sexta-feira, 29 de abril de 2011

Dom Paulo Evaristo Arns: um cardeal profeta


Comumente, a maioria das profetisas e dos profetas da Igreja não é devidamente reconhecida quando viva, mas, às vezes, depois do martírio ou da morte natural. Quem conhece a história dos profetas de Javé descrita no Antigo Testamento da Bíblia, assim como a atuação profética de Jesus de Nazaré, certamente, não ignora esta falta de reconhecimento. Por que não ignora? Porque os profetas não procuram reconhecimento. A denúncia das injustiças cometidas não agrada muito aos setores poderosos da sociedade e da mídia manipuladora. É muito mais cômodo para a mídia noticiar, pormenorizadamente, o casamento real que acontece na Inglaterra!

A própria Igreja não confere o devido valor às profetisas e aos profetas do povo de Deus. Isto acontece porque o profeta não está comprometido com a verdade da Igreja, mas com o anúncio do Evangelho de Jesus de Nazaré e com a denúncia de tudo o que se opõe ao Reino de Deus; e como na Igreja temos a atuação das forças do anti-Reino, os profetas a denunciam com a mesma coragem e audácia com que denunciam o poder opressor que ceifa a vida do povo de Deus. Na fileira dos grandes profetas que surgiram na Igreja após o Concílio Vaticano II está o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. Quem é este homem de Deus?

Nasceu em Forquilhinha, então distrito de Criciúma – SC, em 14 d setembro de 1921. É o quinto de treze filhos do casal Helena Steiner e Gabriel Arns, agricultores de origem alemã. Foi ordenado padre franciscano em 1945, em Petrópolis, RJ. Na Sorbonne, em Paris, doutorou-se em Letras e em 1966 foi eleito bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo. O Papa Paulo VI, em 1970, o nomeou Arcebispo de São Paulo. Nesta data, a ditadura militar estava vigorando no Brasil. Para a surpresa de todos, Dom Paulo E. Arns vendeu o palácio episcopal para, com o dinheiro, levantar centros comunitários na periferia de São Paulo. Ele compreendeu que o bispo na Igreja pós-concílio não é mais príncipe, por isso não havia mais necessidade de palácio.

Corajosamente, em 1973, o mesmo Papa o nomeia cardeal da Igreja. Esta nomeação não mudou a sua personalidade: do reduzido número dos bispos contrários ao regime militar e que a enfrentaram profeticamente, Dom Paulo E. Arns fez parte. Apesar de não gostarem dele, os militares o respeitavam. Até 1998, quando precisou renunciar ao governo da Arquidiocese, no limite de idade prescrito pelo direito canônico, Dom Paulo E. Arns foi um fiel defensor da justiça, autor do projeto “Brasil: Nunca Mais”, que mergulhou nos arquivos da ditadura militar e denunciou a tortura entre 1964 e 1978. Ele abrigou em sua casa inúmeros estudantes, intelectuais e demais pessoas que eram perseguidas pelos militares devido à militância contra o sistema.

Dom Paulo E. Arns já é internacionalmente reconhecido por diversas organizações de direitos humanos, universidades e pela própria Organização das Nações Unidas. Esta lhe outorgou o prêmio de Alto-Comissariado da ONU para refugiados, da Unicef e de outros organismos internacionais. Mas o profeta, como disse acima, não procura nada disso. Antes, ele se preocupa com uma questão que também preocupou o recentemente falecido profeta Pe. José Comblin, que era amigo do cardeal: Onde estão os profetas da Igreja de hoje?... Esta é uma questão inquietante.

Não existe Igreja fiel a Jesus sem que nela haja a atuação dos profetas, pois estes, destituídos da ambição pelo poder, chamam a atenção da Igreja para o seguimento de Jesus de Nazaré. Apesar da inquietante questão acima mencionada, a manifestação do Espírito de Deus ao longo da história da Igreja assegura-nos que jamais ficaremos sem profetas. Como disse o profeta Pe. José Comblin: “Os profetas estão no meio de nós”. Eles não aparecem porque a mídia, de modo geral, não se interessa pela verdade, nem pela promoção da justiça que gera a paz.

Dom Paulo E. Arns soube, com a humildade e com a mansidão que lhe são características, equilibrar profecia e posto cardinalício. Isto é muito raro na história da Igreja. Na Igreja, o posto cardinalício, depois do ofício papal, é o maior na hierarquia eclesiástica; mas como o Espírito Santo sopra onde quer e dirige o ser humano pelos caminhos que Deus quer, então surgem como que acidentalmente na hierarquia da Igreja figuras como Dom Paulo E. Arns.

Dom Paulo E. Arns tem 89 anos e em dezembro de 2010, celebrou 65 anos de ordenação sacerdotal. Reconhecer o profetismo deste grande cardeal e profeta da Igreja é rezar para que o Espírito nos envie outros profetas para a conversão do mundo, é trilharmos o caminho de Jesus e sermos também profetas do Reino de Deus neste mundo tomado pelas injustiças. O profeta existe no caminho de Jesus, jamais fora dele.

Concluo esta reflexão mencionando a declaração feita pelo cardeal ao jornalista Celso Lungaretti, citada por Pedro Miskalo na edição de março do corrente ano da revista Mundo e Missão, p. 10: “A Igreja é o povo. Se o povo se mobiliza bem, a Igreja também se mobiliza. Então, é preciso unir estes dois conceitos. Precisamos caminhar para a fraternidade, para uma possibilidade de todos serem respeitados como filhos de Deus e irmãos uns dos outros” (in: Tributo a um Imprescindível: dom Paulo Evaristo Arns). De fato, a Igreja é povo de Deus.


Tiago de França

Nenhum comentário: