quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dia Nacional de Ação de Graças


“Agradeçam a Javé, porque ele é bom, porque o seu amor é para sempre!”
(Salmo 118, 1)

Em 1620, moradores de Plymounth, na Inglaterra, por causa de questões religiosas, deixaram sua cidade e vieram tentar a sorte nas Américas. No ano seguinte, devido à fartura na colheita, tais pessoas criaram o DNAG - Dia Nacional de Ação de Graças para renderem graças a Deus. No Brasil, em 1909, o pernambucano Joaquim Nabuco, embaixador do Brasil nos EUA, foi o primeiro incentivador da criação, no Brasil, do DNAG. Em 1949, o Presidente Eurico Gaspar Dutra estabeleceu que se celebrasse tal Dia na quarta quinta-feira do mês de novembro. Esta data foi modificada pelo Presidente Castello Branco, em 1965, transferindo-a para a última quinta-feira do mês de novembro. Todo ano, nesta data, celebra-se, no Brasil, o DNAG. Infelizmente, ainda é uma data esquecida e pouco valorizada por muitos.

Qual o significado desta data? Trata-se de uma data, eminentemente, religiosa. Os ateus não celebram este dia. Trata-se de uma data para quem acredita em Deus. O DNAG quer nos recordar que todas as coisas foram criadas por Deus, portanto, vêm dele e voltam para ele. Por isso, todo crente, independentemente de denominação religiosa, é convidado, neste dia, a agradecer a Deus pelas coisas boas da vida. É o dia da gratidão. Esta está se tornando atitude rara nas relações entre os seres humanos e na relação destes com Deus.

Numa sociedade onde a autosuficiência é cada vez mais estimulada pela competição e pelo individualismo, a ingratidão torna-se atitude comum. A pessoa autosuficiente pensa que se basta a si mesma. Na sua essência, somente Deus basta-se a si mesmo; mas sua revelação na história mostra, claramente, que Deus optou em fazer uma Aliança com o ser humano. A experiência missionária de Jesus de Nazaré é a prova por excelência: ele não inaugurou o Reino sozinho, mas chamou mulheres e homens para ajudá-lo na sua missão, e depois lhes confiou a continuidade da mesma missão.

A vida humana se dá no mundo e neste se faz presente a sociedade. As pessoas vivem em sociedade, associadas umas às outras. Ninguém é uma ilha, ninguém vive sozinho. Mesmo que fôssemos eremitas no deserto, sempre viveríamos a experiência da dependência. O ser humano depende das coisas e das pessoas para viver. Tudo é fruto da associação entre os humanos: a cama que utilizo para dormir, alguém a fez; o ar que respiro, vem de algum lugar; o livro que leio, alguém o escreveu e alguma gráfica o imprimiu; e assim, sucessivamente. Justamente por isso, é que dizemos que ninguém se basta a si mesmo.

Aprender a viver em sociedade é uma necessidade e um desafio para o ser humano: é uma necessidade, porque precisamos das pessoas, das coisas e das instituições para construirmos a nossa existência. A Sociologia e a Filosofia nos ensinam que somos seres sociais e políticos. Na sociedade somos autores e vítimas de ações, projetos, pesquisas, descobertas, progresso, retrocesso etc. A vida se desenvolve numa enorme e infinita teia de relações. Nós passamos toda a nossa vida nos relacionando conosco mesmos e com o mundo das coisas e das pessoas. Na sociedade e nas relações que acontecem na mesma nós inventamos a vida.

Viver em sociedade é um desafio. O ser humano em si mesmo é um desafio constante, é uma incógnita. Somos a espécie animal que, apesar de dotada de razão, não consegue compreender-se a si mesma, plenamente. Sempre nos surpreendemos com aquilo que somos e que conseguimos fazer. Somos mistério. Assim constituídos, encontramos muitas e infinitas dificuldades para con-viver. Dentre todas as espécies de animais, a humana, talvez, é a única que vive a experiência da autoextinção: os humanos matam-se uns aos outros, às vezes, sem motivo algum, por pura banalidade. O pensar e o intencionar são ocultos quando não revelados, daí surge o mistério do ser singular de cada pessoa e o escandalizar-se com suas imprevistas ações.

O Evangelho de Jesus nos põe um desafio: a frater-nidade. Aquele que crê em Jesus é convidado a manifestar tal crença através da fraternidade. Esta significa viver como irmãos. Como poderemos viver como irmãos se nos enxergamos, muitas vezes, como inimigos uns dos outros?... A pessoa que ver o outro como inimigo tem sérias dificuldades de viver a fraternidade. Na lógica do mundo dominado pelo ódio e pela vingança, o outro é o inimigo, e todo inimigo precisa ser eliminado. No Evangelho, que caminha na contramão da história, o outro é o próximo, o irmão. A cultura de morte que toma conta do mundo é legitimada pela visão do inimigo, ou seja, o inimigo tem que morrer porque é mal, porque é incurável.

As novelas, os filmes, as estórias criadas na literatura e muitas das manifestações culturais, sempre incentivam a imagem do inimigo. Até a religião, às vezes, sem querer, incentiva tal dilema: as pessoas boas vão para o céu, as más vão para o inferno. Já na catequese as crianças aprendem isso, e crescem rotulando as pessoas com os selos do bem e do mal. Isto dificulta a vivência da fraternidade e a conseqüente construção do Reino de Deus. A cultura do amor e da paz, que constrói através de posturas justas e éticas, somente acontece quando as pessoas mudam de mentalidade, quando passamos a ver o outro como o nosso irmão. Quando isto ocorre, o nosso eu passa a existir em função do outro (alteridade).

O DNAG nos recorda, também, o valor da solidariedade. Esta acontece na relação com o outro, este sendo visto como o próximo, não inimigo. Sensíveis às necessidades do próximo, no encontro com ele acontece o milagre da partilha. Aprendemos a partilhar somente através da solidariedade. Quem não consegue ser solidário não partilha nada com ninguém. A partilha fraterna, entre irmãos, nos oportuniza vivemos a experiência da amizade. É bom salientar que a gratuidade é uma das características fundamentais da solidariedade, da partilha e da amizade. Estes preciosos valores são vivenciados por pouca gente. São valores que, quando vivenciados pelas pessoas, tem o poder de construir um mundo melhor.

Assim sendo, além de toda e qualquer prática religiosa, interesse pessoal ou grupal, ambição e egoísmo, é urgente que incentivemos a prática da solidariedade que acontece na partilha. Sem a solidariedade, a religião e a vida humana perdem seu sentido. O ser humano se realiza na relação solidária com o outro, seu próximo; do contrário, continuaremos vivendo em meio a guerras como a que acontece, atualmente, no Rio de Janeiro, no Oriente Médio e em tantos outros lugares.

A fome, o preconceito e tantos outros males são oriundos da indiferença que legitima a falta de solidariedade. Não há meio termo: ou somos solidários ou odiamos o próximo. Somos livres para aderirmos a uma destas duas alternativas. Ninguém vive na inércia, todos nos posicionamos, e temos que, querendo ou não, arcar com as conseqüências de nossas escolhas. Agradeçamos, pois, a Deus pelo dom da vida e peçamos-lhe a graça de vivermos a fraternidade.


Tiago de França

A razão científico-tecnológica, a Educação e o educador


O presente texto não pretende expor de forma científica e, portanto, minuciosa os conceitos que formam o seu título. Creio que há profissionais melhor formados que tem se dedicado, exaustivamente, à tarefa de fazê-lo.

Assim, introdutoriamente, faço saber que pretendemos discorrer, espontânea e abertamente, sobre tais conceitos a partir das reflexões feitas por Rubem Alves, no seu texto O preparo do educador; Marilena Chauí, na abordagem que fez em O que é ser educador hoje? Da arte à ciência: a morte do educador; a famosíssima e feliz obra de Paulo Freire, A pedagogia do oprimido; e o texto Ciência, tecnologia e sociedade: uma reflexão filosófica, de Valéria de Marco Fonseca. Estes autores propõem uma re-visão e/ou um re-pensar dos mencionados conceitos numa perspectiva de libertação integral do ser humano.

A razão científico-tecnológica

Com a evolução do tempo, o homem foi descobrindo-se a si mesmo e ao mundo. Os gregos fizeram surgir a Filosofia, e por meio desta, o homem tem buscado até os dias de hoje, buscar um sentido para a vida. Rubem Alves recorda em seu texto que Camus dizia que o problema filosófico por excelência era “julgar se a vida é digna ou não de ser vivida”. Assim, a reflexão filosófica ousa especular sobre a dignidade e o sentido da vida humana. Em outras palavras, queremos saber por que e para que vivemos.

Com o surgimento da ciência, que aperfeiçoou tal descoberta e que tem se mostrado cada vez mais infinita, o ser humano descobriu que pode viver mais e melhor. Os gregos pensaram o logos, os medievais o embate entre a razão e a fé e os modernos resolveram ficar com a ciência que funda a razão instrumental. O mundo passa a ser a “medida de si mesmo” (Adorno e Horkheimer). Os modernos desenvolveram o saber científico e começaram a tratar a natureza de forma desumana. A natureza, na visão deles, é escrita em linguagem matemática e somente pela ciência é possível a sua descrição.

Quando a natureza se torna serva do ser humano, este a explora, ilimitadamente. Aí aparecem os conceitos de dominação e alienação refletidos por Marx. Marcuse denuncia a manipulação do homem pelo homem através da dominação da natureza. Não se trata de qualquer manipulação, ou seja, passageira e superficial, mas sistematizada e permanente. O saber científico cada vez mais aperfeiçoado tem servido, unicamente, para dominar e manipular.

Quando surgiu o Iluminismo, ilusoriamente, pensava-se que tal saber, fundamentado na incrível capacidade da razão humana, serviria para criar uma sociedade realmente humana e livre, mas os resultados posteriores mostraram e, ainda, mostram que tal humanidade e liberdade estão longe de se tornarem realidade.

Assusta-nos a capacidade racional humana de prejudicar, insistentemente, o próprio homem. Ou seja, o homem cria um sistema tecnológico que tem o poder de destruir a própria vida e a do mundo, e o que é pior: não se desiste de tal intento histórico e maléfico. A técnica e a tecnologia são excludentes e destruidoras. O poder mortífero que as mesmas detêm supera a capacidade de aperfeiçoamento positivo (bens produzidos que promovem a vida).

O sistema que governou o mundo moderno e o que governa o mundo atual é fundamentado na técnica que produz tecnologia, na busca incessante do ter em detrimento do ser, na dominação que impede as manifestações libertárias. Neste sistema, são excluídas as pessoas que não produzem nem consomem, pois o mercado é quem rege a vida humana. O ser humano se contenta em satisfazer, incansavelmente, seus desejos. Até as religiões são atingidas: tornam-se lugares de satisfações insaciável dos desejos. O sistema dita o que as pessoas devem comer, vestir, calçar, onde devem morar, como devem rezar, amar e pensar...

Esta situação afeta a capacidade ética do ser humano, suas relações interpessoais e sociais. Valores e mais valores são criados e re-criados, tudo se torna relativo em nome do sistema e a partir dele. As crises fazem parte do subjetivo das pessoas e do próprio sistema. Seguem-se crises mais profundas que outras e o homem vai, aos poucos, perdendo o sentido da vida, torna-se um ser depressivo e insuportável. As relações se tornam superficiais e a qualidade de vida, apesar dos avanços e descobertas, diminui.

Individualismo, competitivismo, egoísmo, materialismo e tantos outros ismos surgidos a partir da perda gradativa do sentido de vivência comunitária têm assolado a vida de muita gente. Quando olham para o passado, as pessoas lamentam porque não puderam ter, quando se voltam para o presente, reclamam porque não tem e quando pensam no futuro são absorvidas pelo medo de perderem tudo. Isto explica o fato dos ricos desejarem ser cada vez mais ricos. Para estes e para todos, a regra do sistema pautada na racionalidade científico-tecnológica é a mesma: Produzir e consumir, independentemente, do pensar ético e religioso.

Tal visão pode parecer pessimista e levar o leitor a pensar que a solução está na erradicação plena da razão instrumental. Nenhum estudioso ousou afirmar isso. Quem ousaria, certamente, se equivocaria. J. Bustamante aponta uma possível solução para tal problemática:

Uma sociedade mais livre, mais humana, necessitará, portanto, não apenas de um não apenas de um novo sistema técnico-científico, mas de um conjunto de regras que definam uma nova relação entre ética, ciência e tecnologia. Desta forma, o desenvolvimento de um novo conhecimento científico viria associado ou de uma nova consciência, que nasceria da experiência da natureza como a totalidade da vida para se protegida e cultivada. Assim, a tecnologia poderia aplicar esta ciência à reconstrução e recuperação – não à cega transformação – do entorno do entorno vital (BUSTAMANTE, 1997:59).

Outro aspecto desconcertante que integra e agrava o problema refere-se aos meios de comunicação de massa. Estes têm exposto as pessoas a um excesso de informações, a um verdadeiro bombardeio de notícias e entretenimento. Além disso, o tratamento das grandes causas da humanidade se dá de forma sensacionalista, beirando a banalização. A mídia se tornou um valioso instrumento de alienação e “emburrecimento” das pessoas, comprometendo, gravemente, o poder natural da pessoa de saber discernir de forma crítica os fatos e suas respectivas circunstâncias.

A Educação e o educador

Diante do conjunto que forma a problemática exposta no subtítulo anterior, a Educação se apresenta como uma das únicas ou, talvez, a única via possível de solução. Um novo sistema técnico-científico, as novas regras das relações éticas, o novo conhecimento científico e a experiência da natureza como totalidade da vida apontados por J. Bustamante só podem ser construídos por pessoas educadas a partir de novos parâmetros. Estes fundamentados nos valores que constroem, verdadeiramente, a vida.

A proposta da educação mercadológica, ou seja, no sentido de permanecer volta para o mercado, produzindo meros profissionais, técnicos e cientistas, não resolve; mas, antes, agrava cada vez mais a situação. Trata-se de um modelo educacional vinculado à racionalidade instrumental e seu fiel legitimador, modelo que não está preocupado com as grandes causas da humanidade e que não se manifesta diante da ação destruidora do homem pelo homem. Imbuído por uma mentalidade mercadológica, tal modelo de educação fabrica os profissionais necessários à manutenção e aperfeiçoamento do sistema opressor. Marilena Chauí fala de adestramento de mão-de-obra para o mercado.

Neste sentido, a reflexão filosófica que Paulo Freire elaborou sobre a Educação, pensando-a numa perspectiva libertadora se tornou, extraordinariamente, inovadora. O educador pernambucano e cientista da educação pensou a educação como instrumento de libertação integral do ser humano. Em outras palavras, a educação precisa estar a serviço da humanização da pessoa, fazendo-a refletir e agir sobre o mundo, transformando-o.

A reflexão de Paulo Freire revela que o educador é aquele que desperta a consciência crítica de seu educando, ajudando-o a libertar-se da alienação. A consciência crítica faz a pessoa ser sujeita da própria história. A educação, segundo ele, deve combater a cultura da dominação presente no mundo e levar as pessoas a descobrirem sua vocação ontológica e histórica: a do ser mais. A opressão, segundo Paulo Freire, “se constitui em um ato proibitivo do ser mais dos homens”.

Rubem Alves ensina-nos que este educador precisa ser despertado, pois ele existe em cada um de nós. Diferentemente do professor, o educador é pessoa, é vocação. O professor é profissão, é funcionário, “entidades descartáveis”. A realidade da Escola e da Universidade mostra que o professor está preocupado com a própria carreira: salários, títulos e reconhecimentos. A situação opressora do mundo e a cruel situação de muitos alunos não lhe despertam nenhum interesse. O professor é aquele que cumpre sua obrigação e ganha o salário no fim do mês.

O educador é diferente, como o próprio nome já indica, ele educa para a vida. Ele sabe da necessidade da aplicação do conteúdo, mas sabe, também, que a missão de educar ultrapassa os conteúdos. Para o autêntico educador, educação é ação transformadora, é consciência crítica para a transformação do mundo. Nesta perspectiva, somente uma séria re-orientação do sistema educacional tornará possível a recuperação do papel do educador e o surgimento de uma educação voltada para a consciência crítica. Do contrário, pode-se até falar de educação libertadora, mas tudo não passa de legitimação da opressão.

A modo de conclusão

A esperança de um futuro melhor, sem exclusões nem opressões motiva-nos a continuarmos oferecendo a nossa parcela de contribuição no processo de conscientização das pessoas onde quer que estejamos. Penso que deve ser esta a atitude de quem acredita na capacidade libertadora da ação humana. Entregar-nos ao pessimismo e à revolta irracional não é o caminho viável da transformação que necessitamos. No que se refere a tal revolta, a história já provou que a mesma só causa retrocesso, destruição e morte. O caminho mais acertado que podemos trilhar é o da educação inspirada nos valores libertários e humanísticos.

Tiago de França da Silva
Texto apresentado à disciplina Filosofia da Educação do curso de Filosofia da PUCMG -2010.2

sábado, 20 de novembro de 2010

Jesus Cristo: imagem do Deus invisível


“Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado” (Lc 23, 42).

A Palavra de Deus fala da autorevelação de Deus ao mundo através de Jesus de Nazaré. Este revelou-nos o Deus que nos salva. A salvação trazida por Jesus é o Reino de Deus. Isto significa que toda pessoa que estiver disposta a seguir Jesus precisa estar disposta, também, a aderir ao projeto de Deus, o Reino. Esta é a Boa Notícia que a Igreja deve anunciar ao mundo. O anúncio do Evangelho de Jesus é o anúncio da autorevelação amorosa de Deus em Cristo Jesus.

As atitudes e palavras de Jesus revelaram o Deus até então desconhecido. Ninguém jamais viu a Deus, afirma Jesus no evangelho segundo João; mas toda pessoa que viu Jesus, viu a Deus. O mistério da unidade de Jesus com o Pai e o Espírito é incompreensível à razão humana. Esta não consegue compreender o mistério insondável do Deus Uno e Trino. Só podemos falar daquilo que nos foi revelado. Toda a revelação é passível de compreensão, porque foi assim que Deus quis. Deus quis que compreendêssemos seu mistério de amor revelado em Jesus.

Assim, não adoramos a um Deus desconhecido, mas ao Pai de Jesus, que nele se tornou também nosso Pai. Em Cristo Jesus temos a graça de chamar a Deus de Pai. A relação paterna é de intimidade. Tal relação se dá no cotidiano comum da vida humana. Deus se relaciona conosco ao modo das relações que se dão entre os seres humanos: na simplicidade que se desdobra na acessibilidade. Em outras palavras, Deus não instituiu uma nova modalidade de relacionamento. Ele se dá em nossas relações, é por isso que afirmamos que Deus está no outro.

A leitura, meditação e prática do Evangelho de Jesus levam-nos ao outro, que é o nosso semelhante, o próximo de quem fala Jesus. Ninguém pode compreender a mensagem do Evangelho sem passar pela experiência do encontro com o outro, pois tal encontro revela o Evangelho e este revela Deus. Neste sentido, o outro é o lugar do encontro com Deus. Depois de ter compreendido isto, a Igreja passou a compreender-se a si mesma como instrumento de salvação do mundo e no mundo.

A opção preferencial pelos pobres, necessidade evangélica descoberta pela Igreja latino-americana desde Medellín até os dias de hoje, mostra-se o sentido mais profundo do Evangelho; de modo que, não se pode compreendê-lo fora de tal opção. A opção pelos pobres foi a opção de Jesus e deve ser a opção da Igreja. Foi na mesma opção que Jesus nos revelou o Deus invisível, que em sua carne se tornou visível a todos. A partir disto, a reflexão teológica passou a ensinar que o Deus e Pai de Jesus se encarnou na história.

O poder, o prestígio e a riqueza são três obstáculos que tem impedido muita gente de fazer a experiência do encontro com Deus no encontro das realidades e necessidades do próximo. Toda pessoa apegada ao poder, ao prestígio e à riqueza não tem condição de ir ao encontro das necessidades do próximo, ou seja, tais pessoas não conseguem viver o mandamento maior do Evangelho de Jesus: o amor. Desde que o ser humano tomou conhecimento destes três obstáculos, a humanidade se encontrou, gravemente, comprometida pelos males oriundos deles.

Quem tem poder quer ter cada vez mais, a mesma coisa acontece com quem tem prestígio e riqueza. São três males, essencialmente, antievangélicos; que geram e alimentam as forças da morte neste mundo, as forças do anti-Reino. Estes males são tão evidentes e, conseqüentemente, tão fortes que sequer muitas mulheres e homens da Igreja escaparam nem escapam deles. Antes de adentrarmos, brevemente, neste aspecto, é preciso confessar que as mulheres pecaram e pecam menos em matéria de poder, prestígio e riqueza, pois na Igreja elas não exercem o poder.

Tanto na Igreja quanto na sociedade, a mulher não tem os mesmos direitos que os homens. Na Igreja, elas não participam da hierarquia, pois não podem receber o sacramento da Ordem. Após o Concílio Ecumênico Vaticano II, com a busca de valorização do leigo, a mulher ganhou certo destaque, mas mesmo assim, não conseguiu integrar o corpo hierárquico da Igreja.

Mesmo sabendo que, quem mais coordena as pastorais e anima a Igreja são as mulheres, é preciso reconhecer que o poder de decisão delas é inferior ao dos homens. Na sociedade, além de ser vítima da exploração por parte de muitos, a mulher possui salários menores que os homens e, às vezes, no desempenho das mesmas funções. A consolidação democrática, que vai se dando aos poucos, e o reconhecimento dos direitos da mulher estão mudando esta realidade. Hoje, diferentemente de outras épocas, a mulher chegou até a Presidência da República, como é o caso do Brasil e de outros países.

O Deus revelado em Jesus de Nazaré é o Deus da vida, vida abundante para todos, independentemente de cor, sexo, religião, cultura e/ou condição social. A Igreja, para ser defensora e promotora da vida, precisa renunciar ao poder, ao prestígio e à riqueza. O testemunho de Jesus de Nazaré é de total despojamento destes três males, seguindo seu exemplo, a Igreja deve fazer o mesmo, do contrário, jamais vai conseguir cumprir o mandato missionário de Jesus: “Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia para toda a humanidade” (Mc 16, 15).

Para ilustrar, cito um nome importante da Igreja no Brasil, exemplo de seguidor de Jesus, despojado de todo poder, prestígio e riqueza: Dom Pedro Casaldáliga, Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, MT. Trata-se de um homem que é Bispo, poeta, escritor, missionário e profeta. É um exemplo raro de Bispo pobre, materialmente falando. É um profeta do Reino de Deus, homem discreto e autêntico no seguimento do Cristo pobre que se fez servidor de todos. Quem visita Dom Pedro Casaldáliga volta para casa com a convicção de que se encontrou com um homem santo.

Dom Pedro Casaldáliga renunciou a condição de Príncipe da Igreja e se tornou um pobre missionário no caminho de Jesus. Ele não precisou renunciar à sua missão de Bispo. Sua vida aponta para a Igreja que devemos construir: pobre entre os pobres. Somente uma Igreja pobre e obediente ao Evangelho consegue anunciar Jesus ao mundo, do contrário, fala-se muito bem e bonito, mas ninguém escuta. O anúncio é constituído de três elementos fundamentais: a pessoa, a palavra e a ação.

Quem anuncia é a pessoa, ou seja, o ser humano inserido no mundo e agente da própria história. Esta pessoa não fala de si nem para si, mas fala Jesus para o mundo. E para que o anúncio frutifique dando vida ao mundo e construindo o Reino, o anunciador procura, apesar da condição humana e, conseqüentemente, limitada, agir conforme aquele a quem anuncia. O missionário anuncia a verdade que liberta vivendo tal verdade, anuncia através da palavra e da vida. Isto é seguimento de Jesus e revelação de Deus ao mundo.

A solene celebração litúrgica de Cristo, rei do universo, que se dá neste Domingo não é a celebração de um rei ao modo deste mundo, mas daquele que se fez pobre entre os pobres para inaugurar o Reino de Deus. Portanto, é a celebração do compromisso com a justiça que constrói o Reino. Quem quiser participar deste Reino não poderá alcançá-lo pela mera aclamação jubilosa ao rei Jesus, mas, somente, através do anúncio da justiça e da verdade que liberta, integralmente, o ser humano.


Tiago de França

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Para um bom entendedor


Para um bom entendedor
ri-
basta.


Tiago França

domingo, 14 de novembro de 2010

A esperança que constrói o Reino de Deus


“Todos vos odiarão por causa do meu nome.
Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça.
É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida”
(Lc 21, 17 – 19).

O fim do ano litúrgico é marcado pela reflexão sobre as realidades últimas da história (dimensão escatológica da vida e da fé cristã). A Liturgia da Palavra oferece textos com linguagem e temas próprios: vigilância, perseverança, esperança, fidelidade, expectativa, perseguição, morte, vida, julgamento, recompensa etc. Falar sobre realidades metahistóricas é um desafio, pois não apresentam certeza. Pela fé vislumbramos a vida eterna, o estar em comunhão plena com o Deus da vida revelado em Jesus de Nazaré. Mas no que se refere ao como isto vai acontecer, ninguém sabe.

O passado e o presente nos são acessíveis, mas o futuro é desconhecido, e para muitos, incerto. Somos capazes de julgar e discernir o visível que se dá até a hora da morte, mas depois dela tudo é mistério insondável. O pós-morte escapa à nossa compreensão. Justamente por causa disso, tanta gente não acredita na vida após a morte. Para os que acreditam na Ressurreição de Jesus, esta se apresenta como garantia de que a vida continua após a morte. Esta põe somente um fim na vida material do corpo. Na sua filosofia sobre o ser, o filósofo alemão Martin Heidegger afirma que o homem é um ser-para-a-morte. Este ser é angustiado e inquieto.

Apesar da tragicidade da morte e da falta de certeza lógica a respeito da vida futura, penso que a morte não deve ser motivo de preocupação. Se ficarmos, demasiadamente, preocupados com a morte, esquecer-nos-emos de viver a vida. Isto tem acontecido com muita gente. O medo da morte tem o poder de nos paralisar, e até de nos tirar a vida. O cristão é a pessoa que pensa na vida plena, que é o Reino de Deus, mas que não fica sentado, esperando e desejando, ardentemente. A vida plena não pode ser esperada desse jeito. Quem assim procede, perdê-la-á, definitivamente.

Deus quis que Jesus viesse a este mundo e desse início a esta vida plena denominada Reino de Deus. Deus, desde a criação do homem e de todas as coisas quis que o homem colaborasse no processo de construção da vida plena, de modo que, quem quiser viver, precisa caminhar, deslocar-se. Foi assim no Antigo Testamento, quando vemos a ação profética de mulheres e homens que lutaram pela vida. O mesmo aconteceu com Jesus. Este se associou a mulheres e homens que o ajudaram a desempenhar a sua missão. Depois da experiência missionária de Jesus surgiu a Igreja, que até os dias de hoje, formada por mulheres e homens pecadores continuam a luta pela vida.

O Cristianismo é a religião do movimento, nele ninguém pode estagnar-se. O Espírito do Senhor recorda o Evangelho de Jesus e a marcha acontece na história. Essa marcha acontece numa luta constante contra as forças do anti-Reino que operam no mundo. Este se renova por meio da vida de mulheres e homens que se dispuseram, se dispõem e continuarão a se dispor a construir o Reino na espera laboriosa da parusia (volta) daquele que dará plenitude à construção histórica iniciada. Esta é a esperança cristã que não pode ser confundida com esperanças fundadas na ideologia e na ilusão. A esperança cristã é a esperança vivida por Jesus, a esperança que alimenta a luta dos empobrecidos.

Meditemos um pouco sobre os versículos 17 a 19 do capítulo 21 do Evangelho de Jesus segundo Lucas, que introduzem a presente reflexão e encerram o texto evangélico deste 33º Domingo Comum. Estes versículos traduzem o proceder do cristão autêntico que conhece em quem está depositando a sua confiança. Para uma total entrega no seguimento de Jesus de Nazaré é necessário conhecimento de seu projeto. Este projeto se dá na obediência à vontade de Deus. Tal obediência gera o projeto, o Reino de Deus. Este foi inaugurado por Jesus na plena obediência à vontade divina. Jesus obedeceu, fielmente, até a morte, e morte de cruz.

“Todos vos odiarão por causa do meu nome. Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça”. O nome de Jesus é sinônimo de caminho, verdade e vida. São valores e/ou realidades que o identificam. Em outras palavras, Jesus é o caminho, a verdade e a vida. Por causa disso, o cristão é odiado no mundo. O autêntico compromisso com a vida leva o cristão a denunciar as situações e combater os sinais de morte que se manifestam, insistente e horrivelmente. Esta denúncia e este combate provocam ódio no coração daquelas pessoas descomprometidas com a defesa e a promoção da vida. Para o cristão verdadeiro, a vida está acima da lei, das tradições e costumes, da religião e do saber. A vida está acima de tudo e deve ser colocada em primeiro lugar.

O verdadeiro compromisso com a verdade leva o cristão a denunciar e a combater a mentira e a confusão oriunda da mesma. Com posturas e palavras verdadeiras, o cristão desmascara a mentira isolada e a mentira sistematizada e/ou sistêmica. Esta última se mostra mais perigosa, porque é a mentira do sistema neoliberal que, enganando as pessoas, lhes promete vida plena. A mentira sistêmica, promovida através de ideologias que visam à alienação, leva as pessoas à limitação e/ou à morte de suas consciências, infantilizando-as e domesticando-as. Assim, as pessoas se tornam escravas, ou seja, massa de manobra. Elas, simplesmente, existem, ocupam lugar no espaço, vivem à mercê do mercado que, por sua vez, satisfaz e gera novos e insaciáveis desejos.

O verdadeiro compromisso com o caminho leva o cristão a colocar-se no caminho da justiça do Reino de Deus. Em meio aos descaminhos deste mundo, o caminho de Jesus existe como proposta desafiadora para mulheres e homens corajosos e audaciosos. Quem se coloca neste caminho, caminha com Jesus na contramão da história. Caminhar na contramão nunca foi ação aconselhável para ninguém, mas o projeto de Jesus sugere este caminhar. Caminhar com Jesus na contramão é a única via que leva ao Reino de Deus. Assim, é perceptível que o caminho de Jesus não oferece nenhuma segurança. Nele, se ganha a vida perdendo-a neste mundo. E o curioso é que o caminho de Jesus não se encontra, necessariamente, no Cristianismo. Ele está, também, fora e para além deste.

“É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” Muitas pessoas são iniciadas no caminho de Jesus, mas não têm coragem de se colocar nele. Há outras que se colocam no caminho, mas, dominadas pelo medo das ameaças e dos riscos, desistem. Há outras, ainda, que pensam que estão no caminho, mas, na verdade, estão distante dele. Jesus afirma que é preciso permanecer, e permanecer firmes, pois, somente assim, é que se pode ganhar a vida.

O tempo presente mostra que a vida não pertence aos que se esmorecem facilmente. A vida está reservada para quem caminha, luta e persevera na luta. A fidelidade ao projeto de Jesus até as últimas conseqüências é uma exigência evangélica. O Espírito Santo, força divina em nós, nos concede o dom da fidelidade e da perseverança até o fim. Ele nos guia e nos sustenta na viva esperança rumo à plenitude do Reino de Deus.


Tiago de França

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Europa e a secularização da fé


Nestes dias, o Papa Bento XVI esteve na Espanha, onde realizou sua 18ª viagem missionária. O pontífice foi bem recebido pelos católicos tradicionais, que são aquelas pessoas que, ainda, freqüentam os famosos e históricos templos. Aquelas que renunciaram às práticas religiosas, a maioria dos que se consideravam católicos, não se mostraram satisfeitas nem alegres com a visita papal. Estas pessoas obrigaram o governo espanhol e os responsáveis diretos pela visita a reforçarem a segurança em torno do Papa tornando, assim, a viagem onerosa aos cofres públicos.

Os que não gostaram da visita do Papa se destacaram nas manifestações: faixas, homens vestidos de hábito clerical, mulheres vestidas de hábito religioso, fotos com caricaturas do Papa, aglomerações com gritos eufóricos, distribuição de panfletos etc. A manifestação que mais chamou a atenção foi o chamado beijaço gay: Enquanto o Papa ia passando pelas ruas em seu papamóvel, gays e lésbicas se beijavam, calorosamente. Na Espanha, o casamento gay já foi legalizado. O Papa sabia da situação, mas mesmo assim, foi ao encontro dos espanhóis. Vejamos as duas principais idéias e/ou constatações do Papa presentes nos seus discursos proferidos durante toda a visita.

Como era de se esperar, o Papa condenou, veementemente, os males oriundos da modernidade. Leonardo Boff, teólogo e ex-frade franciscano, afirma que Bento XVI é inimigo da modernidade. A secularização da fé, na ótica papal, é oriunda da modernidade. Ele fez várias constatações a este respeito. Nas encíclicas do Papa Bento XVI encontram-se explícitas as suas advertências a respeito dos perigos que a modernidade traz para a vida cristã. A impressão que dá é que não pode existir diálogo entre modernidade, Igreja e Evangelho. Aqui temos um gravíssimo problema.

Se não pode haver diálogo entre a modernidade e a Igreja, como, então, resolver tal impasse? Até quando tal situação vai perdurar? A situação tem mostrado que a secularização da fé se alastra pelo mundo inteiro. Somente na América Latina e na África a Igreja tem predominância. Nestes continentes, há pessoas que, ainda, escutam o que a Igreja diz. Será que a melhor maneira de recuperar o rebanho “desviado” é através das condenações? Eis o que dizem as manchetes dos Jornais: “Papa condena a modernidade em sua viagem a Espanha”. Penso que a condenação não é a via correta para um possível diálogo com a modernidade.

O Papa João XXIII, ao convocar o Concílio Ecumênico Vaticano II, recomendou que a Igreja deve renunciar ao discurso condenatório para abraçar um discurso misericordioso. Se julgamos o mundo perdido, por que proferimos sentenças condenatórias? Será que tais sentenças mostram o verdadeiro caminho e conseguem converter as pessoas? A realidade tem provado, insistentemente, que as pessoas não aceitam ser condenadas. Quem está sob o juízo da condenação precisa ser acolhido. A Igreja precisa, cada vez mais, aprender a acolher as pessoas. Atitudes e palavras misericordiosas são os meios necessários à salvação de todos. Neste sentido, o testemunho de Jesus de Nazaré deve guiar a ação missionária da Igreja.

De fato, Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele” (Jo 3, 17). A leitura de todo o Evangelho revela-nos que Jesus nunca abriu a boca para condenar nem as pessoas nem o mundo. Ele não teve medo nem fugiu do mundo. Jesus cumpriu, fielmente, a vontade do Pai: Inaugurou o Reino de Deus no mundo, mundo criado por Deus. Jesus não deu autoridade nenhuma a quem quer que seja para condenar o mundo. O que mandou fazer foi anunciar a Boa Notícia.

A mentalidade condenatória é tão forte na Igreja, que certa vez um jovem me disse: “Tiago, quem não estiver com a Igreja está contra ela e quem estiver contra ela é digno de condenação, porque não está com a verdade!” Muita gente pensa desse jeito, tanto clérigos quantos leigos. O Evangelho de Jesus desmascara este tipo de hipocrisia. O jovem que me disse isso pensa como os fariseus e os doutores da Lei, é hipócrita e mentiroso. Quem condena o mundo, condena-o por dois motivos: Primeiro, porque tem medo do mundo. Este medo é fruto da idéia de que o mundo está perdido, o mundo é de Satanás. Segundo, porque se julga santo e perfeito e prega a idéia de que o mundo deve procurar tal santidade e perfeição.

A Igreja não tem autoridade para condenar o mundo, e não tem por dois motivos: Primeiro, porque o Evangelho proíbe toda espécie de condenação. Se o Cristo, que é Deus, não condenou o mundo, quem possui autoridade para condenar quem quer que seja? Segundo, porque a Igreja não nasceu para condenar, mas para ser instrumento de salvação no meio do mundo. A Igreja deve se colocar a serviço da construção do Reino através do anúncio da Boa Notícia. Esta é a sua missão. Por isso, quer clérigo (Diácono, Padre ou Bispo), quer leigo (engajado ou não), se ousa condenar o mundo e/ou as pessoas, condena-se a si mesmo.

Toda espécie de condenação causa ira e revolta nas pessoas, pois ninguém se sente bem ao ser condenado. A condenação é um mal e não pode ser instrumento para a evangelização do mundo. A vocação cristã está para o anúncio da vida, não da condenação. Uma não pressupõe a outra. A teologia jansenista, pautada na pregação insistente dos temas pecado e graça, não funciona mais na Igreja. Esta teologia morreu com o anúncio e realização do Concílio Ecumênico Vaticano II. Atualmente, as pessoas não se amedrontam mais com sermões que apelam para o rigorismo moral. Hoje, os temas e a maneira de evangelizar devem ser outras, do contrário, tudo não passa de palavras soltas ao vento...

A segunda idéia ou necessidade apresentada pelo Papa encontra-se em suas palavras: “A Espanha deve voltar às suas raízes cristãs”. Para aprofundarmos esta palavra do Papa precisamos responder às seguintes indagações: Como era a Espanha católica? Em que consistem essas raízes cristãs? A história do Cristianismo na Europa remete-nos à Cristandade. Toda a Idade Média é marcada pela Cristandade, caracterizada pela hegemonia da Igreja e pelo seu fechamento ao mundo. Na Cristandade, a Igreja não dialogava com o mundo, pois este é sinônimo de pecado e de morte; compreendia-se a si mesma como uma sociedade perfeita no meio do mundo, e todo aquele que quisesse se salvar devia abrigar-se nela.

Se o Papa, ao falar que a Espanha deve voltar às suas raízes cristãs, refere-se ao retorno à Cristandade, sua visita missionária se mostrará infrutífera, pois os espanhóis e as demais “nações católicas” do mundo não se mostram sensíveis a tal retorno. Os modernos, de modo geral, não gostam de conjugar o verbo voltar, pois vivem no imediatismo do presente em vista de um futuro incerto. Abrir-se ao mundo e dialogar com ele, partindo do princípio de que o mundo tem algo a dizer e a oferecer, pode se mostrar um caminho possível para viabilizarmos o futuro da Igreja e do Cristianismo.


Tiago de França

sábado, 6 de novembro de 2010

O caminho que conduz à santidade


“Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14).

Há um caminho que conduz à santidade. Este caminho não está fora deste mundo. Muita gente o procura numa outra dimensão, mas frustra-se na procura. Há pessoas, ainda, que morrem sem ter encontrado o caminho. E o pior é que muitas destas pessoas são muito religiosas. O caminho não pode ser confundido com a religião nem com suas leis e tradições. Estas, às vezes, desviam as pessoas do caminho. Tal desvio ocorre, sutil e piedosamente. As leis e tradições dão segurança aos crentes, mas no caminho da santidade tal segurança não existe.

Só pode ser considerada santa, a pessoa que se colocou no caminho da santidade, do contrário, só há desejo, engano, confusão e frustração. A coragem e a ousadia fazem parte da vida da pessoa santa, porque esta se arrisca num caminho incerto, inseguro, estreito e pedregoso. Neste caminho, a pessoa não sabe de onde veio nem para onde vai. Sem seguranças, a pessoa é orientada pelo Espírito Santo. Este está acima das leis e tradições e as ultrapassa. Somente o Espírito Santo é quem guia a vida de quem se coloca no caminho. Este mesmo Espírito nunca revela, plenamente, o que vai fazer. Sua dinâmica é inesperada, sua inspiração é sempre nova. O Espírito gera o novo no caminho.

O caminho que conduz à santidade é feito de coisas novas, de novidades. A pessoa que se encontra neste caminho nunca envelhece. Trata-se de uma pessoa sempre nova, rejuvenescida e livre. Livre porque somente o que é novo liberta, entusiasma e empurra para frente. Conduzida pelo Espírito, a pessoa é lançada no mundo. Não há fuga nem medo do mundo. Uma das novidades do caminho é que a pessoa se santifica no mundo e para o mundo. Somos alma e corpo, somos espíritos encarnados. Uma das condições para que se permaneça no caminho é manter-se na carne. O Espírito faz brotar a vida na carne. Esta, na pessoa que se coloca no caminho, não é sinônimo de maldição ou pecado.

O Espírito foi enviado para santificar a vida do mundo e a do povo de Deus. Trata-se da presença criadora e renovadora de Deus, presença que cria e renova na e para a liberdade. Ser santo e/ou santa é ser livre. Somente o Espírito é quem pode promover esta liberdade. Esta, plenamente, destituída de adjetivos que a condicionam. A liberdade promovida pelo Espírito transforma, interiormente, a pessoa. Esta transformação está para a transformação do mundo. A pessoa é transformada para falar e agir no mundo. Quando fala, não fala de si nem para si, mas para a edificação das pessoas, despertando nelas a esperança. Quando age, não age segundo seus próprios interesses, mas tendo em vista a construção do Reino de Deus.

Não existe santidade sem referência com o Reino de Deus, pois o caminho que conduz à santidade leva ao Reino. A pessoa se santifica construindo o Reino. Assim, se as práticas da lei e das tradições não convergem para o Reino, seguramente, não santificam a pessoa. Tais práticas não fazem parte do caminho e podem, sem nenhum dano à pessoa, serem evitadas. Por mais sagradas que pareçam as práticas, mas se não existem em função do Reino de Deus, não servem para nada. Há pessoas que pensam que obedecendo a tais práticas estão se santificando. Pura ilusão!...

Muita gente pensa que os santos foram aquelas pessoas que obedeceram, fiel e inquestionavelmente, às leis, tradições e às práticas religiosas. Quem assim pensa exclui, totalmente, da vocação à santidade as pessoas que não praticam tal obediência. Na Igreja tivemos e temos muitas pessoas santas que viveram e que vivem tal obediência, ma esta não é o caminho da santidade. Antigamente, a Igreja pensava que era assim: Somente os consagrados e ordenados (Padres, Bispos, Monges e Monjas etc.) é quem podem ser santos, porque eram considerados os ungidos do Senhor. A vocação à santidade não era universal, porque somente os ungidos eram os possuidores das devidas condições para a observância fiel dos preceitos divinos e eclesiásticos.

Quando descobriram que o Espírito Santo sopra onde e em quem ele quer, então proclamaram a vocação universal à santidade. Muita gente, na hierarquia da Igreja e fora dela, ainda está descobrindo e tentando aceitar tal vocação. A história mostra que tentaram aprisionar o Espírito, mas não conseguiram e jamais vão conseguir, pois o Espírito é livre e libertador. O Espírito não está nas estruturas nem nas leis, não está preso a uma Igreja ou denominação, mas está presente no mundo e nas pessoas. O Espírito legitima e confirma o que ele quer, não o que os homens querem ou desejam. Ninguém domina o Espírito nem o manipula.

Os santos são guiados por este mesmo Espírito. Eles estão dentro e fora das Igrejas e das religiões. Os santos procuram viver segundo a vontade de Deus até as ultimas conseqüências. Eles vivem numa inquietação constante, porque nunca se acomodam nem se satisfazem com o mundo. Ninguém consegue enquadrá-los nos moldes deste mundo, porque são cidadãos da pátria futura, cidadãos do Reino de Deus. Neste, os moldes e os valores são outros, não existem governantes nem governados. No Reino de Deus, a justiça e a paz igualarão os homens e os farão, plenamente, felizes.

O caminho que conduz à santidade é o caminho de Jesus de Nazaré. Somente a pessoa que se colocar neste caminho é quem pode ser considerada santa. Não se trata de um caminho de perfeição, pois esta pertence a Deus, mas de um caminho de virtudes e de pecados. São muitas as pessoas que derramaram e derramam o sangue ao trilhar o caminho de Jesus. A experiência dos mártires nos ensina que se trata de um caminho perigoso. Quem se deixa dominar pelo medo da morte não pode trilhá-lo. Quem se coloca neste caminho perde o medo da morte, não procura ganhar a própria vida, mas perde-a para ganhá-la, plena e verdadeiramente.

As pessoas que não têm coragem de trilhar o caminho de Jesus procuram se refugiar nas seguranças oferecidas pelo mundo e pela religião. Assim, tivemos, temos e teremos pessoas de vasta cultura, dotadas de poder, prestígio e riquezas, que vivem à margem do caminho de Jesus. Algumas destas pessoas têm até uma vida íntegra, pautada na obediência aos preceitos e práticas religiosas, mas o núcleo do seguimento de Jesus de Nazaré não se encontra aí, não consiste na busca incessante da vida pessoal íntegra. Tais pessoas não correm nenhum risco, não incomodam ninguém com suas palavras e posturas.

Os verdadeiros seguidores de Jesus, os santos, conseguem ter uma vida íntegra sem viverem submetidos à lei. O Espírito os torna íntegros sem precisar que vivam preocupados com a lei. Dizia um Padre do deserto: “Dizem que obedeço cegamente à lei, mas confesso que não a conheço. A lei que conheço é a lei do Espírito: a liberdade”. O Espírito nos santifica na liberdade dos filhos e filhas de Deus e nos faz construtores do mundo futuro que há de vir.


Tiago de França

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Finados: Celebração da vida


A morte é uma experiência que causa medo em muita gente. Não é pequeno o número de pessoas que evitam falar e pensar na realidade da morte, mesmo sabendo que se trata de uma certeza. Todo ser vivo, mais cedo ou mais tarde, morrerá. Nem Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, consubstancial ao Pai, escapou da morte. Esta se impõe a todos: ricos e pobres, negros e brancos, homem e mulher, cultos e incultos, fortes e fracos, religiosos e ateus. A morte passou a existir quando a vida surgiu. Isto não significa que a vida fez surgir a morte, muito pelo contrário, existe a possibilidade de encontrar vida na morte. Assim pensa o Cristianismo. Segundo este, a morte é o caminho para a verdadeira e plena vida.

Muitos estudiosos em Filosofia, desde os antigos gregos até os contemporâneos, pensaram a realidade da morte, mas não encontraram uma resposta que lhe conferisse sentido pleno. A morte é um mistério insondável. Muitas pessoas não acreditam na existência de Deus por causa do dilema da morte, pois não entendem nem aceitam o fato de poder existir um Deus que é bom, mas que permita a morte dos seres humanos e, muitas vezes, a morte trágica como, por exemplo, o genocídio de milhões de judeus no sistema nazista de Hitler, na Alemanha. Mesmo diante desta possível falta de explicação, há um dado que nos motiva a pensar: O homem é o único ser que tem a capacidade de dar sentido às coisas e à sua própria existência. Assim sendo, o homem pode, também, dar sentido à própria morte.

Cada religião e cada cultura têm sua interpretação e sua maneira de encarar a morte. A visão cristã da morte é muito simples e chega a ser bela. Há certa beleza na morte, porque se trata de uma experiência de passagem, de reencontro com o Criador de todas as coisas. Trata-se de um retorno à origem de todas as realidades criadas. A Escritura Sagrada revela que saímos de Deus, estamos em Deus e vamos para Deus. Nesta perspectiva, toda a nossa vida está direcionada para Deus. A partir desta compreensão, a morte perde o seu caráter desastroso e melancólico e se transforma numa realidade de plenitude e felicidade. A vida torna-se leve e tranqüila quando a entendemos como passagem.

O despojamento é um valor vivenciado pela pessoa que sabe que não é deste mundo. De fato, se pararmos para pensar, a nossa vida não passa de setenta, oitenta e, às vezes, cem anos. O tempo não para, a gente nasce, cresce, envelhece e morre. Se não crermos na continuidade da vida após a morte, qual o sentido da vida presente?... Valeria a pena viver uma vida que só durasse no mais tardar, cem anos?... Se assim fosse, poderíamos afirmar que nascer e viver na perspectiva do fim definitivo com a morte do corpo não seria coisa boa. Assim pensa o cristão que acredita na vida eterna. Se há pessoas que suportam a convicção de que tudo termina com a morte do corpo deve ser porque não parou para pensar, profundamente, na realidade da própria morte.

Vejamos outro detalhe da nossa existência: O ser humano vem ao mundo sem trazer nada consigo, e sai deste mundo sem levar, absolutamente, nada. Isto significa que não temos nada, nós só nos utilizamos das coisas para viver ou para morrer. O ser humano passa pelas coisas, e dependendo do uso que faz delas pode construir-se ou destruir-se a si mesmo. Muita gente não tem paz, não vive em paz por causa do mau uso dos bens. Estes têm matado muita gente.

Sempre encontro gente morta nas ruas e praças, principalmente nos centros comerciais, gente que não faz outra coisa a não ser usufruir, exacerbadamente, os bens materiais. Cultiva-se, excessivamente, o prazer em detrimento da vida. As pessoas transmitem um ar de felicidade, mas não fundo não são infelizes, pois são tomadas pela angústia e pelo tédio, pela desilusão e pelo medo de si mesmas, procuram no consumo o sentido para suas vidas. Muita gente morre buscando o ter, numa procura incansável pela satisfação dos desejos. Este estilo de vida pode ser chamado de fútil.

O vazio é o resultado de uma vida pautada na busca incessante das satisfações desmedidas. O homem, muitas vezes, comporta-se como se nunca fosse morrer, como se esta vida durasse eternamente. Para não pensar na própria finitude, as pessoas fogem de si mesmas numa vida barulhenta e atarefada. O medo do encontro consigo mesmas está presente e incomoda. Quem sou eu, de onde vim e para onde vou são indagações evitadas, pois podem causar angústia e desespero. É comum encontrarmos as pessoas com pressa, preocupadas e insatisfeitas consigo mesmas: eis o problema do mundo pós-moderno.

A experiência que Jesus de Nazaré fez da morte merece uma palavra. Jesus teve medo da morte, mas não temeu nem fugiu dela. Ele sabia que precisava doar a vida pela vida do mundo e para a salvação do gênero humano. Ele conseguiu viver, plenamente, a vida humana; não morreu frustrado, mas deu sentido à sua morte. A morte de Jesus tinha e tem um significado salvífico, ou seja, com sua morte aquele que nele acreditar passou a ter a certeza da vida eterna. Esta é uma dádiva divina oferecida através da morte e ressurreição de Jesus. Por isso, ao morrer na carne o cristão não morre, mas vive eternamente. Desde o batismo, passando pela participação na Eucaristia que nos faz irmãos e sendo assistido pelo Espírito, o cristão já tem em si mesmo a vida eterna.

A morte de Cristo exige do cristão a experiência da cruz, pois a Escritura diz que para ressuscitarmos com Cristo precisamos morrer com ele: “Se formos, de certo modo, identificados a Jesus Cristo por uma morte semelhante à dele, seremos semelhantes a ele também pela ressurreição” (Rm 6, 5). Identificar-se com Cristo significa permanecer unido, assumir as mesmas posturas, colocar-se no caminho, tornar-se participante do mistério pascal de Cristo, buscando viver uma vida semelhante à dele. O fiel seguimento de Jesus de Nazaré leva-nos à participação na sua morte e ressurreição. Quando estamos identificados e enraizados no Cristo, a morte não nos mete medo. O cristão de verdade não vive preocupado com a morte.

A morte de Jesus ensina-nos, ainda, a lição da liberdade plena. Quando contemplamos o Cristo crucificado, estamos diante de um homem plenamente livre. Quando se entregou às autoridades judaicas para ser crucificado, Jesus o fez com plena liberdade, pois era um homem livre, despojado de tudo e de todos. Ele não era preocupado com os bens, porque não os possuía. Nada o impedia de entregar-se e de doar-se a si mesmo pela salvação de todos. As autoridades dos judeus não tinham poder algum sobre Jesus, pois ele era, humilde e simplesmente, livre. Na história do mundo nunca existiu nem vai existir um homem livre como Jesus, nem a morte conseguiu contê-lo e/ou aprisioná-lo.

Seguir Jesus no caminho da liberdade que conduz à verdadeira vida significa abraçar o seu mandamento: O AMOR. Este tem o poder de nos libertar do medo da morte. O amor preenche o vazio provocado pelas nossas fugas e frustrações, constrói o Reino e cria a eternidade. Somente quem ama consegue viver em paz e gerar um mundo de paz. O amor combate a morte de todas as coisas e nos faz íntimos de Deus, confere-nos a verdade que unida à fé nos liberta de todos os limites e prisões que possam existir neste mundo. Jesus venceu a morte porque acreditou e viveu o amor, nós também venceremos se fizermos a mesma coisa. A morte não é o ponto final de nossa vida, mas o re-início e a nossa entrada definitiva no Reino de Deus. Portanto, a força que predomina não é a da morte, mas o poder do amor que supera todas as coisas.


Tiago de França

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Dilma Vana Rousseff, Presidente da República Federativa do Brasil


Há pessoas que colocam a suas energias e inteligência a serviço do que podemos chamar de profecia da desgraça e devem ser chamadas de profetisas da desgraça. O que fazem e quem são essas pessoas? Quem conhece a Bíblia, livro sagrado dos judeus e dos cristãos, encontrará os profetas da Corte e os profetas de Javé. Os da Corte são aqueles que viviam a serviço do rei e da legitimação de seu poder opressor. Os falsos oráculos destes profetas serviam para levar as pessoas a acreditarem no rei, divinizando-o. O poder opressor era legitimado pelos deuses, e os profetas da Corte eram como que pontífices, pontes que faziam a ligação entre o rei e os deuses.

Por outro lado, temos os profetas de Javé, perseguidos pela Corte. O motivo das perseguições é fácil de entender: Os profetas de Javé alimentavam e despertavam a esperança do povo oprimido. Javé, o Deus único e verdadeiro escolheu ficar do lado dos oprimidos, promovendo a sua libertação integral, e se serviu de mulheres e homens que se tornaram profetas da esperança. Estes profetas e profetisas viviam no meio do povo, na labuta cotidiana dos oprimidos, anunciando a Palavra de Javé e denunciando os crimes cometidos pelos reis e seus aliados criminosos. Já os profetas da desgraça formavam uma casta sacerdotal, uma elite de religiosos, que sustentados pela Corte, nesta viviam, afortunadamente.

Até os dias de hoje, podemos encontrar os profetas da desgraça e os da esperança. Os primeiros desejam, ardentemente, a morte do povo; os últimos, a vida plena. Os profetas da desgraça fundamentam a sua ação na mentira, no ódio, na violência, na desunião, na alienação e numa falsa aparência religiosa. Eles gostam de símbolos religiosos e valorizam, exacerbadamente, o discurso fervoroso. Os profetas da esperança optam pela discrição, pela verdade, pela coragem e ousadia, são destemidos e estão em plena comunhão com os sofrimentos e anseios dos marginalizados. Eles esperam por dias melhores numa luta incansável, até as últimas conseqüências.

Outro aspecto que precisamos salientar refere-se ao novo que surge. Os profetas da esperança inauguram o novo, a novidade no mundo. O ser humano, geralmente, é desconfiado com o novo, pois se apega com facilidade aquilo que é velho; mesmo que o que se apresenta como velho não esteja ajudando mais em nada. O apego ao passado e aquilo que é vencido se deve, muitas vezes, ao fato de que seja mais cômodo. A estagnação é o caminho percorrido pelas pessoas que não tem coragem de sair do lugar. Muita gente encontra na estagnação certa segurança. Os profetas da desgraça vêm sustentar esta estagnação impondo medo nas pessoas. Conduzidos pelo Espírito do Senhor, os profetas da esperança tem o olhar no horizonte. Eles acreditam que somente a partir do novo é que pode surgir um mundo melhor.

Jesus de Nazaré foi o maior exemplo de profeta da esperança. Antes de ser reconhecido como o Filho de Deus, as pessoas o reconheciam como o grande profeta enviado a este mundo. Todo o Evangelho mostra, claramente, a missão de Jesus: Despertar e alimentar a esperança dos empobrecidos. Ele levou esta missão até as últimas conseqüências, até a morte na cruz. Esta morte não ocorreu por premeditação, mas foi conseqüência de sua opção pelos empobrecidos. Jesus enfrentou, corajosa e profeticamente, as elites opressoras e seus profetas, desmascarando suas mentiras e denunciando seus crimes. Seguramente, fariseus e doutores da Lei podem ser intitulados profetas da desgraça, portanto, profetas a serviço da Corte.

Em outubro de 2002 ocorreu uma grande novidade no Brasil: um operário foi eleito Presidente da República. Por que foi uma novidade? Quem tem conhecimento da história republicana do Brasil não precisa de muitas explicações. Depois dos marechais vieram os coronéis e depois destes os militares tomaram o poder no Brasil. Depois destes foi a vez dos neoliberais. Mas a novidade surge somente em 2002, com Luís Inácio LULA da Silva. Um homem com nome, rosto e história da gente pobre, um homem que tem a sensibilidade de chorar ao lembrar-se das origens e ao ver o sofrimento do povo pobre de seu país, o Presidente que transformou o Palácio do Planalto em casa comum dos brasileiros.

Os profetas da desgraça diziam: É amigo de Fidel Castro, o comunismo vai ser implantado no Brasil; é amigo dos sem-terra, estes invadirão todas as propriedades privadas e o país vai se transformar numa desordem total; é um analfabeto, não vai saber governar, não vai terminar nem o primeiro mandato etc. etc. etc. Frustraram-se, completamente, os profetas da desgraça com suas desprezíveis previsões. O Presidente LULA conclui seu mandato com os maiores índices de aprovação da história e o povo brasileiro está vivendo cada vez melhor.

Dentre as conquistas do Governo LULA destacam-se as seguintes: 31 milhões de pessoas entraram para a classe média e 28 milhões saíram da pobreza absoluta; 530 reais, valor salário mínimo (291, 31 dólares); inflação de 4, 49%; juros de 10, 75%; 12, 6 milhões de família no Bolsa Família; 30 mil equipes no Saúde da Família; 1.347 cidades com o SAMU 192; 214 Escolas Técnicas Federais; 14 Universidades e 117 novas extensões (esta é uma das maiores conquistas, pois no Governo FHC só foi criada 1 Universidade, em função da criação do Estado do Tocantins); 400 mil famílias com dinheiro na mão para comprar a casa própria, pagamento da dívida com o Fundo Monetário Internacional.

A vitória de Dilma Vana Rousseff no dia 31 de outubro do corrente ano deve-se às conquistas do Governo LULA. Ela foi a candidata de LULA, mulher de sua inteira confiança e uma das responsáveis pelas conquistas acima mencionadas. Neste ano de 2010 surge mais uma novidade na história do Brasil: Uma mulher eleita Presidente da República. Esta novidade tem um detalhe emocionante: Além de ser a primeira mulher eleita Presidente, tal eleição é o resultado da confiança do povo brasileiro na pessoa do Presidente LULA. Uma mulher sucede um operário. Esta novidade já entrou na história e os estudantes das Escolas e Universidades tomarão conhecimento deste histórico e feliz acontecimento.

A vitória de Dilma Vana Rousseff confirma a palavra insistente do Presidente LULA: “A democracia está se consolidando neste país”. O verbo no gerúndio é sinal de que estamos no caminho certo, de que muita coisa ainda se tem para realizar, mas para que tais projetos e sonhos sejam realizados é necessário que tenhamos governantes empenhados com o autêntico sonho de todos os brasileiros: um país melhor para todos, mais justo e menos desigual. Os mais de 55 milhões de brasileiros e brasileiras, que votaram em Dilma Vana Rousseff, compreenderam que se deve caminhar para o futuro, sem ilusões, com pé no chão e mangas arregaçadas.

A maioria do povo brasileiro não acreditou nas mentiras e falácias dos profetas da desgraça. Durante a campanha eleitoral eles se mostraram mais vivos e ousados do que em 2002 e 2006. Mais uma vez, eles semearam mentiras das mais venenosas que já tomamos conhecimento. Recebi e-mails absurdos com conteúdos a respeito de Dilma Vana Rousseff. Eles acusavam-na de ser abortista, terrorista, assaltante de banco, assassina, atéia, lésbica, comunista, autoritária, ambiciosa, orgulhosa, prepotente e tantas outras coisas horríveis. A Internet se tornou um dos instrumentos mais eficientes de calúnias e difamações de toda espécie, mas a maioria do povo não acreditou nelas.

Quando os temas aborto e casamento gay foram intrometidos por membros do clero católico e de outras Igrejas, a situação piorou. Tal intromissão revelou que os profetas da desgraça não estão somente nos diversos setores da sociedade e na mídia, mas também e, sobretudo, nas Igrejas. Mesmo sabendo que o Estado é laico, os profetas da desgraça não se intimidaram: Usaram o nome de Deus e a opção evangélica pela defesa e promoção da vida para posicionarem-se, partidariamente. Quando o candidato José Serra percebeu o apoio explícito de tais profetas, aproveitou-se para demonstrar, farisaicamente, a sua religiosidade: Declarou-se a si mesmo como homem do bem, da justiça e da integridade moral. O candidato chegou a apelar para a leitura e meditação da Bíblia em pleno horário político eleitoral, mas o povo não se deixou enganar pela falsa e oportunista religiosidade.

O mapa das eleições revela que Dilma Vana Rousseff não terá muitas dificuldades para governar, pois tem a maioria no Congresso Nacional (Câmara e Senado) e a maioria dos Governadores. Além desse apoio político necessário, a amizade e a orientação do Presidente LULA e sua própria competência profissional (formada em Economia) serão elementos imprescindíveis. Com isto, os profetas da desgraça não terão muito que fazer, a não ser, se utilizarem da reserva de ódio e vingança que possuem e viverem a sua triste vocação: torcer para que tudo dê errado. O mapa também mostra, nitidamente, que a vitória da candidata do Presidente LULA representa a vitória da maioria empobrecida do país. Isto é perceptível no resultado das eleições no nordeste brasileiro, onde se encontra a maioria dos empobrecidos.

Concluo esta reflexão com a firme esperança de que o Brasil continuará crescendo. Acredito que as desigualdades, aos poucos, serão superadas. Tudo é processual e gradativo, nada se resolve do dia para a noite. Torçamos, pois, a fim de que a primeira mulher eleita Presidente do Brasil possa desenvolver um bom Governo, tendo em vista o bem comum da nação. Nosso país tem futuro e o povo brasileiro manifestou nas urnas a sua crença esperançosa neste futuro. Peço ao Deus da vida e dos empobrecidos que abençoe a nossa Presidente eleita e a todo o povo brasileiro. A este povo manifesto os meus parabéns pela maturidade manifestada na escolha livre e consciente.


Tiago de França da Silva
Belo Horizonte – MG, 1º de novembro de 2010.