quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Chuvas e mortes na região serrana do Rio de Janeiro: resposta da natureza ou castigo divino?


Os brasileiros assistem, dolorosamente, à situação calamitosa da região serrana do Rio de Janeiro: muitas chuvas e centenas de mortes. O desespero diante da situação tem levado muita gente a pensar muitas coisas. Uns acham que a natureza está revoltada, outros que Deus está castigando o mundo. Cristãos que se deixam levar pelo dogmatismo e pelo fundamentalismo crêem que a mão de Deus está acabando com os iníquos.

A partir da experiência missionária de Jesus de Nazaré, o que pensar e dizer diante de tal situação? Se for Deus o culpado de tamanho número de mortos, não estaria ele contradizendo-se a si mesmo, uma vez que a Bíblia revela que Deus é amor e que do amor não procede o ódio? Se não é Deus o culpado, por que, então, que ele permite que aconteçam tamanhas desgraças? São questões que precisam ser pensadas à luz da razão iluminada pela fé.

Na verdade, não precisaríamos escrever um artigo tendo como questão o enunciado da presente reflexão, pois todos já sabemos da resposta: O que está acontecendo no Rio de Janeiro e em todo o mundo é a resposta da natureza à violência praticada pelo ser humano. As pesquisas científicas têm denunciado os diversos males que o ser humano tem causado à natureza. Desde a escola primária sabemos disso. Uma questão nos intriga: Por que será que mesmo sabendo que está violentando-se a si mesmo, o ser humano insiste num projeto socioeconômico que explora e destrói, impiedosamente, a natureza?... São inúmeros os avisos, constatações, previsões e estudos realizados por gente séria, que apontam para o fim trágico da humanidade, caso esta insista em continuar alimentando o capitalismo selvagem.

Assistindo e lendo os jornais percebemos, facilmente, a falácia que nunca convence e sempre se repete: As mortes poderiam ser evitadas se os governos planejassem melhor a edificação das moradias e das cidades. Asseguradamente, podemos afirmar que quando a natureza resolve responder às ações irresponsáveis dos seres humanos, não há cidade planejada nem equipada que suporte. Tudo é destruído. Não há inteligência que produza tecnologia suficiente que barre a revolta da natureza. Quando esta resolve se manifestar, num grito doloroso de socorro, infelizmente, muitas pessoas inocentes perdem a vida. É aqui que surge outra questão: Todos são responsáveis pela destruição da natureza? Claro que não!

Um trabalhador do campo, que cultiva respeitosamente a terra, não tem culpa nenhuma no processo contínuo de destruição da natureza. Afirmar que a culpa é do capitalismo selvagem não significa nada, não diz nada e não acusa ninguém. Então, de quem é a culpa? O capitalismo, expressão genérica que não diz quase nada, tem seus agentes; ou seja, é constituído por pessoas ambiciosas que detém o poder econômico que constrói empresas, que exploram e poluem a terra, a água e o ar. Os funcionários destas empresas, não tendo outra saída para sobreviver, aplicam-se às especializações das técnicas sofisticadas de exploração. Quem não aprende a lidar com as novas tecnologias, gradativa e silenciosamente, vai ficando para trás; tornando-se ultrapassado e, conseqüentemente, desempregado. E desemprego, por sua vez, só gera violência e mais mortes.

A partir de sua face enganosa e doentia, o capitalismo é um sistema que vicia e adoece as pessoas, chegando até a torná-las objetos de consumo. Trata-se de um sistema que envolve e compromete todos os aspectos da vida humana e que não permite outro projeto alternativo de economia. O segredo de tudo está no lucro e quem se envolve com o lucro não quer deixar mais de lucrar, torna-se escravo. No mundo capitalista todas as pessoas querem ter vantagens, ninguém aceita ser derrotado. A partir desta lógica, o exemplo de pessoa é aquela que conseguiu vencer, economicamente, na vida. Esta pessoa deve ser aplaudida, venerada e até adorada, pois os vencedores tornam-se ídolos.

O lucro não dá espaço para as pessoas pensarem no valor da natureza e de sua respectiva preservação. O lucro é incompatível com a idéia de cuidado. Cuidar da natureza, das pessoas e da vida como um todo, aos olhos do capitalismo, é coisa de gente alienada, coisa de quem não tem o que fazer. Para um empresário empreendedor é inadmissível renunciar ao lucro doentio e demasiado para cuidar e preservar a natureza. Para ele, isso se chama retrocesso e/ou prejuízo. Mesmo diante das catástrofes naturais, os grandes investidores e especuladores da economia capitalista não se convencem de que o mal não se encontra numa imaginária imperfeição da natureza nem numa intervenção divina, mas na busca insaciável do lucro que se dá na exploração criminosa dos recursos naturais.

Assim sendo, está mais que comprovado que Deus não tem nenhuma culpa no desequilíbrio da natureza. A tradicional teologia da criação ensina-nos que tudo foi, perfeitamente, criado por Deus e dado, gratuitamente, ao homem. Se não é o culpado, por que ele teria que intervir, evitando a destruição? A doutrina do livre arbítrio nos leva a entender que o homem é um ser livre e que pode fazer o que quiser de sua liberdade. Claro que Deus não nos chama para a irresponsabilidade, mas para o cuidado para com as pessoas e o mundo. Agora, se o homem resolve, livremente, destruir a natureza, a realidade tem mostrado que Deus respeita esta infeliz iniciativa. O ser humano precisa aprender a arcar com as conseqüências daquilo que faz. Infelizmente, tal aprendizado tem se mostrado doloroso.

É pecado afirmar que Deus não evita o mal? Seria Deus um ser frio e sem sentimentos? Mesmo sabendo que os sentimentos são da ordem da humanidade, cremos que Deus veio ao mundo na pessoa de Jesus de Nazaré e, compassivamente, agiu a favor das pessoas, especialmente das que se encontravam em situações desesperadoras. Assim sendo, Deus não é insensível e a história da salvação, que se encerra em Jesus Cristo demonstra, historicamente, que Deus se compadece do gênero humano e de toda a criação. Na verdade, não se trata de Deus evitar ou não o mal, mas de respeitar até as últimas conseqüências a liberdade concedida ao ser humano. A partir de Jesus de Nazaré, acertadamente, podemos afirmar que dói no coração divino ver tanta desgraça, mas a esperança cristã nos desperta para um novo céu e uma nova terra, que precisamos construir a cada dia.

É verdade que nossas explicações sobre a ação divina no mundo não conseguem abarcar uma realidade que é, por si mesma, misteriosa. Por que Deus não interferiu na morte de mais de setecentas pessoas no Rio de Janeiro e em outras tantas ocasiões?... Podemos apelar para várias hipóteses, mas temos que admitir que tudo se encerra no mistério daquilo que denominamos Deus. Ninguém consegue explicar, lógica e/ou racionalmente, a ação de Deus em nós e no mundo, porque Deus ultrapassa a nossa capacidade de imaginação e pensamento. O que falamos se pauta naquilo que nos foi revelado em Jesus de Nazaré e o mistério da vida deste também é inesgotável. As pessoas que pensam ser castigo divino a situação atual do RJ e do mundo inteiro se apegam às explicações mitológicas que precedem ao aparecimento das ciências e da técnica. Explicações que não explicam nada! Antes do aparecimento das ciências que explicam os fenômenos, tudo era culpa ou de Deus ou do demônio. Este, juntamente com os espíritos maus.

Apesar dos pesares da vida, cremos que Deus é amor e nos oportuniza compreendermos esta verdade salvífica. Diante daquilo que não compreendemos não nos resta outra alternativa senão o silêncio, mas não um silêncio omisso e irresponsável diante dos desafios da vida. Cremos no poder e na criatividade da inteligência humana, que deve buscar formas alternativas de subsistência, que não seja uma economia pautada somente no lucro. O ser humano precisa reaprender e/ou redescobrir o autêntico significado da palavra economia: do grego oikonomía, e significa a arte de bem administrar a casa. Oxalá se nossa economia tivesse como princípio fundamental o cuidado permanente de nossa Casa e Mãe comum, a Terra.


Tiago de França

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