sábado, 30 de abril de 2011

João Paulo II, beato


Insistentes pessoas
Me pedem: fala para nós
É digno de beatitude, João Paulo II?

E eu, que não sou João nem Paulo nem II,
Não sou diácono,
Nem padre,
Nem bispo. Quem sou, senão um batizado pecador?

Apelo para a poesia:
Emaranhado de palavras soltas,
Livres,
Às Vezes, desconcertantes.

A prudência, o respeito
A autoridade,
A ameaça e o perigo:
Tudo isso está misturado e, muitas vezes, confundido com evangelização.

Artigos,
Críticas claras e profeticamente elaboradas,
Pensadas e escritas por gente de estola e por alguns de mitra imponente,
Deixo-as para os idosos:
Que já não lêem mais cartilhas nem falam mais latim.

A mim, cabe apenas dirigi uma prece
Àquele que passou pelo mundo fazendo o bem:
Despojado de poder, porque humilde,
Despojado de prestígio, porque simples,
Despojado de riqueza, porque pobre:

Ó Jesus, dileto amigo e irmão,
Tu não inventaste nada, só amaste e ensinaste amando a amar.
Amando, ensinaste o segredo da verdadeira santidade:
É santa a pessoa que usa a tolha na cintura
E serve lavando os pés dos irmãos.

A pessoa de avental não censura,
Não persegue,
Não silencia,
Não discrimina,
O outramente outro.

Eu sei Jesus
Que a perfeição se encontra em Ti,
Mas sei também,
Que para ser santo é preciso ser pobre,
Pobremente servidor.
Teu Evangelho ensina
Que ninguém faz ninguém santo:
Nem pessoa, nem Lei nem instituição.
Santidade é liberdade no amor.

Abre Jesus,
Os olhos dos cegos.
Toca Jesus,
No coração dos endurecidos,
A fim de que reconheçam que a santidade não vem cima, mas se constrói a partir de baixo.

Se constrói nos porões da humanidade:
Na simplicidade do homem do campo,
Na aflição da mãe chorosa,
No grito do faminto,
No sorriso da criança inocente.

Jesus, tu ensinaste aos teus que a santidade não se constrói:
No luxo dos palácios,
No autoritarismo opressor,
Nas tradições alienantes,
Nas espúrias negociações financeiras em nome de Deus.

Por fim, amado e dileto irmão,
Peço-te só mais uma coisa,
Talvez a mais importante de todas:
Conserva-nos em teu caminho,
Caminho de vida e de liberdade,
Porque somente assim,
Seremos santos e salvos.

Amém,
Jesus.


Tiago de França

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Dom Paulo Evaristo Arns: um cardeal profeta


Comumente, a maioria das profetisas e dos profetas da Igreja não é devidamente reconhecida quando viva, mas, às vezes, depois do martírio ou da morte natural. Quem conhece a história dos profetas de Javé descrita no Antigo Testamento da Bíblia, assim como a atuação profética de Jesus de Nazaré, certamente, não ignora esta falta de reconhecimento. Por que não ignora? Porque os profetas não procuram reconhecimento. A denúncia das injustiças cometidas não agrada muito aos setores poderosos da sociedade e da mídia manipuladora. É muito mais cômodo para a mídia noticiar, pormenorizadamente, o casamento real que acontece na Inglaterra!

A própria Igreja não confere o devido valor às profetisas e aos profetas do povo de Deus. Isto acontece porque o profeta não está comprometido com a verdade da Igreja, mas com o anúncio do Evangelho de Jesus de Nazaré e com a denúncia de tudo o que se opõe ao Reino de Deus; e como na Igreja temos a atuação das forças do anti-Reino, os profetas a denunciam com a mesma coragem e audácia com que denunciam o poder opressor que ceifa a vida do povo de Deus. Na fileira dos grandes profetas que surgiram na Igreja após o Concílio Vaticano II está o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. Quem é este homem de Deus?

Nasceu em Forquilhinha, então distrito de Criciúma – SC, em 14 d setembro de 1921. É o quinto de treze filhos do casal Helena Steiner e Gabriel Arns, agricultores de origem alemã. Foi ordenado padre franciscano em 1945, em Petrópolis, RJ. Na Sorbonne, em Paris, doutorou-se em Letras e em 1966 foi eleito bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo. O Papa Paulo VI, em 1970, o nomeou Arcebispo de São Paulo. Nesta data, a ditadura militar estava vigorando no Brasil. Para a surpresa de todos, Dom Paulo E. Arns vendeu o palácio episcopal para, com o dinheiro, levantar centros comunitários na periferia de São Paulo. Ele compreendeu que o bispo na Igreja pós-concílio não é mais príncipe, por isso não havia mais necessidade de palácio.

Corajosamente, em 1973, o mesmo Papa o nomeia cardeal da Igreja. Esta nomeação não mudou a sua personalidade: do reduzido número dos bispos contrários ao regime militar e que a enfrentaram profeticamente, Dom Paulo E. Arns fez parte. Apesar de não gostarem dele, os militares o respeitavam. Até 1998, quando precisou renunciar ao governo da Arquidiocese, no limite de idade prescrito pelo direito canônico, Dom Paulo E. Arns foi um fiel defensor da justiça, autor do projeto “Brasil: Nunca Mais”, que mergulhou nos arquivos da ditadura militar e denunciou a tortura entre 1964 e 1978. Ele abrigou em sua casa inúmeros estudantes, intelectuais e demais pessoas que eram perseguidas pelos militares devido à militância contra o sistema.

Dom Paulo E. Arns já é internacionalmente reconhecido por diversas organizações de direitos humanos, universidades e pela própria Organização das Nações Unidas. Esta lhe outorgou o prêmio de Alto-Comissariado da ONU para refugiados, da Unicef e de outros organismos internacionais. Mas o profeta, como disse acima, não procura nada disso. Antes, ele se preocupa com uma questão que também preocupou o recentemente falecido profeta Pe. José Comblin, que era amigo do cardeal: Onde estão os profetas da Igreja de hoje?... Esta é uma questão inquietante.

Não existe Igreja fiel a Jesus sem que nela haja a atuação dos profetas, pois estes, destituídos da ambição pelo poder, chamam a atenção da Igreja para o seguimento de Jesus de Nazaré. Apesar da inquietante questão acima mencionada, a manifestação do Espírito de Deus ao longo da história da Igreja assegura-nos que jamais ficaremos sem profetas. Como disse o profeta Pe. José Comblin: “Os profetas estão no meio de nós”. Eles não aparecem porque a mídia, de modo geral, não se interessa pela verdade, nem pela promoção da justiça que gera a paz.

Dom Paulo E. Arns soube, com a humildade e com a mansidão que lhe são características, equilibrar profecia e posto cardinalício. Isto é muito raro na história da Igreja. Na Igreja, o posto cardinalício, depois do ofício papal, é o maior na hierarquia eclesiástica; mas como o Espírito Santo sopra onde quer e dirige o ser humano pelos caminhos que Deus quer, então surgem como que acidentalmente na hierarquia da Igreja figuras como Dom Paulo E. Arns.

Dom Paulo E. Arns tem 89 anos e em dezembro de 2010, celebrou 65 anos de ordenação sacerdotal. Reconhecer o profetismo deste grande cardeal e profeta da Igreja é rezar para que o Espírito nos envie outros profetas para a conversão do mundo, é trilharmos o caminho de Jesus e sermos também profetas do Reino de Deus neste mundo tomado pelas injustiças. O profeta existe no caminho de Jesus, jamais fora dele.

Concluo esta reflexão mencionando a declaração feita pelo cardeal ao jornalista Celso Lungaretti, citada por Pedro Miskalo na edição de março do corrente ano da revista Mundo e Missão, p. 10: “A Igreja é o povo. Se o povo se mobiliza bem, a Igreja também se mobiliza. Então, é preciso unir estes dois conceitos. Precisamos caminhar para a fraternidade, para uma possibilidade de todos serem respeitados como filhos de Deus e irmãos uns dos outros” (in: Tributo a um Imprescindível: dom Paulo Evaristo Arns). De fato, a Igreja é povo de Deus.


Tiago de França

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Oposição desconcertada


Há alguns dias, o presidente de honra do PSDB, FHC – Fernando Henrique Cardoso publicou um artigo intitulado “O papel da oposição” na edição nº 13 da Revista Interesse Nacional. Quando concluí a leitura do longo texto cheguei à conclusão de que a oposição está passando mal na política brasileira. O texto de FHC é inteligente e traz consigo a confirmação do que são o PSDB e o DEM na política nacional: partidos de elite.

Há uma diferença entre afirmar partido de elite e partido da elite. Justifico-me. De elite porque FHC escreveu para chamar a atenção dos tucanos para a necessidade do partido abandonar o que chamou de “movimentos sociais” ou “povão” para que se conquiste a nova classe média que está, aos poucos, surgindo no Brasil. Creio que FHC se esqueceu ou não admite a verdade de que o PSDB e DEM nunca se interessaram pelo “povão”. Isto mesmo! Vou explicar.

Há uma segunda diferença a ser constatada: entre interesse pelo “povão” e manipulação do “povão”. Quem se recorda da última campanha presidencial? Lembram da bolinha de papel que se transformou numa pedra atirada na cabeça do candidato José Serra? A senhora Rede Globo até que tentou ajudar, mas não teve jeito! Lembram do silêncio generalizado durante todo o Governo FHC em matéria de corrupção na política? Parece que não havia corruptos naquele tempo!

Mas alguns tucanos são espertos: repudiaram, publicamente, a idéia central de seu presidente de honra: foram unânimes em afirmar que a vitória nas urnas depende do “povão”. Eles aprenderam e jamais vão esquecer que a soma da maioria dos votos dos nordestinos foi a maior contribuição para a vitória da presidente Dilma. FHC afirma que este “povão” é ignorante em matéria de política: chama-o de pessoas “aparelhadas”. Será mesmo?!...

O efeito do artigo de FHC foi devastador. Agora se fala de fusão entre os partidos DEM e PSDB. José Serra não opina, pois, politicamente, parece que faleceu! Aércio Neves subiu à tribuna do Senado, falou bem e bonito, mas após uma semana ninguém sabe mais nada do que o mineiro falou. O Jornal Nacional não tem mais o que dizer a respeito dos discursos fervorosos dos tucanos e democratas. Tais discursos não existem mais. O que está por trás disso?

Jesus disse que todo reino dividido entre si acaba em inevitável destruição: é isto que está acontecendo com a oposição. O PSDB está radicalmente dividido entre si: os tucanos paulistas não querem conversa com os tucanos mineiros; recentemente, Gilberto Kassab resolveu fundar um partido; Aércio não quer conversa com José Serra; há uma briga intensa pelo poder entre guetos no interior tanto do PSDB quanto do DEM; não há um projeto partidário comum, cada um pensa e age como quer sem se preocupar com a unidade partidária; e por fim, com a fundação do novo partido do Gilberto Kassab, os tucanos estão dando um show de infidelidade partidária.

Não é bom que a política nacional fique sem oposição, pois o Governo precisa ser fiscalizado e cobrado. Não há democracia sadia sem uma oposição com bases e projetos sólidos, aberta à discussão e à construção de um país melhor para todos. Resta-nos esperar para vermos o desfecho desta triste e vergonhosa situação.


Tiago de França

sábado, 23 de abril de 2011

A ressurreição de Jesus: vida que vence a morte


"Na verdade o Cristo ressuscitou, aleluia! A ele o poder e a glória pelos séculos eternos”.
(Antífona da entrada do Domingo de Páscoa)

Prezado/a amigo/a e irmão/ã em Cristo,

Como nos anos anteriores, eis que lhe dirijo mais uma vez uma palavra a respeito da maior Solenidade do ano litúrgico: a Ressurreição do Senhor. Esta solene Celebração deve se dá na comunhão e jamais fora desta. Jesus ressuscitou para que tenhamos vida e esta acontece na fraternidade. A experiência da Igreja primitiva nos ensina a bem celebrarmos a Páscoa: na partilha do pão, na escuta da Palavra e na solidariedade para com os que sofrem. Fora da vivência destes valores que formam a autêntica comunidade cristã não existe celebração da ressurreição de Jesus, mas somente louvor vazio sem perspectiva de futuro.

Antes da vitória, a perseguição e a morte

Nunca se viu alguém vencer sem antes lutar. Para que a vitória tenha sentido, a luta precisa ser considerada. Assim, a ressurreição de Jesus está intimamente ligada à sua paixão e morte na cruz: “O ressuscitado é o crucificado”, ensina-nos Jon Sobrino, teólogo jesuíta em El Salvador. A paixão e morte de Jesus foi conseqüência de sua opção preferencial pelos empobrecidos. Ele não se entregou à morte de cruz somente pensando no perdão de nossos pecados, pensar isto é não entender o verdadeiro significado de sua morte.

A morte de Jesus tem causas. Jesus foi entregue pelas autoridades religiosas e civis de seu tempo, foi rejeitado porque optou pelos últimos e esta opção incomodou os religiosos e magistrados, que estavam ligados ao poder imperial romano. Jesus foi acusado injustamente e odiado por causar desordem, morreu com a fama de desobediente e agitador político. As autoridades judaicas o odiavam porque ele não deixava passar despercebidos a hipocrisia, os pecados e crimes cometidos contra a vida do povo.

Deus enviou Jesus, seu amado Filho, para inaugurar o novo céu e a nova terra, onde reinarão a justiça e o amor. O Reino de Deus, realidade viva no meio do mundo, que acontece na contingência de todas as coisas, é trabalho árduo, é labuta cotidiana assumida pelas mãos e pelo suor dos que se colocaram e se colocam no caminho de Jesus. Os poderosos deste mundo, agentes da separação e da exploração, não se cansam de barrar a construção do Reino de Deus, são inimigos do caminho de Jesus e dos que se colocam neste caminho. Estes diabolus (diabos), que se opõem à vida e promovem a morte estão dentro e fora da comunidade cristã.

Jesus optou pelos vencidos de seu tempo e comungou com a sorte deles. Qual era a sua sorte? Sofrimentos, perseguições e morte. Crucificado, Jesus se torna representante dos oprimidos e dos injustiçados. Estes se identificaram com Jesus porque ele era como eles: sem poder, sem prestígio e sem riquezas. “Humano como Jesus só sendo Deus mesmo”, ensina-nos o teólogo Leonardo Boff. Jesus é a presença real de Deus no meio de seu povo. Ele assumiu até as últimas conseqüências a nossa humanidade: missão que lhe foi confiada por Deus.

O sangue de Jesus é o sangue dos mártires, mulheres e homens que não têm medo de entregar a vida por causa de Jesus e de seu Evangelho. Estes mártires da verdadeira fé cristã não se identificam com os opressores nem com seus projetos mortíferos, mas com o Reino de Deus. Os mártires são pessoas profundamente identificadas com o Cristo servo e justo.

Ressurreição de Cristo e da verdadeira Igreja

José Comblin, teólogo e profeta da Igreja dos Pobres, que viveu recentemente a experiência da páscoa definitiva, não se cansou de denunciar o que ele chamava de letargia, que está tomando conta da Igreja. O dicionário Aurélio, dentre muitos significados, diz o seguinte sobre esta palavra: falta de ação, inércia, torpor. Como entender o fato de uma Igreja ser guiada pelo Espírito Santo e ser, ao mesmo tempo, tomada pela letargia? Vamos pensar a partir da ressurreição de Jesus.

Jesus não ressuscitou para continuar vivendo, como antes vivia, com seus discípulos. Ele ressuscitou, subiu aos céus e, ao mesmo tempo, assegurou-nos sua presença entre nós. Mais do que sua ascensão, interessa-nos a sua presença fraterna entre nós: Jesus é o Emanuel, Deus conosco. Esta presença amorosa e fraterna de Jesus nos ensina a vivermos como ressuscitados no meio do mundo. Viver como ressuscitado significa se colocar no caminho de Jesus e perseverar, ensina-nos Jon Sobrino, em sua magistral obra teológica A fé em Jesus Cristo.

Uma Igreja pascal é uma Igreja que se coloca a serviço dos crucificados da história, ou seja, dos empobrecidos e explorados pelos opressores. Literalmente, ensina-nos Jon Sobrino: “A cruz é o lugar teológico privilegiado para se compreender a ressurreição, e outros lugares o serão na medida em que analogicamente reproduzirem a realidade da cruz” (SOBRINO, Jon. A fé em Jesus Cristo – ensaio a partir das vítimas. Trad. de Ephraim F. Alves. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 29).

Assim sendo, se a Igreja quer mesmo assumir a ressurreição de Jesus, então, precisa, necessariamente, se colocar a serviço da vida e da liberdade dos empobrecidos. A realidade da cruz são as realidades dos empobrecidos. Ir ao encontro dos empobrecidos é ir ao encontro do Cristo crucificado que precisa ser ressuscitado. Se a Igreja não renunciar ao poder, ao prestígio e às riquezas para descer para o mundo da cruz de Cristo, logo não se pode falar de seguimento de Jesus de Nazaré, pois este acontece pelo mundo dos empobrecidos, nunca fora dele.

A Celebração da Páscoa não deve ser somente cultual. Toda liturgia pascal desvinculada da realidade dos crucificados da história não agrada a Deus. Esta não é uma questão doutrinal nem ideológica, mas verdadeiramente evangélica. “Se com ele morremos, com ele ressuscitaremos”, exorta-nos o apóstolo Paulo (2 Tm 2, 12): é preciso fazermos a opção de Jesus e morrermos com ele, se quisermos ressuscitar de verdade; do contrário, todos os anos celebraremos superficialmente a Páscoa e continuaremos vivendo uma vida de “mortos-abulantes”, de pessoas que só querem celebrar com a boca e não com a vida.

Vejamos as guerras no Oriente Médio, a chacina da Escola Municipal do bairro Realengo do RJ, os tsunamis destruidores no Japão e as inúmeras violências e injustiças praticadas contra os seres humanos; são sinais claros de um povo crucificado que precisa ressuscitar. Rezar, cruzar os braços e esperar que Jesus venha em sua glória para resolver todos estes problemas é ilusão e pecado grave de omissão. Viver como ressuscitados, repito, é se colocar a serviço dos empobrecidos deste mundo e fazer com que a ressurreição aconteça, a fim de que todos possam ter vida e vida em abundância.

A ressurreição de Jesus é a manifestação da glória de Deus e “a glória de Deus é a vida do pobre”, ensina-nos Dom Oscar Romero. A ressurreição da verdadeira Igreja é a libertação integral da letargia que a impede de se colocar a serviço da vida e da liberdade dos empobrecidos, mas para que isto aconteça, os pastores da Igreja precisam se desvincular, definitivamente, do poder e dos poderosos, do prestígio e dos prestigiados, das riquezas e dos ricos. Sem este desvincular-se definitivo os empobrecidos continuarão abandonados. A valia dos empobrecidos é que, mesmo a Igreja não fazendo uma opção radical por eles, Deus não os abandona nem jamais os abandonará.

É com esta reflexão e com este sentimento que lhe desejo uma FELIZ PÁSCOA!

Fraternalmente,


Tiago de França da Silva
Campina Verde – MG, 23 de abril de 2011.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Tríduo pascal: Eucaristia e serviço, morte e redenção, silêncio e espera


“Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos” (Jo 15, 13).

Os últimos momentos de Cristo Jesus neste mundo, em sua condição humana, são significativos para o cristão e para a Igreja. Eles falam da missão de Jesus, que é a mesma missão que deve ser assumida por todo aquele que se colocar em seu caminho. A meditação dos mistérios da paixão, morte e ressurreição de Jesus mostra que o colocar-se no seu caminho é exigência fundamental para a construção do Reino de Deus. A inauguração deste Reino levou Jesus à morte de cruz e sua fidelidade à vontade do Pai que o enviou ao mundo com esta missão o tornou vitorioso perante a morte.

Quinta-feira: Eucaristia e serviço
“Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido” (Jo 13, 5).

Não é possível compreender a Eucaristia sem o serviço fraterno. A Celebração da Ceia do Senhor é Ação de Graças a Deus presente na vida do próximo. Portanto, se não houver serviço do próximo, preferencialmente do próximo pobre e excluído, não há Eucaristia, mas somente rito e símbolos.

A Igreja ensina que a Eucaristia foi instituída na última Ceia do Senhor. Pois bem, o que vem antes e depois desta Ceia? O que vem antes é uma vida totalmente a serviço dos oprimidos. Este serviço se traduziu na atenção, no cuidado e na compreensão do sofrimento dos empobrecidos; assim como no partilhar da vida deles. Jesus, obediente ao Pai, optou pelos últimos deste mundo, tornando-se um deles. Plenamente humano, o Cristo participou da vida do povo explorado de seu tempo.

O que vem depois é a missão deixada por ele. O que vem antes pode ser contemplado, mas não passivamente. A contemplação da vida de Jesus é caminho de aprendizado para a missão. O que vem depois é práxis libertadora; do contrário, o Reino não acontece. Assim sendo, Eucaristia é participação na vida de Jesus de Nazaré. Não de um Jesus inventado segundo nossos interesses e frustrações, mas o Cristo dos evangelhos: pobre e desarmado.

Há pessoas que não comungam, mas comem hóstia e bebem vinho. Eucaristia é comunhão, mas comunhão com quem? Somente com Jesus? De modo algum! A comunhão é com Jesus e com o próximo; melhor dizendo: com Jesus na pessoa do próximo. Quem é este próximo? É o pobre Lázaro jogado à porta do rico passando fome e cheio de feridas. Não é o rico esbanjador de bens e omisso, mas o pobre faminto e cheio de feridas. Eucaristia é comunhão com os pobres famintos de pão e de justiça, e vítimas de todo tipo de sofrimentos.

A Igreja ensina que o sacerdócio ministerial foi instituído na última Ceia do Senhor. Apesar do relato bíblico não deixar margem alguma para este ensinamento, é preciso dizer que todos somos sacerdotes. O sacerdócio ministerial veio muito depois de Cristo. A Igreja reservou aos ministros ordenados a graça da consagração do pão e do vinho. Somente homens ordenados podem presidir a Celebração Eucarística. Acima dessa problemática está a verdade de que a missão do presbítero está intimamente ligada à concepção de Eucaristia acima mencionada; do contrário, o presbítero não passa de um mero funcionário do altar do Senhor.

Sexta-feira: morte e redenção
“Eli, Eli, lamá sabactâni?”, que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46).

Jesus se entregou livremente à morte. Depois dele, a morte passou a ser compreendida de maneira diferente, pois foi o primeiro a ressuscitar dentre os mortos. Jesus venceu a morte. Esta verdade tem um significado importantíssimo na vida cristã e eclesial. O que significa afirmar e crê que Jesus venceu a morte? Vamos pensar três questões fundamentais para a nossa fé e nosso caminhar.

Primeiro, Jesus morreu, verdadeiramente. Há pessoas que não acreditam na morte de Jesus, pois pensam que tudo aquilo não passou de uma encenação. Isto é muito grave e compromete a fé. Crer no ressuscitado é crê no crucificado. Não há ressurreição sem morte. Esta é caminho para a vida plena. Jesus teve que morrer para voltar ao seio glorioso do Pai. Ele não podia fugir desse doloroso caminho, e se o cristão quer ressuscitar, precisa morrer com Cristo.

Segundo, Jesus morreu por causa do Reino de Deus. Há quem ensine que Jesus morreu para perdoar os pecados e para salvar as almas. É verdade que Jesus perdoou os pecados das pessoas, e é verdade também que ele não veio a este mundo para salvar almas. O ser humano não é feito somente de alma. Não somos almas vagantes no meio do mundo! Jesus veio a este mundo para dar testemunho da verdade e esta verdade juntamente com a justiça constroem o Reino de Deus. Aderir a Jesus é viver segundo a verdade e a justiça. Este viver reconstrói o mundo desfigurado pelas injustiças.

Terceiro, Jesus é o legítimo representante dos crucificados de todos os tempos e lugares. O grito de Jesus na cruz é o grito dos oprimidos por libertação. Na cruz, Jesus estava intimamente unido aos empobrecidos, os prediletos de Deus. A crucificação de Jesus é a manifestação da bondade divina em favor do povo sofrido: Deus jamais abandona seus filhos e filhas. A morte de Jesus confirma a opção divina pelos que sofrem todo tipo de desumanidade neste mundo. Jesus, morto na cruz, é exemplo de fidelidade à vontade de Deus até as últimas conseqüências.

Sábado: silêncio e espera
“No lugar onde Jesus foi crucificado, havia um jardim e, no jardim, um túmulo novo, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. Por causa da preparação da Páscoa, e como o túmulo estava perto, foi ali que colocaram Jesus” (Jo 19, 41 – 42).

É de se imaginar a desolação e a decepção dos discípulos diante de Jesus crucificado e morto, pois assistiram a realização de diversos sinais de vida, enquanto estavam em missão no meio do povo. De repente, aquele profeta poderoso em palavras e obras se encontra morto na cruz. Penso que os discípulos de Jesus pensavam entre si: Como pode um homem que se afirmou Filho de Deus, curou enfermos, ressuscitou mortos, andou sobre as águas, multiplicou pães e peixes para multidões, enfrentou os poderosos do Templo e do Sinédrio, e agora morrer numa cruz?...

Até a madrugada da ressurreição, o silêncio inquietante se fez presente naquelas pessoas que tiveram a graça de conviver com Jesus. Penso que estavam tomadas pelos sentimentos do desespero e da impotência: E agora, o que fazer? Esta é a pergunta que os desesperados deste mundo fazem diante da manifestação dolorosa dos sinais de morte: é a pergunta dos que não tem alimento, água, moradia, salário, saúde, segurança, paz etc. Mas Deus não vai abandonar seu amado Filho na mansão triste da morte. Esta será vencida pelo Senhor da vida, porém tudo é lento. A ressurreição é processual, é preciso ter paciência e esperar, gemendo em dores de parto, a vitória definitiva.


Tiago de França

sábado, 16 de abril de 2011

A entrada humilde de Jesus em Jerusalém


“Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia” (Mt 21, 11).

O Domingo de Ramos marca o início da Semana Santa. O Messias prometido chega a Jerusalém para se entregar às mãos daqueles que vão tirar a sua vida neste mundo. Jesus chega à cidade que mata os profetas enviados por Deus para o anúncio da Boa Nova e denúncia das injustiças (cf. Mt 23, 37). Ele não foge de sua missão, apesar das tentações sofridas. Sobe ao centro religioso e político de seu tempo para realizar, plenamente, a vontade de Deus: “dar a sua vida como resgate em favor de muitos" (Mt 20, 28).

“Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens” (Fl 2, 6 – 7). Cremos e professamos que Jesus é Deus. Portanto, estas palavras do apóstolo Paulo falam da maneira como Deus quis viver no mundo: humilde, servidor e igual aos demais seres humanos.

Esvaziou-se a si mesmo

O ser humano tem a tendência de procurar a grandeza e orientar a vida segundo o espírito de grandeza. Ninguém aceita ser pequeno, todo mundo quer ser visto, valorizado, tratado como importante aos olhos do mundo. Jesus, pelo contrário, assumiu a sua missão a partir da pequenez da condição humana, esvaziando-se a si mesmo. Ele viveu a experiência do total desapego de si mesmo, das coisas e de todas as pessoas; foi um ser humano plenamente livre.

A procura da grandeza nos tira a paz e nos enche de ambições desmedidas. É aqui que surgem os variados problemas de ordem material e psicológica que afetam as pessoas. Estas querem viver cada vez mais cheias de si mesmas, apegadas e, conseqüentemente, escravas de si e de suas comodidades. E como todos não conseguem ter aquilo que desejam, a frustração passa a fazer parte da vida de muitos. Jesus precisava ser livre para fazer a vontade do Pai.

Assumindo a condição de escravo

As pessoas esperavam um Messias glorioso e poderoso, frustraram-se. De repente, aparece um homem montado num jumentinho sendo aclamado pelo povo (cf. Mt 11, 1 – 11). Que decepção! O que pode fazer um Messias montado num jumento?! A quem poderá libertar com toda esta fraqueza?!... Era a pergunta que os judeus faziam a si mesmos e uns aos outros. A cidade se agita e todos procuram saber quem é o jovem que está sendo aclamado pelas multidões.

Toda a vida de Jesus descrita nos evangelhos é uma prova clara da sua opção fundamental: o Reino de Deus inaugurado a partir dos oprimidos. Jesus optou pelo serviço até o derramamento do próprio sangue (cf. Mc 10, 45). Durante a última ceia, lavou os pés dos discípulos ensinando-os a fazer o mesmo, ou seja, servir uns aos outros (cf. Jo 13, 1 – 10). Jesus trabalhou e trabalha muito no serviço da libertação dos oprimidos deste mundo. Digo trabalha no presente do indicativo porque ele é o Emanuel, Deus conosco, presente na luta cotidiana dos empobrecidos.

Vivemos numa sociedade de aproveitadores e oportunistas. As pessoas querem tirar vantagem em tudo, não aceitam perder nada. Estão contaminadas pelo vírus do lucro a todo custo. São poucas as que vivem a experiência da gratuidade, que se manifesta na verdadeira caridade para com o próximo. Na Igreja, infelizmente, cresce o número de mercenários e diminui o número de autênticos pastores. Na consagração e na ordenação juram que vão servir, quando são enviados em missão nas comunidades exigem ser servidos. Não são todos, mas é muita gente!

Tornando-se igual aos homens

Jesus foi “provado como nós, em todas as coisas, menos no pecado” (Hb 4, 15). Jesus é a Palavra de Deus que se fez carne e habitou entre nós (cf. Jo 1, 14). Ele vivia entre os pecadores, desprezados e odiados pelos religiosos de seu tempo (Mc 2, 13 – 17). As autoridades judaicas, tanto religiosas quanto civis, não aceitavam ver o Messias acolhendo, compreendendo, curando, consolando e perdoando os pecadores públicos.

Aqueles que são considerados pecadores públicos continuam sendo caluniados e rejeitados pelas autoridades religiosas e civis de nossos dias. Certo dia, escutei de um padre as seguintes palavras referindo-se a um jovem ladrão: “Esse tipo de gente não tem jeito, só serve para morrer. Situações como esta só se resolve na bala!” Muita gente quer resolver o problema da violência através do extermínio da juventude. Até muitos “religiosos” pensam assim!

Homossexuais, prostitutas, beberrões, ladrões, adúlteros e tantos outros pecadores são considerados pessoas indignas de viver em sociedade. Não é pequeno o número de pessoas, praticantes da religião em sua maioria, que pensam no extermínio imediato de tais pecadores. Geralmente, isto acontece por dois motivos: primeiro, porque tais pessoas se julgam justas por causa de suas práticas religiosas; segundo, porque estas práticas religiosas não as convenceram de que o mandamento maior é o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

Quando se afirma que Jesus foi igual aos homens significa dizer que ele, em nenhum momento, condenou as pessoas. Esta não era a sua missão (cf. Jo 3, 17). A condenação do próximo impede a vivência da fraternidade. Jesus assumiu a condição humana porque quis ser nosso Irmão, e se quisermos fazer o mesmo precisamos aprender a não julgar o próximo. Toda forma de condenação do próximo é incompatível com o espírito fraterno. A vivência deste espírito pressupõe as experiências constantes da compreensão e da misericórdia para com o outro.

Jesus, profeta dos oprimidos

“De Nazaré pode sair coisa boa?” (Jo 1, 46), perguntou Natanael ao saber que Jesus era de Nazaré. Isto nos indica que o lugar de onde veio Jesus não era bem afamado. Deus quis que Jesus nascesse, vivesse e morresse entre os últimos da sociedade. Ele é o rei montado num jumentinho, que veio servir os empobrecidos e inaugurar o Reino. Seu serviço e comprometimento com o Reino de seu Pai o levaram à morte de cruz. Juntamente com os últimos, Jesus morre crucificado, mas o Pai o ressuscitará no terceiro dia confirmando, assim, a esperança dos oprimidos. Estes participam da vitória de Jesus, pois esta é a vontade de Deus.

Celebrar a Semana Santa é entrar em comunhão com a experiência de cruz vivida pelo povo de Deus; do contrário, tudo não passará de celebrações rituais sem vida e, portanto, sem sentido. A paixão e morte de Jesus são vividas no cotidiano das vítimas das variadas injustiças que são praticadas em nossos dias. A missão do cristão é viver a fraternidade para com estas vítimas, a fim de que a esperança se mantenha viva. A mesma coisa se pode dizer em relação à missão da Igreja.


Tiago de França

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Desarmamento, sim; plebiscito novamente, não!


Nossos políticos são “mestres” em politicagem. Um dos maiores oportunistas do momento político atual, José Sarney (PMDB – AP), “sensibilizado” pela tragédia ocorrida na escola pública do bairro Realengo, RJ, resolveu desrespeitar a vontade geral da nação manifestada no plebiscito de 2005, no qual 64% dos brasileiros votaram contra o desarmamento. Esta foi a triste decisão dos brasileiros, que precisa ser considerada. Se o povo quis assim, assim é que deve ser! O que está por trás da decisão popular de 2005 e o que pretende o Presidente do Senado Federal?

O povo sabe que o desarmamento é necessário. Em sua sã consciência toda pessoa é a favor da vida, pois o ser humano quer viver. Agora, o que acontece é o seguinte: O Estado não oferece a necessária e justa segurança pública à população, então o povo recorre às armas para se defender. É difícil entender isto? Então, por que toda essa discussão partidária dentro do Congresso Nacional? Aqui vamos ter que desmascarar o velho mandatário do Estado do Maranhão, que por incrível que pareça é Senador pelo Amapá.

Diante do sentimento de indignação e tristeza que tomou conta dos brasileiros nestes dias, devido à chacina do Realengo, o senador José Sarney resolveu se aproveitar da situação.
Pensou consigo mesmo e teve a seguinte idéia: ‘Vou anunciar a convocação de uma nova consulta popular e induzir os brasileiros a pensar que nós, políticos, estamos preocupados com a segurança pública, pois só assim, eles vão parar de nos criticar com a velha reclamação de que não ligamos para a onda de violência que está tomando conta dos grandes e dos pequenos centros urbanos!’...

Em matéria de desarmamento, o grande problema está em desarmar os fracos e indefesos e deixar os fortes e criminosos armados. Se não há uma política de segurança pública efetiva no Brasil, o desarmamento não é um bom caminho. O problema não é o cidadão ter o porte de arma, que lhe concede uso legal da mesma; mas está no uso ilegal da arma. Quando a polícia perde o controle do uso da arma, o cidadão é livre para usá-la do jeito que bem entender. Os revólveres usados pelo esquizofrênico na escola do Realengo eram ilegais.

Seria muito bom que todo cidadão tomasse consciência de que o uso de arma é um mal. O que leva à aquisição da arma, no caso de boa parte da população, é a insegurança em que se sobrevive nos dias de hoje. Infelizmente, as pessoas pensam que armadas estarão protegidas. Está mais que provado que os considerados “bandidos” não têm medo de cidadão armado. A fabricação e o uso indevido de armas estão acabando com a humanidade. Não se constrói cidadania nem democracia se utilizando da violência através do uso de armamentos. Basta olharmos para o Oriente Médio e constatarmos o poder destrutivo da indústria bélica.

Nos EUA, em 2009, calculava-se um trilhão de dólares somente em orçamento bélico, o maior do planeta. As forças armadas norte-americanas gastam mais que a soma de outros dez maiores orçamentos do mundo, informou o caderno Economia do jornal Estado de Minas, em 25 de janeiro de 2009. Hoje, os EUA estão se convencendo de que não há condições financeiras para manter tamanho investimento em suas forças armadas. Eles também estão percebendo que o mundo não acredita mais na mentira de que se constrói democracia invadindo países ricos em petróleo.

Em suma, o Brasil não precisa de mais um plebiscito a respeito do desarmamento, mas de segurança pública de qualidade. Segurança pública é um dever do Estado e um direito do cidadão. Os brasileiros pagam altíssimos impostos e estes são suficientes para a promoção da segurança pública de qualidade garantida pela Constituição. Não faltam recursos financeiros, falta mesmo é vontade política por parte de políticos acomodados e corruptos que contam com segurança particular custeada pelos impostos que pagamos; políticos despreocupados com a segurança da população.

Infelizmente, enquanto esta situação não se resolve, os mais pobres são sempre as maiores vítimas. No caso da chacina no Realengo, mais uma vez as vítimas foram os pobres; isto porque nas escolas onde estudam os filhos dos ricos a segurança é qualificada, enquanto a maioria das escolas públicas até parecem “casas da mãe Joana”. Já que os filhos dos vereadores, prefeitos, deputados, senadores, presidente e empresários não estudam em escolas defasadas e inseguras, então tudo continua do mesmo jeito e fatos trágicos como este, com o tempo, caem no esquecimento. Este só não atingirá os familiares e amigos das vítimas.

Se o Brasil não se tornar um país de oportunidades para os mais pobres, não há política de segurança pública que consiga conter a violência urbana. Nossas crianças e jovens precisam de educação de qualidade, que os prepare para a vida e para o mundo do trabalho. Uma educação que imprima caráter e maturidade, que prepare a pessoa para saber viver num mundo dilacerado pela competição e pelas diversas formas de sofrimento. Neste sentido, a Escola, a Família, a Religião, a sociedade organizada e o Estado devem trabalhar em conjunto, pois o objetivo deve ser o mesmo: a defesa e a promoção da vida humana.


Tiago de França

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A última entrevista do Pe. José Comblin no Chile


“Não deixe cair a profecia”.
(Últimas palavras de Dom Hélder Câmara ao monge beneditino Marcelo Barros)

O que me leva a publicar novamente a última entrevista do profeta Pe. José Comblin, depois da publicação no portal Religión Digital na Internet, no dia 05 de janeiro passado, é a recomendação profética do santo Bispo Dom Hélder Câmara: “Não deixe cair a profecia”. Quem conheceu Dom Hélder Câmara sabe que era um cristão preocupado com a situação da Igreja e dos empobrecidos. Ele sonhava com uma Igreja voltada, preferencialmente, para os pobres, pois nestes via o rosto sofrido de Jesus de Nazaré.

A Igreja no Brasil teve a graça de contar com a presença profética de várias mulheres e homens que se deixaram conduzir pelo Espírito de Deus, e no dia 27 de março do corrente ano, o Senhor chamou para junto de si, depois de uma longa jornada missionária junto aos pobres, o teólogo e profeta padre José Comblin. A respeito deste homem de Deus podemos afirmar sem medo algum que era um profeta sábio e santo. Profecia, sabedoria e santidade descrevem a figura humilde e simples daquele que foi considerado um dos maiores teólogos da Igreja. Particularmente, eu o considerava o maior e mais lúcido teólogo da Igreja contemporânea.

Agora, irei transcrever a entrevista do Pe. José Comblin, concedida à revista El periodista (Chile), durante a última visita que o mesmo fez aquele país. A tradução é de Moisés Sbardelotto:

“A repressão foi muito forte, terrível, e a ditadura do Papa aqui na América Latina é total e global. Aqui, pode-se criticar Deus, mas não o Papa. O Papa é mais divino do que Deus”, asseverou o teólogo.

Segundo Comblin, a Igreja Católica “abandonou as classes populares, salvo os velhos e algumas relíquias do passado”.

“Hoje, as universidades e os colégios católicos são para a burguesia. O porvir da América Latina é ser um continente evangélico protestante, salvo sua classe alta. Assim, a Opus Dei e os Legionários de Cristo e todas essas associações que existem de ultradireita vão crescendo nesse setor”, opinou.

“Onde há um ou dois bispos da Opus Deu no episcopado, intimidam a todos os demais. Os outros ficam calados e só um fala. Esse é um problema de psicologia típico de ditaduras”, defendeu.

Segundo Comblin, “foi a Opus Dei que elegeu João Paulo II e o atual, praticando a chantagem, intimidando os cardeais. O próximo Papa será igual porque a Opus Dei tem um poder muito forte”.

O teólogo, de 87 anos, defende que Deus está “em La Victoria e em La Legua (dois bairros populares de Santiago) e na prisão, mas de Roma desapareceu há muito tempo”.

“Agora sempre fica mais claro que o problema é o Papa, ou seja, a função do Papa, uma ditadura implacável com muitas formas de doçura e amabilidade, mas implacável”, defendeu.

Comblin defendeu que “o porvir do Cristianismo está na China, Coréia, Filipinas, Indonésia. Estima-se que só na China há 130 milhões de cristãos martirizados, porque estão praticamente perseguidos”.

O teólogo criticou a eventual canonização de João Paulo II porque seu papado “foi catastrófico”.

“Todos os que fizeram sua carreira com ele puderam ser cardeais, apesar de sua mediocridade pessoal. Não mereciam nada, mas ele os promoveu. Claro que agora querem canonizá-lo! Uma vez que canonizaram Escrivã, todo mundo sabe que se pode ser santo sem ter virtude alguma”, destacou.

Sobre a Opus Dei e os Legionários de Cristo, Comblin afirmou que “têm a confiança da Cúria Romana e depois representam a plena liberdade dada a personalidades que são como os grandes Rockefeller, os conquistadores”.

“Como Escrivá de Balaguer, que era um capitalista, o homem que vai triunfar, que vai desfrutar o mundo, que vai ganhar, ser rico, poderoso e que é capaz de criar pessoas totalmente subordinadas, soldados com mentalidade de soldado, esses são todos homens deformados psicologicamente, como são os futuros ditadores”, detalhou.

Depois de recordar que do mexicano Marcial Maciel, dos Legionários de Cristo, foi descoberta uma vida paralela e uma fortuna de 50 bilhões de dólares, afirmou que “sua chantagem, sua palavra e sua exigência chegaram aos milionários”.

“Hoje, os que trabalharam com ele, seus colaboradores, todos dizem e afirmam que não sabiam de nada da vida paralela (de Maciel). Como? Trabalham 40 anos com ele e não sabem de nada, que ele tem uma família, três filhos, que praticou pedofilia com as crianças, alunos de sua formação, de seus colégios, que tinha um mundo de amantes. Não sabiam de tudo isso? Supõe-se, então, que eles são cúmplices e também têm uma vida paralela”, concluiu.
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Essa entrevista nos mostra, claramente, como se expressam os profetas. Estes são homens livres. A liberdade em relação a tudo e a todos marcou profundamente a vida do profeta José Comblin. São poucos os teólogos que tem a coragem que ele tinha. Além da coragem, para ser profeta é preciso ser livre. Teólogos carreiristas jamais falarão a verdade do Evangelho. O que caracteriza um teólogo carreirista é a sua falta de compromisso com a verdade que constrói o Reino de Deus. O Pe. José Comblin não encarava a Teologia como uma mera profissão, mas como uma missão profética para a liberdade do mundo e da Igreja.

Quem conhece a história da América Latina, da Igreja nesta América e no mundo, a estrutura eclesiástica marcada pela rigidez e pela imutabilidade, sabe que o profeta José Comblin estava longe de ser um velho “triste e ressentido, talvez contaminado pelo vírus que afeta a maior parte das pessoas que ultrapassam a casa dos 70 anos”, como pensou Dom Redovino Rizzardo, bispo católico de Dourados no seu infeliz artigo Pe. José Comblin: Crepúsculo de um profeta?

Enquanto a Igreja hierárquica não tiver a humildade de parar para escutar o que diz os profetas, a sua conversão torna-se impossível. O Espírito Santo fala às Igrejas através dos profetas. O que o Pe. José Comblin afirmou nesta entrevista corresponde ao que aconteceu e ao que está acontecendo na Igreja. Somente quem desconhece a história e a estrutura da Igreja pode se escandalizar com o que disse o profeta José Comblin. Assim sendo, que desconhece tal história não possui autoridade nenhuma para afirmar que o profeta se equivocou em suas afirmações.

Pe. José Comblin concluiu uma de suas últimas obras teológicas com as seguintes palavras:

“Os profetas estão no meio de nós. Provavelmente são jovens, pois ainda não apareceram publicamente. Virão para tirar a Igreja da letargia – pois a Igreja ainda não sabe como se emancipar do poder do dinheiro, que tudo invade. Este é o desafio: Jesus que tinha todos os títulos para ser rico, tornou-se pobre – realmente pobre e não como se fosse encenação. Esse é o fato que não podemos negar e que nos questiona.

Eu estou no final da vida. Tive o privilégio de conhecer de perto e de participar da vida de grandes profetas e também de muitos pequenos profetas, homens e mulheres, que não entraram oficialmente na história. Desejo que muitos jovens possam fazer a mesma experiência” (COMBLIN, José. A profecia na Igreja. São Paulo: Paulus, 2008, p. 286).

Resta-nos esperar a manifestação pública destes profetas, que ungidos e conduzidos pelo Espírito Santo se colocam e vão se colocar cada vez mais na fileira daqueles que, a exemplo do padre José Comblin, ousaram anunciar ao mundo e à Igreja o Evangelho da vida e da liberdade. O Espírito Santo está trabalhando e conhece todas as coisas. O Senhor nosso bom Deus jamais nos abandonará nem permitirá que sejamos dominados pela letargia e pelo apego. Bendigamos ao Senhor pelo testemunho profético do Pe. José Comblin!


Tiago de França

domingo, 10 de abril de 2011

O Espírito: vida e liberdade


“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá.
E todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais. Crês isto?”
(Jo 11, 25 – 26)

A vida que vence a morte está na centralidade da Liturgia da Palavra deste V Domingo da Quaresma. Com o profeta Ezequiel, que profetizou junto ao povo do exílio da Babilônia por volta de 580 a.C. somos chamados a refletir a respeito da ação amorosa de Deus em favor de seu povo (cf. Ez 37, 12 – 14). Com São Paulo vamos aprender a viver segundo o Espírito. Este nos conduz a uma vida nova (Cf. Rm 8, 8 – 11). No Evangelho, vamos acompanhar a ressurreição de Lázaro, um grande amigo de Jesus de Nazaré (cf. Jo 11, 1 – 45).

Senhor Deus, libertador

A profecia de Ezequiel se deu numa época difícil da vida do povo de Deus. Um povo exilado é um povo sem vida e sem liberdade. Deus se compadece e não o abandona: “vou abrir as vossas sepulturas e conduzir-vos para a terra de Israel”. Isto significa que Deus estava com seu povo para libertá-lo das sepulturas, ou seja, da ausência de vida e liberdade. “A glória de Deus é a vida do pobre”, dizia Dom Oscar Romero. Este Bispo certamente entendeu a opção preferencial pelo pobre, manifestada pelo próprio Deus durante toda a história da salvação.

A história do povo de Israel nos mostra, claramente, que Deus sempre trabalhou pela vida e liberdade dos oprimidos, exilados, enfraquecidos e explorados. Há uma identificação divina para com os que sofrem. O povo de Deus sempre foi marcado pela opressão, expressa pelas diversas formas de escravidão e desrespeito à vida. Neste contexto, a presença de Deus se manifestou através das palavras e dos gestos dos profetas. Estes eram a boca de Deus, reanimando a esperança dos oprimidos e denunciando as injustiças cometidas pelos que exploravam o povo.

“Porei em vós o meu espírito, para que vivais”. A vida do povo de Deus é restituída através da efusão do Espírito do Senhor. Este é a vida do povo a caminho e que confere força, ânimo, coragem, disposição e ousadia para continuar caminhando apesar das dificuldades. Sem o Espírito do Senhor, força que se manifesta na gratuidade para a liberdade, o povo de Deus tinha desistido e perecido. O Espírito do Senhor faz a pessoa ressurgir das profundezas da morte, ou seja, não há nenhuma realidade de morte que o Espírito não possa fazer brotar a vida.

O Espírito e a liberdade

Este mesmo Espírito aparece na Carta de São Paulo aos Romanos. O texto da Liturgia deste Domingo fala da oposição entre viver segundo a carne e viver segundo o Espírito. Na caminhada rumo à terra prometida, o povo de Deus fraquejou algumas vezes: reclamava, demorava a acreditar no poder de Deus, praticava a idolatria; enfim, era um povo difícil, que tendia para o imediatismo, que não compreendia a dinâmica de Deus. Este sempre se mostrou paciente, bondoso, misericordioso, atento e providente.

O que significa viver segundo a carne e viver segundo o Espírito? Os neopentecostais gostam muito desta parte da Carta de Paulo aos Romanos, apesar de compreenderem pouco o que ela quer realmente dizer. A verdade que transparece pode ser resumida na seguinte sentença: Nós somos chamados a viver segundo o Espírito vivendo na carne. Vamos compreender bem o que isso quer dizer, para que não nos escandalizemos.

O ser humano é corporeidade. Esta não é coisa do demônio como muita gente pensa, mas criação divina. Jesus tinha corpo e exerceu sua missão sem negar, em nenhum momento, sua corporeidade. Os espiritualistas tendem a considerar o corpo como origem de todo o pecado, ou seja, como o filósofo Platão, eles crêem que o corpo aprisiona a alma. Na Idade Média esta mentalidade era tão forte que os/as religiosos/as maltratavam o corpo, porque o viam como causador do pecado.

Jesus nunca exigiu das pessoas autoflagelação ou qualquer espécie de ascese corpórea. O fato é que ele era considerado comilão e beberrão (cf. Mt 11, 19), pois comia e bebia com os cobradores de impostos e pecadores. Estes eram considerados pecadores públicos, ou seja, pessoas que não se davam ao respeito, que maltratavam seus corpos. Em nenhum momento encontramos Jesus censurando-os por conta de seu “estado pecaminoso”. O que Jesus fez foi permanecer no meio deles e partilhar de suas vidas.

Com isto não queremos afirmar que seja saudável uma pessoa se entregar aos vícios que tiram a vida do corpo. O cuidado para com o corpo é necessário e recomendável para uma vida sadia e equilibrada. São Paulo não está se referindo ao cuidado corpóreo, mas está chamando a atenção para aquilo que costumam chamar de viver segundo os instintos egoístas. Quando escreve aos Gálatas, São Paulo fala, claramente, a respeito dos pecados da carne: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira etc. (cf. Gl 5, 19s).

Estes pecados da carne são maus não porque a lei os condena, mas porque tiram a vida do ser humano. Em outras palavras, eles desumanizam a pessoa, desfigurando-a. Ninguém está livre destes pecados. A vigilância e a abertura ao Espírito Santo nos ajudam a lidar com eles. Somos concupiscentes e a todo o momento somos tentados a praticá-los. Deus não nos livra de tais tentações, mas nos socorre em nossa fraqueza. O pecado é uma realidade humana e ninguém pode negar nem fugir disso.

O místico Anthony de Melo, SJ, ensinava que tais pecados, ligados diretamente à nossa natureza concupiscente, não podem ser combatidos; ou seja, precisamos aprender a lidar com nossas limitações. Nós morremos limitados, pecadores. Aceitar esta condição é necessário para nos colocarmos no caminho da liberdade. O autoconhecimento de si mesmo se dá por meio do reconhecimento da condição humana, marcadamente limitada. O citado jesuíta nos ensina o valor do desapego de pessoas, de coisas, do mundo e da própria vida como caminho para a liberdade.

Os Padres do deserto nos ensinam o autocontrole de nós mesmos através da disciplina. O mundo pós-moderno se opõe a toda disciplina. Somos impulsionados ao desequilíbrio, a vivermos sem regras, sem leis, sem limites. Tal situação mostra-se desastrosa, portanto, sem futuro. Disciplina não significa repressão dos instintos, mas educação dos mesmos para que os tenhamos à nossa disposição como forças em potencial. O Espírito Santo não anula em nós os nossos instintos.

“Certa ocasião, pai Poimen [monge do deserto] perguntou ao patriarca José [outro monge]: ‘Que devo fazer quando as paixões se aproximam de mim? Resistir a elas ou deixá-las entrar?’ E o ancião lhe respondeu: ‘Deixa que entrem e luta com elas’. Depois de indagado, completou: ‘Quando as paixões entrarem e lutarem contra elas, dando a elas e delas recebendo, tornar-te-ão mais provado’”.

O Espírito Santo nos concede o dom da vigilância em relação a nós mesmos. Vigiar a si mesmo significa permanecer atento às próprias limitações e às tentações que nos entram pelos sentidos. Este mesmo Espírito nos concede a força necessária para sabermos lidar com nossos limites. “Vocês não foram tentados além do que podiam suportar, porque Deus é fiel e não permitirá que sejam tentados acima das forças que você têm” (1 Cor 10, 13). As tentações devem ser oportunidades de autoconhecimento e do discernimento da presença do Espírito Santo em nós.

Ressurreição: vida que vence a morte

No texto evangélico de hoje Jesus ressuscita Lázaro. O nome Lázaro significa Deus ajuda. Jesus era muito próximo dele e de suas irmãs, Marta e Maria. “Senhor, aquele que amas está doente”: este recado das irmãs de Lázaro mostram que, de fato, Jesus o tinha como grande amigo. O amor é característica fundamental da verdadeira amizade. Jesus, quando escuta o recado afirma que a doença do amigo não era motivo de preocupação, pois não levava à morte. Segundo ele, tal doença é caminho de glorificação do Filho de Deus e lugar da manifestação da glória de Deus.

Dois dias após ter recebido o recado, Jesus resolve voltar à Judéia, onde foi quase apedrejado. Os discípulos recordaram-lhe o perigo, mas Jesus não teve medo. Ele compara a morte de Lázaro ao sono, simplesmente iria acordá-lo. A ingenuidade dos discípulos levou-os a entender que Jesus estava falando de sono mesmo, mas tudo fica esclarecido: “Lázaro está morto. Mas, por causa de vós, alegro-me por não ter estado lá, para que creiais”. Fica, então, claro que Jesus irá restituir a vida ao corpo de Lázaro, em estado de putrefação há quatro dias.

O desespero das irmãs Marta e Maria era tão cruel que nem Jesus suportou ver: “E Jesus chorou”. Aqui aparece a humanidade de Jesus. Ele se compadece do sofrimento de mulheres que não tinham mais a presença do irmão. Na cultura judaica, as mulheres que viviam sozinhas, sem marido nem irmão, não viviam bem. O irmão era a alegria e a segurança das irmãs. Marta declara a sua fé na ressurreição do último dia quando Jesus afirma que Lázaro iria ressuscitar: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”.

“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais”. Estas palavras falam daquilo que Jesus é: a ressurreição e a vida. Quem acredita nesta verdade, mesmo experimentando a morte corporal jamais morrerá. A morte não consegue tirar a vida que Jesus concede aquele que nele crê. E as irmãs de Lázaro reconheceram a messianidade e a filiação divina de Jesus.

Antes de mostrar, factualmente, que era a ressurreição e a vida naquela situação, Jesus reza ao Pai: “Pai, eu te dou graças porque me ouviste. Eu sei que sempre me escutas. Mas digo isto por causa do povo que me rodeia, para que creia que tu me enviaste”. Este colóquio de Jesus com o Pai nos ensina a sua unidade amorosa com o Pai. Ele tinha a plena certeza que o Pai o escutava. Esta certeza o levou a realizar o sinal, para que as pessoas acreditassem que ele era o enviado de Deus.

“Lázaro, vem para fora!” O pobre amigo estava aprisionado no terrível sono da morte. Estava aprisionado e ganhou a liberdade, estava morto e lhe foi restituída a vida neste mundo. “Desatai-o e deixai-o caminhar!” As pobres irmãs devem ter sentido uma alegria muito grande, ao ver seu irmão voltar à vida e tê-lo de novo junto de delas. Era isso que Jesus queria, que as pessoas vivessem, se libertassem, caminhassem, se alegrassem. O Deus e Pai de Jesus não o abandonou em sua oração. E o texto termina revelando o objetivo alcançado: “Então, muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera creram nele”. Tudo isto aconteceu para que as pessoas acreditassem em Jesus.

A ressurreição de Lázaro não foi uma ressurreição propriamente dita, pois o mesmo reviveu e morreu novamente. A autêntica ressurreição, aquela que vai se dá no último dia, vence a morte de uma vez por todas; ou seja, quem passa pela ressurreição recebe o que chamam de corpo glorioso, que não morre jamais. Após a ressurreição do último dia a morte deixará de existir. O que ocorreu com Lázaro foi reanimação de cadáver. Jesus devolveu-lhe o sopro da vida neste mundo. Lázaro morreu e certamente aguarda a ressurreição no último dia. Quem duvidar disto, então nos diga onde ele está, para que o entrevistemos a respeito da experiência do reavivamento!

Os Lázaros de hoje

A experiência de retorno à vida de Lázaro nos chama a atenção para o reavivamento cotidiano de nossas vidas, ou seja, somos chamados a ressuscitar, cotidianamente, para uma vida melhor. Lázaro estava doente e morreu. Quais as doenças que estão nos tirando a vida? Um fato recente merece a nossa atenção.

Na semana passada, no bairro Realengo, zona oeste da cidade do RJ, ocorreu uma tragédia que marcou a história do país: um jovem de 23 anos entra numa escola e dispara sessenta tiros contra crianças em plena sala de aula e mata, covardemente, doze delas. Além destas, muitas outras ficaram feridas e traumatizadas. Após receber dois tiros de um policial, o assassino se suicida. Isto aconteceu no aniversário de 40 anos da Escola Municipal Tasso da Silveira.

Nada justifica a violência contra o ser humano. Toda forma de violência é antievangélica e deve ser repudiada; mas somente nosso repúdio não resolve tal situação. O desamor que gera indiferença, o desemprego que gera fome, a corrupção que causa miséria e retrocesso, a poluição que agride a natureza, o preconceito que causa intolerância; enfim, tantos outros males precisam ser erradicados, para que tenhamos uma sociedade justa e fraterna.

Crimes como este não ocorrem sem motivações. Quais as causas que levam a isto? Nossa inteligência e capacidade de ação devem ser suficientes para compreendermos o que está acontecendo e trabalharmos para que isto não se repita. Esta situação não pode ser considerada nem se tornar coisa comum em nossa sociedade. Não podemos nos acostumar com isto. Não podemos nos deixar dominar pela indiferença oriunda da insensibilidade.

A fé em Jesus exige que defendamos e promovamos a vida. Há muitos Lázaros doentes que precisam ser reanimados. Muitos de nossos jovens são Lázaros que merecem nossa atenção e cuidado, do contrário, tornam-se pessoas altamente perigosas ao convívio social. Não adianta crermos que Jesus irá nos ressuscitar no último dia se não nos ajudarmos mutuamente a sermos pessoas vivas e conscientes do valor da vida. “...vamos para junto dele”, disse Jesus em relação a Lázaro. Eis nossa missão: Permanecer junto daqueles que sofrem, que estão doentes e perdendo, aos poucos, o sentido da vida.

O isolamento fazia parte da sobrevivência do jovem que se tornou assassino na Escola do RJ. Todos sabemos que somos seres relacionais, que nos realizamos no encontro com o outro. Por isso, tenhamos cuidado com o isolamento, pois tira a nossa alegria de viver. Não somos ilhas para vivermos isolados. A construção sadia de nossa personalidade se dá na relação com o próximo. Nossa relação com o próximo não deve ser somente por telefone e internet (meios mais utilizados), mas através do encontro pessoal, do toque, do abraço, do sorriso, da convivência. Comunicação virtual e, portanto, superficial não constroem personalidade sadia.

Assim como Jesus, precisamos resgatar o valor da verdadeira amizade, pautada nos seguintes valores: amor, respeito, encontro, diálogo, liberdade e compreensão. A amizade nos ajuda a viver melhor. Quem tem amigos que se deixam relacionar a partir dos valores mencionados, tem um tesouro valioso e tem futuro na vida; do contrário, a vida se torna um peso que precisa ser tirada a qualquer preço, inconseqüentemente.

O cristão crê na vida e a procura viver na relação com o outro. Não existe Cristianismo nem Evangelho sem relação amorosa com o próximo. Este caso da Escola do RJ chama a atenção não somente da sociedade, mas também da Igreja, que precisa priorizar a evangelização da juventude, pois nesta está o futuro ou o fim trágico da sociedade e da religião.


Tiago de França

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A espiritualidade do cuidado


“O cuidado representa uma relação amorosa para com a realidade” (Leonardo Boff).

Costumamos cuidar daquilo que queremos bem. Algo que nos é precioso prende-nos a atenção, pois temos medo de perder de vista aquilo que nos faz bem. Os pais que amam seus filhos procuram cuidar deles, oferecendo-lhes carinho, uma boa educação, uma alimentação sadia, atenção e tantas outras coisas. Pessoas enamoradas procuram em tudo agradar o outro, a fim de que a relação não se rompa, mas perdure para o bem recíproco. Estes exemplos mostram que o ser humano é, essencialmente, um ser de cuidado.

Contrapondo-se ao cuidado, há no homem outro sentimento que lhe tem prejudicado muito: a ambição. Esta, vivida de forma desmedida, excessivamente voltada para tudo aquilo que é material leva à morte. Desde que o ser humano inventou a propriedade privada e aprendeu a fabricar os bens necessários à vida constata-se a vontade incontrolável de ter. Por que um juiz de direito se deixa corromper por dinheiro? Por que um político desvia as verbas públicas? Por que o traficante insiste em viver a custa da desgraça de tantos usuários de drogas? Por que um pastor ou um padre desvia o dinheiro do Dízimo para a conta pessoal?

A resposta está na ambição do TER. Esta ambição se coloca acima de todos os valores éticos, humanos e religiosos. O ambicioso não se controla diante dos bens que lhe são possíveis. Ele não consegue se deixar tocar pela necessidade do outro. No caso do político corrupto é vergonhoso constatar sua insensibilidade: ele sabe que muitos cidadãos desprovidos das condições financeiras necessárias para a aquisição dos bens necessários à vida dependem, unicamente, dos serviços públicos (SUS, Assistência Social, Educação etc); mas, mesmo assim, tira, covardemente, o pão da boca dos pobres.

A ambição pode ser traduzida também como a falta de cuidado para com o outro, pois ela tira o direito do outro sobreviver. O egoísmo e individualismo são companheiros da ambição. O ambicioso está preocupado com o seu bem-estar, jamais com o bem comum. Nunca se viu alguém dizer: “Minha ambição é o bem comum!” Isto seria a mais aberrante das mentiras. O ambicioso não ver o outro como irmão com quem se deve conviver e partilhar a vida, mas vê-lo como competidor que precisa ser vencido, como ameaça à sua ambição.

A natureza “geme em dores de parto” (Rm 8, 22) e o ser humano grita num vale de lágrimas, mas, apesar disso, o ser humano se torna cada vez mais insensível: cego, mudo e surdo diante do grito ensurdecedor da Mãe Terra. As ciências naturais falam, minuciosamente, do que está acontecendo, mas quando os Chefes de Estado se reúnem para discutir a situação climática, a insensibilidade e a ambição que tomam conta de seus corações e projetos não permitem que cheguem a um consenso em favor da vida do planeta. A desculpa é a de que, escutando a natureza, o retrocesso econômico é inevitável.

Todos já estamos cansados de saber que o atual modelo de desenvolvimento econômico não responde mais às autênticas necessidades do ser humano, mas insiste-se em mantê-lo a todo custo. O capitalismo predatório, que não coloca o ser humano em primeiro lugar, mas o lucro desmedido, está na base do sistema econômico atual. Os grandes investidores não aceitam o que se passou a chamar de desenvolvimento sustentável. Este apareceu porque descobriram que o atual modelo é insustentável.

Nesta semana, os EUA deram sinais claros de que estão, gradativamente, falindo. A falência dos norte-americanos se deve a alguns fatores, a saber: consumismo, materialismo, excesso de gastos na máquina pública, grandes investimentos em guerras (gasta-se bilhões em estruturas bélicas), poluição ambiental etc. Este estilo econômico tem esgotado os recursos naturais e a vida está se tornando cada vez mais inviável. Os EUA contaminaram todo o mundo com sua visão desenvolvimentista e, somente agora, estão percebendo que o trágico fim se aproxima.

Recentemente, o Presidente dos EUA, Barack Obama, veio ao Brasil para nos conhecer de perto. Sua visita não trouxe nenhuma novidade. Ele nada prometeu. Quem pensou que o mesmo ia defender a inclusão do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, frustrou-se. Ele nem tocou no assunto! Em relação ao seu predecessor, o atual Presidente dos EUA só é diferente na cor, mas o discurso e a mentalidade são as mesmas. Barack Obama veio conhecer nossa Presidente e saber dela o que o Brasil tem a oferecer aos EUA.

Ele não gostou muito da conversa da Presidente Dilma Rouseff, pois, além de não ser carismática como o ex-Presidente Lula, a mesma apresentou um discurso exigente em matéria econômica: ousou reclamar da maneira como o Brasil é tratado nas transações econômicas entre os dois países. Concretamente, Barack Obama nada prometeu, simplesmente disse aquilo que já se esperava ouvir dele: “o Brasil é um grande parceiro dos EUA, nós poderemos crescer juntos!” Discursos genéricos destituídos de propostas concretas não resolvem nada.

A passagem da visão predatória para uma visão ecológica da natureza é essencial na construção do desenvolvimento realmente sustentável. A presente geração de seres humanos precisa se conscientizar da necessidade de construir um mundo saudável para as gerações futuras. É preciso tomar consciência da verdade que de ninguém é dono do mundo, mas que passamos pela existência. Em outras palavras, existiram pessoas antes de nós e haverá outras após a nossa passagem neste mundo. Por isso, devemos colaborar para que as futuras gerações possam ter uma vida melhor que a nossa.

A espiritualidade do cuidado, como nos ensina, insistentemente, o filósofo e teólogo Leonardo Boff, está pautada num relacionamento amoroso para com a realidade. A realidade é que vivemos no mundo e que não há outro além desse. A espiritualidade cristã nos ensina que Deus exige de cada pessoa o cuidado para com a vida. A ecoteologia, reflexão teológica que visa a reflexão teológico-ecológica da realidade nos ensina que o cristão precisa aprender a promover e defender a dignidade do ser humano; tal promoção e defesa passa, necessariamente, pelo cuidado para com a natureza.

A nossa vida está intimamente ligada à vida da natureza. Nós fazemos dela e a sua destruição significa a nossa própria destruição. Não adianta pensar num futuro melhor sem o devido cuidado com a natureza. Nossos projetos pessoais, sociais, políticos, econômicos, culturais e religiosos devem estar em plena sintonia com o bem-estar da natureza; do contrário, tudo não passa de ilusão e espera passiva e angustiante de plena destruição e morte. Querer construir a própria vida em detrimento da natureza é como alguém que muito acumulou e que está prestes a morrer, sem saber para quem deixar tudo aquilo que concentrou nos celeiros ilusórios da existência material.


Tiago de França

sábado, 2 de abril de 2011

Jesus de Nazaré: Luz que nos liberta da cegueira


“Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não vêem vejam e os que vêem se tornem cegos” (Jo 9, 38).

A luz ocupa lugar central na Liturgia da Palavra deste IV Domingo da Quaresma. Na primeira leitura encontramos a eleição e unção de Davi como rei, como aquele que foi escolhido e ungido para governar o povo de Deus (1 Sm 16, 1b.6 – 7. 10 – 13a). Na segunda leitura, meditaremos a respeito do significado de ser luz na comunidade cristã (Ef 5, 8 – 14), e no Evangelho, vamos ver a conflituosa cura do cego de nascença e o que esta cura significa para nós hoje, na Igreja e no mundo.

Davi e o desafio de governar

Antes de Davi ter sido ungido rei de Israel, o povo vivia sob o regime tribal. O próprio povo pede um rei para governá-lo. Deus escuta e escolhi Davi, humilde pastor da casa de Jessé de Belém. Na eleição e unção de Davi aparecem dois detalhes que merecem nossa atenção, pois nos ajudam a entender o significado da missão do legítimo governante. Vejamos.

“Não olhes para a sua aparência nem para a sua estatura, porque eu o rejeitei. Não julgo segundo os critérios do homem: o homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração”, disse o Senhor a Samuel quando este viu Eliab, um dos irmãos de Davi. Deus nos pede que não julguemos segundo as aparências das pessoas e das realidades mundanas. Infelizmente, é isto que costumamos fazer.

Julgar segundo as aparências é perigoso porque o ser humano não é só aparência, mas interioridade e essência. É verdade que não temos o poder de enxergarmos as pessoas a partir do coração, pois somente Deus conhece o mais profundo do nosso ser. Certa vez, santo Agostinho disse que Deus nos conhece mais do que nós nos conhecemos a nós mesmos. Em outras palavras, o ser humano morre sem saber quem realmente é. Somos seres complexos e dados ao infinito, que, cotidiana e gradativamente, vamos nos descobrindo na comunhão com Deus e com o próximo, nosso irmão.

O conhecimento de todas as coisas pertence somente a Deus. Ele sonda o nosso coração, conhece a nossa condição e as nossas mais profundas inquietações e buscas. O coração, segundo a tradição judaica, é o centro das decisões do ser humano. No Evangelho, Jesus ensina que é do coração que brotam nossas más ações. A psicologia, ciência moderna que estuda o comportamento do gênero humano, alerta-nos para o perigo de nos deixarmos levar pelas aparências das coisas e pessoas.

O mundo de nossos dias, chamado pós-moderno, está profundamente marcado pela estética. As pessoas estão cada vez mais preocupadas com a aparência, elas deixam de ser naturais para se tornarem superficiais; conhecê-las é um desafio exaustivo. A falsidade é a conseqüência inevitável de quem procura viver segundo as aparências. No fundo, devido ao apego às aparências, as pessoas tornam-se vazias e, aos poucos, vão perdendo o sentido da vida.

Viver segundo as aparências é uma decisão perigosa porque tudo o que é aparente é, conseqüentemente, passageiro. Assim sendo, mais cedo ou mais tarde, a verdadeira essência da pessoa vem à luz. Aos poucos, não suportando viver na superficialidade e não tendo mais condição de mantê-la, as pessoas se revelando. Algumas até demoram, outras chegam ao escândalo de si mesmas em pouco tempo.

Quer sejamos muito limitados, quer virtuosos, nossa vida deve ser pautada na autenticidade, ou seja, na verdade de nós mesmos. Precisamos vencer a tendência natural de resistirmos em dizer quem realmente somos. Quem se recusa à autenticidade leva uma vida medíocre e perde a oportunidade de viver, pois toda superficialidade alimentada pelas aparências é caminho para a morte.

Deus escolheu Davi porque lhe conhecia o coração. Em seu reinado veremos que ele não foi perfeito. Deus quis que Davi governasse seu povo e lhe garantiu a devida assistência: “E a partir daquele dia o espírito do Senhor se apoderou de Davi”. Deus chama e acompanha, orienta e guia de perto aqueles que escolhe e unge para a missão. O Espírito unge e confirma o chamado divino e coloca o missionário no caminho de Jesus.

Dom Oscar Romero dizia aos militares que assassinavam as pessoas durante a ditadura salvadorenha: “Parem de matar! Vocês não são obrigados a obedecer a ordens de superiores, ordens que são contrárias à ordem de Deus, que diz ‘Não matarás!’” (Homilia do dia 24 de março de 1980, dia de seu martírio). Deus confirma a autoridade que se coloca a serviço da vida do povo. Uma autoridade que teme a Deus não se deixa corromper em detrimento da vida dos pobres. Falar do rei Davi é recordar às autoridades que o poder de governar o povo deve ter como principio fundamental a justiça que promove a paz.

Jesus, o cego e a cegueira

O início do Evangelho deste Domingo revela uma crença que havia entre os judeus: a cegueira era considerada castigo divino pelos pecados praticados. Diante do cego de nascença, a pergunta dos discípulos mostra que eles também acreditavam em tal crença: “Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?” A resposta de Jesus põe um fim na tal crença: Jesus afirma que a cegueira daquele homem era lugar da manifestação das obras de Deus; que não tinha ligação alguma com pecado pessoal, familiar ou hereditário.

Jesus aproveita a ocasião para falar aos discípulos sobre o fim último de sua missão: a realização das obras de Deus. Ele veio para observar a vontade de Deus e esta está centrada na dignidade da pessoa humana. Jesus veio para servir às pessoas: esta era a sua missão. Ao concluir a sua resposta, Jesus afirma que era a luz do mundo e parte para a ação: “cuspiu no chão, fez lama com saliva e colocou-a sobre os olhos do cego”. Feito isto, mandou-o à piscina de Siloé: “O cego foi, lavou-se e voltou enxergando”. Estava livre da cegueira que lhe acarretava condenação e exclusão.

Depois de ter sido curado, deu-se início, por parte das autoridades judaicas, a perseguição ao pobre homem. Indagado pelas pessoas a respeito de Jesus, não escondeu a verdade: “É um profeta”. Não acreditando na cura, os judeus procuraram os pais do “ex-cego”, e estes, com medo das autoridades judaicas, que fizeram o propósito de expulsar da comunidade quem declarasse Jesus como o Messias, disseram: “Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego. Como agora está enxergando, isso não sabemos. E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de idade, ele pode falar por si mesmo”.

Os judeus, não se convencendo do fato, resolveram acusar Jesus de ser mais um pecador entre os pecadores e instigaram o homem curado a fazer a mesma coisa, mas ele permaneceu convicto de que Jesus era, de fato, um profeta vindo de Deus: “Se ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo”. Depois ter sido acusado de ter nascido “todo em pecado” e de ter sido expulso da comunidade, o homem reencontrou-se com Jesus. Este lhe fez a pergunta que o levou à profissão de fé: “Acreditas no Filho do Homem?”

“Quem é, Senhor, para que eu creia nele?” Esta resposta curiosa do homem curado revela que ele tinha conhecimento a respeito da vinda do Messias. Diante desta pergunta, Jesus fala claramente que ele é, verdadeiramente, o Filho de Deus: “Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo”. Jesus o fez enxergar para que visse o Filho de Deus e para ter de volta a sua dignidade. E o homem acreditou em Jesus: “Eu creio, Senhor!”

Por fim, o texto termina com Jesus retomando sua reflexão a respeito da própria missão, desta vez, falando não da cegueira física, mas da cegueira da consciência e do espírito: “Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não vêem vejam e os que vêem se tornem cegos”. Estando por perto, os fariseus perguntaram a Jesus se eles eram cegos. Jesus lhes responde, imediatamente: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece”. A cegueira que provoca indiferença era o grave pecado dos fariseus.

A cegueira na Igreja e no mundo

Não estamos mais falando de cegueira física, apesar desta ser um dos males que afetam milhares de pessoas em todo o mundo. A cegueira da consciência é a pior de todas as cegueiras e, infelizmente, está presente tanto na Igreja quanto no mundo. A Igreja está no mundo, logo a cegueira que encontramos neste encontra-se também naquela.

Há pessoas que se recusam a ver a realidade. Esta cegueira diante da realidade pode ser denominada cegueira de consciência. Ver a realidade compromete-nos, direta ou indiretamente. É justamente por causa do compromisso oriundo do ver que muita gente se recusa a abrir os olhos e ver. Tanto na sociedade quanto na Igreja isto tem provocado retrocesso e estagnação.

Uma pessoa alienada não pode ser cristã. Perde o seu tempo e engana-se a si mesmo se tentar sê-lo. Não existe Cristianismo desvinculado da realidade. Religião que não tem ligação com as realidades mundanas não é religião, mas ilusão e opressão religiosa. Na Igreja, é incontável o número de pessoas que se julgam cristãs através da prática de uma fé desvinculada do mundo. Depois do surgimento dos movimentos neopentecostais, este número aumentou bastante. Os neopentecostais procuram, de modo geral, as “coisas do alto” nas alturas, esquecendo-se de que elas se encontram no mundo. Isto é um tipo gravíssimo de cegueira.

A cegueira de consciência afeta a Igreja porque tal cegueira gera outro pecado grave: a indiferença. Vejamos o que nos diz a profecia de Dom Oscar Romero sobre o pecado da indiferença presente na Igreja: “Uma religião de missa dominical, mas de semanas injustas não agrada ao Deus da Vida. Uma religião de muita reza, mas de hipocrisias no coração não é cristã. Uma Igreja que se instala só para estar bem, para ter muito dinheiro, muita comodidade, mas que não ouve os clamores das injustiças não é a verdadeira Igreja de nosso divino Redentor” (Homilia do dia 20 de novembro de 1977).

No mundo secular, fora do contexto eclesial, a mesma cegueira manifesta-se, semelhantemente. Os cegos são aqueles que não acreditam nem lutam por um mundo melhor, pessoas que se opõem à luta pela vida e pela liberdade; que se recusam a trabalhar na construção do Reino de Deus porque o consideram uma ilusão e/ou fantasia. Estas pessoas são míopes, pois possuem uma visão estreitíssima da realidade. Sem a necessária conversão, são pessoas sem futuro, que simplesmente ocupam lugar no espaço, que não se ocupam com nenhuma causa, a não ser com a mera sobrevivência biológica.

A construção do Reino de Deus necessita de pessoas que tenham a coragem de ver a si mesmas e ao mundo do que jeito que são. Depois desta visão crítica destas realidades, o cristão é chamado a pensar sua ação (julgar) e, posteriormente, agir sobre a realidade à luz da fé iluminada pelo Evangelho. O Espírito Santo, presente na vida do cristão, liberta-o de toda e qualquer cegueira. Este mesmo Espírito nos ensina a discernir o que agrada a Deus, nos desperta de nosso sono e lerdeza, nos faz viver como “filhos da luz” na prática da bondade, justiça e verdade. É o que nos ensina o apóstolo Paulo ao escrever à Comunidade de Éfeso. Jesus, Luz do mundo, confere-nos a visão necessária, libertando-nos dos pecados da indiferença e do desamor.


Tiago de França