quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Saber controlar a língua


“Se alguém pensa que é religioso e não sabe controlar a língua,
está enganando-se a si mesmo, e sua religião não vale nada”
( Tg 1, 26).

Mais do que em outras épocas, vivemos numa sociedade que preza o discurso. Hoje, fala-se, demasiadamente. A Internet e o celular são os maiores meios de comunicação, pois quase ninguém deixa de utilizá-los. A competição entre as operadoras facilitam a vida do consumidor, levando-o à adesão daquela que oferece um tempo maior e mais barato nas ligações. A regra é falar muito e pagar menos. Tem-se a impressão de que as pessoas estão se comunicando mais e melhor. Mas será que é verdade?

Nas férias, me encontrei com um amigo canadense que depois de termos conversado um pouco sobre as novidades da vida, disse: “Tiago, que bom te ver! Já estava mesmo cansado dessa comunicação virtual que a Internet nos oferece”. Estas palavras do meu amigo nos revelam o grande equívoco ocasionado pelo mau uso dos meios de comunicação acima mencionados: as pessoas estão evitando se encontrar pessoalmente, e estão cultivando cada vez mais o contato virtual.

virtualidade das relações nos leva a um pecado gravíssimo, que está se tornando comum em nossos dias: refiro-me às relações superficiais e, conseqüentemente, pouco duradouras. As relações tornam-se, aos poucos, descartáveis. De modo geral, relações virtuais são marcadas pelo excesso de palavras e pela mentira. As pessoas se escondem por trás de perfis imaginários e/ou inventados, ou seja, criam ou um personagem para a satisfação dos interesses momentâneos, ou o estilo de pessoa que desejam ser (idealização).

Há uma confusão no contato com as pessoas que assim procedem porque é difícil saber se elas, de fato, corresponde aquilo que está expressando. Isto é mais comum no uso da Internet (Orkut, Twitter, Facebook, MSN etc.). Através desses meios, as pessoas dizem que se amam e se consideram, que são amigas umas das outras até as últimas conseqüências. Quando tais expressões de amor não são precedidas do contato pessoal que alimenta a verdadeira amizade, tudo não passa de superficialidade. Com isto não estou afirmando a inviabilidade ou a ineficácia dos meios citados, mas ressalto o valor do bom uso dos mesmos.

Iniciei falando das formas atuais de comunicação porque é através delas que costumamos pecar com a língua. A citação do apóstolo Tiago acima descrita chama-nos a atenção para o valor do controle da língua. A sabedoria indiana ensina: “Ao falares, cuida para que tuas palavras sejam melhores do que o teu silêncio”. O mundo seria diferente se este provérbio fosse, rigorosamente, observado. Certamente, haveria menos violência entre pessoas, grupos e nações, e teríamos uma convivência mais saudável.

A verdadeira prudência no falar ensina-nos a falar e a calar na hora certa e nos locais oportunos. A nossa fala deve ser precedida do ato racional, ou seja, devemos pensar antes de falar. A confusão existe quando isto não acontece. A mentira e a difamação são os piores males da fala irrefletida. A palavra que edifica é aquela oriunda da reflexão pessoal e constituída de reta intenção. Quando não temos o que falar, calar é a justa e reta opção.

A falsa prudência nos fala do silêncio como pecado de omissão. Há pessoas que não falam porque são omissas, pois têm medo de falar, recusam-se à verdade. Elas dão a impressão de serem prudentes, mas como disse Jesus no seu Evangelho, estão procurando salvar a própria vida em detrimento da vida do próximo (cf. Mt 16, 25). O pecado de omissão é a covardia que se expressa no silêncio, característica de quem se recusa a se comprometer com a verdade que liberta (cf. Jo 8, 32).

A disciplina da língua auxilia, também, no autoconhecimento de si mesmo e na promoção de uma sociedade alicerçada na justiça e na paz. Uma palavra mal-dita tem o poder de provocar uma guerra no mundo. A maioria dos conflitos entre os povos, poderes constituídos e religiões deriva de palavras mal-ditas. Vejamos um exemplo para compreendermos melhor.

No séc. XIV, o imperador bizantino Manuel II escreveu a respeito do profeta Maomé acusando-o de ter trazido à humanidade uma religião (Islamismo) má e desumana. As palavras do imperador causaram sérios conflitos com os povos islâmicos. Quando o Papa Bento XVI proferiu seu discurso Fé, razão e universidades: Memórias e reflexões na Universidade de Regensburg (Alemanha) citou, repetidamente, o argumento do imperador Manuel II. Na ocasião, disse o Papa referindo-se ao profeta Maomé e ao Islã: “A violência é incompatível com a natureza de Deus e a natureza da alma”.

A expressão papal em si está correta. De fato, toda forma de violência é incompatível com a natureza divina e com a da alma, mas ao afirmar isso se referindo ao profeta Maomé naquela ocasião, infelizmente, ofendeu os povos islâmicos dificultando, assim, o diálogo inter-religioso. O pedido de desculpas foi exigido pelas principais autoridades religiosas do Islã, mas, como sempre acontece, a secretaria de imprensa do Vaticano publicou nota tentando se explicar. O Papa se equivocou e o padre Federico Lombardi, responsável pela mencionada secretaria tentou amenizar a situação. Não conseguiu.

Assim sendo, a palavra que verdadeiramente edifica tem como fundamento a humildade e a verdade. Falar com humildade significa reconhecer que o outro também tem algo a falar. Isto implica a escuta e a valorização daquilo que este outro está falando. No que concerne à veracidade da fala, disse Jesus: “Seja o vosso ‘sim’: ‘Sim’, e vosso ‘não: ‘Não’” (Mt 5, 37). Não precisamos nem devemos ocultar a verdade das coisas, basta-nos dizê-las como são. Ensina-nos, ainda, Shakespeare, em sua obra Hamlet, ato I, cena 3: “Isto antes de tudo: sê verdadeiro contigo mesmo e sucederá, como a noite ao dia , que não serás mentiroso com ninguém”.

Seguindo o exemplo de Jesus de Nazaré, que veio a este mundo para dar testemunho da verdade (cf. Jo 18, 37), o cristão é chamado a edificar o mundo e as pessoas com palavras que geram vida e liberdade. O autêntico discípulo missionário de Jesus de Nazaré não se torna motivo de tristeza e ódio de ninguém. Se isto acontecer, que seja por causa de atitudes que reflitam a verdade. Na ausência de uma palavra que edifique a comunidade à qual estamos inseridos, o silêncio é necessário e oportuno. Se não pudermos ajudar na edificação do outro, nosso irmão, com palavras verdadeiras, não lho prejudiquemos com mentiras descabidas; pois, como diz o ditado popular: “mentira tem pernas curtas”.

A sabedoria dos Padres do deserto ensina-nos que falar, demasiadamente, faz mal à saúde do corpo e da alma. Portanto, cuidemos, pois, do nosso falar; e que este esteja em plena sintonia e coerência com o nosso agir.


Tiago de França

2 comentários:

Alexandre disse...

Grande texto mas bom os meus parabens

vistem o meu blog

www.skates-para-pessoal.blogspot.com

Alexandre disse...

Grande texto mas bom os meus parabens

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