quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O Padre e o dinheiro


No dia 05 do corrente mês, a Polícia Federal prendeu no aeroporto Tom Jobim (RJ) o Monsenhor Abílio Ferreira da Nova, 77 anos, quando tentava embarcar para Portugal com 52,8 mil euros mais 778 dólares. Da remessa em euros, 45 mil eram levados sem declaração alguma à Receita Federal. Segundo a lei vigente, quantias acima de R$ 10 mil devem ser declaradas. Ele falou que não fez o procedimento porque já “era tarde” quando chegou ao aeroporto. O mesmo foi liberado na manhã seguinte. De imediato, afirmou que o dinheiro não era da Igreja, mas dele. Concedeu uma entrevista que foi publicada no caderno Poder da Folha de São Paulo desta sexta-feira (10/09). As respostas do Monsenhor ao jornalista são curiosas. Vejamos.

O senhor suspeita quem tenha sido o denunciante? Perguntou o jornalista. “Quem me dera saber. Se você quiser descobrir para mim, eu agradeço. Nem a minha sobrinha, que vive comigo, sabia o dinheiro que eu levava. Só sei que Deus vai, de fato, vingar. Deus tem os seus caminhos e, portanto, eu deixo na mão dele”, respondeu o Monsenhor.

Analisando as palavras do Monsenhor percebemos a equivocada imagem que o mesmo tem de Deus (Deus vingador). Mas antes disso, é preciso se perguntar: Onde um Padre de 77 anos de idade foi adquirir mais de 115 mil reais para levar para parentes pobres em Portugal? Não quero acusá-lo de nada. Mas analisemos uma evidência: O citado Monsenhor investigava os excessos de gastos na Arquidiocese do Rio de Janeiro. Ele é o Ecônomo (responsável pela administração dos bens) da Arquidiocese. Ele sucede ao Padre Edvino Alexandre Steckel, que teria autorizado despesas de 15 milhões de reais em apenas dezesseis meses. Valores que demonstram, claramente, que a mencionada Arquidiocese não é nada pobre. Por motivo de doença, o Mons. Abílio, já havia pedido renúncia do cargo, seu mandato termina em outubro. Vejamos outra resposta do Monsenhor.

O senhor não sabia que tinha que declarar o dinheiro? Eis a resposta do religioso: “Sabia. Mas eu pensava em fazer isso lá dentro [do aeroporto]. Quando foi lá dentro, já era tarde. E, afinal de contas, o dinheiro não era roubado, era meu. [...] Era para os meus [parentes] pobres em Portugal. Eu já tinha posses, que vieram de família. Declaro tudo no Imposto de Renda”.

Se não tivesse sido denunciado, certamente o Mons. Abílio teria levado o dinheiro sem declaração à Receita. Tal ação é criminosa e rotineira no Brasil e o fato de um Monsenhor ter enveredado por este caminho mostra que até os clérigos tendem a incorrer em tal irregularidade. Ele afirma que o dinheiro seria para parentes pobres em Portugal, e depois afirma, também, que já tinha posses, “que vieram de família”. Ele passa a idéia de que tem duas famílias: uma pobre, que precisa de sua ajuda e outra rica, que lhe deu uma herança. Bem irônico, o Monsenhor! O mesmo obteve liberdade provisória. Espero que a Polícia Federal descubra a origem do dinheiro, tão mal explicada pelo Monsenhor. O Arcebispo do Rio de Janeiro também deve ter cuidado com as finanças de sua Arquidiocese, pois os últimos ecônomos têm decepcionado bastante. Espero que não seja mais um caso a cair no esquecimento e na impunidade.

Partindo da reflexão teológica que a Igreja faz do ministério sacerdotal, a situação do Monsenhor é pecaminosa, inaceitável e vergonhosa. Na Igreja, o presbítero é chamado a se configurar ao Cristo bom Pastor. Este nasceu, viveu e morreu pobre entre os pobres. Jesus veio para servir aos pecadores deste mundo e não ser servido por eles. Do mesmo modo, o presbítero tem por vocação o serviço do povo de Deus. O serviço aos empobrecidos deste mundo, através da caridade e da administração dos sacramentos, está na centralidade da espiritualidade e da vocação do presbítero católico.

Longe de condenar o Monsenhor, sabendo que o mesmo não é o primeiro nem será o último a se comportar dessa maneira na Igreja, olhemos, teologicamente, a situação: Padre rico, pois não encontramos uma pessoa pobre carregando mais de 115 mil reais para a Europa. Apego aos bens materiais: Se, de fato, recebeu herança da família, não a renunciou por amor ao Reino de Deus; se os bens pertencem à Igreja, a situação piora ainda mais: uso indevido dos bens da Igreja para benefício próprio e familiar. Ironicamente, se utiliza do nome de Deus para acobertar, ameaçar e legitimar o crime praticado, apresentando, assim, uma idéia falsa do Pai de Jesus e nosso Pai. O Monsenhor envergonha a Igreja e se coloca como um mau exemplo para aqueles que aspiram ao ministério ordenado.

Outro aspecto precisa ser salientado: Se um ecônomo consegue, em dezesseis meses, manobrar 15 milhões de reais, como foi o caso do predecessor do Mons. Abílio, é sinal de que a Igreja precisa revisar sua condição no mundo. Se há uma fortuna que não está a serviço dos empobrecidos, então, pode-se afirmar, seguramente, que está a serviço do clero e da manutenção da instituição. Se há desvios, é porque há dinheiro. É verdade que vivemos num mundo onde quase tudo é submetido ao mercado. Uma vez que a Igreja está no mundo, precisa de recursos financeiros para sobreviver, materialmente. O problema está no acúmulo de bens e no uso indevido dos mesmos. Somente o necessário basta às pessoas e à Igreja. O problema das riquezas sempre dificultou o anúncio do Evangelho de Jesus. A Igreja tem dificuldade de fazer a opção preferencial pelos pobres por causa das riquezas que possui.

Pecados como esses precisam ser constantemente denunciados. Não adianta denunciarmos os desvios da sociedade, se ocultamos os que acontecem no interior de nossas Igrejas. O compromisso com a verdade, com a justiça e com a solidariedade nos confere autoridade moral para que o anúncio da Boa Nova tenha êxito neste mundo. O Evangelho é a verdade que nos liberta da mentira das aparências e das superficialidades. Para ser escutada pela sociedade, a Igreja precisa de testemunhos autênticos de pessoas que se comprometam com a justiça e com a solidariedade. Não podemos aceitar a realidade de certas pessoas, destituídas de integridade e humildade, que se aproveitam do ministério ordenado para o enriquecimento ilícito. Ser presbítero é ser discípulo e missionário do Cristo evangelizador dos pobres, é ser testemunha da verdade e da justiça do Reino de Deus. Fora disso, o que existem são funcionários do altar, mercenários do templo do Senhor.


Tiago de França

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