sábado, 7 de maio de 2011

O reconhecimento da união estável entre casais homossexuais


A questão a ser tratada neste artigo é complexa e polêmica. Trata-se de uma decisão histórica: o reconhecimento, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), da união estável entre casais homossexuais. O Censo Demográfico de 2010 contabiliza mais de 60 mil casais homossexuais no Brasil. Isto mostra que se trata de uma realidade que não pode ser ignorada, mas que merece nossa reflexão e atenção. Para evitarmos equívocos, vamos conceituar a homossexualidade.

O que é a homossexualidade?

O tema da homossexualidade traz muita divergência entre os estudiosos. No meio popular, a questão é tratada com preconceito e discriminação. Os noticiários têm mostrado que, de modo geral, a sociedade tem apresentado muitas resistências à aceitação da conduta e/ou opção homossexual. A intolerância, o preconceito e a discriminação estão presentes e atos de violência contra homossexuais estão se tornando cada vez mais comum.

Para não cometermos uma grave injustiça contra os homossexuais, não podemos confundir a homossexualidade com pedofilia, depravação, maldade, desvio de personalidade ou doença. Os estudos psicanalíticos e psicológicos já provaram, há décadas, que tal condição não tem nenhuma ligação com nenhuma destas coisas. Todos estes “clichês”, reproduzidos pela sociedade machista, são frutos do preconceito e devem ser evitados.

Citando a obra O enigma da esfinge, do Frei Antônio Moser, o teólogo e filósofo José Lisboa Moreira de Oliveira, em sua obra Acompanhamento de vocações homossexuais, conceitua a homossexualidade da seguinte maneira: “a homossexualidade, segundo a maioria dos especialistas na questão, designa uma orientação sexual pela qual pessoas, ‘em sua vida adulta, sentem atração preferencial por alguém do mesmo sexo, mantendo ocasionalmente relações genitais’” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Acompanhamento de vocações homossexuais. São Paulo: Paulus, 2008, p. 19).

A decisão do STF e suas implicações

Quinta-feira passada, 05/05, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável entre casais homossexuais. O que significa esta decisão? Significa o reconhecimento de direitos como herança, comunhão parcial de bens, pensão alimentícia e previdenciária, inclusão do companheiro como dependente em planos de saúde, entre outros benefícios. A partir da decisão do STF, estes direitos terão que ser respeitados e/ou atendidos.

Esta decisão causa divergência na opinião pública e é contestada pelas Igrejas cristãs, principalmente pela Igreja Católica porque a chamada entidade familiar, tradicionalmente, é constituída pela união estável entre homem e mulher. Além de afetar o conceito tradicional de entidade familiar, tal decisão levará à discussão sobre a possibilidade do casamento civil e adoção de crianças por parte de casais homossexuais. Aqui aparece o conflito da Igreja com os homossexuais.

Homossexuais e matrimônio

A Igreja desaprova a decisão do STF porque em sua doutrina ensina o seguinte: “A aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma comunhão da vida toda, é ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, e foi elevada, entre os batizados, à dignidade de sacramento por Cristo Senhor” (CIC – Catecismo da Igreja Católica, n. 1601). Esta é a doutrina da Igreja e corresponde à sua compreensão de entidade familiar. Para a Igreja, o matrimônio é um bem inviolável porque Deus mesmo é seu autor (Gaudium et Spes, n. 48, 1).

Esta doutrina eclesiástica ensina que é inconcebível a realização do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo na Igreja. Eis o que diz o n. 2357 do mesmo Catecismo: “Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves [cf. Gn 19, 1 – 29; Rm 1, 24 – 27; 1 Cor 6, 9 – 10; 1 Tm 1, 10] a tradição sempre declarou que ‘os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados’. São contrários à lei natural. Fecham complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em caso algum podem ser aprovados”.

Para a Igreja, a desaprovação não quer dizer exclusão. Assim, os homossexuais “devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir o sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição” (CIC, n. 2358).

Homossexuais e o Evangelho de Jesus de Nazaré

Nos evangelhos, Jesus não faz nenhuma referência à homossexualidade. Por isso, ninguém pode julgar, condenar e/ou avaliar tal condição a partir da palavra de Jesus. Mesmo Jesus não tendo falado nada a respeito da homossexualidade, podemos refletir sobre a mesma a partir do mandamento maior ensinado por Jesus: o amor. Este está acima de toda e qualquer lei ou orientação eclesiástica.

A experiência missionária de Jesus mostra, claramente, que ele viveu intimamente ligado aos pecadores e marginalizados de seu tempo. A leitura dos evangelhos mostra-o sempre no meio dos pecadores, considerados indignos e impuros. Jesus tinha uma predileção pelos pecadores: “Não são os que estão com boa saúde que tem necessidade de médico, mas os pecadores” (Mc 2, 17). Assim, podemos assegurar que os pecadores foram acolhidos e perdoados por Jesus. Este lhes restituiu a dignidade e a alegria de viver.

A partir desta experiência amorosa e misericordiosa de Jesus podemos assegurar que o preconceito e a discriminação que a sociedade e as Igrejas têm para com os homossexuais são uma injustiça e um pecado grave. Infelizmente, cristãos fundamentalistas se utilizam da Sagrada Escritura para julgar e condenar os homossexuais; sendo que, a partir da própria Escritura se conclui que esta é uma atitude gravemente pecaminosa: “Não julguem, e vocês não serão julgados. De fato, vocês serão julgados com o mesmo julgamento que vocês julgarem, serão medidos com a mesma medida com que vocês medirem” (Mt 7, 1 – 2).

Os homossexuais fazem parte das minorias excluídas da sociedade e foi para estas minorias que Jesus veio. Não se trata de defender a opção homossexual, mas de promover o respeito e a liberdade para com o ser humano. Todas as pessoas são livres para fazer suas escolhas. Nenhuma instituição tem o direito de controlar a sexualidade de ninguém. A Igreja tem todo direito de expressar o que acha certo ou errado em matéria de conduta moral e sexual, mas não lhe foi dada autoridade nenhuma para impor leis e prescrições tendo em vista o controle da vida sexual do ser humano. Infelizmente, há essa prática e/ou tendência.

Toda espécie de condenação do próximo é antievangélica. Não somos obrigados a aceitar a homossexualidade. Somos livres para isto. Mas a convivência com a diversidade sexual nos convida à prática do respeito e da tolerância. Saber conviver com o diferente é uma necessidade humana; do contrário, não suportaremos viver numa sociedade marcada pelas diversas formas de violência contra o ser humano.

Neste sentido, a liberdade nos ensina que os homossexuais devem respeitar os heterossexuais evitando, assim, a imposição do que se passou a chamar de cultura gay; e os heterossexuais, por sua vez, devem respeitá-los em suas manifestações peculiares. Toda forma de imposição também gera intolerância. Esta é, por si mesma, uma violência no convivo social.

São significativas as palavras do Ministro Joaquim Barbosa durante o julgamento no STF: “Estamos aqui diante de uma situação de descompasso em que o Direito não foi capaz de acompanhar as profundas mudanças sociais. Essas uniões sempre existiram e sempre existirão. O que muda é a forma como as sociedades as enxergam e vão enxergar em cada parte do mundo. Houve uma significativa mudança de paradigmas nas últimas duas décadas”. Tanto a sociedade quanto as Igrejas precisam refletir, seriamente, sobre estas mudanças paradigmáticas, pois estas estão implicadas no processo de evangelização.


Tiago de França

Um comentário:

Eduardo da Amazônia disse...

Este texto está recomendado em meu blog: http://eduardodaamazonia.blogspot.com/2010/08/outras-cuiras.html