sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Natal: celebração da encarnação do Verbo de Deus


“E a Palavra se fez homem e habitou entre nós” (Jo 1, 14).

Desde a criação do mundo, Deus preparou a encarnação de seu Filho na humanidade dos homens. A humanidade corrompida pelo pecado foi re-orientada pelo próprio Deus por meio dos patriarcas e matriarcas, profetas e profetisas. Estas mulheres e homens nasceram do povo e com a força de Deus colocaram-se a serviço da libertação do povo. A presença constante de Deus fez os oprimidos perseverarem na luta permanente pela libertação, luta pela vida. Esta luta dura até hoje e durará até a vinda definitiva daquele que foi constituído Juiz dos vivos e dos mortos e Salvador da humanidade.

A experiência profética que precedeu a encarnação do Verbo de Deus é marcada pela perseguição e pela morte, destas Deus fez ressurgir a vida de seu povo. O sistema opressor dos reis e faraós, que explorava e matava as pessoas foi denunciado pelas profetisas e profetas. Estes tinham a força de Deus e esta força os impelia a levar a missão até as últimas conseqüências. Assim como Jesus, as profetisas e os profetas foram fiéis ao chamado divino até a morte. Jesus herdou a coragem e a ousadia daqueles que o precederam na história da salvação. No seu Evangelho sempre o encontramos sendo identificado com algum dos profetas de Israel.

Não somente João, o Batista, mas todas as demais profetisas e profetas prepararam a encarnação do Verbo divino. Este continuou com plena fidelidade a ação profética dos antigos rumo à redenção plena da humanidade. Quando chegou o tempo certo, Deus enviou Jesus ao mundo na condição das profetisas e profetas: nasceu segundo as condições dos empobrecidos, na cidade de Belém, na pobreza de uma manjedoura. O Verbo encarnou-se na pobreza da humanidade. Deus quis nascer, viver e morrer entre os últimos. Esta foi a sua opção.

Esta opção de Deus pelos últimos escandalizou muita gente no tempo de Jesus, na história da Igreja e continua escandalizando até os dias de hoje. Sempre existiram resistências ao estado de pobreza material da vida de Jesus, muitas pessoas se recusam a aceitar Jesus nascido numa manjedoura. Há pessoas que até veneram a pobreza de Jesus, mas no fundo não compreendem, e mesmo compreendendo se recusam a aceitar. Os únicos que se identificam com o Cristo pobre são os empobrecidos. Estes têm mais facilidade de compreender e aceitar Jesus porque são como ele: sem poder, sem prestígio e sem riquezas.

A encarnação do Verbo é Deus entrando, humanamente, no mundo e na história. Deus quis se revelar como homem. Deus se tornou, plenamente, pessoa. Assim, aquele Deus das alturas dos céus se tornou humano, acessível a todos. Quem viu, escutou e tocou em Jesus, viu, escutou e tocou no próprio Deus. Muita gente teve essa graça. Uns acreditaram, outros não. Os que não acreditaram, tiveram dificuldades de ver em Jesus o Deus de Israel porque Jesus foi, plenamente, homem; igual a nós em tudo, exceto no pecado (cf. Hb 4, 15). Ele foi tão humano que quando se autoafirmou Filho de Deus foi acusado de blasfêmia.

As autoridades religiosas da época não aceitaram o fato do Deus todo-poderoso, o Senhor dos exércitos, o Terrível e o Insondável se fazer presente no mundo, humilde e simplesmente, humano. Eles sempre acreditaram que Deus estava longe, nas alturas, distante da corrupção deste mundo. Jamais poderiam aceitar que o Deus cultuado no Templo pudesse comer com os pecadores públicos e com estes viver. Com o seu jeito de ser, Jesus desmistificou essa falsa imagem de Deus e os escandalizou. Somente os empobrecidos não se escandalizaram com o jeito de Jesus.

Qual a missão do Verbo de Deus encarnado no mundo? O que Jesus veio fazer entre nós? A resposta a estas indagações é importante para a perfeita compreensão do mistério da encarnação. Quem não compreende o verdadeiro sentido da missão de Jesus no mundo acredita que ele veio perdoar pecados, curar os enfermos e atender às necessidades materiais e espirituais das pessoas. É verdade que Jesus fez tudo isso e muito mais, mas é verdade, também, que esta não foi a sua missão fundamental. Quem somente acredita num Jesus milagreiro, dotado de poderes para a resolução de todos os problemas da vida e do mundo, desconhece, completamente, o Filho de Deus.

A missão do Filho de Deus enviado ao mundo foi a de inaugurar o Reino de Deus. Crer nesta verdade significa comprometer-se com este Reino inaugurado. Quem acredita no Reino de Deus precisa se colocar a seu serviço. O serviço ao Reino acontece na prática da justiça, da caridade e da verdade. A vivência destes valores traz sérias conseqüências para a vida das pessoas, estas passam a ser perseguidas e mortas, pois as forças do anti-Reino estão atuando no mundo, impiedosamente. Estas forças não poupam a vida dos operários do Reino de Deus. Este Reino exige seguimento radical a Jesus de Nazaré.

O mal que tem prejudicado todas as Igrejas cristãs refere-se ao fato de que muitas pessoas preferem acreditar no Jesus milagreiro, não naquele que inaugurou o Reino. De fato, é mais fácil crer no primeiro modelo, pois o mesmo não exige compromisso. O Jesus milagreiro não exige seguimento, mas devoção. Quem crer neste modelo não tem coragem de seguir Jesus, mas somente gostar dele, ser-lhe devoto, conhecer, superficialmente, sua vida, pedir e agradecer pelos milagres recebidos. Assim, se constrói uma relação pautada na recepção constante de milagres. Para as pessoas que professam este tipo de crença, o culto serve, somente, para pedir e agradecer. A religião dessas pessoas é superficial e alienante.

O Evangelho apresenta-nos o Cristo que inaugurou o Reino. Crer no Evangelho é acreditar e seguir este Cristo. Os que acreditam e seguem este Cristo são chamados de cristãos. Pe. José Comblin ensina que “seguir Jesus é colocar-se no seu caminho e perseverar”. Colocar-se no caminho significa aderir ao projeto de Jesus: o Reino de Deus. Este projeto é constituído de alguns valores a serem praticados por quem o adere: justiça, perdão, partilha, solidariedade, compreensão, acolhida, comunhão, respeito, confiança, fé, esperança, responsabilidade, compaixão, verdade, entre outros. Todos estes valores são frutos do amor. Somente quem ama é quem pode vivenciá-los.

A celebração solene do Natal do Senhor não é a celebração do aniversário de Jesus, mas da presença amorosa e salvífica de Deus no mundo. A celebração da encarnação do Verbo de Deus convida todas as Igrejas cristãs para uma avaliação de suas práticas religiosas. Será que nossas Igrejas estão comprometidas com os valores do Reino de Deus? Todas as Igrejas são chamadas a serem instrumentos na construção do Reino. Assim sendo, esta competição pautada numa evangelização superficial e desumanizadora é um pecado grave, e por que não dizer, uma força do anti-Reino dentro do Cristianismo.

Que o Deus da vida e dos empobrecidos seja tudo em todos.

FELIZ NATAL!

Tiago de França da Silva
Colônia Leopoldina – AL, 17/ 12/ 2010.

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