sábado, 14 de maio de 2011

Jesus de Nazaré: pastor, porta e vida do rebanho


“Eu sou a porta. Quem entrar por mim será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem”. (Jo 10, 9)

Na Liturgia da Palavra deste IV Domingo da Páscoa aparece a figura de Jesus, o bom pastor e porta das ovelhas (cf. Jo 10, 1 – 10). O que significa ser pastor e porta das ovelhas? São Pedro ensina-nos que Jesus é pastor e guarda de nossas vidas (cf. 2ª leitura: 1 Pd 2, 20b – 25), Senhor e Cristo (cf. 1ª leitura: At 2, 14a. 36 – 41). Neste Domingo, também somos chamados a pensar sobre a vocação dos Pastores da Igreja (diáconos, presbíteros, epíscopos, pontífice). Qual o significado destas vocações específicas para a vida da Igreja? Meditemos à luz do Evangelho.

Ladrão e assaltante: quem não entra pela porta

Jesus se utiliza da figura do pastor que toma conta do rebanho para falar de sua missão diante dos doutores da Lei e fariseus porque na palestina a maioria das pessoas vivia da criação de ovelhas e cabras. Tratava-se de uma linguagem acessível a todos. A criação se dava da seguinte maneira: pelo dia, logo cedo, o pastor ia buscar as ovelhas no curral. Neste, durante a noite, as ovelhas estavam sob os cuidados de um porteiro que as defendia dos ladrões e assaltantes. Ao ver o pastor, o porteiro lhe abria a porta e chamando pelo nome, as ovelhas reconheciam a voz do pastor e saíam com ele para as verdes pastagens.

Assim, percebemos que o ladrão e assaltante são aqueles que não entram pela porta do redil, mas durante a noite e por outro lugar. Quando Jesus termina de explicar tudo isso, os doutores da Lei e fariseus ficam sem entender o que ele queria dizer. Então, Jesus declara abertamente: “Em verdade, em verdade vos digo, eu sou a porta das ovelhas. Todos aqueles que vieram antes de mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram”. Vejamos quem são estes ladrões e assaltantes, quem são estas ovelhas no tempo de Jesus e nos dias de hoje.

No tempo de Jesus, os doutores da Lei e fariseus, assim como o Império romano eram os ladrões e assaltantes, que roubavam, enganavam, exploravam e matavam o povo. No texto evangélico, Jesus se refere diretamente aos doutores da Lei e fariseus. O sistema religioso da época era um fardo nas costas do povo. Este era escravo tanto do Império quanto do sistema religioso. Não havia divergências entre autoridades civis e religiosas, ambas viviam à custa do suor e do sangue dos pobres. Para Jesus, estas autoridades são os ladrões e assaltantes porque só sabem roubar, matar e destruir.

O sistema religioso era complexo, rigoroso e pesado. Os mestres da Lei e fariseus exigiam do povo o cumprimento fiel da Lei dada por Moisés, mas eles mesmos viviam na corrupção. Eram mentirosos e hipócritas. O curioso é que as pessoas (as ovelhas), de modo geral, não escutavam os mestres da Lei e fariseus. Estes as acusavam de serem pecadoras e infiéis. Nos evangelhos sempre encontramos Jesus no meio dos pecadores e infiéis, e esta presença amorosa e misericordiosa entre os desprezados e marginalizados causava ódio no coração dos que se julgavam justos e guardiões da Lei. Jesus optou por viver entre os pecadores e infiéis para lhes restituir a vida.

Em nossos dias, ladrões e assaltantes são os pastores que se utilizam da liderança para roubar, matar e destruir. Estes falsos pastores estão presentes em todas as Igrejas cristãs, a começar pela Igreja Católica. No tempo em que esta vivia unida aos reis era comum encontrar padres, bispos e papas interessados somente no poder, no prestígio e nas riquezas. Basta-nos lembrar do regime de Padroado, que foi criado através de um tratado entre a Igreja e os reinos de Portugal e Espanha. O governo da Igreja era dividido entre papas e reis. Estes últimos construíam igrejas, nomeavam padres e bispos que, posteriormente, eram aprovados pelo Papa. Neste sistema, a vida do povo de Deus não era motivo de preocupação fundamental, mas somente o poder, o prestígio e a riqueza.

Após o difícil parto do qual resultou a separação entre Igreja e Estado, os problemas continuam a existir: assistimos a infidelidade de pastores que não se importam com a vida do povo de Deus. Para não sermos injustos temos que afirmar que há autênticos pastores que se doam, cotidiana e corajosamente nas desafiadoras causas do Reino de Deus.

Infelizmente, pecados como pedofilia, desvio de dinheiro (enriquecimento ilícito), omissão, simonia (venda de sacramentos), desvios de ordem sexual (ausência da castidade e quebra do celibato), acomodação, falta de unidade, manias de grandeza, indiferença, hegemonia e controle, abusos no uso do poder e da autoridade, entre tantos outros pecados ainda estão presentes na vida de muitos “pastores” da Igreja.

Não adianta omitirmos a verdade. Na vida da Igreja, infelizmente, todas estas coisas são tão evidentes quanto à claridade do dia. Isto não significa que devamos exigir perfeição de nossos pastores, pois sabemos que são homens comuns, sujeitos ao pecado como os demais homens deste mundo. Não podemos também recorrer à condição humana, naturalmente limitada, nem à nossa condição de pecadores para justificarmos os pecados acima descritos. Tais pecados são inaceitáveis e devem ser evitados.

Os teólogos que se debruçam no estudo da história e da estrutura eclesiástica apontam para a necessidade da mudança de estruturas. Segundo eles, a Igreja institucional precisa, urgentemente, de reformas, pois tais estruturas têm levado muitos pastores ao pecado. Certamente, uma Igreja mais simples e mais servidora porá um fim em certos pecados e vícios que têm sua origem nas pesadas e históricas estruturas. A conversão estrutural da Igreja institucional passa, necessariamente, pelo despojamento de estruturas que não respondem mais às exigências da evangelização no mundo de hoje e que são, portanto, ultrapassadas.

Uma das características da ovelha é a sua passividade diante do ladrão, ou seja, ela precisa do pastor para voltar ao redil e para se defender. Até o Concílio Vaticano II, os leigos sempre foram tratados e considerados como ovelhas que viviam na total dependência de seus pastores. De modo geral, os leigos eram considerados eternas crianças, pois não sabiam de nada porque não lhes ensinaram a ser cristãos adultos.

Após o Vaticano II, a Igreja passou, aos poucos, a reconhecer o valor do leigo e lhe conferiu certo protagonismo. Infelizmente, apesar dos documentos pontifícios reconhecerem a vocação e a missão dos leigos na Igreja, muitos clérigos ainda apresentam resistências em relação aos mesmos. De qualquer modo, podemos afirmar que os leigos não são mais crianças nem ovelhas, salvo aqueles que gostam de ser tratados como tal. O legítimo reconhecimento do leigo na vida eclesial ainda é um processo lento, pois a relação clero-leigo ainda é conflituosa.

Jesus de Nazaré: porta e vida das ovelhas

No texto, Jesus faz duas afirmações muito importantes: "Eu sou a porta das ovelhas. Quem entrar por mim será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem”. Nesta primeira, encontramos a verdade fundamental: Jesus é a porta e a salvação. Em outras palavras, somente nele há salvação para o gênero humano, pois Deus quis salvar a humanidade através dele. Jesus é o crucificado e o ressuscitado, constituído por Deus Senhor e Messias (cf. At 2, 36). Entrar através da porta que é Jesus de Nazaré é encontrar a verdadeira vida. Com muita razão, o apóstolo Paulo nos ensina que a nossa vida “está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3, 3).

Fora de Jesus não há vida nem salvação. Estas não nos vêm de nossos pastores nem da Igreja, mas do próprio Cristo. Na Igreja, todos devem seguir Jesus para encontrar nele a verdadeira e eterna vida. Por isso, clérigos e leigos são ovelhas do pastoreio de Cristo, porque somente Cristo é o Pastor. Peca contra o Evangelho de Jesus quem afirma que a Igreja é o rebanho do Papa e que este é o nosso pastor. O Papa também deve ser ovelha de Cristo. A Igreja é Povo de Deus e isso pressupõe igualdade entre o povo e seus líderes. Em outras palavras, somos um povo sacerdotal, todos somos pastores uns dos outros em Cristo.

A segunda afirmação é: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”. Jesus foi enviado pelo Pai para a vida do mundo: “Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para julgar o mundo, mas que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3, 17). A ninguém Deus concedeu autoridade para julgar e condenar. A missão da Igreja deve ser, portanto, a mesma de Cristo: trabalhar pela vida do mundo, e isto “inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção humana integral e a autêntica liberdade cristã” (Documento de Aparecida, n. 146). Evangelizar é trabalhar pela vida do povo de Deus: eis a missão a que é chamado todo cristão.


Tiago de França

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