quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A razão científico-tecnológica, a Educação e o educador


O presente texto não pretende expor de forma científica e, portanto, minuciosa os conceitos que formam o seu título. Creio que há profissionais melhor formados que tem se dedicado, exaustivamente, à tarefa de fazê-lo.

Assim, introdutoriamente, faço saber que pretendemos discorrer, espontânea e abertamente, sobre tais conceitos a partir das reflexões feitas por Rubem Alves, no seu texto O preparo do educador; Marilena Chauí, na abordagem que fez em O que é ser educador hoje? Da arte à ciência: a morte do educador; a famosíssima e feliz obra de Paulo Freire, A pedagogia do oprimido; e o texto Ciência, tecnologia e sociedade: uma reflexão filosófica, de Valéria de Marco Fonseca. Estes autores propõem uma re-visão e/ou um re-pensar dos mencionados conceitos numa perspectiva de libertação integral do ser humano.

A razão científico-tecnológica

Com a evolução do tempo, o homem foi descobrindo-se a si mesmo e ao mundo. Os gregos fizeram surgir a Filosofia, e por meio desta, o homem tem buscado até os dias de hoje, buscar um sentido para a vida. Rubem Alves recorda em seu texto que Camus dizia que o problema filosófico por excelência era “julgar se a vida é digna ou não de ser vivida”. Assim, a reflexão filosófica ousa especular sobre a dignidade e o sentido da vida humana. Em outras palavras, queremos saber por que e para que vivemos.

Com o surgimento da ciência, que aperfeiçoou tal descoberta e que tem se mostrado cada vez mais infinita, o ser humano descobriu que pode viver mais e melhor. Os gregos pensaram o logos, os medievais o embate entre a razão e a fé e os modernos resolveram ficar com a ciência que funda a razão instrumental. O mundo passa a ser a “medida de si mesmo” (Adorno e Horkheimer). Os modernos desenvolveram o saber científico e começaram a tratar a natureza de forma desumana. A natureza, na visão deles, é escrita em linguagem matemática e somente pela ciência é possível a sua descrição.

Quando a natureza se torna serva do ser humano, este a explora, ilimitadamente. Aí aparecem os conceitos de dominação e alienação refletidos por Marx. Marcuse denuncia a manipulação do homem pelo homem através da dominação da natureza. Não se trata de qualquer manipulação, ou seja, passageira e superficial, mas sistematizada e permanente. O saber científico cada vez mais aperfeiçoado tem servido, unicamente, para dominar e manipular.

Quando surgiu o Iluminismo, ilusoriamente, pensava-se que tal saber, fundamentado na incrível capacidade da razão humana, serviria para criar uma sociedade realmente humana e livre, mas os resultados posteriores mostraram e, ainda, mostram que tal humanidade e liberdade estão longe de se tornarem realidade.

Assusta-nos a capacidade racional humana de prejudicar, insistentemente, o próprio homem. Ou seja, o homem cria um sistema tecnológico que tem o poder de destruir a própria vida e a do mundo, e o que é pior: não se desiste de tal intento histórico e maléfico. A técnica e a tecnologia são excludentes e destruidoras. O poder mortífero que as mesmas detêm supera a capacidade de aperfeiçoamento positivo (bens produzidos que promovem a vida).

O sistema que governou o mundo moderno e o que governa o mundo atual é fundamentado na técnica que produz tecnologia, na busca incessante do ter em detrimento do ser, na dominação que impede as manifestações libertárias. Neste sistema, são excluídas as pessoas que não produzem nem consomem, pois o mercado é quem rege a vida humana. O ser humano se contenta em satisfazer, incansavelmente, seus desejos. Até as religiões são atingidas: tornam-se lugares de satisfações insaciável dos desejos. O sistema dita o que as pessoas devem comer, vestir, calçar, onde devem morar, como devem rezar, amar e pensar...

Esta situação afeta a capacidade ética do ser humano, suas relações interpessoais e sociais. Valores e mais valores são criados e re-criados, tudo se torna relativo em nome do sistema e a partir dele. As crises fazem parte do subjetivo das pessoas e do próprio sistema. Seguem-se crises mais profundas que outras e o homem vai, aos poucos, perdendo o sentido da vida, torna-se um ser depressivo e insuportável. As relações se tornam superficiais e a qualidade de vida, apesar dos avanços e descobertas, diminui.

Individualismo, competitivismo, egoísmo, materialismo e tantos outros ismos surgidos a partir da perda gradativa do sentido de vivência comunitária têm assolado a vida de muita gente. Quando olham para o passado, as pessoas lamentam porque não puderam ter, quando se voltam para o presente, reclamam porque não tem e quando pensam no futuro são absorvidas pelo medo de perderem tudo. Isto explica o fato dos ricos desejarem ser cada vez mais ricos. Para estes e para todos, a regra do sistema pautada na racionalidade científico-tecnológica é a mesma: Produzir e consumir, independentemente, do pensar ético e religioso.

Tal visão pode parecer pessimista e levar o leitor a pensar que a solução está na erradicação plena da razão instrumental. Nenhum estudioso ousou afirmar isso. Quem ousaria, certamente, se equivocaria. J. Bustamante aponta uma possível solução para tal problemática:

Uma sociedade mais livre, mais humana, necessitará, portanto, não apenas de um não apenas de um novo sistema técnico-científico, mas de um conjunto de regras que definam uma nova relação entre ética, ciência e tecnologia. Desta forma, o desenvolvimento de um novo conhecimento científico viria associado ou de uma nova consciência, que nasceria da experiência da natureza como a totalidade da vida para se protegida e cultivada. Assim, a tecnologia poderia aplicar esta ciência à reconstrução e recuperação – não à cega transformação – do entorno do entorno vital (BUSTAMANTE, 1997:59).

Outro aspecto desconcertante que integra e agrava o problema refere-se aos meios de comunicação de massa. Estes têm exposto as pessoas a um excesso de informações, a um verdadeiro bombardeio de notícias e entretenimento. Além disso, o tratamento das grandes causas da humanidade se dá de forma sensacionalista, beirando a banalização. A mídia se tornou um valioso instrumento de alienação e “emburrecimento” das pessoas, comprometendo, gravemente, o poder natural da pessoa de saber discernir de forma crítica os fatos e suas respectivas circunstâncias.

A Educação e o educador

Diante do conjunto que forma a problemática exposta no subtítulo anterior, a Educação se apresenta como uma das únicas ou, talvez, a única via possível de solução. Um novo sistema técnico-científico, as novas regras das relações éticas, o novo conhecimento científico e a experiência da natureza como totalidade da vida apontados por J. Bustamante só podem ser construídos por pessoas educadas a partir de novos parâmetros. Estes fundamentados nos valores que constroem, verdadeiramente, a vida.

A proposta da educação mercadológica, ou seja, no sentido de permanecer volta para o mercado, produzindo meros profissionais, técnicos e cientistas, não resolve; mas, antes, agrava cada vez mais a situação. Trata-se de um modelo educacional vinculado à racionalidade instrumental e seu fiel legitimador, modelo que não está preocupado com as grandes causas da humanidade e que não se manifesta diante da ação destruidora do homem pelo homem. Imbuído por uma mentalidade mercadológica, tal modelo de educação fabrica os profissionais necessários à manutenção e aperfeiçoamento do sistema opressor. Marilena Chauí fala de adestramento de mão-de-obra para o mercado.

Neste sentido, a reflexão filosófica que Paulo Freire elaborou sobre a Educação, pensando-a numa perspectiva libertadora se tornou, extraordinariamente, inovadora. O educador pernambucano e cientista da educação pensou a educação como instrumento de libertação integral do ser humano. Em outras palavras, a educação precisa estar a serviço da humanização da pessoa, fazendo-a refletir e agir sobre o mundo, transformando-o.

A reflexão de Paulo Freire revela que o educador é aquele que desperta a consciência crítica de seu educando, ajudando-o a libertar-se da alienação. A consciência crítica faz a pessoa ser sujeita da própria história. A educação, segundo ele, deve combater a cultura da dominação presente no mundo e levar as pessoas a descobrirem sua vocação ontológica e histórica: a do ser mais. A opressão, segundo Paulo Freire, “se constitui em um ato proibitivo do ser mais dos homens”.

Rubem Alves ensina-nos que este educador precisa ser despertado, pois ele existe em cada um de nós. Diferentemente do professor, o educador é pessoa, é vocação. O professor é profissão, é funcionário, “entidades descartáveis”. A realidade da Escola e da Universidade mostra que o professor está preocupado com a própria carreira: salários, títulos e reconhecimentos. A situação opressora do mundo e a cruel situação de muitos alunos não lhe despertam nenhum interesse. O professor é aquele que cumpre sua obrigação e ganha o salário no fim do mês.

O educador é diferente, como o próprio nome já indica, ele educa para a vida. Ele sabe da necessidade da aplicação do conteúdo, mas sabe, também, que a missão de educar ultrapassa os conteúdos. Para o autêntico educador, educação é ação transformadora, é consciência crítica para a transformação do mundo. Nesta perspectiva, somente uma séria re-orientação do sistema educacional tornará possível a recuperação do papel do educador e o surgimento de uma educação voltada para a consciência crítica. Do contrário, pode-se até falar de educação libertadora, mas tudo não passa de legitimação da opressão.

A modo de conclusão

A esperança de um futuro melhor, sem exclusões nem opressões motiva-nos a continuarmos oferecendo a nossa parcela de contribuição no processo de conscientização das pessoas onde quer que estejamos. Penso que deve ser esta a atitude de quem acredita na capacidade libertadora da ação humana. Entregar-nos ao pessimismo e à revolta irracional não é o caminho viável da transformação que necessitamos. No que se refere a tal revolta, a história já provou que a mesma só causa retrocesso, destruição e morte. O caminho mais acertado que podemos trilhar é o da educação inspirada nos valores libertários e humanísticos.

Tiago de França da Silva
Texto apresentado à disciplina Filosofia da Educação do curso de Filosofia da PUCMG -2010.2

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