamento é duplo: é julgado pelos tribunais eclesiástico e civil. Em Portugal, o Papa disse que não basta o perdão, é necessário que haja justiça. Isto depois de ter se emocionado ao se encontrar com algumas vítimas de clérigos da Igreja portuguesa e de ter escutado seus tristes relatos. O Papa viu de perto a situação das vítimas.

Sendo pecado grave, teologicamente a situação é preocupante, pois tais criminosos administravam os sacramentos ao mesmo tempo em que praticavam tais atos. Utilizavam-se do ministério como oportunidade para agredir pessoas inocentemente levadas por uma imagem distorcida de padre. Certamente, o fato de terem sido validamente ordenados e a fé dos fiéis ter recepcionado tais sacramentos, a validade dos mesmos é incontestável. A gravidade do pecado se encontra na falta de coerência entre a pregação (anúncio) e ação destes pregadores. A validade da pregação também se encontra no testemunho de vida do pregador.

Sendo uma doença, o pedófilo precisa de tratamento, mas, ao mesmo tempo, precisa também aceitar a verdade de sua doença. Assim sendo, a punição judicial é necessária, mas sem o devido tratamento a situação torna-se incontornável. Quando cumprir a pena, tal pedófilo, certamente, se encontrará numa situação pior, porque a pena em si mesma não cura a doença. Assim como vitimou pessoas, o pedófilo é vítima de sua doença e deve ser visto neste âmbito. Quem está doente precisa de médico e a saúde é um direito assegurado por lei.

Diante de tais escândalos, várias vozes foram surgindo de inúmeros lugares. Os críticos da teologia do ministério ordenado reivindicam uma reforma do ministério ordenado na Igreja. Em nenhum momento o Papa parece ter escutado tal reivindicação. Na homilia da Missa do encerramento do Ano Sacerdotal, o Pontífice disse que o demônio está por trás de tal situação. Outros se aproveitaram da situação para reivindicar, também, a ordenação de mulheres. O Papa nada respondeu. Este só deixou clara a necessidade da seleção criteriosa daqueles que se apresentam aos responsáveis pela Pastoral Vocacional da Igreja. Mostrou, ainda, a necessidade de se acompanhar o sacerdote ao longo de sua jornada ministerial.

Através da leitura atenta da homilia do Papa na citada Missa, percebe-se as duas exigências, mas não aparecem critérios, ou seja, o Pontífice não fala do como agir, só fala da necessidade. Não aponta caminhos, só constata os fatos. Aqui a situação se mostra complexa por dois motivos: primeiro, será que nas bases da Igreja, os respectivos responsáveis vão levar a sério os apelos do Bispo de Roma? Em 2002, o Papa João Paulo II já apontava para tais problemas e de lá para cá não se estabeleceram critérios para a resolução dos problemas que já se revelavam graves. Segundo, há discussão e aprofundamento de questões afetivas e sexuais no interior da formação dos sacerdotes?

Desafios da formação sacerdotal

A realidade clerical revela que há um grave problema na formação dos sacerdotes. É preciso que se analise bem a maneira como a Igreja lida com a sexualidade de seus clérigos. Estes não são destituídos de sexualidade, pois esta é parte constitutiva de todo ser humano. Com as denúncias de pedofilia, o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarciso Bertone, fez uma declaração que causou uma verdadeira revolta mundial, quando deu a entender que a pedofilia está ligada à homossexualidade, numa tentativa de salvaguardar o celibato obrigatório. Dada a gravidade da situação, o porta-voz do Vaticano declarou imediatamente que a opinião do citado Secretário não condiz com o ensinamento oficial da Igreja.

É preciso que se discorde do Cardeal Tarciso Bertone, uma vez que o mesmo incorre para o perigo da generalização e induz a pensar que todo homossexual seja ou deva ser pedófilo. Não precisa ter leitura clínica para ver o absurdo de tal afirmação. Mas é inegável que, no caso dos clérigos pedófilos, a grande maioria é homossexual. Um exemplo disso são os casos ocorridos na Diocese de Penedo, em Arapiraca, AL. Todos os clérigos envolvidos são homossexuais e pedófilos. Nestes casos e em outros é preciso considerar a possível ligação entre homossexualidade e pedofilia.

A Congregação para a Educação Católica publicou, no dia 04 de novembro de 2005, a Instrução Sobre os critérios de discernimento vocacional acerca de pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao Seminário e às Ordens sacras. No número 2 declara:

À luz de tal ensinamento, este Dicastério, de acordo com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, considera necessário afirmar claramente que a Igreja, embora respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir ao Seminário e às Ordens sacras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais radicadas ou apóiam a chamada cultura gay.

É clara a responsabilidade da Promoção Vocacional: não permitir o ingresso daqueles que praticam a homossexualidade e que apresentam tendências homossexuais radicadas. Se esta orientação fosse levada a sério, o número de escândalos certamente diminuiria. A realidade dos Seminários mostra claramente que candidatos com tais práticas e tendências são admitidos. Ninguém pode negar isso. É fato indiscutível. Se tais indivíduos conseguem se manter na formação, conseqüentemente, não terão dificuldades para serem ordenados. Se tal situação se perpetua, perpetua-se também o problema do agravamento moral de boa parte dos sacerdotes da Igreja.

O número 3 do mesmo documento também faz referência à responsabilidade dos formadores, ao afirmar que

O discernimento da vocação e da maturidade do candidato é uma grave responsabilidade também do reitor e dos outros formadores do Seminário. Antes de cada Ordenação, o reitor deve exprimir seu juízo sobre as qualidades do candidato requeridas pela Igreja.

Os formadores são os responsáveis diretos pelo acompanhamento do candidato na formação seminarística, e devem ter a devida coragem de ajudar o candidato a trabalhar sua situação sexual, quando esta se manifestar desordenadamente. E quando a situação se tornar incontornável, para o bem do povo de Deus e do próprio candidato, este deve ser convidado a deixar o processo para repensar as práticas e atitudes. Muitas vezes e dolorosamente, os formadores precisam oferecer tal convite, pois muitos candidatos se recusam a sair. Trata-se de um convite prudente, necessário e libertador.

Os escândalos e a realidade dos Seminários obrigam a Igreja a rever a formação dos sacerdotes. A questão afetivo-sexual precisa ser trabalhada com o devido cuidado e atenção. O celibatário precisa ter condições para viver o celibato, pois não basta exigir fidelidade, é preciso que se dêem condições para a vivência da fidelidade. Portanto, a realidade escandalosa de nossos dias nos aponta para uma possível crise do celibato na Igreja, estando clara e evidente a dificuldade de muitos na vivência de tal imposição.

Conclusão

Como disse no início do texto, este é apenas algumas pinceladas não-sistemáticas para uma reflexão sobre o que está por trás do louvável pedido de perdão do Papa Bento XVI. Se medidas não forem radicalmente tomadas, no sentido de ajustar certos impasses do processo formativo atual, os problemas irão continuar aparecendo e de maneira mais grave. Uma vez que se recusa a repensar o modelo sacerdotal, deve-se, pelo menos, fazer alguns “reparos” no aparelho formativo dos Seminários, a fim de que cesse a evasão progressiva de vocações e se trabalhe a formação de sacerdotes mais conscientes de sua missão e inseridos na complexa realidade do mundo que se apresenta como pós-modernidade.


Tiago de França

Belo Horizonte – MG, 16/ 06/ 2010.

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