quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Fides ex auditu et ex operato


“A fé depende, portanto, da pregação, e a pregação é o anúncio da palavra de Cristo”.
(Rm 10, 17)

Jesus é a Palavra de Deus e a missão de todo cristão batizado é anunciá-lo ao mundo, mas para que este anúncio seja autêntico e frutuoso, necessariamente, precisamos atender a três exigências básicas:
1 – Para ser missionário é preciso, antes de tudo, conhecer Jesus Cristo;
2 – Conhecendo Jesus Cristo é preciso aderir ao seu projeto e
3 – Tendo aderido ao seu projeto pode-se proclamá-lo ao mundo.

Digamos algumas palavras a respeito de cada exigência explicitando algumas implicações para o atual momento eclesial.

1. Para ser missionário é preciso, antes de tudo, conhecer Jesus Cristo.

Ninguém fala do desconhecido, pois este, por sua vez, está como que invisível à razão e à compreensão humanas. Portanto, para ser missionária, a pessoa precisa CONHECER Jesus de Nazaré. Mas como conhecê-lo?

Para conhecer Jesus é necessário respondermos a uma pergunta fundamental: Onde mora Jesus hoje? Poderíamos responder, incansavelmente, através de enunciados cristológicos, mas podemos, seguramente, afirmar: Jesus vive na pessoa dos empobrecidos. O próprio Evangelho de Jesus assegura-nos esta verdade. A partir daí, surge a necessidade de conhecermos e de nos envolvermos com a realidade dos empobrecidos.

O conhecimento da realidade dos empobrecidos pode ser oferecido pelas infinitas análises sociológicas. Isto não quer dizer que precisamos estudar Sociologia e/ou sermos sociólogos! Se o fizermos, não será um mal; mas o contato com a realidade é a melhor e mais segura forma de conhecimento. Eis o desafio.

O contato com a realidade dos empobrecidos pode ser vivido de duas formas: a primeira, podemos chamá-la de contato descomprometido. Trata-se, apenas, de ver a realidade sem o devido envolvimento. O missionário que assim procede, conhece a situação, mas se recusa a comprometer-se. O compromisso vai além do mero conhecimento das causas que geram o empobrecimento das pessoas.

A segunda forma de contato com a realidade pode ser denominada contato efetivo e/ou contato comprometido. Neste, o missionário se envolve com a situação. Tal envolvimento passa pelo compromisso que gera vida e liberdade. O missionário sabe que não tem a missão de libertar as pessoas, mas, apenas, de ser presença fraterna que anima, organiza, orienta e dinamiza o processo de libertação.

O contato descomprometido não gera o missionário, ou seja, quem quiser ser missionário de Jesus precisa se comprometer com a realidade dos empobrecidos, e tal comprometimento se dá de várias maneiras. São diversas as formas de opressão e, consequentemente, diversas as formas e caminhos de libertação. Na Igreja de hoje, o número de autênticos missionários são poucos. Mas por que o são?

2. Conhecendo Jesus Cristo é preciso aderir ao seu projeto.

O conhecimento de Jesus de Nazaré implica o conhecimento de seu projeto: o Reino de Deus. Este se traduz em vida e liberdade para todas as pessoas. A Sagrada Escritura ensina que a glória de Deus se encontra na liberdade de seu povo. Portanto, a construção do Reino inaugurado por Jesus é a construção da liberdade do gênero humano.

O problema da opressão sempre fez parte das preocupações divinas que levam ao trabalho salvífico de Deus no mundo. Ele investiu e investe todo o seu poder para a restituição da vida e da liberdade do ser humano. O envio de Jesus, missionário e evangelizador dos pobres, ao mundo é a prova maior de que Deus acredita na libertação integral e plena do gênero humano e de toda a criação corrompidos pelo pecado.

Mas é preciso que tomemos cuidado para não confundirmos a construção do Reino de Deus com a luta contra o pecado. Esta confusão é muito comum na vida da Igreja, desde suas origens até os dias de hoje. A nossa luta é contra as estruturas que geram a morte do ser humano, portanto, estruturas pecaminosas. Construir o Reino de Deus é lutar contra as estruturas de opressão presentes no mundo.

Se reduzirmos a construção do Reino de Deus à luta contra o pecado cairemos no antigo pecado cometido pela cristandade, que entendia o Reino de Deus como combate espiritual contra as forças diabólicas. Esta compreensão levou às diversas práticas ascéticas praticadas naquela época. Hoje, compreendemos que o demônio é o próprio homem que não sabe cuidar de si nem do mundo em sua volta.

A adesão ao Reino de Deus é uma exigência do seguimento de Jesus de Nazaré, ou seja, quem não aderir à construção do Reino de Deus não pode dizer que é discípulo e missionário de Jesus. A mesma coisa se pode afirmar quanto ao ser cristão, quem não aderir ao projeto de Jesus não pode ser chamado de cristão.

Na Igreja, há pessoas, ordenados e leigos, que insistem em pensar e se autoafirmar cristãos a partir de suas práticas religiosas. Se estas não as conduzem à prática de atitudes afetivas e efetivas que constroem o Reino de Deus, não passam de práticas farisaicas. Quem quiser participar do Reino de Deus terá que arregaçar as mangas e construí-lo.

3. Tendo aderido ao projeto de Jesus pode-se proclamá-lo ao mundo.

O anúncio do Evangelho de Jesus é a proclamação do Reino de Deus, e este anúncio só é verdadeiro quando o missionário, pregador da Boa Nova, adere, afetiva e efetivamente, o projeto de Jesus. Assim sendo, o anúncio do Evangelho torna-se testemunho de vida e de liberdade. O missionário, na pregação, testemunha Jesus de Nazaré a partir de suas palavras e de sua vida.

Quando o anúncio não é acompanhado pelo testemunho, tudo se resume a discursos vazios, palavras jogadas ao vento. Tal atitude deixa de ser anúncio porque se mostra infrutuosa, palavras que não geram conversão. A escuta e a pregação da palavra de Cristo provoca a conversão do fiel ouvinte e praticante.

A pregação da palavra de Cristo não pode eximir-se do conteúdo libertador do Reino de Deus. Quando o cristão e a Igreja se esquecem do Reino de Deus e de sua centralidade no anúncio da Boa Nova, a conseqüência é a total desorientação; ou seja, perde-se o foco norteador da missão. O kérygma, ou seja, o núcleo central da mensagem cristã é o Reino de Deus. O anúncio da palavra de Cristo desperta a fé nas pessoas, e esta fé deve levá-las à ação.

No anúncio da palavra de Cristo, o missionário pode cair em duas tentações: a primeira, a de anunciar a si mesmo; a segunda, a de colocar a Igreja no centro do anúncio. O que estas tentações significam? Vejamos.

Consciente ou inconscientemente, muitos missionários se projetam a si mesmos na missão. Quando isto acontece, o Evangelho fica obscurecido porque o missionário não o anuncia às pessoas, mas anuncia-se a si mesmo. Neste sentido, o missionário cresce e o Evangelho diminui. As pessoas passam a seguir aquele em detrimento deste. Missionários que tem carência de atenção, que possuem frustrações e/ou que são autoritários costumam agir dessa forma: colocam-se no centro de tudo, idolatram-se a si mesmos.

A Igreja não pode nem deve permanecer no centro do processo de evangelização. Ela não é o Reino de Deus nem proprietária do mesmo, mas instrumento de salvação no mundo, conforme ensinou o Concílio Vaticano II. A centralidade da mensagem e da vida cristã não pertence à Igreja nem ao conjunto da hierarquia eclesiástica que a compõe juntamente com o povo, mas a Jesus e seu projeto libertador.

Jesus de Nazaré e seu projeto estão no centro de tudo. Portanto, a missão do cristão é anunciá-los ao mundo. Na Igreja, tudo deve convergir para este anúncio, pois sua missão essencial é “evangelizar com renovado ardor missionário na opção preferencial pelos pobres, a serviço do Reino de Deus”, canta o Pe. Zezinho, SCJ em uma de suas músicas. No batismo recebemos esta missão e devemos assumi-la até as últimas conseqüências, numa fidelidade que deve perdurar por toda a vida.

Não devem interessar à Igreja as seguintes ambições: ser a maior Igreja cristã do mundo (espírito hegemônico); cultivar alianças com os poderosos, a fim de influenciá-los em benefício próprio; estruturar-se, materialmente, e aumentar cada vez mais suas riquezas; buscar controlar as liberdades pessoais e coletivas dos povos etc. A riqueza e o poder da Igreja devem ser o Evangelho de Jesus. Nada deve ser mais importante do que o anúncio da pessoa e do projeto de Jesus de Nazaré.


Tiago de França

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