terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O silêncio como caminho para o encontro com Deus


Vivemos num mundo barulhento, onde as pessoas também se tornam barulhentas. Todos querem falar e serem escutados, infinitamente. Permanecer em silêncio hoje é não estar bem. Todos estranham uma pessoa silenciosa. Para uns, tal pessoa ou está doente, ou com raiva de alguém; para outros, ainda, tal estado pode ser sinônimo de timidez ou introspecção desmedida.

De fato, parece não ser agradável estar perto de uma pessoa que não fala com a voz. Para quem gosta de conversar, trata-se de uma situação esquisita. Mas não quero discorrer a respeito deste tipo de silêncio, mas do silêncio como caminho de encontro com Deus. Como ocorre, quando deve ocorrer e por que tem que haver tal silêncio na vida do discípulo missionário de Jesus de Nazaré?...

A experiência de Jesus de Nazaré deve ser o modelo por excelência. Jesus, missionário do Pai e evangelizador dos pobres, enquanto homem no mundo gostava de rezar. O Evangelho mostra que ele não recorria às sinagogas nem ao Templo de Jerusalém, mas às montanhas e lugares desertos. Esta é a dimensão contemplativa do missionário Jesus. No silêncio da madrugada conversava com o Pai a respeito da missão, recebia suas orientações e se reabastecia para a missão.

Alguém poderia perguntar: Mas Jesus precisava rezar? Apesar da oração não ser o tema da presente reflexão, é preciso responder positivamente: Sim, Jesus precisava. A oração não é coisa de pecador, mas diálogo filial com Deus. Dispensando as fórmulas, que também podem ser úteis, a oração é uma conversa amigável e livre com Deus. Amizade e liberdade devem caracterizar a relação filial do cristão com Deus, pois, assim, fazia Jesus.

Jesus rezava ao Pai no silêncio da madrugada. Isto fazia parte de sua vida, marcava-o, profundamente. Assim sendo, com toda clareza e segurança, podemos afirmar que Jesus se encontrava com o Pai no silêncio. Desde o antigo Israel, os patriarcas e profetas se encontravam com Deus no recolhimento orante do silêncio da montanha. O silêncio torna-se, assim, o lugar da intimidade com Deus. Em outras palavras, ele oportuniza um encontro fecundo e transformador.

Os antigos monges do deserto descobriram a riqueza do silêncio. Eles deixavam riquezas e prestígios para viver um eterno encontro com Deus. Com o passar do tempo, os monges descobriram que Jesus não se encontrava com Deus somente no deserto, no silêncio deste; mas no encontro com o semelhante, o próximo nosso irmão. Então, muitos deixaram os eremitérios e formaram comunidades de monges, a fim de se encontrar com o Senhor no encontro com o próximo.

A experiência dos monges ensina que o silêncio também oportuniza o encontro com os nossos demônios interiores. O ser humano tem demônios dentro de si. Trata-se do demônio da inveja, do ódio, da indiferença, da preguiça, da falta de solidariedade e tantos outros. No recolhimento orante de cada dia, o Espírito age, discreta e humildemente. Com a ajuda da graça divina, os monges se tornaram famosos na arte do conhecimento profundo da natureza humana.

O silêncio como caminho. Como entender isso? Antes de tudo, fazendo-o, livremente. O silêncio leva-nos ao mais profundo de nós mesmos, é um caminho de autoconhecimento. As pessoas que tem medo de si mesmas, de se descobrirem e de se amarem, evitam o silêncio. Para elas, trata-se de uma ameaça, um pesadelo e/ou uma experiência negativa. De fato, o caminho do silêncio é um caminho de morte, mas de uma morte que gera a vida.

Através do caminho do silêncio podemos chegar ao mais profundo de nós mesmos, lá onde se encontram as nossas misérias. Diante destas, contemplamos a grandeza de Deus. O encontro com nossas misérias pode parecer, à primeira vista, algo frustrante e desanimador. Inegavelmente, é o triste encontro com as forças da morte que residem e resistem em nós. No Evangelho, Jesus disse que o mal que nos torna impuros não está fora, mas dentro de nós.

O silêncio impele-nos ao reconhecimento de nossas misérias. Nós somos miseráveis! Descobrimos que em nossa humanidade somos, infinitamente, limitados; descobrimos também que boa parte das imperfeições que, facilmente, enxergamos no outro está dentro de nós mesmos. Inicialmente, sentimo-nos perdidos. Mas surge uma luz no fim do túnel: O reconhecimento de nossa miserabilidade já é um sinal certo do início de nossa transformação interior. Depois, o silêncio nos remete à certeza paulina que ensina, inspirada e libertadoramente, que em meio às fraquezas se manifesta a força divina. O Espírito está agindo.

Este processo tem um começo, mas não tem um fim nesta vida, estende-se à enternidade. Citemos um exemplo próximo de nós para compreendermos outra dimensão do silêncio: a dimensão profética. Desde os tempos de Seminário até sua morte, Dom Hélder Câmara (1909 – 1999) vivia a experiência orante do silêncio entre às duas e três da madrugada, cotidianamente. Durante o dia estava servindo ao povo, à noite subia a montanha do silêncio para o encontro com Deus.

O santo Bispo dizia que com o passar do tempo a experiência se tornou tão fecunda que passou a fazer silêncio estando no meio do povo. Este ficava admirado com suas palavras. Estas se revelavam palavras de Deus. Dom Hélder Câmara passou a ver, tocar, conversar e viver com Deus na pessoa dos empobrecidos num bairro pobre do Recife, PE. O curioso é que não apresentava sinais de anormalidades: visões, êxtases ou qualquer outro fenômeno paranormal. Ele aprendeu a contemplar a Deus estando no meio do povo.

Dom Hélder Câmara descobriu através da experiência de deserto de Jesus que o deserto é fértil, descobriu que a amizade com Deus é sinônimo de intimidade. Ele se tornou um amigo de Deus. Tornar-se amigo de Deus é uma experiência inexplicável, é um dom gratuito e transformador, é uma vocação libertadora. O santo Bispo passou a ver as pessoas e o mundo com os olhos de Deus. Diante dos que o perseguiam, ria numa paz admirável.

Quais os frutos que podemos colher do silêncio? A resposta é simples: Paz e alegria no Espírito Santo! Viver a paz e a alegria no Espírito significa ser totalmente do outro. O amigo de Deus não vive para si mesmo, mas para os outros; a sua vida pertence aos outros; torna-se, simples e humildemente, serviço permanente do outro. Assim, deixar-se conduzir pelo Espírito que nos conduz ao deserto (silêncio que nos faz encontrar conosco mesmos) é uma vocação. Infelizmente, nem todas as pessoas respondem a este divino chamado.

Infelizmente, as pessoas estão envolvidas pelo barulho que gera confusão, intriga, desilusão e tantos outros males. Vivemos num mundo atormentado. Atormentado não pelo demônio, mas pelo barulho ensurdecedor que nós mesmos provocamos. A TV, a Internet, o celular, a rua, as pessoas e tantas outras coisas nos perturbam dia e noite. Não temos tempo para nós mesmos, e caímos na tentação constante de vivermos sempre falando, demasiadamente.

Não estou condenando a expressão oral, pois somos seres falantes. A fala é, de fato, um valioso instrumento de humanização; mas a realidade tem demonstrado que não estamos tendo êxito na arte de falar. Fala-se muito e se constrói pouco. O excesso de fala desordenada tem causado ódio, que gera graves conflitos entre as pessoas e nações. A palavra mal dita tem levado muita gente à morte.

O silêncio que nos conduz a Deus no encontro com o outro impele-nos a ajudarmos o outro a se libertar por meio de palavras edificantes. O silêncio nos ensina a pensar naquilo que podemos e devemos falar; ensina-nos a palavra certa, na hora certa e para a pessoa certa. Se assim procedêssemos, o mundo estaria melhor, menos conflituoso e mais feliz. Certamente, o entendimento entre as pessoas seria maior.

Somos vocacionados à liberdade. O ser humano busca, consciente e inconscientemente, ser livre. “O homem é condenado a ser livre”, ensinava o filósofo Jean-Paul Sartre. Quem aprende a cultivar o silêncio descobre um valioso caminho de liberdade. Ele orienta-nos para a liberdade. Esta se mostra como uma conquista e são poucos os que a conseguem nesta vida. Em primeiro lugar, o silêncio nos liberta da alienação. Esta é a fonte de muitos outros males da vida humana. Quem consegue se livrar da alienação não está distante da liberdade, pois, gradativamente, vai se libertando das demais coisas que escravizam o ser humano.

Enfim, a experiência do silêncio que liberta é silenciosa. A experiência divina que daí decorre é mais ainda. O que dissemos nesta breve reflexão não chega nem à sombra da realidade feliz de quem experimenta o gozo inicial da plena liberdade. Trata-se de um caminho sagrado, trilhado por aquelas pessoas que ousam criar um mundo melhor a partir do encontro afetivo e efetivo com o Deus que cria e nos recria durante toda a nossa vida. O silêncio é uma experiência de encontro e de paz, de vida e de liberdade. Por isso, ouse silenciar e liberte-se de si mesmo e de tudo o que aliena e escraviza!


Tiago de França

3 comentários:

Anônimo disse...

Genial. Parabéns!

José Luiz disse...

Graça e paz irmão, parabéns pelo seu blog, já me tornei um seguidor e como ficarei feliz se você também seguir o meu, aguardo a sua visita, um forte abraço.

Maris Stella disse...

Thiago, esta visita ao seu sitio fez muito bem ao meu coração. Que belo trabalho o fazes. Parabéns por esta iniciativa! Que Jesus continue inspirando suas ações e pensamentos.
Paz e Bem!