sábado, 26 de fevereiro de 2011

A centralidade do Reino de Deus


“Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6, 33).

No domingo passado (VII do Tempo Comum), refletimos sobre o mandamento do amor ao próximo, sobretudo aquele que é considerado nosso inimigo (cf. Mt 5, 38 – 42). Hoje, somos convidados a pensar a respeito da centralidade do Reino de Deus. O texto evangélico deste VIII Domingo Comum (cf. Mt 6, 24 – 34) ainda pertence ao discurso do sermão da montanha. Jesus está falando para os discípulos e para as multidões. Juntamente com as palavras do profeta Isaías e as de São Paulo, a Liturgia convida-nos, também, à confiança em Deus. Para ajudar em nossa reflexão, duas perguntas nos são essenciais: Em quem ou em que depositamos a nossa confiança? Qual o lugar de Jesus e do reino de Deus em nossas vidas?

A idolatria do dinheiro

Vivemos num mundo marcado pelo regime capitalista selvagem, sistema socioeconômico que tem como fim último a busca exacerbada do lucro a qualquer custo. Para obter vantagens econômicas, o capitalista destrói a natureza e o seu semelhante. Quem não produzir e consumir está excluído, ou seja, esquecido e descartado. A lógica do ter cada vez mais orienta a vida econômica.

A palavra de ordem é desenvolvimento. Este à custa do suor e do sangue dos mais vulneráveis. Muita gente trabalha, mas são poucos os que crescem e ficam ricos. A ascensão social pertence aqueles que procuram se especializar e servir ao mercado. Atrasada e excluída é a pessoa que não procurou acompanhar os avanços da técnica e das novas tecnologias.

Tal sistema relativiza os valores autenticamente humanísticos, porque o seu fim não está no bem estar geral da população humana. Interesses de pessoas e grupos sobrepõem-se ao bem comum. Tentam-nos convencer do contrário, mas a verdade é esta, quer aceitemos, quer não.

As desigualdades, as catástrofes ambientais, as guerras, a violência, o esgotamento psicológico do ser humano e tanto outros males que poderíamos citar são as conseqüências inaceitáveis do sistema capitalista. O sistema é tão forte e persuasivo que as numerosas reflexões e declarações em favor da humanização realizadas em todo o mundo (Fórum Social Mundial, Carta da Terra, Declaração Universal dos Direitos do Homem, Legislações Ambientais etc.) não conseguem convencer o ser humano para a construção de um mundo melhor.

As recentes catástrofes ambientais ocorridas no Brasil e no mundo, mesmo matando milhares de pessoas, também não conseguem chamar a atenção do ser humano para o cuidado com o planeta. O deus dinheiro torna o homem cego, mudo e surdo. A espiritualidade do cuidado para com a natureza não faz parte da vida dos capitalistas, porque tal espiritualidade os convida à preservação e à promoção do planeta Terra, nossa Casa comum.

O problema não está somente nos empresários, donos das grandes corporações e autores dos grandes investimentos, mas também nas demais mulheres e homens, que são vítimas da ideologia capitalista. Infelizmente, até os governos, que deveriam ser os primeiros promotores da justiça ambiental, também investem na exploração da natureza por meio de obras faraônicas. Um exemplo claro disso é a insistente e injusta construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Estado do Pará; que consiste num dos maiores crimes ambientais da história da Amazônia. Isto mostra que não passam de governos manipulados e impulsionados pela ideologia do desenvolvimento desenfreado.

Há pessoas que não conseguem viver em paz, porque não pensam em outra coisa senão em ganhar dinheiro: dormem e se levantam pensando no que tem e na possibilidade de acumular cada vez mais. O grande medo é perder o que tem, ou seja, a perda daquilo que tem equivale à perda do sentido da vida. Há ricos que ficam depressivos quando perdem as riquezas. Há outros, ainda, que se suicidam, porque não suportam viver na simplicidade da vida dos pobres. Para os sedentos de dinheiro, a felicidade consiste no ter em detrimento do ser.

Afirmei logo acima que o sistema capitalista relativiza os valores humanísticos, ou seja, os valores que constroem e promovem a dignidade da pessoa. Pois bem, o ter em detrimento do ser significa esta relativização de tais valores. A solidariedade é um dos valores mais afetados pelo ter.

Quem é rico não costuma ser solidário com quem é pobre, pois a solidariedade exige a experiência da partilha. Esta, dificilmente, faz parte da vida dos abastados. Certa vez, escutei um homem rico dizer: “Esse negócio de partilha é coisa de gente tola!” Será que este homem conseguiria partilhar o que tem sem antes converter-se ao Evangelho da partilha e da solidariedade?...

O servir a Deus ou ao dinheiro

Para todos aqueles que colocam o dinheiro no centro de suas vidas e o tem como valor absoluto, diz Jesus: “Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. Não há meio termo: ou se deve servir a Deus, ou ao dinheiro. Jesus é claro e não deixa margens para falsas interpretações. Servir ao dinheiro não é receber o salário e comprar o necessário para a manutenção da vida, mas colocar o dinheiro no lugar de Deus, ou seja, viver em função do dinheiro, acumulando-o.

Jesus recomenda, ainda, que não fiquemos preocupados com o que comer, vestir e beber, pois, “vosso Pai, que está nos céus, sabe que precisais de tudo isso”. Somos, comumente, dominados pela preocupação exacerbada com os bens necessários à vida. No texto evangélico deste Domingo aparece três vezes a expressão “não vos preocupeis”, que não pode ser interpretada como um convite à ociosidade, mas de um chamado à confiança filial em Deus. Confiar em Deus é tê-lo como o absoluto e centro de nossa vida.

A confiança existe quando conhecemos as pessoas, pois, dificilmente, se confia em estranhos. Por isso, precisamos nos tornar íntimos de Deus, porque é na intimidade que se constrói a confiança. Quanto mais conhecermos e amarmos a Deus tanto mais lhe confiaremos o cuidado de nossa vida. Ninguém pode dizer que acredita em Deus se a ele não se confia, porque o acreditar está, intimamente, ligado ao confiar. A plena segurança de nossa vida não está naquilo que temos e somos, mas em Deus, que é nosso rochedo e salvação, a fortaleza onde encontramos refúgio em meio às adversidades de nossa existência (cf. Sl 61).

Por fim, Jesus chama-nos a atenção para a centralidade do Reino de Deus em nossa vida cristã e eclesial: “buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça”. O reino de Deus é aberto a todos, portanto, todos podem buscá-lo. Assim como Jesus anunciou a chegada do reino e o inaugurou, toda pessoa que deseja seguir Jesus deve viver, durante toda a vida, a experiência de anúncio e construção do reino de Deus. As nossas limitações não podem nos eximir de tal missão: “Os discípulos de Jesus não podem deixar de fazer a experiência de sua fraqueza. Mas Deus quer usar a fraquezas de seus servidores para construir o seu reino. A sua força acompanha a fraqueza dos seus servidores” (COMBLIN, José. A profecia na Igreja. São Paulo, Paulus, 2008, p. 71).

Buscar o reino de Deus é, em meio às fraquezas que nos são inerentes, buscar construí-lo, incansavelmente, neste mundo dilacerado por injustiças de toda ordem. Portanto, a missão do cristão e da Igreja deve ser a de se colocar a serviço da libertação integral dos injustiçados, das vítimas de instituições e pessoas que não se cansam de perseguir, destruir e matar a natureza e o próprio ser humano. Tudo deve convergir para o reino de Deus, do contrário, a nossa religiosidade é vã e medíocre, não servindo para nada senão para alienar e legitimar as forças do anti-reino que operam neste mundo.


Tiago de França

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