domingo, 9 de janeiro de 2011

O Batismo de Jesus, o cristão e a missão


“Este é o meu Filho amado, no qual pus o meu agrado” (Mt 3, 17).

Após a Solenidade da Epifania (manifestação) do Senhor, a Igreja celebra a Festa do Batismo do Senhor. O título da presente reflexão resume aquilo que queremos refletir: Batismo, cristão e missão. Há uma íntima ligação entre estes conceitos que formam uma só realidade. Não há batizado que não seja cristão e missionário. Se houver, então temos um problema a resolver. Discorramos, conceitualmente, sobre cada parte daquilo que denominamos uma só realidade.

O Batismo de Jesus

Tendo em vista a doutrina tradicional da Igreja, que ensina a respeito da unidade consubstancial de Jesus com Deus Pai, tornando-o, assim, Deus feito homem, o Batismo é uma realidade desnecessária na vida de Jesus. Em outras palavras, duas indagações reveladoras se fazem necessárias: Se Jesus é o Filho de Deus, tendo, assim, a condição divina, por que foi ao encontro do profeta João Batista para ser batizado nas águas do rio Jordão? Para que servia o batismo realizado por João Batista?

O batismo realizado por João Batista tinha como fim a conversão dos pecadores. Estando diante do Messias (Ungido de Deus), o profeta não compreende o pedido de Jesus para ser batizado: “Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?” (Mt 3, 14). Mas como Jesus veio para cumprir toda a justiça, então pediu ao profeta que o batizasse. João concordou e o batizou. Uma vez que Jesus não precisava se converter, pois não era pecador; de fato, não precisava do batismo de João Batista. Este batizava as pessoas para que se convertessem para receber o Messias, aquele que viria para inaugurar o Reino de Deus.

No Batismo de Jesus temos dois aspectos que o diferencia dos demais batismos realizados por João Batista: A descida do Espírito Santo sobre Jesus e a voz reveladora de Deus. Jesus foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder (At 10, 38), foi ungido com o óleo da alegria e enviado para evangelizar os pobres (Prefácio – o batismo de Cristo no Jordão). A vinda do Espírito sobre Jesus, simbolicamente, na forma de pomba, é o sinal de que Jesus é o Messias e Filho de Deus, enviado a este mundo para a redenção da humanidade, redenção que se realizou por meio do anúncio da Boa Nova aos pobres e da inauguração do Reino de Deus.

Conforme a voz que revela a predileção de Deus por Jesus, seu amado Filho, o Ungido de Deus cumprirá fielmente a vontade divina através da missão. Impelido pelo Espírito, que sonda as profundezas de Deus, Jesus se torna o missionário do Pai, o libertador enviado, preferencialmente, para as ovelhas perdidas da casa de Israel. Jesus torna-se o centro da aliança do povo, luz das nações (Is 42, 6). A presença amorosa e salvífica de Jesus no meio do povo sinaliza a renovação da esperança de Israel, Deus continua cuidando e salvando o gênero humano. Jesus revela o cuidado de Deus por cada ser humano.

Este cuidado aparece nas palavras do Apóstolo Pedro: Ele [Jesus] andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos que estavam dominados pelo demônio, porque Deus estava com ele (At 10, 38). O povo de Deus sempre foi muito sofrido, abandonado e perseguido. Diante de tanto sofrimento e desalento, Deus se compadeceu e se compadece. A vinda de Jesus ao mundo é a maior prova do amor e do cuidado divinos.

O cristão e a missão

Toda pessoa batizada é chamada à condição cristã. Na Igreja, todos os batizados deveriam ser cristãos, mas, infelizmente, muitas pessoas estão longe de serem cristãs. O pior é que não se trata de pouca gente, mas da maioria. Há uma pergunta fundamental que nos auxilia na compreensão: Em que consiste ser cristão? Há duas respostas que, comumente, são dadas a esta pergunta. Utilizemo-nos, por exemplo, do cristão católico.

Muita gente acredita que o cristão é aquele que participa da Missa, recebe os sacramentos, paga o dízimo e pratica os demais atos de piedade (terços, novenas, promessas, romarias etc.). Na verdade, este também pode ser cristão, mas, antes de tudo, é um fiel praticante da religião, é um religioso. Não podemos confundir prática religiosa com prática cristã. É possível que religiosos sejam cristãos, mas é algo difícil. Uma coisa é ser um bom católico, outra é ser um bom cristão.

As pessoas que consideram que ser um fiel católico corresponde, de fato, a ser cristão costumam cometer um pecado gravíssimo: Julgar como infiéis a Deus aqueles que não possuem prática religiosa. Neste sentido, outra distinção necessária é sabermos que uma coisa é ser fiel a Deus, outra ser fiel à religião. Com isto não estou induzindo a pensarmos que a fidelidade à religião contradiz a fidelidade a Deus. Uma pode ou não contradizer a outra, tal contradição depende de como a pessoa vive as práticas religiosas. Se estas se apresentam como único caminho de se chegar a Deus, então a contradição é, visivelmente, presente.

Na verdade, de acordo com o Evangelho de Jesus, ser cristão ultrapassa toda e qualquer prática religiosa. Ser cristão não é, necessariamente, ser religioso. Ser cristão é seguir Jesus de Nazaré, tal seguimento se dá em meio às dificuldades e às infidelidades nossas de cada dia. Não se trata de uma mera busca pela perfeição pessoal, mas de engajamento na luta pela construção do Reino de Deus. Seguindo o exemplo de Jesus, o cristão deve passar no mundo fazendo o bem. Quando fazemos o bem estamos sendo operários da vinha do Reino. Esta é a vocação cristã, a missão do cristão.

As pessoas são batizadas para serem cristãs no seguimento de Jesus de Nazaré, e a missão da Igreja é anunciar esta Boa Notícia ao mundo. A Igreja nasceu para permanecer a serviço deste anúncio libertador, pois somente no seguimento de Jesus de Nazaré é que nos libertamos. A nossa libertação acontece na libertação do mundo. No seguimento de Jesus de Nazaré nos libertamos do egoísmo, do desamor, da alienação e de todas as demais formas de opressão. A nossa verdadeira vida está na conquista da liberdade dos filhos e filhas de Deus, é para isto que somos batizados. Esta conquista não acontece na mera luta contra os pecados pessoais, que quase não oferecem perigo algum; mas na luta contra os pecados estruturais e sociais, que geram fome, violência, discriminação, ódio e tantos outros males.

O Espírito Santo que desceu sobre Jesus e o guiou na missão é o mesmo que nos unge, consagra e guia na missão de cristãos. Somos assistidos pelo Espírito Santo em nossas dificuldades e fraquezas. A fidelidade de Deus nos motiva e nos chama à fidelidade e à confiança na sua Palavra. Só conseguimos cumprir a vontade divina quando nos deixamos conduzir pelo Espírito Santo, e o cumprimento da vontade de Deus se dá na realização da missão cristã. No batismo recebido na Igreja, somos escolhidos, consagrados e enviados em missão. Ninguém pode se autodenominar cristão fora desta missão.


Tiago de França

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