quinta-feira, 30 de junho de 2011

Atualização do Blog

Amigos/as,

Neste mês de julho estarei no norte de Minas Gerais realizando o Estágio Missionário, parte integrante da proposta formativa do Seminário Interno (Noviciado) da Congregação da Missão. Por este motivo, voltarei a atualizar o presente Blog a partir do mês de agosto.

Abraços,

Tiago de França, C.M.

sábado, 25 de junho de 2011

Seguir e acolher Jesus de Nazaré


“Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim” (Mt 10, 38).

Após a celebração das solenidades da Santíssima Trindade, do Corpo e Sangue de Cristo e da Natividade de São João Batista, a Igreja volta ao Tempo Comum. Neste Domingo, a Liturgia da Palavra (cf. 2 Rs 4, 8 – 11. 14 – 14a; Rm 6, 3 – 4. 8 – 11; Mt 10, 37 – 42) nos convida a refletir sobre duas disposições fundamentais da espiritualidade cristã: seguir e acolher Jesus de Nazaré. Vamos pensar e meditar um pouco a respeito destas disposições.

Seguir Jesus de Nazaré

No texto evangélico deste XIII Domingo Comum, Jesus apresenta três exigências para toda pessoa que quiser segui-lo: 1) amá-lo mais do que a própria família; 2) tomar sua cruz; 3) não procurar conservar a própria vida, mas perdê-la por causa dele. Qual o significado destas exigências? Elas são obrigatórias para que haja autêntico seguimento? Antes, vamos entender o que é uma exigência.

A exigência é um pedido pertinente, portanto, necessário. O existir é um ato exigente. Não se pode viver neste mundo sem atender às exigências necessárias que conduzem à responsabilidade, à harmonia, ao viver de forma equilibrada. Quando não há exigências, a vida cai no devaneio, na ociosidade, na inércia. Sem atenção às exigências, tudo se torna frouxo, desorganizado. A vida é impossível sem exigências.

Para seguir Jesus de Nazaré, o discípulo precisa estar atento às três exigências acima mencionadas. Elas asseguram o verdadeiro seguimento. Quando são levadas em consideração, conseqüentemente, dar-se a construção do Reino de Deus inaugurado por Jesus de Nazaré. Quem não atender às exigências colocadas pelo próprio Cristo não pode ser seu discípulo. Por isso, quem pensa ser discípulo de Cristo sem atender às suas exigências, engana-se a si mesmo.

No que tange à primeira exigência, Jesus de Nazaré não está exigindo que se abandone a família. Nenhuma forma de abandono ou desprezo tem legitimação evangélica. Na vida religiosa pode-se deixar pai, mãe, irmãos, esposa, filhos, terra e riquezas para se seguir, radicalmente, a Cristo. Esta é uma forma de vida que surgiu na história da Igreja e que perdura até hoje, mas o Cristo nunca exigiu isso de ninguém. Nos evangelhos não há uma citação que legitime o deixar a família para seguir Jesus de Nazaré.

Jesus nunca pediu para as pessoas deixarem algo de bom para segui-lo. O deixar, nos evangelhos, se refere ao processo de conversão. Nesta, se deixa uma vida incoerente para se viver uma vida nova, pautada nos valores evangélicos. A família não é má nem pode ser vista como empecilho no seguimento de Cristo. Quando a Igreja pensava o oposto disso, o matrimônio era tido como vocação inferior na vida eclesial. Neste contexto, somente os religiosos eram chamados à santidade. Em relação à família, Jesus só exige que se ame mais a ele. Isto significa que, quer na vida familiar, quer na vida religiosa, o Cristo deve estar no centro.

A segunda exigência é mais comprometedora: tomar a cruz. Esta exigência está plenamente identificada com o Cristo crucificado. Quem não se identifica com o Cristo na cruz não é capaz de atender a esta exigência. O crucificado é o Filho de Deus, fiel à vontade do Pai, cumpridor do desígnio divino. Na cruz, Jesus é membro de um povo oprimido, legítimo redentor dos explorados da história. Sua morte na cruz é sinal da fidelidade divina à aliança feita com seu povo, sinal da gratuidade do Reino inaugurado entre os pobres.

Tomar a cruz é participar da sorte dos crucificados da história e, como nos ensina o apóstolo Paulo, é morrer com Cristo para ressuscitar com ele (cf. Rm 6, 8). Não há nenhuma chance de se criar outra interpretação para esta clara e evidente verdade. Não se trata de tomar, espiritualmente, a cruz, nem de estar unido em oração à paixão, morte e ressurreição do Cristo. Com Jesus não existe comunhão espiritual, mas comunhão de fato, comunhão entre pessoas reais e com suas respectivas vivências e/ou circunstâncias.

Tomar a cruz é buscar se envolver com as pessoas, permanecer junto, compartilhar as alegrias e, sobretudo, os sofrimentos delas. Isto é comunhão. Esta é participação na vida do outro. Quem é este outro? Os evangelhos ensinam que não é somente aquele que nos cumprimenta, nos ajuda e nos quer bem, mas, principalmente, aquele que age opostamente a tudo isto. Há muitas pessoas oprimidas neste mundo, especialmente, os pobres. Tomar a cruz é ajudá-los a ter vida digna. Quando isto acontece, logo se percebe o quanto é difícil tal comunhão.

Na sociedade atual, o consumismo induz as pessoas à escravidão, mas o mercado, “senhor controlador de tudo”, não fala de sofrimento nem de escravidão, mas de liberdade e de felicidade. Ser livre e feliz significa ter, demasiadamente, as coisas. Há um excesso de coisas descartáveis. Infelizmente, o mercado chega a transformar até pessoas em mercadorias: jogador, cantor, ator, modelo etc. Fala-se até de mercado religioso! Neste, as pessoas procuram comprar milagres, curas, objetos de devoção etc. Neste mercado se encontra também padres cantores e curandeiros que podem ser comprados!

A verdade é que as pessoas estão procurando conservar a própria vida e o mercado é o caminho da pseudoconservação. As pessoas se tornam cadáveres ambulantes e nem desconfiam disso. Há quem escapa desta triste peseudoexistância, mas de modo geral a dominação é global. Perder a vida por causa de Jesus de Nazaré é algo que não passa pela cabeça das pessoas. Estas consideram tal perda algo estranho, coisa de gente tola, que não tem amor à vida. A ideologia neoliberal capitalista prega a longevidade da vida, ou seja, busca-se viver prazerosamente o mais possível.

Jesus exige a doação da própria vida na construção do Reino de Deus. Doar a própria vida é responder ao chamado divino à justiça que constrói fraternidade. Não é tarefa fácil, é missão de poucos. Até a religião, ao invés de ajudar as pessoas a compreender esta missão, está se esquecendo de que a doação da própria vida faz parte do núcleo da mensagem cristã. Constrói-se, contraditoriamente, um cristianismo superficial, marcado pelos eventos de massa e por uma evangelização que não leva as pessoas à verdadeira conversão.

Acolher Jesus de Nazaré

Antes de falarmos de acolhida ou acolhimento precisamos responder à seguinte pergunta: Qual Jesus queremos acolher? Esta indagação denuncia as falsas imagens de Jesus que se foram criando ao longo da história. Há um falso Cristo que precisa ser desmascarado: o Cristo milagreiro. Este não é o Cristo, o Filho de Deus, dos evangelhos. Jesus não veio a este mundo para satisfazer as necessidades espirituais e materiais de quem quer que seja, mas, infelizmente, é isto que andam pregando as Igrejas cristãs: umas pregam mais, outras menos.

O verdadeiro Cristo que precisa ser acolhido pelo cristão está nos evangelhos. Não há outro. É preciso que se creia e se aceite o Cristo dos evangelhos, sem acréscimos e sem traições. Esclarecida a questão, é necessário, ainda, que se compreenda a seguinte sentença: acolher Jesus é comprometer-se com ele. Quem não quiser assumir compromisso com Jesus não ouse acolhê-lo. Qual o compromisso? Aderir ao seu projeto, que é o projeto de Deus, o Reino. Não se acolhe Jesus através do culto, do discurso ou através das boas intenções. Tudo isto tem valor, mas não expressa o verdadeiro acolhimento.

Acolher Jesus é ter a coragem de se manter aberto e disponível na relação com o próximo, especialmente do próximo necessitado; ou seja, acolhe-se o Cristo no encontro com o próximo. Assim sendo, acolhê-lo é algo perigoso; é tão perigoso que pode levar à morte! Um exemplo para ilustrar: a Ir. Dorothy Mae Stang. Esta irmã acolheu Jesus no seio da floresta amazônica perdendo a própria vida devido às denúncias que fez contra os latifundiários e exploradores do meio ambiente. Desta forma, recebeu a coroa do martírio sendo uma testemunha fiel da ressurreição de Cristo, ganhou a verdadeira vida. Fica claro, então, que são falsas as declarações públicas de amor a Jesus, destituídas de atitudes transformadoras. Assim, conclui-se que é mentira dizer que se acolhe e ama Jesus sem acolhê-lo e amá-lo na pessoa do próximo!

O Espírito do Senhor nos coloca no caminho de Jesus e nos concede a graça de perseverar nele. Neste caminho encontramos os pequenos, nos quais o Cristo é acolhido. Jesus não depende nem sofre de carência para ser acolhido por nós, pois é completo, pleno, consubstancial ao Pai. Nós teremos vida plena se nos deixarmos guiar pelo Espírito que nos leva ao verdadeiro acolhimento de Jesus. Acolhidos por este somos acolhidos pelo Pai. A iniciativa é sempre divina, que nos amou primeiro, mas a necessidade é nossa. Esta é a nossa alegria e salvação.


Tiago de França

sábado, 18 de junho de 2011

Santíssima Trindade: comunidade de amor e comunhão


“Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por ele”
(Jo 3, 17).

A Solenidade da Santíssima Trindade nos convida a uma reflexão sobre o mistério central da fé cristã: a revelação divina. Ao longo da história da salvação esta revelação é um mistério que se mostra infinitamente inesgotável. A Trindade é Deus. Esta verdade pode parecer simples, mas a explicação metafísica desta afirmação é complexa. Tal explicação se mostra desnecessária para o momento. Ao longo da história, os teólogos elaboraram teorias a respeito do mistério trinitário, mas tudo não passa de especulação teológica, pois ninguém consegue desvendar o mistério da Trindade.

Deus é Pai

As Escrituras falam, em primeiro lugar, do Pai. Este aparece como o Criador de todas as coisas: do mundo e do homem. Quando este se deixa escravizar pelo seu semelhante, o Senhor se manifesta como o libertador. A partir desta libertação, homens e mulheres começam a ter uma relação íntima e maravilhosa com Deus. Segundo Moisés, o Senhor Deus é misericordioso, clemente, paciente, rico em bondade e fiel (cf. Ex 34, 4b – 6).

Até o envio de Jesus, o Filho de Deus, ao mundo, a história mostra que Deus permaneceu junto ao seu povo. Este quase nunca lhe foi obediente, mas Ele, por meio das lideranças escolhidas guiou, cuidou, deu força, defendeu, corrigiu, esteve junto e criou o seu povo. Portanto, com muita razão Jesus revelou que Deus é Pai e, pela sua paixão, morte e ressurreição, concedeu ao ser humano a graça de também chamá-lo de Pai; não somente chamá-lo, mas tê-lo como Pai.

Deus veio ao mundo no Filho

Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus “deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo aquele que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). Preocupado com a vida e com a liberdade do ser humano por ele criado, Deus desceu do céu à terra para armar sua tenda no mundo e habitar, humanamente, com seu povo. Deus se deu a conhecer encarnando-se no mundo na pessoa de seu Filho unigênito, Jesus de Nazaré.

Com Jesus ficou mais fácil conhecer, entender e servir a Deus. Este, assumindo a condição humana em tudo, exceto no pecado, deixou de ser visto como o Altíssimo, o Todo-poderoso, o Senhor dos Exércitos, o Terrível, o Inatingível. Em Jesus de Nazaré, Deus se tornou plenamente humano, compreensível e próximo do ser humano. Tal proximidade não se deu de forma espiritual, mas carnal e escandalosamente humana.

No Antigo Testamento, o Pai optou pelos oprimidos, os empobrecidos. Não se contradizendo a si mesmo em sua opção, no Novo Testamento nasce, cresce e morre no meio dos empobrecidos. Identificado pela causa da libertação destes, Jesus inaugura o Reino do Pai no meio e a partir dos empobrecidos. Estes são, de verdade, os operários e herdeiros do Reino. O Filho assume a missão dada pelo Pai fielmente até o fim, até a morte de cruz; e, para que este Reino continue sendo construído, o Pai ressuscitou seu Filho para, junto com o Espírito Santo, continuar a obra iniciada.

O Espírito: força do Pai e continuador da obra do Filho

O Espírito enviado pelo Pai é sua força criadora e renovadora. Enviado com a missão de encorajar e fazer com que as pessoas entendam o projeto de Deus e se coloquem a seu serviço, o Espírito realiza tudo isto fazendo, juntamente com os apóstolos de ontem, hoje e sempre, com que todas as nações se tornem discípulas de Jesus. É no seguimento de Jesus que a vida acontece.

O Espírito não dispersa nem desorienta o povo, mas ajuda-o a permanecer no caminho de Jesus, pois é neste caminho que se constrói o Reino do Pai. Conhecendo a natureza humana, marcadamente limitada, o Pai envia sua força que é capaz de criar e renovar o ser humano, o mundo e todas as coisas. Esta força assegura a vitória dos empobrecidos sobre o pecado, a morte e sobre todas as formas de opressão.

Contando com a força divina, o povo de Deus segue sua marcha na história. A Igreja, que se autoafirma sacramento universal de salvação (cf. Lumen Gentium, 48) deve escutar e obedecer ao Espírito Santo e se colocar, afetiva e efetivamente, a serviço da libertação integral do ser humano construindo, assim, o Reino do Pai. E o que o Espírito diz à Igreja é que ela deve permanecer, humilde e fielmente, do lado dos empobrecidos, jamais do lado dos que os empobrece.

A Trindade: comunhão de amor para a vida no mundo

“Deus é amor: aquele que permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele. Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1 Jo 4, 16. 20). Estas palavras do apóstolo João são claras e não exigem explicação. Elas falam sobre quem é Deus e como se deve proceder para amá-lo.

Não se ama a Deus por palavras, juramentos, declarações, discursos ou atos litúrgicos. Tudo isto pode revelar o amor que existe no cotidiano da vida. Dom Hélder Câmara, um dos profetas do Senhor, ensinava que não se ama a Deus por palavras, mas através de atos. O mesmo Deus, que é amor e nos chama ao amor, nos ensina a amar nos amando. Não se aprende a amar através de teorias que apelam para o entendimento, mas através do amor ao próximo.

Assim, podemos concluir nossa reflexão: Tem fé na Trindade quem ama. O amor é a condição necessária para se compreender a Deus. Deus se deixa revelar quando arriscamos viver por amor. Não há outro caminho para se chegar a Deus. Nós precisamos amar a Deus, pois nossa vida depende de seu amor. Não é possível ter vida plena sem o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Esta é a lei do cristão, capaz de nos libertar para a construção de um mundo novo.


Tiago de França

sábado, 11 de junho de 2011

Espírito Santo: vida, verdade e liberdade


“O Espírito anima a história e o Espírito anima o tempo presente. Torna a história mais humana, e torna a vida e cada dia mais feliz. Transfigura o nosso presente e gera o futuro”.
(José Comblin)

Anualmente, a Igreja celebra a Solenidade de Pentecostes. Antes mesmo de meu ingresso na formação presbiteral, ano após ano, envio aos amigos e às amigas uma reflexão sobre o Espírito Santo. Estou convicto de que a linguagem humana não consegue descrever a totalidade da ação do Espírito. Este age livre e imprevisivelmente. Nossos esquemas mentais e doutrinais jamais conseguem entender plenamente o Espírito. Perdemos nosso tempo quando ousamos dizer ao Espírito o que ele deve fazer conosco, com a Igreja e com o mundo. Ele nos ensina que a iniciativa é sempre dele, em favor de nossa vida e para a nossa liberdade.

O Espírito é vida

O Pai enviou Jesus para permanecer no meio de nós. Jesus veio com a missão de restabelecer a amizade entre Deus e o ser humano. Ele nos ensinou a sermos amigos de Deus sendo ele próprio amigo dos pecadores e marginalizados de seu tempo. Os evangelhos falam dessa relação amigável de Jesus com os últimos. Pouco tempo depois de ter assumido a causa dos últimos, que foi a causa da sua missão, Reino de Deus, Jesus foi assassinado na cruz.

O Pai assistiu a coragem e a fidelidade de seu Filho na cruz. Esta fidelidade o levou a ressuscitá-lo dentre os mortos. Jesus vivo e presente, envia seus discípulos à missão no mundo, prometendo-lhes o Espírito Santo. A partir daí, ele precisou “ausentar-se” fisicamente do meio deles, a fim de que o Espírito viesse com toda a sua força. O Espírito não veio com uma nova missão, pois não há divisão de projetos no seio da Comunidade trinitária: o Pai, o Filho e o Espírito trabalham juntos. São um só Deus.

O Espírito veio para encorajar, dar forças, fazer recordar os ensinamentos de Jesus, jogar no mundo, refundar o povo de Deus. Não há rupturas nem descontinuidade, mas fortalecimento do projeto do Pai. Este projeto tem como meta primeira a vida do homem e do mundo. O Espírito foi enviado para assegurar a efetividade do projeto do Pai no mundo. A vida está no centro deste projeto. O Espírito não faz outra coisa no mundo a não ser gerar a vida, tornar fértil toda infertilidade, fazer ressurgir os cativos e tornar novas todas as coisas.

O Espírito é verdade

Jesus viveu na verdade para a verdade. Ele é a verdade. Esta liberta a pessoa e o mundo de toda mentira e confusão. A verdade é clareza, é tranqüilidade de consciência, é caminho de liberdade. Jesus era livre porque pautava sua vida na verdade. Nele não se encontrou falsidade nem duplicidade. A verdade desmascara a mentira pessoal e sistêmica, é tão arriscado aderi-la que o ser humano tende a ocultá-la optando pela mentira, que se mostra mais cômoda.

A verdade de Jesus se manifestou na sua palavra e nos seus gestos. Sua experiência missionária mostra que identificar-se com a verdade significa defender e promover a justiça. Há uma íntima relação entre verdade e justiça. Não é possível ser justo negando-se à verdade. Esta reconhece o valor e a dignidade do ser humano e impede que lhe cometamos injustiças. Jesus viveu na verdade quando acolheu os pecadores, amando-os verdadeiramente. Ele lhes deu oportunidade para chegarem ao conhecimento da verdade de sua condição de explorados.

Colocando-se do lado e no meio dos pobres e dos pecadores, esquecidos e explorados pelas elites civis e religiosas da época, Jesus gritou a verdade diante de todos. Tais elites não se conformavam e fizeram um acordo entre si para eliminar definitivamente aquele que estava falando a verdade no meio da “raça pecadora”. O Espírito leva a pessoa a fazer o que fez Jesus: gritar a verdade a partir da realidade dos últimos. Iluminada pelo Espírito, a pessoa não se conforma com mentira, exploração e alienação; denuncia e anuncia a verdade que gera a justiça.

O Espírito é liberdade

Os evangelhos mostram que Jesus era um homem livre. Sua liberdade estava na identificação com a vida e com a verdade. Jesus era livre em relação a tudo e a todos: a si mesmo, à família, à religião, aos discípulos, à cultura, ao Império. Ele foi fiel ao Reino de Deus, seu projeto. Nada o desviou de sua missão. Soube escutar e obedecer a Deus no clamor dos empobrecidos. Não exerceu nenhuma função civil e religiosa que o tornasse escravo e alienado. Viveu na liberdade e a defendeu até as últimas conseqüências. Tornou-se o modelo por excelência de homem verdadeiramente livre.

O Espírito é igual a Jesus: livre e libertador. A pessoa que se deixa guiar pelo Espírito é como o vento, que não sabe de onde veio, nem para onde vai (cf. Jo 3, 8). O verdadeiro cristão é uma pessoa livre: não se deixa dominar por ritos, observâncias, sinais, divisões, distinções, normas, classificações. Pode até viver em meio a tudo isto, mas não pauta a sua vida a partir dessas coisas. A liberdade é possível já a partir desta vida, no Reino de Deus ela se torna plena. Infelizmente, o ser humano sempre teve medo da liberdade e contra ela criou sistemas de dominação, que são constantemente aperfeiçoados.

O desejo de Deus é a vida e a liberdade do ser humano. Homem nenhum consegue ser feliz se não busca, incessantemente, ser livre. O Espírito conduz à plena liberdade. No caminho da liberdade, o Espírito abre os olhos, os ouvidos e o coração da pessoa, a fim de que enxergue e sinta a necessidade da liberdade. O ser humano só se realiza na liberdade. Por isso, as leis, normas, regras, proibições e observâncias jamais conseguirão aprisioná-lo plenamente. Por mais observante que seja o cristão, o Espírito fala à sua consciência levando-o a reconhecer que a liberdade não se encontra na observância das leis, dos ritos e das doutrinas.

O cristão, a Igreja e o Espírito

Cremos e professamos que o Espírito assiste a Igreja, mas de que Igreja estamos falando? Estamos falando da Igreja-povo, constituída de mulheres e homens que são enviados para anunciar a Boa Notícia. O Espírito age nas pessoas para que formem o povo e construam o Reino de Deus. Por isso, são ilegítimas e não vem do Espírito toda espécie de manifestação espiritualista. Manifestações espiritualistas (oração em línguas, repouso no Espírito, visões etc.) são intimistas; portanto, não formam povo nem comunidade. O Espírito não se manifesta nas multidões, mas no povo de Deus. Multidão é dispersão e euforismo, povo é consciência cristã e seguimento de Jesus que converge para o Reino de Deus.

A Igreja pensada no Concílio Vaticano II não é multidão, mas povo de Deus: toda ministerial para a vida e a liberdade do ser humano e do mundo. O Espírito não leva ao intimismo da fé nem ao sucesso midiático, que não levam a nada; mas à profecia, que constrói o Reino de Deus. Nossa realidade eclesial mostra que precisamos renunciar ao devocionismo e às manifestações religiosa de massa para assumirmos o seguimento de Jesus de Nazaré. O Espírito nos encoraja para ressuscitarmos a verdadeira Igreja: a do compromisso afetivo e efetivo com a libertação integral do ser humano na opção preferencial pelos pobres. Não se pode esperar outra ação do Espírito Santo que não seja esta: unção para o compromisso com a vida e com a liberdade dos excluídos. Estes foram, são e sempre serão os prediletos de Jesus.


Tiago de França da Silva, CM
Campina Verde – MG, 11/ 06/ 2011.

sábado, 4 de junho de 2011

Solenidade da Ascensão do Senhor


“Homens da Galiléia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Este Jesus, que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1, 11).

Os textos bíblicos da Liturgia da Palavra deste Domingo da Ascensão do Senhor (cf. At 1, 1 – 11; Ef 1, 17 – 23 e Mt 28, 16 – 20) falam da volta de Jesus para junto do Pai. Veremos que não se trata de uma volta propriamente dita, mas da confirmação de sua presença amorosa entre nós: Jesus permanece no meio de nós! Qual o significado da presença de Jesus entre nós? Vamos pensar uma resposta a esta indagação a partir das palavras do próprio Jesus. Esta Solenidade nos convida a revermos o nosso desejo de ir para o céu colocando-nos diante do desafio de sermos operários na construção do Reino de Deus.

A instauração do reino em Israel e a volta iminente de Jesus

“Senhor, é agora que vais restaurar o reino em Israel?” (At 1, 6). Este era o anseio de muitos que conviveram com Jesus: esperavam que ele fosse instaurar o reino em Israel. De fato, antes e após a ressurreição, muita gente pensava que Jesus fosse realizar uma libertação política em Israel, mas esta não era a sua missão. O reino de Jesus era o Reino de Deus. Incansavelmente, precisamos insistir nesta verdade: Jesus foi enviado pelo Pai para inaugurar seu Reino neste mundo. Compreender isto é de fundamental importância para compreender a pessoa e a missão de Jesus.

Por volta dos anos 80, as comunidades estavam cansadas e impacientes. Elas se perguntavam pela vinda de Jesus, pois este tinha prometido que iria voltar. Elas também se perguntavam pelo fim dos tempos. Eis a resposta de Jesus, que a obra lucana fez questão de considerar: “Não vos cabe saber sobre os tempos e os momentos que o Pai determinou com a sua própria autoridade. Mas recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e na Samaria e até os confins do mundo” (At 1, 8).

Com esta resposta de Jesus aprendemos que a preocupação fundamental não deve ser a volta iminente de Jesus nem o fim dos tempos, estas coisas não devem preocupar o cristão. Este recebe o poder do Espírito Santo para testemunhar Jesus no meio do mundo: dar testemunho de Jesus é a missão do cristão e deve ser a sua preocupação fundamental. Não se pode perder tempo com cálculos nem com expectativas em relação à parusia do Senhor. Quem muito se ocupa com a volta iminente de Jesus termina se esquecendo de preparar a sua volta. Tal preparação acontece na construção do Reino de Deus.

Duas atitudes opostas entre si: Viver olhando para o céu versus evangelizar

“Homens da Galiléia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?” (At 1, 11). Esta foi a pergunta dos dois homens vestidos de branco aos discípulos de Jesus. Na vida eclesial há uma gravíssima tendência: o cristão e a Igreja ficarem olhando para o céu. Para estar livre desta ociosidade é preciso obedecer ao mandato missionário de Jesus: “... ide e fazei discípulos meus todos os povos...” (Mt 28, 19). Assim, compreendemos que a missão do cristão e da Igreja é evangelizar e, segundo Mateus, evangelizar é fazer com que todos os povos sejam discípulos de Jesus.

O Papa Paulo VI, no n. 18 da Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (EN), nos fala do significado, para a Igreja, do que é evangelizar: “Evangelizar, para a Igreja, é levar a Boa Nova a todas as parcelas da humanidade, em qualquer meio e latitude, e pelo seu influxo transformá-las a partir de dentro e tornar nova a própria humanidade: ‘Eis que faço novas todas as coisas’" (cf. AP 21, 5; 2 Cor 5, 17; Gl 6, 15).

O mesmo documento pontifício confirma o que acima dissemos a respeito da missão da Igreja: “[...] Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar [...]” (n. 14). Estas palavras do Papa Paulo VI nos mostram, claramente, que a Igreja tem consciência de sua missão no mundo. A Igreja nasce da missão, deve viver para a missão e se realizar na missão. Fora desta não pode existir nem evangelização nem Cristianismo.

Para que a missão evangelizadora seja eficaz no mundo, a Igreja precisa realizar uma autoevangelização: “Evangelizadora como é, a Igreja começa por evangelizar a si mesma. [...] Ela tem necessidade de ouvir sem cessar aquilo que ela deve acreditar, as razões da sua esperança e o mandamento novo do amor” (EN, n. 15). Esta autoevangelização se dá por meio da conversão pastoral e estrutural da Igreja.

Com o Espírito Santo, Jesus permanece conosco para nos recordar da missão a qual somos chamados e nos encorajar para que a mesma possa ser efetivada. Sem a presença de Jesus e a força do Espírito Santo, o cristão e a Igreja não conseguem evangelizar.

Na sua mensagem para o 45º Dia Mundial das Comunicações, a ser celebrado neste Domingo, escreve o Papa Bento XVI: “A verdade do Evangelho não é algo que possa ser objeto de consumo ou de fruição superficial, mas dom que requer uma resposta livre. Mesmo se proclamada no espaço virtual da rede, aquela sempre exige ser encarnada no mundo real e dirigida aos rostos concretos dos irmãos e irmãs com quem partilhamos a vida diária. Por isso permanecem fundamentais as relações humanas diretas na transmissão da fé!”

De fato, evangelizar o mundo e o homem de hoje não é tarefa fácil, pois a globalização das más notícias toma conta do cenário mundial dos meios de comunicação. Isto exige dos cristãos profundas convicções e audácia profética, para, no meio de tanta desgraça e má notícia, anunciar a Boa Notícia que liberta, integralmente, o ser humano. Este anúncio deve ser livre de todo e qualquer proselitismo, pois o Evangelho é mensagem de vida e de liberdade que liberta o mundo e o homem da morte e da mentira.

Neste Domingo se inicia a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (SOUC). A unidade cristã não pressupõe uniformidade, mas unidade no respeito à diversidade das manifestações religiosas da fé. A uniformidade é o oposto da unidade e a impede de acontecer. Unidade cristã não significa o retorno de todos os cristãos ao seio da Igreja Católica: isto é desejo de uniformidade.

Unidade cristã é a vivência do respeito, da tolerância, da solidariedade, do perdão, da concórdia e do amor entre pessoas que procuram seguir o mesmo Cristo e anunciam o mesmo Evangelho. Esta unidade acontece quando os cristãos se abrem à ação do Espírito Santo para serem operários na construção do Reino de Deus, independentemente de denominação religiosa; do contrário, assistiremos sempre a incompreensões e conflitos que jamais cessarão. A falta de unidade entre os cristãos é um grave contratestemunho para o mundo.


Tiago de França