quarta-feira, 13 de abril de 2011

A última entrevista do Pe. José Comblin no Chile


“Não deixe cair a profecia”.
(Últimas palavras de Dom Hélder Câmara ao monge beneditino Marcelo Barros)

O que me leva a publicar novamente a última entrevista do profeta Pe. José Comblin, depois da publicação no portal Religión Digital na Internet, no dia 05 de janeiro passado, é a recomendação profética do santo Bispo Dom Hélder Câmara: “Não deixe cair a profecia”. Quem conheceu Dom Hélder Câmara sabe que era um cristão preocupado com a situação da Igreja e dos empobrecidos. Ele sonhava com uma Igreja voltada, preferencialmente, para os pobres, pois nestes via o rosto sofrido de Jesus de Nazaré.

A Igreja no Brasil teve a graça de contar com a presença profética de várias mulheres e homens que se deixaram conduzir pelo Espírito de Deus, e no dia 27 de março do corrente ano, o Senhor chamou para junto de si, depois de uma longa jornada missionária junto aos pobres, o teólogo e profeta padre José Comblin. A respeito deste homem de Deus podemos afirmar sem medo algum que era um profeta sábio e santo. Profecia, sabedoria e santidade descrevem a figura humilde e simples daquele que foi considerado um dos maiores teólogos da Igreja. Particularmente, eu o considerava o maior e mais lúcido teólogo da Igreja contemporânea.

Agora, irei transcrever a entrevista do Pe. José Comblin, concedida à revista El periodista (Chile), durante a última visita que o mesmo fez aquele país. A tradução é de Moisés Sbardelotto:

“A repressão foi muito forte, terrível, e a ditadura do Papa aqui na América Latina é total e global. Aqui, pode-se criticar Deus, mas não o Papa. O Papa é mais divino do que Deus”, asseverou o teólogo.

Segundo Comblin, a Igreja Católica “abandonou as classes populares, salvo os velhos e algumas relíquias do passado”.

“Hoje, as universidades e os colégios católicos são para a burguesia. O porvir da América Latina é ser um continente evangélico protestante, salvo sua classe alta. Assim, a Opus Dei e os Legionários de Cristo e todas essas associações que existem de ultradireita vão crescendo nesse setor”, opinou.

“Onde há um ou dois bispos da Opus Deu no episcopado, intimidam a todos os demais. Os outros ficam calados e só um fala. Esse é um problema de psicologia típico de ditaduras”, defendeu.

Segundo Comblin, “foi a Opus Dei que elegeu João Paulo II e o atual, praticando a chantagem, intimidando os cardeais. O próximo Papa será igual porque a Opus Dei tem um poder muito forte”.

O teólogo, de 87 anos, defende que Deus está “em La Victoria e em La Legua (dois bairros populares de Santiago) e na prisão, mas de Roma desapareceu há muito tempo”.

“Agora sempre fica mais claro que o problema é o Papa, ou seja, a função do Papa, uma ditadura implacável com muitas formas de doçura e amabilidade, mas implacável”, defendeu.

Comblin defendeu que “o porvir do Cristianismo está na China, Coréia, Filipinas, Indonésia. Estima-se que só na China há 130 milhões de cristãos martirizados, porque estão praticamente perseguidos”.

O teólogo criticou a eventual canonização de João Paulo II porque seu papado “foi catastrófico”.

“Todos os que fizeram sua carreira com ele puderam ser cardeais, apesar de sua mediocridade pessoal. Não mereciam nada, mas ele os promoveu. Claro que agora querem canonizá-lo! Uma vez que canonizaram Escrivã, todo mundo sabe que se pode ser santo sem ter virtude alguma”, destacou.

Sobre a Opus Dei e os Legionários de Cristo, Comblin afirmou que “têm a confiança da Cúria Romana e depois representam a plena liberdade dada a personalidades que são como os grandes Rockefeller, os conquistadores”.

“Como Escrivá de Balaguer, que era um capitalista, o homem que vai triunfar, que vai desfrutar o mundo, que vai ganhar, ser rico, poderoso e que é capaz de criar pessoas totalmente subordinadas, soldados com mentalidade de soldado, esses são todos homens deformados psicologicamente, como são os futuros ditadores”, detalhou.

Depois de recordar que do mexicano Marcial Maciel, dos Legionários de Cristo, foi descoberta uma vida paralela e uma fortuna de 50 bilhões de dólares, afirmou que “sua chantagem, sua palavra e sua exigência chegaram aos milionários”.

“Hoje, os que trabalharam com ele, seus colaboradores, todos dizem e afirmam que não sabiam de nada da vida paralela (de Maciel). Como? Trabalham 40 anos com ele e não sabem de nada, que ele tem uma família, três filhos, que praticou pedofilia com as crianças, alunos de sua formação, de seus colégios, que tinha um mundo de amantes. Não sabiam de tudo isso? Supõe-se, então, que eles são cúmplices e também têm uma vida paralela”, concluiu.
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Essa entrevista nos mostra, claramente, como se expressam os profetas. Estes são homens livres. A liberdade em relação a tudo e a todos marcou profundamente a vida do profeta José Comblin. São poucos os teólogos que tem a coragem que ele tinha. Além da coragem, para ser profeta é preciso ser livre. Teólogos carreiristas jamais falarão a verdade do Evangelho. O que caracteriza um teólogo carreirista é a sua falta de compromisso com a verdade que constrói o Reino de Deus. O Pe. José Comblin não encarava a Teologia como uma mera profissão, mas como uma missão profética para a liberdade do mundo e da Igreja.

Quem conhece a história da América Latina, da Igreja nesta América e no mundo, a estrutura eclesiástica marcada pela rigidez e pela imutabilidade, sabe que o profeta José Comblin estava longe de ser um velho “triste e ressentido, talvez contaminado pelo vírus que afeta a maior parte das pessoas que ultrapassam a casa dos 70 anos”, como pensou Dom Redovino Rizzardo, bispo católico de Dourados no seu infeliz artigo Pe. José Comblin: Crepúsculo de um profeta?

Enquanto a Igreja hierárquica não tiver a humildade de parar para escutar o que diz os profetas, a sua conversão torna-se impossível. O Espírito Santo fala às Igrejas através dos profetas. O que o Pe. José Comblin afirmou nesta entrevista corresponde ao que aconteceu e ao que está acontecendo na Igreja. Somente quem desconhece a história e a estrutura da Igreja pode se escandalizar com o que disse o profeta José Comblin. Assim sendo, que desconhece tal história não possui autoridade nenhuma para afirmar que o profeta se equivocou em suas afirmações.

Pe. José Comblin concluiu uma de suas últimas obras teológicas com as seguintes palavras:

“Os profetas estão no meio de nós. Provavelmente são jovens, pois ainda não apareceram publicamente. Virão para tirar a Igreja da letargia – pois a Igreja ainda não sabe como se emancipar do poder do dinheiro, que tudo invade. Este é o desafio: Jesus que tinha todos os títulos para ser rico, tornou-se pobre – realmente pobre e não como se fosse encenação. Esse é o fato que não podemos negar e que nos questiona.

Eu estou no final da vida. Tive o privilégio de conhecer de perto e de participar da vida de grandes profetas e também de muitos pequenos profetas, homens e mulheres, que não entraram oficialmente na história. Desejo que muitos jovens possam fazer a mesma experiência” (COMBLIN, José. A profecia na Igreja. São Paulo: Paulus, 2008, p. 286).

Resta-nos esperar a manifestação pública destes profetas, que ungidos e conduzidos pelo Espírito Santo se colocam e vão se colocar cada vez mais na fileira daqueles que, a exemplo do padre José Comblin, ousaram anunciar ao mundo e à Igreja o Evangelho da vida e da liberdade. O Espírito Santo está trabalhando e conhece todas as coisas. O Senhor nosso bom Deus jamais nos abandonará nem permitirá que sejamos dominados pela letargia e pelo apego. Bendigamos ao Senhor pelo testemunho profético do Pe. José Comblin!


Tiago de França

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