quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Shopping Center


“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecl 1, 2).

Certo dia, tendo saído da faculdade mais cedo, resolvi ir a um dos shoppings centers da cidade. Fui com o intuito de escrever, posteriormente, este texto. Por isso, a pressa e o olhar despercebido não me fizeram companhia. Observei tanto as coisas e o movimento das pessoas, que um dos seguranças do Shopping veio em minha direção e me disse:

- Posso ajudar em alguma coisa? Fique a vontade, mas saiba que estou de olho em você!

Nada respondi, apenas sorri! Diante do imprevisto, tomei distância do citado segurança, trajado de preto, portando um olhar ameaçador, e fui a outro local, no terceiro peso do prédio. Por incrível que pareça, depois de cinco minutos de observação, lá me vem um outro segurança, desta vez mais velho e simpático. Rindo, disse-me:

- Está procurando alguma coisa? Estamos de olho no senhor!

Então revelei a minha identidade estudantil e minha intenção no lugar:

- Moço, sou estudante de Filosofia e estou observando algumas coisas para, posteriormente, elaborar uma crítica ao consumismo e ao materialismo.

Vendo minha sinceridade na descrição de minha atividade – fiz questão de ser objetivo na mesma -, respondeu:

- Ah, ta! É que, vez e outra, aparecem uns espertos por aqui. Somos responsáveis pela segurança. Sendo assim, fique a vontade.

Tranqüilizei-me, depois de ter escutado e visto o mesmo entrar em contato com os demais seguranças, explicando o motivo de meu comportamento “anormal” em relação ao lugar! Eles acreditaram no que disse, pois pararam de me observar.

Diante desta situação, percebi que o Shopping não é lugar de gente à toa. Para permanecer, é preciso está em movimento, olhando as mercadorias visando comprá-las. Mesmo que não as compre, é preciso passar a idéia de que vai comprar. É o que as pessoas fazem. Olham, tocam, perguntam, admiram, desejam e quando não podem comprar, sonham em comprar as coisas.

Para despertar o desejo das pessoas, as coisas precisam estar bem expostas e num colorido irresistível. Há uma exploração da beleza e da estética. Tudo parece perfeito, tudo combina com quem quer que seja. Numa loja de roupas, mal olhamos uma peça, o/a vendedor/a se aproxima e diz:

- Esta ficou linda em você! Foi feita pra você!

No Shopping as pessoas são bem recebidas e tratadas. É uma educação que, às vezes, nos causam impaciência. E quando o vendedor ganha por produto vendido, a situação torna-se intolerável. Apelam desesperadamente! Há certa insistência nas vendas: as pessoas compram mesmo sem necessidade. É a lógica do mercado: às vezes, você não precisa de nada naquele dado momento, mas o mercado lhe convence de que precisa de tudo o que está exposto. É a força da propaganda, da publicidade; no ditado popular: “a alma do negócio!”.

Percebi que, ao entrar no Shopping, as pessoas perdem a noção do tempo. O tempo não existe! A satisfação dos desejos as transporta para uma realidade semelhante a do paraíso: tranqüilidade e paz perpétua. Não encontramos pessoas tristes no Shopping, todas estão sorrindo, alegres, aparentemente, felizes. Há pessoas que diante do estresse e das obrigações impostas pela vida procuram um Shopping para relaxar. Muitas vezes, é melhor ir ao Shopping no domingo à noite, do que ir às igrejas rezar. Há, também, aquelas pessoas e famílias que passam todo o domingo no Shopping, pois encontram de tudo para passar bem o dia.

No Shopping não há nada de natural, desde os produtos até o sorriso das pessoas, tudo é superficial. Há algumas plantas naturais sufocados pelas luzes artificiais e “estressadas” por estarem fora de seu habitat natural. Tudo é superficial e fabricado para durar pouco: a descartabilidade é característica fundamental na constituição do lugar. A alegria das pessoas, tanto do cliente quanto do vendedor, está em função do descartável. Ao sair do Shopping, as pessoas voltam ao peso do cotidiano e a alegria desaparece. Mesmo não comprando os produtos, alegremente, se satisfazem em observá-los na exposição fascinantes das vitrines.

Se nas igrejas as pessoas cultuam ao Deus que transcende às realidades humanas, no Shopping cultuam o mercado. Este é o deus que dita as regras da convivência de muitos seres humanos. A verdade do Cristianismo é o Cristo que se tornou humano e solidário, a “verdade” do Capitalismo é o mercado que se faz presente por meio do lucro. Seguir Jesus no caminho da justiça e da solidariedade é a vocação do cristão, comprar e vender é a lei do mercado. Quem não compra nem vende não serve para o mercado, torna-se objeto descartável.

Percebi, ainda, que é quase impossível as pessoas saírem do Shopping sem comprar alguma coisa. Tudo é facilitado. Há mercadorias para todas as classes sociais: pobres, médios e ricos podem e devem comprar. O cartão de crédito foi criado com este objetivo: levar as pessoas às compras. A tentação é tão grande que muitas pessoas se viciam em comprar, se endividando e perdendo o crédito no mercado. Com o cartão você não precisa levar dinheiro: ele vale dinheiro. Tudo se torna mais cômodo e seguro. A regra é facilitar a vida das pessoas. Quanto mais rico for o indivíduo mais consumista ele se torna.

No Shopping há lugar para todos, ninguém é impedido de entrar: pobres e ricos, negros e brancos, bonitos e feios, religiosos e ateus, felizes e infelizes. O Shopping não tem preconceito para com as pessoas, há produtos para todos os gostos e para todo tipo de gente. Ao inventarem o Shopping, pensaram justamente nisso: num só lugar, oferecer um maior número de produtos e serviços. São tantos os produtos expostos de maneira inteligente e criativa, que as pessoas perdem, momentaneamente, a capacidade de reflexão e passam a acreditar em tudo o que está sendo dito e/ou oferecido.

A fé cristã vem ao encontro desta realidade purificando-a. Longe de se cultivar uma fé puritana (farisaica), seguramente, podemos afirmar que o Evangelho e o mercado são incompatíveis. O primeiro está preocupado com a vida do ser humano, com sua dignidade, enquanto o segundo está preocupado consigo mesmo, ou seja, o mercado vive à custa das pessoas e mantém o sistema capitalista. Não existe capitalismo sem o mercado que gera o lucro. O mercado não está preocupado com a dignidade das pessoas, mas visa tão somente sua condição financeira. O Evangelho não tem preocupações financeiras nem está em função do dinheiro.

Esta linha de pensamento pode parecer radical e provoque a seguinte indagação: Isso significa que o cristão não pode ir ao shopping? É claro que pode! O que não convém acontecer é se deixar levar pelo consumismo. O cristão consciente consome o necessário. É verdade que ninguém fica isento do mercado. Todos precisam adquirir o necessário para viver. O problema do mercado é que o mesmo não distingue o supérfluo do essencial. Para o mercado tudo é necessário, portanto, essencial. O cristão é chamado a desmascarar esta mentira alienante e escravizadora.

O mercado consegue tirar a liberdade das pessoas. A liberdade que o mesmo permite que exista é a liberdade de escolhas no ato de consumir. Você é livre somente para escolher o que quer consumir. Uma vez alienada pelo consumo, a pessoa não é livre para deixar de consumir. A fé cristã ensina que a falta de controle no consumo leva a um vazio existencial, pois consumo excessivo oriundo de desejos insaciáveis tem como conseqüência a falta de sentido. Com o tempo, as pessoas descobrem que nada aquilo que compraram tem sentido para suas vidas, a não ser para a satisfação momentânea. Tudo ou quase tudo se torna lixo, poluição, causa de impedimento para uma existência sadia pautada na liberdade dos filhos de Deus.

O consumo exacerbado leva à ganância e para os gananciosos fala Jesus no seu Evangelho: “Com efeito, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a própria vida?” (Mc 8, 36). Os gananciosos pensam que estão construindo a vida, pois a idéia de construção da vida está relacionada com o ter e não com o ser. Pensam consigo mesmos: “Agora sou feliz, porque tenho tudo o que quero na vida!” Para os que pensam assim vale a indagação de Jesus acima mencionada.

Jesus nos adverte para o perigo dos bens, e não são somente os ricos dignos de tal advertência, mas também os pobres que, mesmo não tendo condições para o consumo exacerbado, ao possuírem dinheiro não perdem tempo em cair na mesma tentação em que caem os ricos. Poucos são os pobres que resistem ao consumismo. A imensa maioria das mercadorias é acessível aos pobres, pois o mercado sabe que os mais pobres são mais facilmente induzidos ao consumo do que aqueles que têm uma maior formação e, portanto, consciência crítica. Esta combate a manipulação e o suborno mercadológicos.


Tiago de França

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