sábado, 19 de fevereiro de 2011

O amor aos inimigos


“Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem!”
(Mt 5, 44)

A Liturgia da Palavra deste VII Domingo Comum tem como tema central o amor ao próximo. No domingo passado discorremos a respeito da observância da lei, agora somos chamados a pensar no amor ao próximo, principalmente o próximo inimigo. Será que é possível, efetivamente, amar os inimigos? Quem são estes inimigos? Para quem Jesus está falando? Quais as implicações da inimizade e do amor aos inimigos na comunidade cristã? É possível ser cristão e ao mesmo tempo odiar o próximo? À luz da fé e da palavra de Jesus vamos refletir sobre estas questões.

DEUS É SANTO E NOS CONVIDA À SANTIDADE

Na primeira leitura (Lv 19, 1 – 2. 17 – 18), Deus revela-se a si mesmo como Santo e nos chama à santidade. Em seguida, faz quatro exigências para que tal santidade, de fato, seja efetivada: 1) Não ter ódio no coração contra o próximo, nosso irmão; 2) Repreender o próximo; 3) Não procurar vingança nem guardar rancor e 4) Amar o próximo como a si mesmo.

1) Não ter ódio no coração contra o próximo, nosso irmão. O ódio é um sentimento negativo e de morte que tem a força de destruir pessoas e comunidades, e que provoca na pessoa uma profunda vontade de destruir o outro. Quem se deixa dominar por aquele perde a capacidade de amar este. Valores como solidariedade, respeito, compreensão etc. deixam de fazer parte da vida de quem procura cultivar o ódio.

O próximo deve ser visto e considerado como irmão, pois o verdadeiro irmão não se torna inimigo. Este é visto como um ser que precisa ser banido, perseguido e eliminado. O irmão é aquele que compreende, que é solidário, que está junto nas alegrias e adversidades da vida. O cultivo da verdadeira amizade erradica a possibilidade do surgimento do inimigo. O valor por excelência que caracteriza a autêntica amizade é o amor. Somos chamados a confiar nos amigos porque sabemos que nos amam, e, justamente porque nos amam não devem se tornar nossos inimigos.

A partir do Evangelho, aprendemos que em Cristo somos irmãos. Aprendemos, também, que o amor que impulsionou Jesus a dar a sua vida para salvação do mundo (cf. Jo 3, 16 – 17) deve ser o mesmo que nos faz irmãos e amigos. O amor de Deus nos convence, orienta e capacita a amarmos o próximo, porque em Cristo este é nosso irmão. Em outras palavras, a prática do amor a Deus se dá através do amor ao próximo.

Conforme a segunda leitura (2 Cor 3, 16 – 23), o próximo é, ainda, o santuário de Deus. O santuário é o lugar do culto. Este é ação de graças ao Deus fonte de toda bondade. Assim, bendizemos o amor que Deus tem por nós através do amor, do respeito, da solidariedade e da justiça que devemos ter para com os irmãos. Assim, o próximo é sagrado, porque é lugar da presença de Deus, templo do Espírito Santo. Somos sagrados porque a nossa origem e nosso fim último se encontram em Deus. Esta compreensão leva-nos à erradicação plena do ódio.

A profanação do ser humano é um desrespeito e uma luta contra o próprio Deus.

2) Repreender o próximo. A repreensão do próximo é, realmente, uma linguagem um pouco forte e, talvez, inconveniente. O livro do Levítico resume-se num conjunto de leis e normas para orientar a conduta e a santidade do povo de Deus. Portanto, a linguagem é direta e um pouco seca. A partir de Jesus de Nazaré podemos compreender tal repreensão como correção fraterna. Esta evita que o conflito entre as pessoas se prolongue e chegue a dimensões piores e, muitas vezes, insuperáveis.

A correção fraterna deve ser humilde e simples. Quem corrige deve ter a sensibilidade necessária para o respeito e a compreensão do próximo. A correção fraterna não está para a satisfação do próprio ego, mas para o bem comum. Deve-se corrigir porque o bem da pessoa e da comunidade é o objetivo fundamental a ser alcançado.

Não se corrige o próximo para humilhá-lo e/ou escandalizá-lo, mas para ajudá-lo a se converter. É bom lembrar que a idoneidade é necessária para que tenhamos respaldo para corrigirmos o próximo que, porventura, errou; pois disse Jesus: “Hipócrita, tire primeiro a trave do seu próprio olho, e então você enxergará bem para tirar o cisco do olho do seu irmão” (Mt 7, 5). A correção fraterna ajuda-nos a vivermos o amor ao próximo.

3) Não procurar vingança nem guardar rancor. A vingança é filha do ódio e tem como aliado o rancor. São três terríveis sentimentos que tiram a vida do ser humano e podem comprometer a sua salvação. A leitura e meditação evangélicas nos asseguram que o Deus e Pai de Jesus não está preocupado com o pouco ou muito que podemos e devemos realizar, nem com o nosso espírito de piedade nas práticas religiosas, nem com o cumprimento fiel das leis e prescrições tidas como sagradas; mas com a intensidade do nosso amor para com o próximo.

Seremos julgados pelo amor. Para Deus, pouco importa os nossos títulos e capacidades, mas somente o empenho de tudo isso na construção do seu Reino. A vinda e a entrega de Jesus de Nazaré na Cruz, assim como a sua Ressurreição dentre os mortos é a prova maior de que Deus quer nos tornar plenamente humanos no amor e para o amor. Deus é amor e a nossa realização e salvação encontram-se nele. Portanto, a nossa vocação última é o amor. Este e somente este é capaz de nos libertar do ódio e do rancor.

4) Amar o próximo como a si mesmo. O fato de encontrarmos o mandamento do amor ao próximo como a si mesmo no livro de Levítico leva-nos a entender que este mandamento não era novo para os judeus. Estes já o conheciam. O chamado à santidade é anterior à vinda de Jesus de Nazaré, o Messias. Desde a escolha e eleição de Israel como povo de Deus, o Senhor (Javé) já o chamava a ser um povo constituído por mulheres e homens santos.

O povo de Deus é chamado a se santificar não segundo a lei, mas segundo o amor ao próximo. Jesus nasce e torna-se herdeiro desta tradição, pois foi educado na escola judaica que tinha como orientação fundamental a lei dada por Moisés. A este é atribuída a redação do livro de Levítico; neste, os capítulos 17 – 26 traduzem a Lei de Santidade e trazem orientações e/ou prescrições para o povo, a fim de que aprenda a sabedoria divina que conduz à santidade. Assim sendo, qual a novidade trazida por Jesus no que se refere ao mandamento do amor ao próximo?

O AMOR AOS INIMIGOS: NOVIDADE TRAZIDA POR JESUS

No seguimento de Jesus há algumas exigências fundamentais, uma delas é o amor aos inimigos. De fato, esta exigência parece impossível quando consideramos a natureza do ser humano, que o leva à ofensa quando é ofendido. No início do capítulo cinco do Evangelho segundo Mateus, Jesus afirma: “Felizes os mansos, porque possuirão a terra”, e no texto evangélico da Liturgia deste Domingo (Mt 5, 38 – 48), diz: “Vós ouvistes o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente!’ Eu, porém, vos digo: não enfrenteis quem é malvado!”

Jesus convida-nos à mansidão, que nos leva a evitarmos o conflito pelo conflito. Este gera violência e o cristão não pode se tornar um promotor da discórdia. Isto não quer dizer que a paz é ausência de conflito. Há uma nítida diferença entre conflito e violência. Comumente, esta se apresenta como um fim em si mesma; enquanto que o conflito pode ser um meio para se alcançar a paz. Quando revidamos uma ofensa recebida estamos sendo violentos do mesmo jeito.

“Vós ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo!’ Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem!” O que significa amar os inimigos? Diante daqueles que nos ofendem, costumamos agir de duas maneiras: ou revidamos a ofensa recebida com outra bem pior, ou nos afastamos, imediatamente. Jesus não recomenda nem uma coisa, nem outra. Então, como devemos proceder?

Na verdade, Jesus está chamando a atenção para aquilo que ensinou na oração do Pai nosso: “Perdoa as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6, 12). Perdoar a quem nos ofende não significa sujeição; mas não ter ódio no coração, não procurar vingança, nem guardar rancor. Estas são as condições para recebermos o perdão divino. Amar os inimigos não é fazer-lhes falsas declarações de amor, mas perdoá-lo, verdadeiramente.

Muita gente pensa que amar o inimigo significa, após a ofensa recebida, sujeitar-se ao mesmo ou implorar-lhe que seja retomada a amizade perdida. É verdade que devemos procurar a reconciliação com aqueles que nos ofendem, mas se isto se mostra impossível, ou seja, se o outro se recusa, o Evangelho pede-nos, simplesmente, que rezemos por ele. Amar os inimigos significa não odiá-los, mas entregá-los nas mãos de Deus que sabe, pode e conhece todas as coisas. Esta entrega acontece na experiência da oração.

Com o mandamento do amor aos inimigos, Jesus ensina-nos, também, a vermos o mundo e as pessoas com os olhos de Deus. Deus não nos ver, nem nos trata com rancor e ódio, mas com amor paternal. Ele não se cansa de nos perdoar e amar. O amor que Deus tem por nós é sem fim (cf. Sl 118, 1). Amar a Deus é amar o próximo, porque neste se manifesta a sua presença amorosa.

Não se ama a um Deus concebido pela razão, mas aquele que está entre nós, cotidianamente presente na vida do mundo e das pessoas (Mt 1, 23). Com a vinda de Jesus de Nazaré aprendemos que Deus não é uma idéia, nem uma ideologia, mas uma realidade salvífica presente no mundo. O convite é para amarmos a Deus na pessoa de nossos inimigos. Isto é possível, arrisquemo-nos!


Tiago de França

Um comentário:

Ainda continuo de olho em VC disse...
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