sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O clamor do povo egípcio


A antiga civilização egípcia era marcada pela opressão causada pelos impérios faraônicos. Hoje, a situação não é diferente. O Egito é rico, mas seu povo é pobre (mais da metade da população). De maioria mulçumana (90%), a população resolve clamar por justiça, porque sofre a opressão de um governo que dura mais de trinta anos. É tanto tempo no poder, que o Presidente Hosni Mubarak chega a afirmar que está “farto do poder” e que, ironicamente, teme deixá-lo. Mas como em todo tempo e lugar, chega um momento em que as pessoas se cansam, se revoltam e resolvem dá um basta na situação. É o que está acontecendo no Egito.

O clamor do povo egípcio é marcado pela participação significativa da juventude, que representa dois terços da população do país. Jovens oprimidos, sem perspectiva de vida, revoltados por terem seu futuro incerto; derramam, corajosamente, o sangue pela vida e liberdade da nação. Certamente, o corrupto Presidente do Egito não terá outra saída a não ser renunciar, diante das pressões nacional e internacional. O desenrolar da revolução mostra, claramente, que é impossível nos dias de hoje privar a população de seus direitos básicos mantendo um sistema de governo injusto e criminoso.

Em todo o mundo, as pessoas estão tomando consciência do valor da liberdade. O silêncio diante do desrespeito dos direitos humanos fundamentais está sendo, corajosamente, erradicado. Os jovens egípcios não estão sendo violentos nem estão correspondendo a motivações religiosas, mas, conscientes da importância da verdadeira democracia que promove e preserva os direitos e as liberdades particular e coletiva, lutam por uma sociedade melhor. Trata-se de uma luta justa e democrática pelo bem comum.

Está acontecendo no Oriente Médio o que aconteceu na América Latina: a erradicação das ditaduras. A marcha histórica dos povos vai nos revelando que a liberdade é um dom que se conquista na luta, no derramamento de sangue até as últimas conseqüências. Cada povo e cada nação, a seu modo e a partir de seu contexto, vai se libertando. Todos vão descobrindo que a vocação humana está para a liberdade. A fé cristã afirma que fomos libertos para vivermos na e para a liberdade (cf. Gl 5, 1). O gênero humano, independentemente de cor, sexo, condição social e religião, realiza-se na liberdade.

A atual revolução promovida pela juventude egípcia quer chamar a atenção da juventude do mundo todo para o valor da liberdade. Jovens que não tem a coragem de lutar por seus direitos só servem para legitimar o poder opressor. O silêncio dos jovens é a desgraça de um povo e de uma nação. As crianças não têm consciência política de nada, os idosos já não têm mais força, os adultos estão ocupados com seus afazeres; portanto, cabe aos jovens lutar por um mundo melhor. Estes são mais livres do que aqueles.

O capitalismo neoliberal que reina no mundo não acredita nem promove a liberdade do ser humano, antes, escraviza-o. O sistema capitalista corrompe a juventude através da mídia, que os excita, prazerosamente. A busca demasiada do prazer (idolatria do dinheiro, do sexo, do poder, da fama etc.) compromete a juventude, tornando-a superficial. Jovens sem ideais e sem causa não chegam a lugar nenhum. Mergulhada no imediatismo e na fantasia, a juventude torna-se irresponsável, ignorante, mesquinha e desonesta. A conseqüência inevitável é o surgimento de gerações de adultos frustrados, desmotivados, corruptos, irresponsáveis etc.

Será que estou sendo pessimista ou exagerado? Vejamos a realidade da juventude: envolvida nas drogas, não gosta de estudar, odeia religião e política, recusa-se a participar de projetos humanitários e/ou solidários, não pensam em outra coisa a não ser baladas e sexo. É verdade que temos as exceções, disto não se duvida; mas a grande maioria só pensa no hoje em detrimento do amanhã. O curioso é que apesar de tudo isso, as instituições tradicionais não têm projetos consistentes para a libertação integral da juventude. Tudo caminha como se nada estivesse acontecendo. Tais instituições só se pronunciam para julgar, reprimir e condenar. Se há algum projeto, este se mostra insuficiente.

Apesar da crise da Escola, da Família, da Religião e do Estado, estas instituições podem e devem promover a juventude, pois desistir dos jovens é desistir do futuro de todas estas instituições, que errando e/ou acertando, são as responsáveis pelo verdadeiro progresso do ser humano. Educar para a liberdade através do cultivo dos autênticos ideais éticos e humanos é o papel da Escola. Para isso, é preciso rever os projetos e propostas educacionais. A mesma coisa refere-se ao papel da Família, que precisa retomar o diálogo que gera a comunhão entre pais e filhos.

O Estado precisa reconquistar o interesse dos jovens pela política através de políticas públicas voltadas para os mesmos e da erradicação da desonestidade e da corrupção políticas. No Brasil, isto poderá acontecer quando fizerem, de fato, a tão esperada Reforma Política, que, gradativamente, porá um fim na vergonhosa presença de agentes políticos que pautam suas vidas na corrupção. No atual Governo espera-se que isto aconteça.

Como a Religião, especificamente, a Igreja pode ajudar na libertação integral de nossos jovens? Educando-os para a liberdade. Para que isto aconteça, a Igreja precisa ser um espaço de liberdade, não de repressão do jeito jovem de ser e de viver; o que, infelizmente, costuma acontecer. Os jovens tendem a observar a conduta dos adultos, e no caso da Igreja, a conduta de seus pastores. Portanto, estes devem procurar viver de acordo com aquilo que ensinam, pois os jovens não se simpatizam com a incoerência.

Quando há contradição entre palavra e ação, o jovem não acredita mais na Igreja. Os recentes escândalos de pedofilia afetaram, gravemente, a pouca confiança que os jovens depositavam na Igreja. Portanto, se esta quiser reconquistar os jovens, precisa abandonar o arcaico discurso dogmatista, principalmente, nos aspectos morais de sua doutrina. A juventude não aceita discurso nem atitudes moralistas e não escuta mais julgamentos e condenações oriundas da hierarquia eclesiástica. Não adianta mais querer proibir os jovens de fazer sexo antes do casamento. Eles não obedecem! Pensar o contrário é iludir-se, profundamente.

Voltar o olhar, procurando resgatar a juventude é uma emergência. Todos devem saber que os jovens têm o poder de transformar o mundo, mas para que isto aconteça precisam ser auxiliados em sua própria transformação. A mudança de mentalidade que leva à re-educação das atitudes é, urgentemente, necessária. Se isto não acontecer, não adianta almejarmos um futuro melhor para o mundo e para seus habitantes.


Tiago de França

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