sábado, 23 de abril de 2011

A ressurreição de Jesus: vida que vence a morte


"Na verdade o Cristo ressuscitou, aleluia! A ele o poder e a glória pelos séculos eternos”.
(Antífona da entrada do Domingo de Páscoa)

Prezado/a amigo/a e irmão/ã em Cristo,

Como nos anos anteriores, eis que lhe dirijo mais uma vez uma palavra a respeito da maior Solenidade do ano litúrgico: a Ressurreição do Senhor. Esta solene Celebração deve se dá na comunhão e jamais fora desta. Jesus ressuscitou para que tenhamos vida e esta acontece na fraternidade. A experiência da Igreja primitiva nos ensina a bem celebrarmos a Páscoa: na partilha do pão, na escuta da Palavra e na solidariedade para com os que sofrem. Fora da vivência destes valores que formam a autêntica comunidade cristã não existe celebração da ressurreição de Jesus, mas somente louvor vazio sem perspectiva de futuro.

Antes da vitória, a perseguição e a morte

Nunca se viu alguém vencer sem antes lutar. Para que a vitória tenha sentido, a luta precisa ser considerada. Assim, a ressurreição de Jesus está intimamente ligada à sua paixão e morte na cruz: “O ressuscitado é o crucificado”, ensina-nos Jon Sobrino, teólogo jesuíta em El Salvador. A paixão e morte de Jesus foi conseqüência de sua opção preferencial pelos empobrecidos. Ele não se entregou à morte de cruz somente pensando no perdão de nossos pecados, pensar isto é não entender o verdadeiro significado de sua morte.

A morte de Jesus tem causas. Jesus foi entregue pelas autoridades religiosas e civis de seu tempo, foi rejeitado porque optou pelos últimos e esta opção incomodou os religiosos e magistrados, que estavam ligados ao poder imperial romano. Jesus foi acusado injustamente e odiado por causar desordem, morreu com a fama de desobediente e agitador político. As autoridades judaicas o odiavam porque ele não deixava passar despercebidos a hipocrisia, os pecados e crimes cometidos contra a vida do povo.

Deus enviou Jesus, seu amado Filho, para inaugurar o novo céu e a nova terra, onde reinarão a justiça e o amor. O Reino de Deus, realidade viva no meio do mundo, que acontece na contingência de todas as coisas, é trabalho árduo, é labuta cotidiana assumida pelas mãos e pelo suor dos que se colocaram e se colocam no caminho de Jesus. Os poderosos deste mundo, agentes da separação e da exploração, não se cansam de barrar a construção do Reino de Deus, são inimigos do caminho de Jesus e dos que se colocam neste caminho. Estes diabolus (diabos), que se opõem à vida e promovem a morte estão dentro e fora da comunidade cristã.

Jesus optou pelos vencidos de seu tempo e comungou com a sorte deles. Qual era a sua sorte? Sofrimentos, perseguições e morte. Crucificado, Jesus se torna representante dos oprimidos e dos injustiçados. Estes se identificaram com Jesus porque ele era como eles: sem poder, sem prestígio e sem riquezas. “Humano como Jesus só sendo Deus mesmo”, ensina-nos o teólogo Leonardo Boff. Jesus é a presença real de Deus no meio de seu povo. Ele assumiu até as últimas conseqüências a nossa humanidade: missão que lhe foi confiada por Deus.

O sangue de Jesus é o sangue dos mártires, mulheres e homens que não têm medo de entregar a vida por causa de Jesus e de seu Evangelho. Estes mártires da verdadeira fé cristã não se identificam com os opressores nem com seus projetos mortíferos, mas com o Reino de Deus. Os mártires são pessoas profundamente identificadas com o Cristo servo e justo.

Ressurreição de Cristo e da verdadeira Igreja

José Comblin, teólogo e profeta da Igreja dos Pobres, que viveu recentemente a experiência da páscoa definitiva, não se cansou de denunciar o que ele chamava de letargia, que está tomando conta da Igreja. O dicionário Aurélio, dentre muitos significados, diz o seguinte sobre esta palavra: falta de ação, inércia, torpor. Como entender o fato de uma Igreja ser guiada pelo Espírito Santo e ser, ao mesmo tempo, tomada pela letargia? Vamos pensar a partir da ressurreição de Jesus.

Jesus não ressuscitou para continuar vivendo, como antes vivia, com seus discípulos. Ele ressuscitou, subiu aos céus e, ao mesmo tempo, assegurou-nos sua presença entre nós. Mais do que sua ascensão, interessa-nos a sua presença fraterna entre nós: Jesus é o Emanuel, Deus conosco. Esta presença amorosa e fraterna de Jesus nos ensina a vivermos como ressuscitados no meio do mundo. Viver como ressuscitado significa se colocar no caminho de Jesus e perseverar, ensina-nos Jon Sobrino, em sua magistral obra teológica A fé em Jesus Cristo.

Uma Igreja pascal é uma Igreja que se coloca a serviço dos crucificados da história, ou seja, dos empobrecidos e explorados pelos opressores. Literalmente, ensina-nos Jon Sobrino: “A cruz é o lugar teológico privilegiado para se compreender a ressurreição, e outros lugares o serão na medida em que analogicamente reproduzirem a realidade da cruz” (SOBRINO, Jon. A fé em Jesus Cristo – ensaio a partir das vítimas. Trad. de Ephraim F. Alves. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 29).

Assim sendo, se a Igreja quer mesmo assumir a ressurreição de Jesus, então, precisa, necessariamente, se colocar a serviço da vida e da liberdade dos empobrecidos. A realidade da cruz são as realidades dos empobrecidos. Ir ao encontro dos empobrecidos é ir ao encontro do Cristo crucificado que precisa ser ressuscitado. Se a Igreja não renunciar ao poder, ao prestígio e às riquezas para descer para o mundo da cruz de Cristo, logo não se pode falar de seguimento de Jesus de Nazaré, pois este acontece pelo mundo dos empobrecidos, nunca fora dele.

A Celebração da Páscoa não deve ser somente cultual. Toda liturgia pascal desvinculada da realidade dos crucificados da história não agrada a Deus. Esta não é uma questão doutrinal nem ideológica, mas verdadeiramente evangélica. “Se com ele morremos, com ele ressuscitaremos”, exorta-nos o apóstolo Paulo (2 Tm 2, 12): é preciso fazermos a opção de Jesus e morrermos com ele, se quisermos ressuscitar de verdade; do contrário, todos os anos celebraremos superficialmente a Páscoa e continuaremos vivendo uma vida de “mortos-abulantes”, de pessoas que só querem celebrar com a boca e não com a vida.

Vejamos as guerras no Oriente Médio, a chacina da Escola Municipal do bairro Realengo do RJ, os tsunamis destruidores no Japão e as inúmeras violências e injustiças praticadas contra os seres humanos; são sinais claros de um povo crucificado que precisa ressuscitar. Rezar, cruzar os braços e esperar que Jesus venha em sua glória para resolver todos estes problemas é ilusão e pecado grave de omissão. Viver como ressuscitados, repito, é se colocar a serviço dos empobrecidos deste mundo e fazer com que a ressurreição aconteça, a fim de que todos possam ter vida e vida em abundância.

A ressurreição de Jesus é a manifestação da glória de Deus e “a glória de Deus é a vida do pobre”, ensina-nos Dom Oscar Romero. A ressurreição da verdadeira Igreja é a libertação integral da letargia que a impede de se colocar a serviço da vida e da liberdade dos empobrecidos, mas para que isto aconteça, os pastores da Igreja precisam se desvincular, definitivamente, do poder e dos poderosos, do prestígio e dos prestigiados, das riquezas e dos ricos. Sem este desvincular-se definitivo os empobrecidos continuarão abandonados. A valia dos empobrecidos é que, mesmo a Igreja não fazendo uma opção radical por eles, Deus não os abandona nem jamais os abandonará.

É com esta reflexão e com este sentimento que lhe desejo uma FELIZ PÁSCOA!

Fraternalmente,


Tiago de França da Silva
Campina Verde – MG, 23 de abril de 2011.

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