quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Europa e a secularização da fé


Nestes dias, o Papa Bento XVI esteve na Espanha, onde realizou sua 18ª viagem missionária. O pontífice foi bem recebido pelos católicos tradicionais, que são aquelas pessoas que, ainda, freqüentam os famosos e históricos templos. Aquelas que renunciaram às práticas religiosas, a maioria dos que se consideravam católicos, não se mostraram satisfeitas nem alegres com a visita papal. Estas pessoas obrigaram o governo espanhol e os responsáveis diretos pela visita a reforçarem a segurança em torno do Papa tornando, assim, a viagem onerosa aos cofres públicos.

Os que não gostaram da visita do Papa se destacaram nas manifestações: faixas, homens vestidos de hábito clerical, mulheres vestidas de hábito religioso, fotos com caricaturas do Papa, aglomerações com gritos eufóricos, distribuição de panfletos etc. A manifestação que mais chamou a atenção foi o chamado beijaço gay: Enquanto o Papa ia passando pelas ruas em seu papamóvel, gays e lésbicas se beijavam, calorosamente. Na Espanha, o casamento gay já foi legalizado. O Papa sabia da situação, mas mesmo assim, foi ao encontro dos espanhóis. Vejamos as duas principais idéias e/ou constatações do Papa presentes nos seus discursos proferidos durante toda a visita.

Como era de se esperar, o Papa condenou, veementemente, os males oriundos da modernidade. Leonardo Boff, teólogo e ex-frade franciscano, afirma que Bento XVI é inimigo da modernidade. A secularização da fé, na ótica papal, é oriunda da modernidade. Ele fez várias constatações a este respeito. Nas encíclicas do Papa Bento XVI encontram-se explícitas as suas advertências a respeito dos perigos que a modernidade traz para a vida cristã. A impressão que dá é que não pode existir diálogo entre modernidade, Igreja e Evangelho. Aqui temos um gravíssimo problema.

Se não pode haver diálogo entre a modernidade e a Igreja, como, então, resolver tal impasse? Até quando tal situação vai perdurar? A situação tem mostrado que a secularização da fé se alastra pelo mundo inteiro. Somente na América Latina e na África a Igreja tem predominância. Nestes continentes, há pessoas que, ainda, escutam o que a Igreja diz. Será que a melhor maneira de recuperar o rebanho “desviado” é através das condenações? Eis o que dizem as manchetes dos Jornais: “Papa condena a modernidade em sua viagem a Espanha”. Penso que a condenação não é a via correta para um possível diálogo com a modernidade.

O Papa João XXIII, ao convocar o Concílio Ecumênico Vaticano II, recomendou que a Igreja deve renunciar ao discurso condenatório para abraçar um discurso misericordioso. Se julgamos o mundo perdido, por que proferimos sentenças condenatórias? Será que tais sentenças mostram o verdadeiro caminho e conseguem converter as pessoas? A realidade tem provado, insistentemente, que as pessoas não aceitam ser condenadas. Quem está sob o juízo da condenação precisa ser acolhido. A Igreja precisa, cada vez mais, aprender a acolher as pessoas. Atitudes e palavras misericordiosas são os meios necessários à salvação de todos. Neste sentido, o testemunho de Jesus de Nazaré deve guiar a ação missionária da Igreja.

De fato, Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele” (Jo 3, 17). A leitura de todo o Evangelho revela-nos que Jesus nunca abriu a boca para condenar nem as pessoas nem o mundo. Ele não teve medo nem fugiu do mundo. Jesus cumpriu, fielmente, a vontade do Pai: Inaugurou o Reino de Deus no mundo, mundo criado por Deus. Jesus não deu autoridade nenhuma a quem quer que seja para condenar o mundo. O que mandou fazer foi anunciar a Boa Notícia.

A mentalidade condenatória é tão forte na Igreja, que certa vez um jovem me disse: “Tiago, quem não estiver com a Igreja está contra ela e quem estiver contra ela é digno de condenação, porque não está com a verdade!” Muita gente pensa desse jeito, tanto clérigos quantos leigos. O Evangelho de Jesus desmascara este tipo de hipocrisia. O jovem que me disse isso pensa como os fariseus e os doutores da Lei, é hipócrita e mentiroso. Quem condena o mundo, condena-o por dois motivos: Primeiro, porque tem medo do mundo. Este medo é fruto da idéia de que o mundo está perdido, o mundo é de Satanás. Segundo, porque se julga santo e perfeito e prega a idéia de que o mundo deve procurar tal santidade e perfeição.

A Igreja não tem autoridade para condenar o mundo, e não tem por dois motivos: Primeiro, porque o Evangelho proíbe toda espécie de condenação. Se o Cristo, que é Deus, não condenou o mundo, quem possui autoridade para condenar quem quer que seja? Segundo, porque a Igreja não nasceu para condenar, mas para ser instrumento de salvação no meio do mundo. A Igreja deve se colocar a serviço da construção do Reino através do anúncio da Boa Notícia. Esta é a sua missão. Por isso, quer clérigo (Diácono, Padre ou Bispo), quer leigo (engajado ou não), se ousa condenar o mundo e/ou as pessoas, condena-se a si mesmo.

Toda espécie de condenação causa ira e revolta nas pessoas, pois ninguém se sente bem ao ser condenado. A condenação é um mal e não pode ser instrumento para a evangelização do mundo. A vocação cristã está para o anúncio da vida, não da condenação. Uma não pressupõe a outra. A teologia jansenista, pautada na pregação insistente dos temas pecado e graça, não funciona mais na Igreja. Esta teologia morreu com o anúncio e realização do Concílio Ecumênico Vaticano II. Atualmente, as pessoas não se amedrontam mais com sermões que apelam para o rigorismo moral. Hoje, os temas e a maneira de evangelizar devem ser outras, do contrário, tudo não passa de palavras soltas ao vento...

A segunda idéia ou necessidade apresentada pelo Papa encontra-se em suas palavras: “A Espanha deve voltar às suas raízes cristãs”. Para aprofundarmos esta palavra do Papa precisamos responder às seguintes indagações: Como era a Espanha católica? Em que consistem essas raízes cristãs? A história do Cristianismo na Europa remete-nos à Cristandade. Toda a Idade Média é marcada pela Cristandade, caracterizada pela hegemonia da Igreja e pelo seu fechamento ao mundo. Na Cristandade, a Igreja não dialogava com o mundo, pois este é sinônimo de pecado e de morte; compreendia-se a si mesma como uma sociedade perfeita no meio do mundo, e todo aquele que quisesse se salvar devia abrigar-se nela.

Se o Papa, ao falar que a Espanha deve voltar às suas raízes cristãs, refere-se ao retorno à Cristandade, sua visita missionária se mostrará infrutífera, pois os espanhóis e as demais “nações católicas” do mundo não se mostram sensíveis a tal retorno. Os modernos, de modo geral, não gostam de conjugar o verbo voltar, pois vivem no imediatismo do presente em vista de um futuro incerto. Abrir-se ao mundo e dialogar com ele, partindo do princípio de que o mundo tem algo a dizer e a oferecer, pode se mostrar um caminho possível para viabilizarmos o futuro da Igreja e do Cristianismo.


Tiago de França

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